LIVRO: PRÁTICA MÉDICA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA VOLUME 2

OPEN ACCESS PEER-REVIEWED BOOK 

PRÁTICA MÉDICA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA VOLUME 2 

MEDICAL PRACTICE IN PRIMARY CARE VOLUME 2

 2022 Editora Science / Brazil Science Publisher

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 pág.1

CUIDADOS PALIATIVOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
Autor Principal
Camilla Rodrigues Paiva
Coautores
Aluízio Fernando Costa Silva
Valeska Fedeszen Zarowny

CAPÍTULO 2 pág.10

SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS (SOP)
Autor Principal
Alice Duque Barbosa
Coautores
Ingrid Beatriz Teixeira Faleiro

CAPÍTULO 3 pág.18

FEBRE REUMÁTICA
Autor Principal
Vitória Ingrid Gomes de Oliveira
Coautores
Sara Rodrigues dos Santos
Victoria Emanuele Gomes Silva

CAPÍTULO 4 pág.28

DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA
Autor Principal
Rayane Paula Silveira Silva
Coautores
Jennifer Ferreira Duarte

CAPÍTULO 5 pág.36

DIABETES MELLITUS GESTACIONAL
Autor Principal
Geneson Rodrigues Martins Veloso
Coautores
Maria Luíza Nery Ton Benica
Pablo Ferreira Do Val Silva

CAPÍTULO 6 pág.43

VAGINITES E VAGINOSES
Autor Principal
Túlio Vieira Moreira
Coautores
Arthur Barros Santana

CAPÍTULO 7 pág.51

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO
Autor Principal
Poliana Rocha Miranda
Coautores
Ligia Glazar Teixeira
Marilene Amantes Coelho da Mota

CAPÍTULO 8 pág.60

ABORDAGEM DO TABAGISMO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
Autor Principal
Larissa Araujo Alves
Coautores
Maria Julia Agnes Brito

CAPÍTULO 9 pág.71

DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA
Autor Principal
Mateus Sampaio Coelho
Coautores
Rafael Pimenta Magalhães
Diogo Quintino de Souza

CAPÍTULO 10 pág.79

DOENÇA DIARREICA AGUDA
Autor Principal
Heloá Cardoso de Resende
Coautores
Amanda Loreta Vieira
Marcela Silveira Freitas Drumond

CAPÍTULO 11 pág.86

HIPOTIREOIDISMO
Autor Principal
Camila Pereira Pessoti
Coautores
Melissa Gomes da Costa
Bruna Kelren Freitas Pohlmann

SOBRE OS ORGANIZADORES DO LIVRO DADOS CNPQ: pág.98

PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO

Este livro trata-se de mais uma obra direcionada aos médicos generalistas, tendo como principal objetivo permitir um maior conhecimento das doenças prevalentes no campo da atenção primária à saúde.

A atenção primária é entendida de modo amplo como o campo de atuação do médico lidando com os problemas corriqueiramente encontrados nos plantões das mais diversas instituições hospitalares sejam elas públicas ou privadas. Na busca sempre do melhor atendimento com o respaldo científico necessário para a resolutividade das inúmeras situações problemas encontradas nesse ambiente de atenção primária.

Vários são os desafios encontrados pelas equipes médicas Brasil e mundo afora onde muitas vezes a falta de estrutura adequada, o desconhecimento dos desdobramentos dos casos comuns e complexos e a falta de amparo científico e técnico colidem com o melhor prognóstico possível para o paciente.

Essas dificuldades acabam por culminar na insatisfação médica e da clientela na busca pelos melhores tratamentos e por profissionais competentes capazes de suplantar essas adversidades e oferecer o melhor tratamento possível baseado em conhecimento médico de qualidade diminuindo a insatisfação dos pacientes e a salvaguarda da máquina pública com gastos desnecessários.

Nesse livro voltado tanto para a alunos acadêmicos de graduação quanto para profissionais o leitor encontrará estratégias tanto de recepção dos casos, anamnese, diagnóstico e acompanhamento quanto de tratamentos direcionados para a completa resolução dos casos aqui ilustrados na atenção primária, contribuindo também para a identificação de casos mais graves que podem ou devem ser encaminhados aos setores da saúde com um maior grau de complexidade.

Essa obra complementa o volume I abordando patologias diferenciadas das grandes áreas da medicina.

A maioria das enfermidades abordadas nesse livro podem ser acompanhadas e tratadas em níveis básicos da saúde por corpo médico capaz de tomar decisões acertadas para otimização dos prognósticos dos pacientes.

Assim obras dessa natureza propiciam que o médico tenha a capacidade de auxiliar as pessoas garantindo seu bem-estar com conhecimento de qualidade, didático e aplicado.

 

Boa Leitura

Os  Organizadores 

HOW CITE THIS BOOK:

NLM Citation

Santos ILVL, editor. Prática Médica na Atenção Primária, Volume 2. 1st ed. Campina Grande (PB): Editora Science; 2022.

APA Citation

Santos, I. L. V. L. (Eds.). (2022). Prática Médica na Atenção Primária, Volume 2 (1st ed.). Editora Science.

ABNT Brazilian Citation NBR 6023:2018

SANTOS, I. L. V. L. Prática Médica na Atenção Primária, Volume 2, 1. ed. Campina Grande: Editora Science, 2022.

WHERE ACCESS THIS BOOK:

www.editorascience.com.br/

https://sites.google.com/view/editorascience/E-Books

Prof. Dr. Igor Luiz Vieira de Lima Santos

CBL: Câmara Brasileira do Livro

ISBN: 978-65-00-58121-8

CROSSREF DOI:

https://doi.org/10.56001/22.9786500581218

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CAPÍTULO 1

CUIDADOS PALIATIVOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

 

Autor Principal

Camilla Rodrigues Paiva

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

Coautores

Aluízio Fernando Costa Silva

Valeska Fedeszen Zarowny

Discentes do Curso de Medicina da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

 

 

INTRODUÇÃO

 

Os Cuidados Paliativos (CP) podem ser definidos como um método intervencionista de saúde cujo objetivo geral é proporcionar a dignidade e a melhoria na qualidade de vida do indivíduo portador de alguma patologia. São caracterizados, também, por fornecerem conforto à família e servir como âncora de empatia, solidariedade e cuidado, por meio da identificação precoce dos indivíduos que se beneficiam de tal acompanhamento, aliviando e prevenindo o sofrimento, tratando de forma rigorosa a dor e outros sintomas de ordem psicológica, física e espiritual.

As discussões envolvendo os CP ganham força na medida que o Brasil passa por uma transição demográfica e epidemiológica, mudando de forma acentuada a prevalência de inúmeras patologias. Apesar do país ainda possuir a chamada Tripla Carga de Doenças, composta por patologias crônicas, oriundas de causas externas e patologias infecciosas, a tendência observada nos últimos anos é de substituição de doenças transmissíveis por patologias não transmissíveis.

Paralelamente a esse processo, o Brasil vem passando por mudanças radicais na estrutura da pirâmide etária, oriundas de uma baixa taxa de fecundidade, somada a melhorias na qualidade de vida da população e que resultam em prolongamento da expectativa de vida. Assim, é possível observar um envelhecimento progressivo da população brasileira, fazendo-se necessário que as ações de saúde se atentem a tal realidade, para garantir a eficiência no processo de promoção de saúde.

Nesse sentido, convém destacar o aumento significativo da quantidade de pessoas que necessitam dos Cuidados Paliativos ofertados por meio de ações de saúde do SUS (Sistema Único de Saúde). Este, por meio dos seus princípios Éticos e Doutrinários, busca garantir a Universalização, a Integralidade e a Equidade no tratamento, a fim de assegurar que toda a população receba um atendimento digno e humanitário. Os princípios Organizacionais e Operativos, o SUS, por meio da Descentralização, Regionalização, Hierarquização, Participação Social, Resolubilidade e Complementaridade, desburocratiza e facilita o acesso aos CP, abrangendo toda a extensão do território nacional.

 

PRINCÍPIOS DOS CUIDADOS PALIATIVOS

 

            Na literatura existem evidências indicando que a maioria dos profissionais de saúde tende a associar os CP ao momento de finitude da vida e à morte iminente. Isso acaba contribuindo para que os profissionais apresentem dificuldades na identificação precoce de usuários que se beneficiam da atenção paliativa e que não se enquadram na fase terminal.

            Para que os pacientes sejam identificados e direcionados adequada e precocemente aos CP, é essencial que os princípios desse cuidado estejam claros aos profissionais. De acordo com o Global Atlas of Palliative Care de 2020, os princípios dos CP são:

  1. Proporcionam alívio da dor e outros sintomas angustiantes;
  2. Afirmam a vida e consideram a morte um processo normal;
  3. Não pretendem apressar ou adiar a morte;
  4. Integram os aspectos psicológicos e espirituais do atendimento ao paciente;
  5. Oferecem um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viver tão ativamente quanto possível até a morte;
  6. Oferecem um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente e em seu próprio luto;
  7. Usam uma abordagem de equipe para atender às necessidades dos pacientes e de suas famílias, incluindo aconselhamento sobre luto, se indicado;
  8. Aumentam a qualidade de vida e também podem influenciar positivamente o curso da doença;
  9. São aplicáveis no início do curso da doença, em conjunto com outras terapias destinadas a prolongar a vida, como quimioterapia ou radioterapia, e inclui as investigações necessárias para melhor compreender e gerenciar complicações clínicas angustiantes.

 

CUIDADOS PALIATIVOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

 

Em 1946, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a saúde como estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Em 1999, a OMS propôs a qualidade de vida como multidimensional, descrevendo as dimensões física, psíquica, social e espiritual como fatores a serem considerados, ampliando o conceito de saúde.

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), por meio da Portaria número 2.436, de 21 de setembro de 2017, apresenta os Cuidados Paliativos como parte dos serviços a serem oferecidos na APS no Brasil, com o objetivo de garantir o acesso a toda população brasileira.

Ao analisar a literatura mundial, contudo, quando se leva em consideração o país de desenvolvimento das pesquisas, foi observada uma lacuna de estudos brasileiros. Esse fato vai de encontro ao papel da nova PNAB, que trouxe de forma mais clara a responsabilidade, também da APS, sobre as pessoas que necessitam dos Cuidados Paliativos.

A Atenção Primária surge como fator determinante na promoção de saúde em um contexto em que os CP se fazem necessários em virtude das mudanças ocorridas na prevalência de patologias no país. Por meio da proximidade geográfica com o público assistido, pelo contato duradouro com a população adscrita e pelo caráter multidisciplinar de atendimento, torna-se o meio mais eficaz de identificação das pessoas que se beneficiam dos CP. Além disso, é importante, também, garantir que tal público receba um atendimento mais humanizado.

A Atenção Primária, possui características não vistas em nenhum outro nível de atenção, tendo como princípios o Primeiro Contato, a Longitudinalidade, a Integralidade, a Coordenação, o Enfoque Familiar, a Orientação Comunitária e a Competência Cultural. Por meio de tais princípios, garante que os habitantes adscritos recebam um atendimento duradouro, criando vínculos, atendendo a todas as necessidades e garantindo coordenação com setores de saúde mais complexos, quando se fizer necessária a referência e contrarreferência do paciente.

A equipe da APS também fornece apoio e suporte à família do indivíduo, facilitando a relação por haver o reconhecimento da estrutura de toda a comunidade. Em cada situação, ocorre a discussão de um Plano Terapêutico Singular, que irá garantir o acolhimento e o estabelecimento de metas para o caso em questão. Além disso, a multidisciplinaridade aparece como um ponto forte da Atenção Básica, sendo ainda mais importante para pacientes que se beneficiam dos Cuidados Paliativos.

Não obstante as correlações já mencionadas entre os princípios dos CP e da APS, podemos mencionar, também, o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), metodologia fundamental da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Ele promove um entendimento integrado do paciente porque considera os aspectos clínicos, as experiências de vida e as perspectivas sobre o adoecimento, buscando compreender a pessoa a partir de suas crenças, sentimentos e vivências.

 

IDENTIFICANDO PACIENTES NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

 

As transições demográfica e epidemiológica, mencionadas no início do capítulo, determinam um número cada vez mais expressivo de usuários do SUS que apresentam doenças crônicas que ameaçam a qualidade de vida e em que não há possibilidade de cura. É possível perceber que, gradativamente, os serviços de saúde brasileiros necessitarão de uma reorganização para que essa nova demanda seja atendida. A identificação efetiva dos pacientes é fundamental para garantir a assistência integral e de qualidade.

 

 

A APS tem sido vista como o melhor nível de assistência à saúde para que os Cuidados Paliativos acessem os usuários em razão de garantir a proximidade geográfica e cultural e, também, o vínculo entre os profissionais e a população.

O primeiro passo é identificar quais são os usuários que serão beneficiados com o atendimento baseado nos princípios dos Cuidados Paliativos, porém, essa identificação ainda é um desafio para os serviços de saúde.

Os estudos que indicam os parâmetros de identificação são escassos, tanto no cenário nacional como no internacional. Alguns critérios já foram recomendados, com o principal objetivo de propor quais seriam as condições mínimas para que um paciente fosse considerado em Cuidados Paliativos.

São eles:

  1. Identificação das condições de saúde que ameaçam a vida, por exemplo doenças progressivas ou condições sem possibilidade de remissão;
  2. A inclusão não pode ser delimitada por apenas um tipo de doença;
  3. Identificar condições que necessitem de diferentes cuidados devido à presença de múltiplos sintomas.

Torna-se evidente, portanto, a necessidade de sistematização para que os profissionais sejam capazes de reconhecer precocemente as pessoas que precisam de acompanhamento.

 

HABILIDADE FUNDAMENTAL: COMUNICAÇÃO

 

Para que os Cuidados Paliativos sejam estabelecidos de forma eficaz ao paciente e seus familiares, é indispensável que durante todo esse processo sejam contemplados os princípios éticos desse cuidado, como o respeito à autonomia do paciente e às suas emoções, além da garantia de sua dignidade até a morte.

A comunicação de uma notícia difícil é um evento impactante e que pode ser encarado de diferentes formas entre os diversos núcleos familiares. Compreender o contexto da doença em questão, as dúvidas e as limitações do paciente e de sua família permite que a comunicação flua melhor. Essa fluidez evita a transferência de informações subliminares, que levam ao subentendimento dos ouvintes, bem como o excesso de informações de uma só vez, o que pode causar impactos emocionais muito intensos e indesejáveis neste momento, que por si só, já é tão delicado.

A comunicação em que o paciente se apresenta passivo, ou seja, apenas escuta o que o médico está dizendo, deve ser sempre evitada ou, preferencialmente, não realizada, pois é áspera, extremamente direta e não leva em conta o misto de emoções, majoritariamente de medo e angústia, que aquela família passa a enfrentar a partir deste momento. A comunicação é o ponto inicial de todo o processo de transformação de vida que aquele paciente e sua família começam a enfrentar diante daquela notícia, portanto, é indispensável que seja realizada de forma humana e compassiva, prestando todo o apoio necessário.

O profissional da Atenção Básica, no momento da comunicação, deve respeitar o tempo do paciente e da família para o processamento da informação e as dúvidas sejam sanadas de forma honesta e o mais simples possível à medida que surgirem. Tempo disponível e local tranquilo devem ser preparados para tal situação.

Olhar especial também deve ser dado ao cuidador, acolhendo seus limites pessoais, dificuldades em lidar com uma possível proximidade da morte, medo de não saber que condutas tomar diante de possíveis complicações do quadro, pois são fatores comumente apresentados. Portanto, uma escuta qualificada, ou seja, uma escuta capaz de compreender de forma ampla e eficaz, os sentimentos, angústias e receios de cuidadores e familiares, suas limitações e dúvidas, permite que uma discussão sobre tais aspectos seja levantada pelo profissional da saúde, a fim de fornecer orientação e maior segurança para o cuidador atuar diante de eventos adversos inerentes a condição patológica do paciente.

 

MANEJO DA DOR

 

É indispensável, ao se tratar de CP, abordar o tema dor e como manejá-la, visto que é a queixa mais frequente nos pacientes. É um sintoma difícil de tolerar e que pode causar bastante morbidade.

Costuma ter um componente facilmente identificável que está relacionado a processos físicos próprios da doença, como o crescimento de um tumor, invasão nervosa, úlceras por pressão, entre outros. É de grande valia utilizar estratégias para que o médico consiga compreender melhor o nível dessa dor, localização, causas, quando passíveis de identificação, fatores de melhora ou piora e desencadeadores.

 No caso do componente físico, uma forma bastante simples e muito utilizada na tentativa de mensurar a dor é a escala numérica, em que se pede ao paciente que pontue de 0 a 10 para o sintoma, sendo 10 a dor mais intensa. A escala de faces de Wong Baker, em que existe o desenho de 5 faces, sendo a 0 sem dor e 5 a dor intensa, permite que o paciente escolha qual o perfil melhor se encaixa para sua situação.

O tratamento varia de acordo com a intensidade da dor, e é, sempre, multidisciplinar. Para dores leves, pode-se utilizar os analgésicos não opioides, como Dipirona, Diclofenaco, entre outros. No entanto, dores refratárias ou dores moderadas a intensas, já possuem indicação de opioides para que o controle mais efetivo da dor seja garantido ao paciente; a Morfina é um opioide forte e o maior representante da classe, também o mais utilizado entre pacientes em Cuidados Paliativos.

Contudo, a dor também está relacionada à percepção individual e à tolerância pessoal, além de processos emocionais (depressão, ansiedade), sociais (experiências já vividas), espirituais e psicológicos (atribuição de significados).

Dessa subjetividade, surge o conceito de Dor Total, estabelecido por Cicely Saunders, pioneira dos Cuidados Paliativos, que tem como objetivo compreender que a dor é um sintoma de origem multifatorial. Portanto, tratar a dor não é simplesmente medicar o paciente, é preciso ter um olhar ampliado e minucioso para que as causas sejam identificadas e o objetivo de alívio seja alcançado.

As dores do adoecer são múltiplas e profundas. Elas doem fisicamente, envolvem medo, não reconhecimento de si, contextos familiares, tristeza, descrença, frustração e insegurança. O primeiro passo é reconhecer a verdade de quem sente. Como a Dor Total é uma soma de outras dores, todos os aspectos devem ser avaliados com atenção para o melhor manejo possível.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 183, p. 68, 22 setembro 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/ prt2436_22_09_2017.html. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

CANELLA, D. S.; SILVA, A. C. F. da; JAIME, P. C. Produção científica sobre nutrição no âmbito da atenção primária à saúde no Brasil: Uma revisão de literatura. Ciênc Saúde Coletiva, [S. l.], v. 18, n. 2, p. 297-308, fev. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/pRHPsdtWym3WY6s67Y4dfRj/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 30 abr. 2015.

 

FERREIRA, A. G. de C.; SILVA, A. F. da. Construindo bases para os cuidados paliativos na atenção primária: Relato de experiência do Projeto Manto. Rev Bras Med Fam Comunidade, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 1-10, jan./dez. 2022. DOI 10.5712/rbmfc17(44)2890. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/2890/1684. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

MARCUCCI, F. C. I.; PERILLA, A. B.; BRUN, M. M.; CABRERA, M. A. S. Identificação de pacientes com indicação de cuidados paliativos na Estratégia Saúde da Família: Estudo exploratório. Cad Saude Colet, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 145-152, 2016. DOI 10.1590/1414-462X201600020012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cadsc/a/qYdCXh5RtzykjkkYz4fNMty/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

MARQUES, R. dos S.; CORDEIRO, F. R. Instrumentos para identificação da necessidade de cuidados paliativos: Revisão integrativa. REAS, [S. l.], v. 13, n. 44, p. e7051, abr, 2021. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/7051/4461. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Cuidados Primários de Saúde: Relatório da conferência internacional sobre cuidados primários de saúde - Alma-Ata, URSS, 6-12 de setembro de 1978. Brasília: Unicef; 1979. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/39228/9241800011_por.pdf;jsessionid=BA9F7943DE2D4DDB85738C2DD22F4B96?sequence=5. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

PARAIZO-HORVATH, C. M. S. Identificação de pessoas para cuidados paliativos na atenção primária: Revisão integrativa. Ciência & Saúde Coletiva, [S. l.], v. 27, n. 9, p. 3547-3557, set. 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/87d6DSLbV73mkvd7LtqDY4r/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

QUEIROZ, A. H. A. B.; PONTES, R. J. S.; SOUZA, A. M. A. e; RODRIGUES, T. B. Percepção de familiares e profissionais de saúde sobre os cuidados no final da vida no âmbito da atenção primária à saúde. Ciênc Saúde Coletiva, [S. l.], v. 18, n. 9, p. 2615-2623, set. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/zmtcmkRsXvyfcTcDCvjMRsd/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 7 abr. 2015.

 

SILVA, R. S. da. Enfermagem em cuidados paliativos para um morrer com dignidade: Subconjunto terminológico CIPE®. 2014. 236f. Tese. (Programa de Pós-Graduação em Enfermagem) - Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/17104/1/Tese_Rudval_Souza_da_Silva_Enfermagem.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

SOUSA, A. T. O. et al. Cuidados paliativos com pacientes terminais: Um enfoque na Bioética. Rev Cubana Enfermer, [S. l.], v. 26, n. 3, p. 123-135, 2010.

 

SOUZA, H. L. de. Cuidados paliativos na atenção primária à saúde: Considerações éticas. Rev Bioet, [S. l.], v. 23, n. 2, p. 349-359, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bioet/a/pL4wBmn56Nn5S9KZtBQYGSz/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

STEWART, M. et alMedicina centrada na pessoa: Transformando o Método Clínico. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

 

VAN MECHELEN, W. Defining the palliative care patient: A systematic review. Palliative Med, [S. l.], v. 27, n. 3, p. 197-208, feb. 2012. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0269216311435268. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

WORLDWIDE PALLIATIVE CARE ALLIANCE. Global Atlas of Palliative Care. 2. ed. London-UK: WHPCA, 2020. Disponível em: https://www.thewhpca.org/resources/global-atlas-on-end-of-life-care. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

CAPÍTULO 2

SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS (SOP)

 

Autor Principal

Alice Duque Barbosa

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

Coautores

Ingrid Beatriz Teixeira Faleiro

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

 

INTRODUÇÃO

 

A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é um processo patológico caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas, entre os quais se destacam oligo/amenorreia, hiperandrogenismo (principalmente hirsutismo ou acne) e múltiplos pequenos cistos ovarianos. A mulher com SOP pode apresentar diferentes manifestações clínicas, seja em relação a outras mulheres ou em relação a si mesma ao longo do tempo.

A primeira descrição da doença data de 1935, quando Stein-Leventhal a caracteriza a partir da forma policística dos ovários em associação com a disfunção menstrual. Desde então, muitos estudos têm se dedicado a entender melhor essa síndrome e suas complicações, que vão desde obesidade, resistência à insulina, aumento dos níveis pressóricos até a infertilidade. Assim, por envolver tanto alterações reprodutivas, como também alterações metabólicas, o foco deixou de ser exclusivamente o sistema reprodutor e se tornou área de interesse e atuação de diferentes profissões (médicos, educadores físicos, nutricionistas, psicólogos, entre outros) e especialidades (ginecologistas, endocrinologistas, dermatologistas e cardiologistas, por exemplo).

Neste capítulo, abordaremos os principais pontos relativos a essa doença, com enfoque em um raciocínio clínico, uma suspeição diagnóstica e possibilidades terapêuticas importantes para o conhecimento do médico generalista e para sua atuação na Atenção Primária à Saúde (APS).

 

ETIOLOGIA

 

A etiologia da SOP ainda é desconhecida, entretanto, sabe-se que é uma síndrome de origem multifatorial em que estão envolvidos fatores genéticos, metabólicos e ambientais, que são responsáveis pela desregulação hormonal característica da SOP. Sendo assim, o alvo de interesse e preocupação na abordagem da síndrome ultrapassa o foco no sistema reprodutor, exigindo uma abordagem sistêmica da mulher acometida.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

A SOP é uma disfunção endócrina muito presente entre mulheres em idade reprodutiva, afetando aproximadamente 5 a 10% dessa população. Apesar de os sinais e os sintomas do hiperandrogenismo variarem entre as raças, a SOP acomete igualmente todos os grupos étnicos.

Dentro da população feminina com queixas ginecológicas, a SOP pode ser identificada em cerca de 90% de mulheres com ciclos irregulares, 80% das mulheres com excesso de androgênios e de 30 a 40% em pacientes com infertilidade. Essa alta taxa de prevalência da doença em mulheres com sintomatologia comum em atendimentos da APS revela a importância do conhecimento dessa patologia pelos médicos generalistas.

 

FISIOPATOLOGIA

 

A fisiopatologia da SOP envolve modificações no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, especificamente alterações na liberação pulsátil do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), o que resulta no aumento relativo dos níveis do hormônio luteinizante (LH) em relação ao hormônio folículo estimulante (FSH). A secreção aumentada de LH nos ovários leva à uma estimulação excessiva da produção de hormônios androgênicos – testosterona e androstenediona – nas células da teca, ao mesmo tempo que há uma menor conversão destes hormônios em estrogênio potente – estradiol – pelas células da granulosa. Isso acontece devido a redução relativa do FSH no estroma ovariano, resultando em uma estimulação inadequada da atividade da enzima responsável por converter o androgênio em estrogênio, a aromatase. Por causa dessa baixa conversão ovariana de androgênios em estrogênios, o ovário se torna um ambiente predominantemente androgênico e, aliado à baixa secreção de FSH, dificulta o crescimento e a maturação completa dos folículos ovarianos que irão sofrer atresia precoce, conferindo a morfologia policística do ovário na SOP, além da consequente anovulação.

Os níveis elevados de androgênios circulantes favorecem o surgimento da apresentação clínica da doença com manifestações androgênicas, como hirsutismo e acne, além da desregulação do perfil lipídico da paciente, contribuindo para a deposição de gordura abdominal, e o estímulo à inflamação e estresse oxidativo que pode afetar as células endoteliais, favorecendo o desenvolvimento de um processo aterosclerótico. No estroma do tecido adiposo os hormônios androgênios, sobretudo a androstenediona, serão convertidos em estradiol, principalmente naquelas pacientes com maior reserva de gordura. Essa conversão resulta na estimulação estrogênica do endométrio sem que haja a secreção de progesterona, o que pode levar à hiperplasia endometrial, cursando com sangramentos uterinos anormais devido à instabilidade do endométrio e neoplasia de endométrio, caso a oposição com progesterona não seja realizada. Apesar da produção prioritária dos androgênios acontecerem no ovário, a glândula suprarrenal também produz de forma secundária esses hormônios, contribuindo para seu aumento na circulação.

Outro importante fator envolvido na fisiopatologia da SOP é a resistência periférica à insulina e hiperinsulinemia compensatória, sendo a gênese dessa anormalidade relacionada com uma alteração na transmissão do sinal para o receptor de insulina na célula. Juntamente com a alteração genética responsável pela resistência à insulina, a produção anormal de hormônios androgênicos aumenta a resistência periférica à insulina por interferir na secreção de adipocina, principalmente em mulheres obesas. A ação sinérgica da insulina ao LH, ela atua diretamente na formação da testosterona e androstenediona nos ovários, favorecendo a perpetuação da síndrome. Além disso, a insulina tem papel importante no aumento da concentração de testosterona livre, posto que ela atua no fígado reduzindo a produção da proteína carreadora de androgênios (SHBG).

 

QUADRO CLÍNICO

 

As manifestações clínicas da SOP estão relacionadas principalmente às consequências endócrinas da desregulação hormonal característica da síndrome, incluindo manifestações da irregularidade menstrual, do hiperandrogenismo e da resistência periférica à insulina. É de suma importância destacar que na adolescência os sintomas podem ser confundidos com a fisiologia normal desta fase, tornando o diagnóstico desafiador.

  • Irregularidade Menstrual

Os distúrbios menstruais talvez sejam a apresentação clínica mais frequente da SOP, podendo variar de oligomenorreia ou amenorreia, causadas pela anovulação, até sangramento uterino aumentado.   A amenorreia e a oligomenorreia são consequências da anovulação crônica característica da SOP, uma vez que devido à redução relativa do FSH os folículos não são maturados por completo e, consequentemente, não há ovulação com liberação do corpo lúteo. Como não há a formação do corpo lúteo, há uma falha na produção da progesterona e posterior queda de seus níveis, impedindo a descamação do endométrio. Em contrapartida, a mulher com SOP pode ter a manifestação clínica de sangramento anormal. Esse sangramento acontece devido ao estímulo estrogênico crônico ao endométrio sem a contraposição da progesterona, resultando em instabilidade endometrial.

  • Hiperandrogenismo

Na SOP, o hiperandrogenismo é reconhecido classicamente pelos sinais de hirsutismo, acne e alopecia androgênica. O hirsutismo é definido clinicamente como a presença de pelos em quantidade aumentada e distribuição com padrão masculino. Ele pode ser avaliado por meio da escala de Ferriman-Gallwey (Figura 1), que consiste em um sistema de pontuação em que são avaliadas nove áreas do corpo que são mais suscetíveis à ação dos hormônios androgênicos. Uma pontuação igual ou maior a quatro para etnia oriental e 6 para as demais etnias é indicativa de hirsutismo clínico. Outro sinal clássico de hiperandrogenismo na SOP é o aparecimento de acne, principalmente as refratárias ao tratamento clínico ou de aparecimento mais tardio. Por fim, apesar de ser um sinal menos frequente, a alopecia androgênica pode ser um achado clínico da síndrome.

Figura 1: Escala de Ferriman-Gallwey.

Fonte: Yildiz BO. Assessment, diagnosis and treatment of a patient with hirsutism. Nat Clin Pract Endocrinol Metab. 2008;4(5):294-300.

  • Resistência Periférica à Insulina e Hiperinsulinemia

A resistência insulina parece estar presente na maioria das pacientes com SOP, independentemente do seu tipo físico (magra ou obesa). A acantose nigricans é o sinal clínico mais comum da resistência à insulina na síndrome, entretanto seu achado não é exclusivo da SOP. Pode ser caracterizada como uma lesão em placa aveludada de coloração escura, geralmente marrom-acinzentada, mais frequentemente em locais de dobras, como pescoço, axilas e região inguinal. A relação entre SOP e diabetes mellitus já é bem estabelecida, sendo que mulheres com a síndrome têm o risco aumentado de desenvolverem diabetes do tipo 2 devido a própria fisiopatologia da síndrome e dos fatores de risco associados, como obesidade.

  • Obesidade e Dislipidemia

Assim como as manifestações clínicas da resistência à insulina, a obesidade e a dislipidemia não são consideradas critérios da SOP. Apesar disso, por ser uma doença de caráter metabólico, a SOP está frequentemente associada a essas desordens endócrinas. A dislipidemia é caracterizada pelo aumento sérico da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e de triglicerídeos, além dos níveis baixos da lipoproteína de alta densidade (HDL), alterações essas que são evidenciadas pelos exames laboratoriais. A produção aumentada dos hormônios androgênicos favorece a deposição de gordura abdominal, predispondo a elevação do índice de massa corporal (IMC). Além disso, a obesidade na SOP pode atuar intensificando alguns sinais clássicos da síndrome, como a resistência periférica à insulina e a anovulação.

 

DIAGNÓSTICO

               

O diagnóstico da SOP é um diagnóstico clínico de exclusão, dessa forma, devem ser afastadas as condições ou doenças de podem cursar com os mesmos sinais clínicos e laboratoriais da síndrome. Além da clínica do paciente, alguns exames laboratoriais podem auxiliar no diagnóstico diferencial, como a dosagem de TSH, prolactina, testosterona total ou livre, deidroepiandrosterona sulfatada (DHEA-S) e 17-alfa-hidroxiprogesterona (17OHP).

Atualmente, o Consenso de Rotterdam de 2003, atualizado em 2012, é o mais utilizado para a realização do diagnóstico da SOP. O consenso consiste em três critérios, sendo obrigatório a presença de pelo menos dois para o diagnóstico. São eles: anovulação crônica (oligomenorreia ou amenorreia), hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial e aspecto policístico do ovário evidenciado pela ultrassonografia (20 ou mais folículos antrais medindo de 2 a 9mm em pelo menos um dos ovários ou volume ovariano maior ou igual a 10cm³).

 

TRATAMENTO

 

Como doença de origem multifatorial, a SOP deve ser abordada de forma abrangente. A mudança de estilo de vida com o objetivo de redução do peso corporal é um dos pilares do tratamento. Para isso, uma dieta hipocalórica balanceada associada a um programa de exercícios físicos regulares são fundamentais. Está provado que uma perda ponderal de aproximadamente 5 a 10% traz melhorias do padrão menstrual e endócrino, reduzindo a resistência à insulina e atenuando os efeitos do excesso de androgênios. Acompanhamento psicológico também pode se fazer necessário, uma vez que a autoestima dessas mulheres pode estar afetada.

As opções terapêuticas medicamentosas devem ser discutidas e alinhadas de acordo com as necessidades de cada paciente. O desejo ou não de gestação deve orientar a escolha do tratamento. Além disso, deve-se considerar objetivos secundários e a gravidade da disfunção endócrina.

Caso a mulher tenha desejo reprodutivo as opções terapêuticas indicadas consistem em agentes sensibilizadores de insulina (metformina) e em indutores da ovulação (clomifeno). Contudo, caso não haja objetivo reprodutivo, podem ser utilizados também contraceptivos orais combinados, progestágenos e antiandrogênicos (espironolactona, ciproterona e finasterida).

Em linhas gerais, o tratamento inicial da SOP se fundamenta em mudança de estilo de vida e uso de anticoncepcional oral combinado associado ou não ao uso de metformina. O tratamento das comorbidades associadas, como hiperinsulinemia, dislipidemia e hipertensão arterial sistêmica, é fundamental para uma melhor assistência à saúde da paciente e diminuição de riscos cardiovasculares.

Assim, ainda não há a cura para a síndrome dos ovários policísticos. Porém, as medidas terapêuticas (estilo de vida e opções farmacológicas) e o acompanhamento multidisciplinar (nutricionista, educador físico, psicólogo, médico, entre outros) são necessários para alívio sintomático e redução de complicações metabólicas e reprodutivas relacionadas à doença, contribuindo para uma melhor qualidade de vida da mulher.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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LISBOA, Giovanna Rocha. Particularidades do diagnóstico e da terapêutica da síndrome dos ovários policísticos na adolescência. Revista Eletrônica Acervo Saúde, [S. l.], v. 13, n. 5, p. e7124, maio 2021. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/7124/4756. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

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YELA, D. A. Particularidades do diagnóstico e da terapêutica da síndrome dos ovários policísticos na adolescência. Femina, São Paulo, v. 47, n. 9, p. 524-528, 2019. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/media/k2/attachments/Vol.Z47ZnZ9Z-Z2019.pdf. Acesso em: 22 nov. 2022.

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 3

FEBRE REUMÁTICA

 

Autor Principal

Vitória Ingrid Gomes de Oliveira

Discente do Curso de Medicina da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

 

Coautores

Sara Rodrigues dos Santos

Victoria Emanuele Gomes Silva

Discentes do Curso de Medicina da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

 

 

INTRODUÇÃO

 

Febre reumática trata-se de uma doença de caráter inflamatório e sistêmico, que decorre de uma resposta imune tardia a uma faringoamigdalite, infecção causada pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A (Streptococcus pyogenes), em pessoas geneticamente predispostas, essa infecção pode envolver órgãos como articulações, cérebro e coração. Assim, a doença acontece por uma reação cruzada de anticorpos, produzidos pelo sistema imune do paciente na tentativa de combater a bactéria, contudo, acaba atacando também células do próprio hospedeiro.

Além da infecção prévia, os pacientes devem ser geneticamente predispostos para desenvolver a febre reumática, sendo assim, o histórico familiar é um fator importante a ser levado em consideração. Outrossim, apesar de ainda não serem bem elucidados, os fatores de risco incluem aglomeração domiciliar, compartilhamento de leitos, más condições sanitárias e falta adequada de acesso à saúde.

 É importante ressaltar que a manifestação clínica mais comum da febre reumática é a artrite, mas que essa possui um bom prognóstico na maioria dos casos. Já a cardite é a manifestação mais grave, que pode gerar sequelas a longo prazo ou até a morte do paciente. Nesse sentido, como é uma das principais causas de doenças cardíacas adquiridas no Brasil, merece atenção na saúde pública brasileira. O diagnóstico é realizado pelos critérios de Jones, que em 2015 foram revisados pela American Heart Association. Assim, é viável que na atenção primária à saúde haja uma atenção especial às crianças que deram sinais de faringoamigdalite, pois é nessa rede que será possível detectar de forma precoce a febre reumática e tratá-la antes que surjam suas complicações.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

A febre reumática é uma doença comum em crianças brasileiras, onde acomete tanto sexo masculino, quanto feminino, acarretando altas despesas para o Sistema Único de Saúde (SUS) pela alta incidência de internações, cirurgias cardíacas por sequela valvar e demanda de consultas ambulatoriais.

A maioria dos casos de faringoamigdalite estão entre a faixa etária de 5 a 14 anos e é incomum antes de 3 anos e depois dos 21 anos. Das amigdalites que as crianças têm de 80 a 85% é virótica e 20-30% bacterianas por estreptococos, e dessas apenas 1 a 3% desenvolvem febre reumática. O que mais eleva as consequências e internações por complicações da febre reumática é a ausência de diagnóstico de faringite estreptocócica, sendo cardite a complicação mais grave.

Em estudo feito analisando o índice de internação hospitalar em crianças e adolescentes de 5 a 14 anos, por regiões, constou que no período de 2009 a 2019, a região de maior incidência foi o Nordeste, com 46,3%. Seguida do Sudeste, com 26,8%, região Norte com 13,74%, centro-oeste com 8,47% e o menor número de casos está o Sul, com 4,6%. Esses dados comprovam que a condição socioeconômica possui papel importante na determinação do risco de Febre Reumática, evidenciando o fato da maior taxa ser no Nordeste, associado ao maior nível de pobreza, desinformação e condições de vida precárias. Além disso, um número maior de pessoas morando em um cômodo pequeno predispõem a disseminação da infecção estreptocócica, o que também fundamenta a frequência aumentada da doença em hospitais públicos.

 

A febre reumática é também a maior causa de mortalidade cardiovascular em crianças e adultos jovens em países em desenvolvimento, além de ser a doença reumática mais comum no Brasil e primeira causa de cardiopatia adquirida em menores de 20 anos no Brasil.

 

FISIOPATOLOGIA

 

Há muitos anos está estabelecida a responsabilidade do Estreptococo beta-hemolítico do grupo A no estudo etiopatogênico da Febre Reumática. Já é sabido que deverá haver previamente uma orofaringite clínica ou assintomática com cura aparente. E depois de um período livre de 18 a 21 dias, certificar se há o aparecimento de um conjunto de sinais e sintomas que constituirão a febre reumática.

A cápsula presente na estrutura do estreptococo é responsável pela reação imunológica causada com complexos, como proteínas e polissacarídeos no tecido humano, o que acarreta manifestações articulares, cardíacas e do sistema nervoso.

Na parede celular se encontram as proteínas M, T e R e leva a formação dos anticorpos. A proteína M é responsável pela caracterização de aproximadamente 80 tipos diferentes de estreptococos, diferenciados em reumatogênicos e nefritogênicos. Cada surto de Febre reumática é determinado por tipos diferentes. Um grande número de células T são estimulados pelos antígenos produzidos pelas toxinas extracelulares dos estreptococos, acarretando uma interação entre as moléculas da classe II MHC com os receptores de células T do tipo específico V-beta. Então, as células T ativadas elaboram fator de necrose tumoral, algumas interleucinas e gama-interferon, contribuindo com o dano patológico.

É preciso reconhecer que os indivíduos afetados possuem sensibilidade especial, geneticamente determinada. Existem estudos que comprovam a relação entre a incidência da febre reumática e os HLA-DR1, DR2, DR4, DR7 e DR W53. Há também o fenômeno do mimetismo idiotípico, que explica sobre a habilidade de certos anticorpos antiidiotípicos simularem algumas propriedades imunoquímicas do antígeno. O mimetismo molecular entre a proteína M e a miosina é um importante fator na imunidade de células T contra o estreptococo do grupo A e o coração e na reação cruzada humoral. Por isso, os anticorpos ligados às células estão envolvidos com a relação cruzada imunológica com o coração na FR.

DIAGNÓSTICO

 

O diagnóstico da febre reumática está fundamentado sobre critérios definidos em 1944 por Jones e atualizados em 1992 e 2015 pela American Heart Association (AHA), passando por algumas revisões e modificações ao longo dos anos. Os critérios de Jones são considerados “padrão ouro” para o diagnóstico do primeiro surto de febre reumática do paciente e para episódios recorrentes da doença. Esse escore é dividido em critérios maiores e critérios menores, que possuem maior especificidade em detrimento da sensibilidade, além da população apresentada, se é de baixo (incidência de febre reumática ≤ 2/100.000 escolares ou prevalência de DCR ≤1000/ano) ou alto risco, e da presença de evidência estreptocócica.

Os critérios maiores são: Coréia de Sydenham, cardite, artrite, eritema marginatum e nódulos subcutâneos.

Coréia de Sydenham: Condição neurológica que se caracteriza por movimentação involuntária, brusca e arritmada e fraqueza muscular, acometendo membros, tronco e face, costumam ser unilaterais, não ocorrem durante o sono e aumentam durante o estresse. Pode estar associada a outros sintomas como disartria, perda do controle motor fino e grosso, distúrbio de marcha, cefaléia, cognição reduzida, contração facial e hipotonia. A coréia pode ocorrer isoladamente sendo o único sintoma da doença, mas em todos os pacientes deve ser realizada uma ecocardiografia para excluir ou diagnosticar a cardite silenciosa.

Cardite: É a manifestação mais importante e mais grave da febre reumática, devido ao seu maior potencial de causar sequelas podendo se cronificar, sendo a insuficiência cardíaca congestiva a característica mais letal da doença caso os danos valvares sejam graves. A regurgitação mitral é o principal achado valvar inicial. Seu diagnóstico é clínico associado com o exame ecocardiográfico.

Artrite: É o acometimento mais comum e o principal sintomas inicial da febre reumática e se manifesta com dor articular associada a sinais flogísticos, comumente é de caráter migratório, mas sua progressão também pode ter efeito aditivo. Em pacientes não tratados costuma ser poliarticular e acometer com maior frequência as grandes articulações. Em geral é um quadro autolimitado, não deixa sequelas e responde bem ao uso de anti-inflamatórios.

 

 

Eritema marginatum: Também conhecido como eritema anular é uma das manifestações cutâneas que podem estar presentes no quadro clínico da febre reumática. É de ocorrência rara e afeta tronco e membros, poupando a face, caracterizada por uma erupção cutânea rosada, sem prurido, de borda irregular que se estende centrifugamente enquanto o centro retorna à normalidade. O eritema marginado está fortemente associado à ocorrência de cardite.

Nódulos subcutâneos: São nódulos semelhantes àqueles que ocorrem na artrite reumatoide, porém tendem a ser menores e ter um período de duração mais curto. Caracterizados por serem firmes, indolores e móveis, sem sinais flogísticos. O principal sítio acometido é o cotovelo, mas pode ocorrer nos joelhos, tornozelos e outros.

Já os critérios menores são: Febre, artralgia, elevação dos marcadores inflamatórios (VHS e PCR) e intervalo PR aumentado.

Febre: Não apresenta um padrão característico, em geral é autolimitada e responde bem a anti-inflamatórios não hormonais

Artralgia: Caracterizada em geral por um padrão poliarticular, migratório, assimétrico e que acomete grandes articulações. A presença de artrite como critério maior exclui artralgia como critério menor na classificação do paciente.

Elevação dos marcadores inflamatórios: Os reagentes de fase aguda não são específicos da febre reumática assim como de qualquer outra doença inflamatória, porém auxiliam no diagnóstico de processos inflamatórios e no seu monitoramento. O VHS se eleva nas primeiras semanas, já o PCR se eleva no início da fase aguda e diminui na segunda ou terceira semana.

Intervalo PR aumentado: O intervalo PR pode estar aumentado em pacientes com febre reumática mesmo na ausência de cardite. O ECG deve ser solicitado para todos os pacientes com suspeita de febre reumática, assim como o ecocardiograma. O aumento do intervalo PR não deve ser considerado critério menor se o paciente já apresentar cardite como critério maior.

Com as últimas atualizações feitas pela American heart association (AHA) os critérios se alteram a depender do risco populacional em que o paciente está inserido, populações são consideradas de baixo risco quando a incidência de febre reumática é ≤2/100.000 escolares ou a prevalência de DCR é ≤1000/ano. 

  • População de baixo risco:

         Critérios maiores

  • Cardite clínica e subclínica
  • Artrite (apenas poliartrite)
  • Coreia
  • Eritema marginatum
  • Nódulos subcutâneos

 

         Critérios menores:

  • Poliartralgia
  • Febre ≥38,5oC
  • VHS ≥60 mm/hora e/ou PCR ≥3,0 mg/dL
  • Intervalo PR prolongado

 

  • População de moderado / alto risco:

         Critérios maiores:

  • Cardite clínica e subclínica
  • Artrite (mono ou poliartrite) e poliartralgia
  • Coreia
  • Eritema marginatum
  • Nódulos subcutâneos

 

         Critérios menores:

  • Monoartralgia
  • Febre ≥38oC
  • VHS ≥30 mm/hora e/ou PCR ≥3,0 mg/dL
  • Intervalo PR prolongado

 

Os exames complementares que podem ser feitos para avaliar o acometimento cardíaco na febre reumática são principalmente radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma. A radiografia permite a investigação de cardiomegalia e congestão pulmonar, o ECG avalia principalmente o aumento do intervalo PR e o ecocardiograma a existência de lesões valvares.

  • Evidência Estreptocócica

O diagnóstico da faringoamigdalite é importante para a administração correta de antibioticoterapia e a consequente prevenção primária da febre reumática, contudo, indícios clínicos não são suficientes para diferenciar faringite bacteriana e viral, de forma que a infecção estreptocócica deve ser confirmada por exames laboratoriais (teste rápido de antígeno e cultura de orofaringe).

A presença de evidência estreptocócica pode ser feita por meio da cultura de orofaringe, que é o exame padrão ouro, apesar de não conseguir diferenciar a infecção de fato da condição de portador sadio. Somente quando ocorre infecção é que existe a possibilidade de acometimento reumático pela presença de anticorpos.

Além da cultura existe o exame sorológico, que traduz uma infecção pregressa não possuindo então valor diagnóstico para infecções agudas. O principal teste utilizado é a antiestreptolisina O (ASLO) e a elevação dos títulos se inicia após o sétimo dia de infecção e permanece elevado por meses ou anos.

Para o diagnóstico de febre reumática inicial é necessário a presença de pelo menos dois critérios maiores ou um critério maior e dois critérios menores, já para realizar o diagnóstico da doença recorrente a presença de três critérios menores também é suficiente. Além dos critérios é necessária a evidência de infecção prévia por EGA.

Contudo, é preciso ter consciência de que os critérios de jones não são absolutos, que casos de coreia ou cardite isolados são altamente sugestivos de FR e pode não ser necessário que preencham os critérios para o diagnóstico, e que nem sempre será possível estabelecer prova de infecção prévia por EGA.

 

TRATAMENTO

 

  • Prevenção Primária

De acordo com uma declaração publicada pela American Heart Association (AHA) o tratamento correto da faringite estreptocócica aguda diminui a duração e a intensidade da exposição do indivíduo ao antígeno, o que consequentemente é capaz de prevenir grande parte dos casos de febre reumática. A faringite deve ser tratada com antibioticoterapia e o medicamento de escolha é a penicilina, por seu potencial bactericida.

 

Forma de administração da penicilina:

  • Benzilpenicilina benzatina G IM em dose única (600.000u em crianças <27 Kg e 1.200.000u se > 27 Kg).
  • Penicilina V oral por 10 dias (fenoximetilpenicilina 40 mg/kg a cada 24 horas, administrada em três doses iguais de até 750 se < 27 kg, e 500mg duas ou três vezes por dia em adolescentes e adultos). A desvantagem dessa via de administração é a baixa aderência.

 

Pacientes alérgicos a penicilina:

  • Eritromicina via oral por 10 dias (estolato de eritromicina 20-40 mg/kg/dia dividido de 2 a 4 doses, ou etilsuccinato de eritromicina 40mg/kg/dia dividido de 2 a 4 doses. A dose máxima diária é de 1g).
  • Tratamento Sintomático da Febre Reumática

Repouso: Não existem evidências o suficiente que recomendem o repouso no leito em caso de febre reumática, de forma que, assim que possível, seja feita a mobilização progressiva.

Anti-inflamatórios não hormonais: Os sintomas inflamatórios da febre reumática, como febre e artrite, respondem bem ao uso de AINEs e o medicamento de escolha é o AAS, devendo ser administrada até que os sintomas sejam resolvidos. O eritema marginado é autolimitado e não precisa de tratamento. 

Cardite: Em caso de comprometimento cardíaco leve a moderado a droga de escolha é a prednisona, com dose máxima de 80 mg/dia por 6 a 8 semanas. Em caso de cardite grave deve ser administrado metilprednisolona em pulsoterapia. A cirurgia valvar deve ser feita após a estabilização da cardite, mas caso necessário pode ser feita durante a fase aguda se a insuficiência cardíaca devido às lesões valvares não puder ser tratada apenas com medicação. 

Coreia: Em geral os quadros são autolimitados e não precisam de tratamento, mas em caso de persistência ou incapacitação pode ser administrado haloperidol, diazepam e carbamazepina.

  • Prevenção Secundária

O risco de um novo episódio de febre reumática em pacientes que já apresentaram o quadro é maior do que aquelas que ainda não apresentaram nenhum caso, além disso, o risco de dano cardíaco permanente em caso de doença recorrente é maior e a maioria dos casos de faringite são assintomáticos, de forma que seja necessário antibioticoterapia contínua para profilaxia secundária de febre reumática. 

O tratamento de escolha é feito com benzilpenicilina benzatina G IM a cada 21 dias e segundo as diretrizes da OMS a duração do tratamento é definida com base na categoria do paciente:

  • Sem cardite comprovada: administração do medicamento por 5 anos após o quadro anterior ou até que o indivíduo complete 18 anos, o que demora mais para acontecer.
  • Com cardite (regurgitação mitral leve ou cardite curada): tratamento por 10 anos após último quadro ou até que o paciente tenha 25 anos, o que demorar mais para acontecer.
  • Doença valvar mais grave: profilaxia por toda a vida.
  • Após cirurgia valvar: profilaxia por toda a vida.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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CAPÍTULO 4

DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA

 

Autor Principal

Rayane Paula Silveira Silva

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

Coautores

Jennifer Ferreira Duarte

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

 

INTRODUÇÃO

 

A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é uma síndrome clínica caracterizada por um conjunto de processos inflamatórios da região pélvica secundários à ascensão e à disseminação, no trato genital feminino superior, de micro-organismos provenientes da vagina e/ou da endocérvice. Ademais, podem ser acometidos útero, tubas, ovários, superfície peritoneal e/ou estruturas contíguas.

O padrão clínico da DIP é variável, podendo manifestar-se de forma subaguda e oligossintomática. Diante disso, é comum que esse diagnóstico não seja elucidado, visto que sintomas clínicos como a dor podem se apresentar de forma discreta. Ao mesmo tempo, a DIP possui repercussões tanto do ponto de vista emergencial, bem como a longo prazo, podendo provocar dor pélvica crônica, gravidez ectópica e infertilidade. Desse modo, é compreensível a importância de o médico generalista estar apto a suscitar a DIP como diagnóstico diferencial dentro da sua prática clínica.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

A DIP é considerada um sério problema de saúde pública, constituindo uma das mais importantes complicações das IST. A sua incidência no Brasil não é conhecida. Dentre os motivos estão a sua apresentação oligossintomática e a não necessidade de notificação compulsória. Dessa forma, sua prevalência é subestimada.

 

AGENTES ETIOLÓGICOS

 

A DIP é uma infecção aguda e polimicrobiana. Sabe-se que 85% dos casos de DIP são causados por agentes patogênicos sexualmente transmitidos ou associados à vaginose bacteriana. A Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae são conhecidas como principais etiologias de DIP, embora estudos recentes demonstrem que a proporção de casos atribuídos a essas bactérias estão decrescendo.

Dentre outros organismos associados a DIP, estão microorganismos sexualmente transmissíveis, bactérias que compõe a flora vaginal, agentes do trato genital inferior, germes entéricos e patógenos respiratórios. Dentre eles estão G. Vaginalis, H. influenzae, S. agalactiae, Mycoplasma e Ureaplasma, Peptococcus, Peptoestreptococcus, Bacteroides, Escherichia coli, Campylobacter spp, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus do grupo A, S. aureus, entre outros. Ademais, pode ser causada por vírus e protozoários, embora seja raro.

 

FATORES DE RISCO

 

Identificar os fatores de risco para a Doença Inflamatória Pélvica pode auxiliar na prevenção e no estabelecimento da conduta terapêutica das pacientes. Vale ressaltar que o diagnóstico não deve se fundamentar no conhecimento desses fatores, visto que muitas vezes a associação não é fidedigna.

De modo geral, qualquer condição ou situação que facilite a aquisição de uma IST pode ser considerada como fator de risco para DIP.  Os fatores de risco para DIP incluem condições socioeconômicas desfavoráveis, sexarca precoce, atividade sexual na adolescência, parcerias múltiplas e história de IST ou DIP prévia ou atual.

Tradicionalmente, o uso de Dispositivo Intrauterino (DIU) foi correlacionado à ocorrência de DIP. Entretanto, com o avanço dos estudos ficou constatado que não há evidência consistente entre a utilização de DIU e a ocorrência de DIP. O aumento do risco em usuárias só ocorre se a paciente for portadora de cervicite na época da inserção. Caso não apresente tal situação, foi demonstrado que esse risco não se justifica.

 

FISIOPATOLGIA

 

A DIP se inicia com a ascensão dos agentes etiológicos pelo orifício interno do colo uterino. Tal ascensão é facilitada no período pós-menstrual imediato, devido maior abertura do colo e contratilidade uterina que favorece sucção do conteúdo vaginal para o trato genital superior.

Uma vez dentro da cavidade uterina, os patógenos irão causar endometrite, que repercute como dor em hipogástrio e à mobilização do colo. Nas tubas, a infecção pode causar hidrossalpinge e aderências que levam à dor pélvica crônica, maior risco de gravidez tubária e até infertilidade. Caso a infecção progrida além das fímbrias, pode ocorrer formação de abscesso tubo-ovariano e em fundo de saco de Douglas, causando irritação peritoneal. Além disso, o material purulento pode atingir a cápsula de Glisson do fígado e provocar uma peri-hepatite conhecida como Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, que gera um quadro doloroso similar à colecistite aguda.

 

QUADRO CLÍNICO

 

Na fase inicial, a paciente pode apresentar-se assintomática ou oligossintomática. No entanto, à medida que a doença progride, o quadro piora apresentando sintomatologia.

Um dos principais sintomas é a secreção endocervical anormal, apresentando como uma descarga vaginal purulenta acompanhada de dor abdominal infraumbilical, em topografia anexial e à mobilização do colo uterino. Febre pode estar presente, bem como apresentar sintomatologia atípica, como sangramento uterino anormal, dispareunia e sintomas urinários.

Pode haver exacerbação da dor pélvica com a palpação do hipogástrio e/ou das fossas ilíacas. Com a progressão da doença, podem surgir sinais de irritação peritoneal, com exacerbação da dor e ocorrência de náuseas e vômitos. Nesta fase, o exame físico abdominal poderá apresentar sinais de defesa e dor à descompressão. Ademais, pode ser encontrada massa palpável nas fossas ilíacas.

 

DIAGNÓSTICO

 

A variedade de sinais sintomas, muitas vezes inespecíficos, pode dificultar o diagnóstico da DIP. O atraso no diagnóstico e tratamento contribui para o estabelecimento de sequelas no trato genital superior.

Na maioria dos casos de DIP, o diagnóstico é realizado pela história clínica e por achados ao exame físico. Entretanto, em casos subagudos ou silenciosos, a utilização de métodos auxiliares para o diagnóstico está justificada.

Dentre os exames complementares, pode-se utilizar hemograma completo, exame de urina tipo I e urocultura (para afastar infecção de trato urinário), provas bioquímicas inflamatórias, exame bacterioscópico para avaliar vaginose bacteriana, identificação de clamídia e gonococo por provas de biologia molecular, se possível cultura e antibiograma e teste de gravidez, principalmente para afastar gravidez ectópica.

Dentre os exames de imagem, a ultrassonografia transvaginal (USTV) costuma ser o método de escolha para avaliação inicial de dor pélvica e, apesar de limitada para o diagnóstico de DIP aguda, ela pode ser útil quando se identificam imagens típicas como um abscesso tubo-ovariano. Se a USTV for inconclusiva, pode ser considerado outros métodos de imagem como tomografia computadorizada da pelve, ressonância magnética (que possui maior acurácia que o USTV para o diagnóstico de DIP) e laparoscopia.

A DIP deve ser suspeitada como diagnóstico diferencial em toda mulher sexualmente ativa, ou em risco para IST, com dor abdominal e/ou pélvica, independente da história sexual recente.

O exame físico deve incluir aferição de sinais vitais, exame do abdome, exame especular vaginal, incluindo inspeção do colo uterino para sangramento fácil (friabilidade) e secreção mucopurulenta cervical, bem como o exame bimanual com mobilização do colo e palpação dos anexos.

Classicamente, o diagnóstico de DIP é feito a partir de critérios maiores, critérios menores e critérios elaborados. De forma que, para que seja realizado o diagnóstico de DIP, se faz necessário a presença de três critérios maiores MAIS um critério menor; OU um critério elaborado. Os critérios estão listados no quadro a seguir.

Quadro 1: Critérios para o diagnóstico de DIP.

Critérios Maiores

·         Dor no hipogástrico

·         Dor à palpação dos anexos

·         Dor à mobilização do colo do útero

Critérios Menores

·         Temperatura axilar maior que 37,5ºC

·         Conteúdo vaginal ou secreção endocervical anormal

·         Massa pélvica

·         Mais que 10 leucócitos por campo de imersão em material de endocérvice

·         Leucocitose em sangue periférico

·         Proteína C reativa (PCR) ou velocidade de hemossedimentação (VHS) elevada

·         Comprovação laboratorial de infecção cervical por gonococo, clamídia ou micoplasmas

Critérios Elaborados

·         Evidência histopatológica de endometrite

·         Presença de abscesso tubo-ovariano ou de fundo de saco de Douglas em estudo de imagem

·         Laparoscopia com evidência de DIP

 

Entretanto, a necessidade de 3 critérios maiores e 1 menor para o diagnóstico antes de iniciar o tratamento medicamentoso pode resultar em uma sensibilidade insuficiente para o diagnóstico de DIP, contribuindo para um potencial dano para a saúde reprodutiva da mulher. Portanto, tem sido recomendado que os profissionais de saúde diminuam o limiar para diagnóstico clínico de DIP. Os critérios diagnósticos devem contribuir para auxiliar o profissional em quando suspeitar de DIP e quando informações adicionais devem ser obtidas para chegar à certeza diagnóstica.

 É improvável que o diagnóstico e o tratamento de outras causas de dor abdominal inferior (por exemplo, gravidez ectópica, apendicite aguda, cisto ovariano, torção ovaria ou dor funcional) sejam prejudicadas pelo início da terapia antimicrobiana para DIP. Portanto, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em seu Sexually Transmitted Infections Treatment Guidelines, de 2021, recomenda que o tratamento empírico para DIP deve ser iniciado para mulheres jovens sexualmente ativas ou aquelas em risco de desenvolver IST, que tenham dor pélvica ou dor abdominal baixa, em que outras causas não possam ser identificadas e apresentem um ou mais critérios maiores no exame pélvico: dor à mobilização do colo uterino, dor à palpação do útero, dor à mobilização dos anexos.

 

TRATAMENTO

 

O tratamento da DIP deve-se ser instituído o mais precocemente possível, devido ao risco de sequelas no sistema reprodutor feminino. O esquema terapêutico abrange os principais agentes etiológicos envolvidos na patologia e varia de acordo com a necessidade de tratamento ambulatorial ou hospitalar.

A abordagem ambulatorial é reservada às mulheres com quadro clínico leve e que não apresentem sinais de irritação peritoneal. Já o esquema hospitalar é realizado em algumas situações, como: abscesso tubo-ovariano, gravidez, ausência de resposta clínica após 72h de antibioticoterapia, intolerância a antibióticos orais ou dificuldade de seguimento ambulatorial, estado geral grave, dificuldade na exclusão de emergência cirúrgica.

No quadro abaixo se encontra os possíveis esquemas terapêuticos para tratamento ambulatorial e hospitalar.

Quadro 2: esquemas terapêuticos para DIP.

Tratamento

Primeira opção

Segunda opção

Terceira opção

Ambulatorial

Ceftriaxona 500mg, IM, dose única + Doxiciclina 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias + Metronidazol 250mg, 2 comprimidos, VO, 2x/dia, por 14 dias

Cefotaxima 500mg, IM, dose única + Doxiciclina 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias + Metronidazol 250mg, 2 comprimidos, VO, 2x/dia, por 14 dias

 

 

 

 

 

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Hospitalar

Ceftriaxona 1g, IV, 1x/dia, por 14 dias + Doxiciclina 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias + Metronidazol 400mg, IV, de 12/12h

 

Clindamicina 900mg, IV, 3x/dia, por 14 dias + Gentamicina (IV ou IM): 3-5 mg/kg, 1x/dia, por 14 dias

Ampicilina/sulbactam 3g, IV, 6/6h, por 14 dias + Doxiciclina 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias

            É importante salientar o seguimento ambulatorial das pacientes na primeira semana após alta hospitalar, mantendo abstinência sexual até resolução clínica. Além disso, as parcerias sexuais dos dois meses anteriores ao diagnóstico de DIP dessa mulher, deverão ser tratadas, mesmo que assintomáticas. É recomendado a associação de ceftriaxona 500mg intramuscular e azitromicina 1g via oral, ambas em dose única.

A abordagem cirúrgica (laparoscopia) é realizada nos casos de massas anexiais que persistem após antibioticoterapia ou quando há rompimento. Caso haja abscesso em fundo de saco de Douglas, está indicada a culdotomia.

Para gestantes, o tratamento deve ser hospitalar devido ao risco de abortamento e corioamnionite, observando a contraindicação ao uso de doxiciclina e quinolonas nessas pacientes.

Nas pacientes com DIP que utilizam o DIU, não há necessidade de retirada do dispositivo. Quando houver indicação, o DIU poderá ser removido somente após a segunda dose do esquema terapêutico.

 

COMPLICAÇÕES

 

A demora em instituir a terapêutica adequada para DIP pode causar implicações sérias na qualidade de vida e saúde reprodutiva da mulher. As complicações imediatas são o abscesso tubo-ovariano e fase aguda da síndrome de Fitz-Hugh-Curtis. Além disso, como consequências tardias, pode-se citar: infertilidade, maior chance de gravidez ectópica, dor pélvica crônica, dispareunia e aderências peri-hepáticas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST). Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf/view. Acesso em: 14 out. 2022.

 

HOFFMAN, Barbara L. et alGinecologia de Williams. Porto Alegre: Grupo A, 2014. E-book. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788580553116/. Acesso em: 26 set. 2022.

 

LASMAR, Ricardo B. Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2017. E-book. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788527732406/. Acesso em: 24 set. 2022.

 

TRATADO de Ginecologia Febrasgo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.

 

WORKOWSKI, Kimberly A. et al. Sexually transmitted infections treatment guidelines, 2021. MMWR Recomm Rep., [S. l.], v. 70, n. 4, p. 1-187, jul. 2021. DOI 10.15585/mmwr.rr7004a1. Disponível em: https://www.cdc.gov/std/treatment-guidelines/STI-Guidelines-2021.pdf. Acesso em: 14 out. 2022.

 

 

 

 

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CAPÍTULO 5

DIABETES MELLITUS GESTACIONAL

 

Autor Principal

Geneson Rodrigues Martins Veloso

Discente do Curso de Medicina da Universidade Vale Do Rio Doce (UNIVALE)

 

Coautores

Maria Luíza Nery Ton Benica

Pablo Ferreira Do Val Silva

Discentes do Curso de Medicina da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

 

 

INTRODUÇÃO

 

O diabetes mellitus gestacional (DMG) tem se tornado um distúrbio endócrino/metabólico cada vez mais comum entre as mulheres gestantes por todo o mundo. Somado a isso, essa patologia está associada a uma série de complicações obstétricas que afetam diretamente a homeostase placentária, dentre elas a pré-eclâmpsia, macrossomia, restrição de crescimento intrauterino e natimortos. A DMG é uma doença benigna, geralmente temporária, relacionada a herança genética e fatores ambientais.

Devido à atual ausência de consenso internacional diante do diagnóstico de DMG, encontramos uma gama de obstáculos que são refletidos na elaboração de recursos para o acompanhamento dos pré-natais, o que contribui para o aumento do contingente dessa doença que é considerada atualmente umas das complicações mais comuns da gestação.

 Hiperglicemia na gravidez, de acordo com a OMS e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), hiperglicemia em gravidez (HIP) pode ser classificada como pré-gestacional diabetes, diabetes mellitus gestacional (DMG) ou diabetes na gravidez (DIP).

Todas as mulheres que têm HIP – seja DMG, anteriormente DIP não diagnosticado ou diabetes pré-estabelecida, necessitam de cuidados pré-natais ideais e assistência no manejo pós-natal. Há maneiras de controlar os níveis glicêmicos de mulheres com HIP: uma alimentação saudável, dieta, controle de peso, exercícios moderados e monitoramento da glicemia. O acompanhamento mais de perto pela equipe de profissionais de saúde é importante para apoiar a autogestão da paciente frente ao seu quadro, bem como para identificar e solicitar uma intervenção do médico obstétrico (ex. prescrição de insulina e/ou medicamentos orais).

 

FATORES DE RISCO

 

Obesidade, sobrepeso, ganho excessivo de peso durante a gestação, histórico familiar de diabetes em parentes de primeiro grau, antecedente de DMG, Síndrome do Ovário Policístico, idade materna avançada, hipertensão em gestação atual, pré-eclâmpsia em gestação atual, sedentarismo, baixa estatura (menor que 150 cm), deposição central excessiva de gordura corporal, crescimento fetal excessivo, polidrâmnio e antecedentes de malformações ou macrossomia fetal.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

A prevalência do DMG é variável, dependendo dos critérios diagnósticos empregados e da população estudada. No Brasil, em torno de 7% das gestações são complicadas pela hiperglicemia gestacional.

Aproximadamente 7% de todos os casos de gravidez apresentam complicações variadas com DMG e isso resulta em mais de 200.000 casos anualmente. Apenas nos EUA, descobriu-se que o DMG complica cerca de 7-14% dos casos anualmente, e a tendência parece ter aumentado em 35-100% nos últimos anos.

 

FISIOPATOLOGIA

 

A resistência à insulina a partir do 2º trimestre da gestação ocorre de forma fisiológica, uma vez que o feto está crescendo de forma acelerada e 80% do seu gasto energético é pelo metabolismo de glicose. De tal modo, todo o metabolismo de energia materna da oxidação dos carboidratos para o de lipídios, preserva a glicose a ser fornecida ao feto.

A partir do 2º trimestre da gestação há aumento da resistência periférica à insulina (redução da sensibilidade), elevando, aos poucos, a secreção de insulina, de 200 a 250% para compensar a redução de, aproximadamente, 50% na sensibilidade. Esse aumento da resistência à insulina sofre ação dos hormônios placentários contra insulínicos, o lactogênio placentário humano (hPL) e o hormônio do crescimento placentário humano (hPGH).

Agora, o que diferencia a DMG, da elevação da resistência à insulina, é o mau funcionamento das células Beta pancreáticas, que não conseguem secretar insulina de forma eficaz para vencer o aumento fisiológico da resistência. Com isso, o aumento de glicose pós-prandial é capaz de determinar efeitos adversos no feto, como a macrossomia e a hipoglicemia neonatal, devido ao excessivo transporte transplacentário de glicose.

 

MANIFESTAÇÕES MATERNAS E FETAIS

 

            O risco de desfechos adversos maternos, fetais e neonatais aumenta de forma contínua com a elevação da glicemia materna. As complicações mais frequentemente associadas à diabetes gestacional são – para a mãe: a cesariana e a pré-eclâmpsia, enquanto para o bebê de mãe DMG têm um risco maior de prematuridade, macrossomia, a distocia de ombro, a hipoglicemia, hiperbilirrubinemia neonatal e a morte perinatal.

 

DIAGNÓSTICO

 

Atualmente existe uma falta de consenso internacional acerca do diagnóstico de DMG, o que remete a sua complexa evolução histórica e considerações pragmáticas de recursos pré-natais.

O estudo HAPO-2008 propôs que a glicemia em jejum deveria ser aferida na primeira consulta, onde os casos normais seriam menores que 92 mg/dl, DMG entre 92 e 125 mg/dl e diabetes pré-gestacional maior que 126 mg/dl; Já os valores de hemoglobina glicada (HbA1c) define-se DMG quando maior ou igual 6,5% ou glicemia ao acaso >200 mg/dl. Os casos em que a glicemia fosse normal (<92 mg/dl) deveria ser realizado o TOTG-75 de 24 a 28 semanas de gestação, e caso um dos valores ultrapassar 92 mg/dl em jejum, ou 180 mg/dl após 1 hora ou 153 mg/dl após 2 horas, confirmaria o diagnóstico de DMG. Caso a glicemia em jejum for ≥ 126 mg/dl é confirmado diabetes pré-gestacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Rezende, 2017

 

TRATAMENTO

 

  • Dieta

A terapia nutricional é a primeira opção de tratamento para a maioria das gestantes com diabetes gestacional. Essa terapia evita o ganho excessivo de peso pelas gestantes, além de gerar menor taxa de macrossomia fetal e de complicações perinatais. O cálculo de calorias da dieta e do ganho de peso durante a gestação é baseado no peso ideal pré-gestacional das mulheres (Tabela 1).

Tabela 1. Recomendações para o ganho ponderal semanal de peso na gestação de acordo com o índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional (2° e 3° trimestres).

IMC pré-gestação (kg/m²)

Ganho peso total (Kg)

Taxa do ganho de peso/sem

Baixo peso (< 18,5)

12,5 - 18

0,51 (0,44 - 0,58)

Peso normal (18,5 - 24,9)

11,5 - 16

0,42 (0,35 - 0,50)

Sobrepeso (25 - 29,9)

7 - 11,5

0,28 (0,23 - 0,33)

Obesidade ( ≥ 30)

5 - 9

0,22 (0,17 - 0,27)

Fonte: Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55/7

 

  • Exercício físico

A prática de exercícios na gestação tem como benefício a redução dos níveis de glicemia, a redução do ganho excessivo de peso materno e a diminuição da incidência de macrossomia fetal. Portanto, na ausência de contraindicações, deve ser recomendado a prática de exercícios físicos para todas as gestantes diabéticas (Tabela 2).

É importante que as pacientes que realizavam exercícios previamente à gestação continuem com as práticas. Nos casos de diabetes gestacional, recomenda-se realizar 15 a 30 minutos de atividade diária, em cicloergômetro, ou caminhadas em 50% da capacidade aeróbica da paciente, sempre diante da supervisão de um profissional capacitado. Além disso, deve-se realizar a monitorização da atividade fetal, os exercícios não devem ser realizados caso a frequência da movimentação fetal for menor que dez vezes em 24h, bem como o acompanhamento da glicemia capilar antes e após a atividade; se a glicemia capilar estiver abaixo de 60 mg/dL ou acima de 250 mg/dL.

 

Tabela 2. Contraindicações à prática de exercício físico durante a gestação.

ABSOLUTAS

RELATIVAS

Ruptura de membranas

Aborto expontâneo prévio

Trabalho de parto pré-termo

Parto pré-termo prévio

Doença hipertensiva gestacional

Doença cardiovascular leve-moderada

Incompetência istmocervical

Anemia ( Hb < 10 g/dL)

Crescimento uterino restrito

Doença respiratória leve-moderada

Gestação múltipla ( ≥ trigemelar )

Desnutrição ou distúrbio alimentar

Placenta prévia > 28 semanas de gestação

Gestação gemelar > 28 semanas de gestação

Sangramento persistente no 2° ou 3° trimestre

Outras condições médicas relevantes

Diabetes tipo 1, doença tireoidiana, cardiovascular, respiratória ou sistêmica descompensadas

—------

Retinopatia proliferativa

—------

Neuropatia diabética autonômica grave

—------

Hipoglicemias graves assintomáticas

—------

Algumas modalidades de exercícios*

—------

Fonte: Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55/7

 

  • Medicamentoso

Existem divergências acerca do tratamento medicamentoso do diabetes gestacional entre as diretrizes nacionais e internacionais. A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) sugere o uso de insulina como tratamento padrão. Ao passo que o National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) recomenda o uso de metformina, e a International Diabetes Federation (IDF) sugere a metformina e a glibenclamida como opções de tratamento, principalmente quando a insulina se apresenta como um recurso escasso, ou de difícil acesso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BEDELL, S.; HUTSON, J.; DE VRIJER, B.; EASTABROOK, G. Effects of maternal obesity and gestational diabetes mellitus on the placenta: Current knowledge and targets for therapeutic interventions. Curr Vasc Pharmacol., [S. l.], v. 19, n. 2, p. 176-192, 2021. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32543363/. Acesso em: 18 out. 2022.

 

INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION. IDF Diabetes Atlas. 10. ed. [S. l.s. n.], 2021. Disponível em: https://profissional.diabetes.org.br/wp-content/uploads/2022/02/IDF_Atlas_10th_Edition_2021-.pdf. Acesso em: 18/10/2022.

 

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diabetes mellitus na gestação. Rio de Janeiro: [S. n.], 2020. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sudeste/hugg-unirio/acesso-a-informacao/documentos-institucionais/ProtocoloClnicoDiabeteMellitusnaGestao.pdf. Acesso em: 18 out. 2022.

 

OLIVEIRA, A. C. V. et al. Diabetes mellitus gestacional: Uma revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, [S. l.], v. 13, n. 5, p. [1-7], out. 2021. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/7080/4601. Acesso em: 18 out. 2022.

 

REZENDE FILHO, Jorge de. Rezende - Obstetrícia Fundamental. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

 

WEINERT, Letícia S. et al. Diabetes gestacional: Um algoritmo de tratamento multidisciplinar. Arquivos Brasileiros de Endocrinol Metab, [S. l.], v. 55, n. 7, p. 435-445, out. 2011. DOI 10.1590/S0004-27302011000700002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/abem/a/NLm7zgDx85LgZhsLKywtgCB/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 18 out. 2022.

 

 

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CAPÍTULO 6

VAGINITES E VAGINOSES

 

Autor Principal

Túlio Vieira Moreira

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

Coautores

Arthur Barros Santana

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

 

INTRODUÇÃO

 

Devido diversos fatores como incidência, sintomatologia desagradável, repercussões sexuais e psicológicas, as infecções do trato genital feminino são importantes patologias dentro da prática clínica. Tais infecções podem levar a sequelas, complicações e são capazes de favorecer o desenvolvimento de doenças sexualmente transmissíveis, dentre elas a infecção pelo HIV.

Mesmo com a existência de diversos tratamentos com fármacos administrados por via tópica ou sistêmica e a ampliação dos métodos diagnósticos, essas doenças são, principalmente quando recidivantes, consideradas um desafio para os pacientes e profissionais médicos.

O trato genital presente nas mulheres comunica com o meio externo através da fenda vulvar e sua anatomia é constituída por diversas cavidades, diariamente por diversas maneiras a vagina é então invadida por vários microrganismos. Alguns fatores podem permitir a deposição de microrganismos na região da vulva e vagina, como a contaminação do reto, exposição tanto ao ambiente quanto às vestes, diferentes atividades sexuais, toque não vaginal ou a própria higienização. Tem-se ainda a colonização da vagina por microrganismos mesmo em mulheres saudáveis, porém em níveis sub infecciosos, não existindo sintomas ou desenvolvimento de infecção devido à mecanismos locais de defesa e atuação da flora protetora endógena.

Nesse contexto, as vaginites e vaginoses são dentro dos consultórios ginecológicos as principais queixas, representando cerca de 40% dos motivos das consultas. Os principais sintomas são as alterações do corrimento vaginal seja na quantidade, odor, coloração e aspecto. Pode ser relatado ainda sintomas como prurido, disúria, dispareunia e sensação de ardência/queimação.

Tem-se como etiologias das vulvovaginites e vaginoses: Vaginose bacteriana, vaginite por trichomonas (tricomoníase) e candidíase que juntas representam 90% das causas de secreção vaginal anormal, entre outras como vaginose citolítica, vaginite inflamatória descamativa e vaginite aeróbica.

 

VAGINOSE BACTERIANA

 

  • EPIDEMIOLOGIA

Dentre as causas de corrimento alterado, tem-se como principal a vaginose bacteriana, variando sua prevalência entre 9% a 47% dos casos, sendo entre as mulheres em idade fértil a VB é a afecção do trato genital inferior mais frequente. Atualmente, existem evidências que associam a VB com um risco aumentado para desenvolvimento de doença inflamatória pélvica (DIP), doenças sexualmente transmissíveis, infecção pós-aborto, pós histerectomia, pós-parto e parto pré-maturo em gestantes.

Como já mencionado, a VB é uma patologia muito prevalente, com valores que podem variar de 10% a 30% segundo estimativas mundiais. No Brasil, essa desordem pode representar 40% das queixas vaginais, dependendo da população estudada.

  • ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO

Acredita-se que a etiologia da VB, está relacionada a um desequilíbrio da flora vaginal determinada pela diminuição de Lactobacillus (flora microbiana) e crescimento excessivo de bactérias facultativas e anaeróbias, que normalmente estão presentes em pequenas concentrações. Diversas bactérias diferentes participam desse processo e embora varie entre as mulheres, podem ser citadas como as espécies mais incidentes, Gardnerella, Atopobium, Prevotella, Megasphaera, Leptotrichia, Sneatia, Bifidobacterium, Dialister, Clostridium e Mycoplasmas.

Muitos são os fatores de risco para a vaginose bacteriana, diferentes práticas sexuais como elevado número de parceiros masculinos, sexo com parceiro não circuncisado, sexo receptivo anal antes do sexo vaginal e alguns comportamentos de higiene genital podem representar mecanismos que facilitam a instalação dessa condição. Outros aspectos como tabagismo, estresse crônico, práticas de duchas vaginais, raça negra e menstruação também são considerados fatores de risco. Vale ressaltar que existe uma alta prevalencia de VB entre mulheres que fazem sexo com mulheres, variando de 25% a 35%.

  • FISIOPATOLOGIA E ASPECTOS CLÍNICOS

O meio vaginal na VB se torna imunossuprimido em decorrência de uma alteração na resposta imune local causada pelas bactérias associadas a essa desordem. Como consequência da imunossupressão local, o ambiente se torna suscetível a outros agentes infecciosos, como HIV e o papilomavírus (HPV), relacionando-se também com diversos outros distúrbios do trato reprodutivo.

O corrimento presente na vaginose bacteriana pode ter intensidade variada, estar associado a um odor vaginal fétido, dito muitas vezes como amoniacal ou “odor de peixe”. Em alguns casos a VB pode se apresentar com ausência de corrimento sendo relatado apenas a presença do odor. As aminas aromáticas (putrescina, dimetilamina e cadaverina) são substância responsáveis pelo surgimento do odor desagradável, elas são produzidas por meio do metabolismo de bactérias anaeróbias e quando mescladas com substâncias alcalinas se tornam voláteis, são exemplos de substâncias com pH alcalino o sangue menstrual e o sêmen, por esse motivo, práticas sexuais desprotegidas e a menstruação são fatores que pioram o odor. Sintomas como dor durante ato sexual (dispareunia), prurido e disúria não são causados pela vaginose bacteriana, entretanto os mesmos podem ser apresentados pelo paciente quando a VB se apresenta associada a outras desordens. Durante o exame físico, pode ser evidenciado um conteúdo vaginal, homogêneo e fluido que em geral apresenta coloração amarelada, branco-acinzentada ou esbranquiçada, em quantidades variáveis.

  • DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da vaginose bacteriana pode ser feito com base em alguns critérios propostos com base em achados clínicos, laboratoriais ou análise isolada de dados microbiológicos. Os critérios mais utilizados são os de Amsel e os de Nugent.

Com base nos critérios de Amsel, o diagnóstico é confirmado com a presença de três dos quatro seguintes itens: presença ao exame microscópico das chamadas "células-chaves" ou “clue cells” (células epiteliais recobertas por cocobacilos Gram variáveis); corrimento vaginal homogêneo e acinzentado aderentes às paredes vaginais; pH vaginal superior a 4,5; teste das aminas positivo, que compreende o surgimento de odor fétido após ser adicionada KOH 10% em uma gota de conteúdo vaginal. Já os critérios de Nugent, utilizam dados obtidos por meio da bacterioscopia com coloração de Gram do conteúdo vaginal. É atribuído um sistema de pontuação para três morfotipos: bacilos curvos Gram negativos, lactobacilos e cocobacilos Gram variáveis. Por meio da soma de pontuação dos agentes é obtido uma pontuação final que é interpretada da seguinte forma: 7 a 10 pontos, confirma o diagnóstico de VB; 4 a 6 pontos, microbiota alterada; 0 a 3 pontos, padrão normal. 

 

Escore

Lactobacilos

Gardnerella, Bacteroides etc.

Bacilos curvos

Quantificação das bactérias em lâmina (coloração gram)

0

4+

0

0

0

Ausência de bactérias

1

3+

1+

1+ ou 2+

1+

<1 bactéria/campo

2

2+

2+

3+ ou 4+

2+

1 a 5 Bacteria

3

1+

3+

-

3+

6 a 30 bactéria/campo

4

0

4+

4+

>30 bactéria/campo

Fonte: adaptado do Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: infecções que causam corrimento vaginal

Nota: a) ≥ 7 - vaginose bacteriana; 4 a 6 - alteração da microbiota; ≤ 3 padrão normal

  • TRATAMENTO

O tratamento dessa desordem tem como objetivos principais retomar o equilíbrio da flora vaginal fisiológica e eliminar os sintomas. É recomendado o uso de Metronidazol por via oral, 1g por dia, dividido em duas doses diárias de 500mg por sete dias; OU clindamicina creme 2%, 5g via vaginal ao deitar-se por sete dias; ou metronidazol gel 0,75%, 5g via vaginal ao deitar-se por cinco dias. Outros esquemas podem ser utilizados de forma alternativa, sendo eles: tinidazol 2g, duas vezes ao dia, via oral por dois dias; OU tinidazol 1g, uma vez ao dia via oral por cinco dias; ou clindamicina na dose de 300mg de 12 em 12 horas por via oral, durante sete dias.

É orientado ainda durante o tratamento o uso de forma correta e consistentemente de preservativos ou a abstenção de atividade sexual, é recomendado também, durante e até 24 horas após o tratamento com nitroimidazólicos a abstinência de álcool devido o efeito dissulfiram. Vale lembrar que os imidazólicos podem causar cefaleia, insônia, tontura, boca seca, gosto metálico, náuseas e vômitos como efeitos colaterais e a clindamicina pode enfraquecer o diafragma e o preservativo até os 5 dias posteriores ao uso.

Em relação às recidivas, não existem recomendações para seu tratamento, podendo ser utilizado o mesmo regime assim que ocorrer a instalação da recidiva ou pode ser utilizado um outro regime terapêutico. Nos casos de recorrências múltiplas uma alternativa é utilizar o metronidazol 500mg duas vezes ao dia por VO, no regime de 7 a 14 dias, caso essa terapêutica não seja efetiva, deve utilizar o metronidazol gel intravaginal duas vezes por semana, durante quatro a seis meses. Mas ainda assim, pode ocorrer recidiva após término do tratamento.

 

CANDIDÍASE

 

  • ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA

A candidíase é causada pela proliferação de fungos no ambiente vaginal, tendo o principal agente etiológico a I. (em torno de 90% dos casos) outras espécies de Candida representam os 10% (glabrata, tropicalis, parapsilosis, guilliermondii). De 10% a 20% das mulheres são colonizadas por Candida sp. sem qualquer tipo de sintoma durante a vida fértil, já que esta pode estar na microbiota vaginal.

  • FISIOPATOLOGIA E ASPECTOS CLÍNICOS

No meio vaginal, a Candida albicans pode se ambientar, mesmo que em baixas concentrações, sem qualquer tipo de sintomas. Ainda sem explicações concretas, ocorre uma mudança do estado de saprófitas para a forma infecciosa, o que por sua vez, leva a invasão do epitélio e ativação das respostas inflamatórias, levando aos sintomas. Nesse processo, são empregadas enzimas proteolíticas que auxiliam na penetração do tecido. Os aspectos clínicos dessa afecção são pruridos vulvar e vaginal, corrimento grumoso e com placas brancas que se aderem à parede vaginal, eritema, fissuras vulvares, lesões secundárias ao coçar. Pode haver dispareunia e disúria por lesões satélites. Pelas alterações do PH vaginal durante a gestação, é comum que gestantes apresentem candidíase, ainda que recorrente.

  • DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é confirmado por exames laboratoriais, como o exame microscópico do conteúdo vaginal a fresco e bacterioscopia. O primeiro é retirado uma amostra do conteúdo aderido à parede vaginal e, na lâmina, se adiciona hidróxido de potássio para verificar as leveduras. No segundo, é observado baseado na coloração de gram. Como terceira opção pode ser feito cultura do material colhido, principalmente em casos de recorrência observada.

  • TRATAMENTO

Como primeira opção de tratamento, deve ser considerada a aplicação de Miconazol creme a 2% via vaginal, à noite ao deitar-se, por 7 dias. Ou nistatina 100.000 UI, via vaginal, à noite ao deitar-se, por 14 dias. A segunda opção de tratamento é feita com Fluconazol 150mg, via oral, dose única ou Itraconazol 100mg, 2 comprimidos via oral, 2 vezes por dia, em um dia. Se tivermos diante a um caso de candidíase complicada e recorrente, deve-se optar pelo fluconazol 150mg, via oral 1 vez ao dia, nos dias 1, 4 e 7 ou Itraconazol 100 mg, 2 comprimidos, via oral, 2 vezes ao dia por 1 dia, ou miconazol creme vaginal tópico diário por 10 a 14 dias. A manutenção nesses casos é feita com fluconazol 150 mg, via oral, uma vez por semana ou miconazol creme vaginal tópico, 2 vezes por semana. As parcerias sexuais não precisam ser tratadas, exceto nos casos de sintomáticos. Em caso de gestantes é indicado o tratamento via vaginal, nesse caso o uso de triazóis está contraindicado.

 

TRICOMONÍASE

 

  • ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA

Na tricomoníase, se tem o agente etiológico pelo parasita flagelado Trichomonas vaginalis, transmitindo-se sexualmente e com a capacidade de alterar o ambiente no qual está inserido. A tricomoníase acomete por ano o equivalente a 140 milhões de pessoas, sendo considerada a ISTO não viral mais comum e é comumente um facilitador da transmissão do HIV.Os fatores de risco são considerados independentes, mas que flutuam nos achados precipitantes, dentre eles se encontram a idade fértil, ato sexual desprotegido e múltiplos parceiros.

  • FISIOPATOLOGIA E ASPECTOS CLÍNICOS

Na vagina, por meio da proteína de membrana lipofosfoglicana, o Trichomonas vaginalis consegue se aderir e gerar uma resposta inflamatória expressiva, que por sua vez facilita o contágio por outras infecções, já que além da inflamação, para sobreviver, o parasita utiliza de células e a flora bacteriana do hospedeiro.

A forma assintomática acontece na maioria dos casos, se mantendo sem diagnóstico e o devido tratamento. Quando sintomática, se destaca o corrimento vaginal intenso, de cor amarelo-esverdeado ou acinzentado, de aspecto espumoso e odor fétido. Também, pode haver prurido, dispareunia e sinusiorragia. É comum o surgimento de sintomas urinários acompanhados, como a disúria. Ao exame físico, na maioria dos casos, as genitais externas se apresentam hiperemiadas somadas ao conteúdo do corrimento exacerbado pela vulva. É verificado pelo exame especular o aumento do corrimento vaginal característico, hiperemia das estruturas do intróito e o colo uterino se demonstrando em aspecto de “morango” como consequência das sufusões hemorrágicas.

  • DIAGNÓSTICO

A bacterioscopia a fresco do conteúdo vaginal em soro fisiológico é a ferramenta diagnóstica principal, na qual é possível observar o parasita apresentando mobilidade, tendo sensibilidade entre 51% e 65%. Utilizando-se da coloração pelo Gram também possibilita a identificação do parasita. É recomendada a cultura quando a clínica e os exames anteriores não forem compatíveis. Entretanto, pela carência de muitos locais de atuação, as maiorias dos diagnósticos atualmente são feitos empiricamente ao estabelecer a confluência entre os sintomas e os achados especulares.

  • TRATAMENTO

A recomendação para tratamento é o metronidazol 2g por via oral em dose única ou tinidazol 2g por via oral em dose única. Sendo importante incluir no tratamento do parceiro. É recomendado testar o paciente três meses após o tratamento e a busca ativa de outras IST 's. Para o tratamento com metronidazol deve ser orientado a abstinência alcóolica por 24 após feito a medicação e 72 h em caso de uso do tinidazol. É importante transmitir ao paciente o conhecimento a respeito de doenças sexualmente transmissíveis, para diminuir os riscos de recorrência da infecção.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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CAMARGO, K. C. de. et al. Secreção vaginal anormal: Sensibilidade, especificidade e concordância entre o diagnóstico clínico e citológico. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, [S. l.], v. 37, n. 5, p. 222–228, maio 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbgo/a/SQK7vPDGXPSF7Q7B7DSDNSh/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

CARVALHO, N. S. de. et al. Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: Infecções que causam corrimento vaginal. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 30, n. esp. 1, e2020593, 2021. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v30nesp1/2237-9622-ess-30-esp1-e2020593.pdf. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

LINHARES, I. M.; AMARAL, R. L. G. do; ROBIAL, R.; ELEUTÉRIO JUNIOR, J. Vaginites e vaginoses. Protocolos Febrasgo – Ginecologia, [S. l.], n. 24, p. 1-24, 2018. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/images/pec/Protocolos-assistenciais/Protocolos-assistenciais-ginecologia.pdf/NOVO_Vaginites-e-Vaginoses.pdf. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

TRATADO de Ginecologia Febrasgo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.

 

 

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CAPÍTULO 7

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

 

Autor Principal

Poliana Rocha Miranda

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

Coautores

Ligia Glazar Teixeira

Marilene Amantes Coelho da Mota

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

 

 

INTRODUÇÃO

 

A infecção do trato urinário (ITU) é um quadro infeccioso que pode ocorrer em qualquer parte do sistema urinário e pode acometer tanto indivíduos hospitalizados, quanto aqueles que estão na comunidade.

Essa infecção ocorre por ação de micro-organismos que atingem o trato urinário baixo (uretra e bexiga), e/ou o trato urinário alto (rins e ureteres). A depender da estrutura envolvida, tem denominações distintas: uretrite, em caso de acometimento da uretra; cistite quando envolve a bexiga; ou pielonefrite, quando o acometimento é renal. A ITU pode ser classificada como complicada ou não complicada. Denomina-se

ITU não complicada um quadro agudo, no trato urinário inferior (cistite) ou superior (pielonefrite), que ocorre em mulheres jovens, não grávidas e na ausência de anormalidades estruturais ou funcionais do trato urinário. Já na ITU complicada, se tem também um quadro de cistite e/ou pielonefrite, porém ela está associada a condições pré-existentes do indivíduo, que podem resultar em maior dificuldade no tratamento. Cita-se as gestantes, pacientes com anormalidades anatômicas ou funcionais do trato urinário, uso de cateteres urinários de demora, doenças renais ou indivíduos que passaram por procedimento ou instrumentação cirúrgica recente no trato urinário e também, portadores de doenças sistêmicas, como diabetes mellitus, imunossupressão, insuficiência renal crônica e transplante renal.

Quando acontecem dois episódios de ITU em seis meses ou três nos últimos doze meses é denominado de infecção recorrente do trato urinário.

Pode ocorrer também bacteriúria assintomática, quando se encontra na urina considerável quantidade de bactérias (consideram-se 100 mil unidades formadoras de colônia por mL como bacteriúria significativa), sem associação com sintomas clínicos de ITU.

A ITU ocorre quando a flora normal da região periuretral é substituída por bactérias uropatogênicas que ascendem pelo trato urinário. A infecção ocorre devido a fatores relacionados à virulência da bactéria e também à suscetibilidade do hospedeiro, que permitem que os microrganismos colonizem o local.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

A infecção do trato urinário (ITU) está entre as infecções bacterianas em adultos mais comuns. Destaca-se que as mulheres são 50 vezes mais propensas a esse tipo de infecção do que os homens, e 30% a 50% das mulheres experimentam uma ITU sintomática ao longo da vida. Devido a principal via de contaminação do trato urinário ser a ascendente, as mulheres são mais prejudicadas devido à menor extensão anatômica da uretra feminina e à maior proximidade entre a vagina e o ânus, propiciando maior chance de infecção.

A infecção urinária de repetição ocorre entre 10% e 15% das mulheres com mais de 60 anos de idade. Já 2% a 10% das mulheres apresentarão bacteriúria assintomática ao longo da vida.

Embora mais comum em mulheres, foi observado que nos homens acima de 50 anos houve um aumento de sua incidência, que se deve a maior instrumentalização das vias urinárias nessa faixa etária como, por exemplo, o cateterismo vesical, além da ocorrência de doenças da próstata. As taxas de ITU também são altas entre idosos e pacientes hospitalizados, devido aos fatores citados anteriormente, além de comorbidades que aumentam a suscetibilidade à infecção.

 

ETIOLOGIA

 

A ITU, na maioria das vezes, é causada por bactérias e, em menor parte, por fungos. O agente etiológico, o perfil de susceptibilidade e os fatores associados variam de acordo com o ambiente no qual a infecção foi adquirida.

Quando adquirida na comunidade, é geralmente causada pela bactéria Escherichia coli (E. coli), com prevalência variável entre 70% a 85% dos casos, seguido por outros uropatógenos como Klebsiella pneumoniae, Enterobacter, Proteus mirabilis, Sthaphylococcus saprophyticus e Streptococcus agalactiae.

Quando a ITU é adquirida em ambiente hospitalar, os agentes etiológicos também são diversos, com predomínio das enterobactérias, embora a E. coli também seja uma das mais frequentes.

Vários microrganismos podem se desenvolver no trato urinário e causar infecções e, na maioria dos casos, estão relacionados com os bacilos Gram-negativos, tanto nas infecções complicadas quanto nas não complicadas.

Na ITU não complicada, a E. coli é responsável pela maioria das infecções, enquanto nas complicadas, o espectro de bactérias envolvido é bem mais amplo, incluindo bactérias Gram positivas e Gram negativas e com elevada frequência organismos multirresistentes. É importante ressaltar que as infecções por micro-organismos que não estão comumente relacionadas a essa infecção podem ser indicativos de anomalias estruturais subjacentes ou da presença de cálculo renal.

Estudos apontam que a alta prevalência de E. coli na ITU se deve ao fato de essa bactéria ser comum na microbiota intestinal, o que pode ocasionar infecções extraintestinais. Tem-se que o conhecimento da prevalência destes agentes, assim como do perfil de resistência, é de fundamental importância na escolha da terapia antimicrobiana empírica.

 

FISIOPATOLOGIA

 

O desenvolvimento da ITU ocorre a partir do desequilíbrio entre os mecanismos de defesa do hospedeiro e fatores de virulência dos uropatógenos. A uretra contém uma microbiota com diversas espécies bacterianas, porém, acima dela, o ambiente do trato urinário normal é estéril.

A mucosa intacta, a alta concentração de ureia, a osmolaridade extrema, e o baixo pH da urina atuam como uma espécie de barreira que impede a ascensão de patógenos. No momento em que um ou mais desses fatores são afetados, o paciente torna-se propenso à ITU.

As bactérias conseguem adentrar ao trato urinário por três vias: disseminação hematogênica, linfática e pela via ascendente da uretra, que ocorre na maioria dos casos. O contágio por essa última via, dá-se por uma colonização periuretral de bactérias entéricas decorrentes da microbiota do intestino, por meio de fatores mecânicos, sudorese, higiene pessoal e defecação.

A via hematogênica é referente não mais que 2% das ITUs e ocorre em decorrência de infecções renais por microrganismos Gram-positivos, uma vez que, alterações da anatomia ou funcionamento dos rins, assim como a mudança da resistência do indivíduo, favorecem a permanência dessas bactérias. Em suma, a via linfática é incomum, e necessita ser melhor investigada.

 

FATORES DE RISCO

 

Existe diferença entre os fatores de risco no pré e pós menopausa. Na pré-menopausa, tem-se a predominância dos fatores comportamentais, como a quantidade de parcerias sexuais e também novos parceiros, relações sexuais frequentes, uso de espermicida e do diafragma. Já para as mulheres na pós-menopausa, os riscos se fundamentam na deficiência de estrogênio, redução de lactobacilos vaginais, prolapso genital, cirurgia vaginal prévia, volume urinário residual aumentado, diabetes mellitus, incontinência urinária e ITU anterior.

Nos casos de ITU de repetição, há evidências que apontam o envolvimento genético, associado à alteração na resposta do hospedeiro, considerado como fator de risco predisponente nessas mulheres.

QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

 

O diagnóstico da ITU se baseia na história clínica do paciente e exame físico minucioso. Tal infecção, pode apresentar-se de forma assintomática ou sintomática.

Tipicamente, a sintomatologia da ITU inclui disúria, polaciúria, urgência miccional, hematúria e desconforto suprapúbico. Além disso, o paciente que possui febre, sensibilidade ou dor em região lombar aponta comprometimento do sistema urinário superior.

A urocultura, é classificada como padrão ouro no diagnóstico dos pacientes. Considera-se o exame positivo quando está presente uma quantidade de colônias de bactérias maior ou igual a 100 mil unidades formadoras de colônia por mL, porém, sem sinal local ou sistêmico da infecção.

Além disso, a urocultura é indicada somente nos casos de ITU recorrente, na presença de complicações associadas ou falha do tratamento, devendo ser feita com jato médio da urina. A realização da cultura de urina em pacientes com quadro de ITU não complicada é desnecessária, devido ao caráter previsível que as bactérias apresentam.

O diagnóstico laboratorial nos casos de ITU em mulheres sintomáticas, consiste também no exame de urina com tiras reativas para uroanálise, no qual irá indicar o aparecimento de nitrito e esterase leucocitária.

Mulheres com sintomas incomuns de doença aguda, que apresentam uma possível falha ao uso da antibioticoterapia e ou perduram com febre após 72 horas de tratamento, devem realizar exames de imagem para investigação adicional. Nesses casos, os exames de escolha são: ultrassonografia, tomografia computadorizada helicoidal das vias urinárias ou urorressonância magnética.

Ademais, os diagnósticos diferenciais para ITU englobam vaginite, síndrome da bexiga dolorosa, uretrite aguda, doença inflamatória pélvica e síndrome da bexiga hiperativa.

As gestantes fazem parte do grupo de mulheres assintomáticas que é indicado o rastreamento e tratamento, uma vez que, nesses casos, a apresentação de bactérias na urina aumenta o risco de pielonefrite, prematuridade e baixo peso ao nascer. A indicação também prevalece nos casos de pacientes que se submetem à cirurgia urológica eletiva, sobretudo procedimentos endoscópicos passíveis de penetrar o trato urinário. 

 

TRATAMENTO

 

A escolha da terapia antimicrobiana para a ITU varia de acordo com a apresentação da infecção, hospedeiro e agente etiológico. É mais adequada quando feita a partir do antibiograma, na observação da resposta ao tratamento prévio com antibióticos empíricos e na ocorrência de recorrência ou reinfecção. No entanto, a antibioticoterapia empírica deve ser iniciada logo após a coleta adequada da urocultura, devido à demora do resultado.

A bacteriúria assintomática é definida pela presença do mesmo micro-organismo em uma contagem maior que 100.000 UFC/ml no exame de urina somados à ausência de sinais e sintomas clínicos de infecção. Seu rastreamento e tratamento são indicados apenas para gestantes, pelos riscos aumentados de danos à mãe e ao feto. Outra população em que se recomenda o tratamento são pacientes que serão submetidos a cirurgia urológica eletiva.

Para o tratamento da cistite bacteriana (ITU baixa) não complicada, pode ser instituído o tratamento empírico, com antimicrobiano em monodose ou de curta duração. Entre os benefícios do tratamento em dose única, ressalta-se a facilidade de adesão, baixo custo, excreção urinária no período de 48 a 72 horas acima da concentração inibitória mínima para a E. coli, boa tolerabilidade, baixa incidência de efeitos colaterais e menor risco de desenvolvimento de resistência aos antibióticos.

Dessa forma, o antibiótico mais indicado para o tratamento da cistite não complicada, é a Fosfomicina 3 gramas, por via oral, em dose única. Outras opções terapêuticas, em doses fracionadas ao longo do dia incluem a Nitrofurantoína 100 mg, por via oral, de 6 em 6 horas, por 5 dias e ainda, a Axetilcefuroxima 500 mg, de 12 em 12 horas por 7 dias.

Ressalta-se que as fluoroquinolonas, como o Ciprofloxacino, Levofloxacino, não são recomendadas como primeira linha de tratamento na cistite bacteriana não complicada, devido ao aumento de resistência bacteriana, efeitos colaterais adversos e seu uso mais eficaz no tratamento das pielonefrites.

Ademais, as gestantes envolvem um grupo particular de tratamento, em que as drogas mais seguras para essa população são os beta lactâmicos, a Nitrofurantoína e a Fosfomicina.

 

 

O tratamento da pielonefrite de origem comunitária não complicada, inclui duas vias de administração: via oral ou via endovenosa. As vias devem ser escolhidas de acordo com as características do paciente, de forma individualizada, considerando a gravidade da doença, a presença de náuseas e vômitos, estado geral, suporte clínico em casa e a possibilidade de seguimento médico.

Geralmente, pacientes com pielonefrite não complicada e que apresentam uma das seguintes características clínicas: pacientes portadores de doenças graves, imunocomprometidos, gestantes, suspeita de abscesso ou cálculo, vômitos persistentes apesar do uso de antieméticos, má aderência ao tratamento ou condições inadequadas para tratamento domiciliar, necessitam de tratamento endovenoso e internação hospitalar.

Pode-se iniciar o tratamento de forma oral, com o Ciprofloxacino 500 mg, de 12 em 12 horas por 10 a 14 dias, ou ainda o Levofloxacino 750 mg, uma vez ao dia, durante 5 dias. Para pacientes em que há a necessidade de internação, a via endovenosa torna-se recomendável, utilizando o Ciprofloxacino 400 mg, duas vezes ao dia, ou a Ceftriaxona 1 grama de 12 em 12 horas, ou Fosfomicina 1 grama uma vez ao dia ou ainda, ou ainda a Axetilcefuroxima 1 grama de 8 em 8 horas, todos por um período de tratamento de 14 dias.

Para as pielonefrites complicadas, o tratamento inicial deve ser feito em regime hospitalar, com as seguintes opções de fármacos endovenosos: Amoxicilina / Aminoglicosídeo ou Cefalosporina de terceira geração. Outras opções incluem a Ceftazidima associado a Avibactam, Meropenem ou Ceftolozane em associação com Tazobactam.

Nas gestantes dá-se preferência para o uso das cefalosporinas de terceira geração e para as Penicilinas, em que a Ceftriaxona é frequentemente utilizada. Recomenda-se evitar as quinolonas e as sulfonamidas no primeiro trimestre de gestação e próximo ao parto.

É importante lembrar que a terapia definitiva deve ser baseada nos testes de sensibilidade antibiótica da urinocultura e das hemoculturas, de preferência reduzindo o espectro da terapia inicial.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil - Tratado  de  Medicina  Interna. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

 

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CAPÍTULO 8

ABORDAGEM DO TABAGISMO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

 

Autor Principal

Larissa Araujo Alves

Discente do Curso de Medicina da Universidade Vale Do Rio Doce (UNIVALE)

 

Coautores

Maria Julia Agnes Brito

Médica Pelo Centro Universitário De Caratinga (UNEC)

 

 

INTRODUÇÃO

 

O tabagismo é uma patologia epidêmica que se inclui na 10ª CID10 no grupo de transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de substâncias psicoativas e acontece quando o paciente tem   dependência à nicotina. Além de ser uma doença, o uso do tabaco pode causar aproximadamente outras 50 doenças incapacitantes e fatais.

O cigarro pode levar a desfechos fatais, sendo responsável por 71% das mortes por câncer de pulmão, 42% das doenças respiratórias crônicas e aproximadamente 10% das doenças cardiovasculares, e é fator de risco para tuberculose. O tabagismo é a principal causa de morte evitável e estima-se que cause mais de sete milhões de mortes por ano no mundo. Espera-se que até metade de todos os que fumam regularmente morram de uma doença relacionada ao tabaco. A cessação do tabagismo em qualquer idade está associada a benefícios importantes para a saúde. A extensão do benefício depende em parte da intensidade e duração da exposição prévia à fumaça do tabaco. Aqueles que param de fumar têm maior expectativa de vida e são menos propensos a desenvolver doenças relacionadas ao tabaco. As pessoas também se beneficiam de parar de fumar mesmo após desenvolverem doenças relacionadas ao tabagismo, como doença cardíaca coronária ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O envolvimento do médico aumenta a probabilidade de o paciente parar de fumar com sucesso. O objetivo é identificar rotineiramente os usuários de tabaco e oferecer-lhes ajuda baseada em evidências para parar de fumar.

 

AVALIAÇÃO DO PACIENTE TABAGISTA

 

Avaliação clínica: O fumante deve ser submetido a anamnese e avaliação clínica completa, com o objetivo de identificar a carga tabágica, alterações funcionais pulmonares, grau de dependência do tabaco, existência de doenças relacionadas ao tabagismo (DRT) como doenças cardiovasculares (DCV), possíveis contraindicações e interações medicamentosas durante o tratamento farmacológico da dependência.

História tabagística: Idade de início, número de cigarros fumados por dia, tentativas de cessação, tratamentos anteriores com ou sem sucesso, recaídas e prováveis causas, sintomas de abstinência, exposição passiva ao fumo, formas de convivência com outros fumantes (casa/trabalho) e fatores associados (café após as refeições, telefonar, consumo de bebida alcoólica, ansiedade e outros).

Grau de dependência: Teste de Fagerström para dependência à nicotina.

Grau de motivação: Estágio motivacional (Modelo transteórico comportamental de Prochaska e DiClemente).

Atividade física habitual e oscilações do peso corporal.

Sintomas: Tosse, expectoração, chiado, dispnéia, dor torácica, palpitações, claudicação intermitente, tontura e desmaios.

Investigação de comorbidades: Doenças prévias ou atuais que possam interferir no curso ou no manejo do tratamento como lesões orais, úlcera péptica, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, cardiopatias, transtornos psiquiátricos (depressão, ansiedade, pânico, anorexia nervosa, bulimia, etc.), uso de álcool e/ou outras drogas, pneumopatias, epilepsia, acidente vascular cerebral (AVE), dermatopatias, câncer, nefropatias, hepatopatias, história de convulsão, entre outras.

Medicamentos em uso: Levantamento dos medicamentos que possam interferir no manejo do tratamento, como antidepressivos, inibidores da MAO, carbamazepina, cimetidina, barbitúricos, fenitoína, antipsicóticos, teofilina, corticosteroides sistêmicos, pseudo-efedrina, hipoglicemiante oral e insulina, entre outros.

Alergias: De qualquer etiologia, como cutâneas, respiratórias e medicamentosas.

Situações que demandam cautela: Principalmente as relacionadas ao uso de apoio medicamentoso, por exemplo, gravidez, amamentação, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou AVE recente, arritmias graves, uso de psicotrópicos e outras situações. Recomenda-se cautela também com os adolescentes e idosos.

Antecedentes familiares: Avaliar problemas de saúde familiares, principalmente se relacionados ao tabagismo, em especial a existência de outros fumantes que convivem com o paciente.

Exame físico: Sempre completo, buscando sinais que possam indicar existência de doenças atuais ou limitações ao tratamento medicamentoso a ser proposto.

Exames complementares: Rotina básica incluindo radiografia de tórax, espirometria pré e pós broncodilatador, eletrocardiograma, hemograma completo, bioquímica sérica e urinária.

 

DIAGNÓSTICO DA DEPENDÊNCIA

 

De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo de 2020, indivíduos que apresentem, no ano anterior, no mínimo três dos critérios a seguir são considerados como dependentes:

  1. Desejo forte e compulsivo para consumir a substância (fissura ou craving).
  2. Dificuldade para controlar o uso (início, término e níveis de consumo).

III.      Estado de abstinência fisiológica diante da suspensão ou redução, caracterizado por síndrome de abstinência e consumo da mesma substância ou similar, com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência (reforço negativo).

  1. Evidência de tolerância, ou seja, necessidade de doses crescentes da substância para obter os efeitos produzidos anteriormente com doses menores.
  2. Abandono progressivo de outros prazeres em detrimentos do uso de substâncias psicoativas.

 

 

  1. Persistência no uso apesar das evidentes consequências, como câncer pelo uso do tabaco, humor deprimido ou perturbações das funções cognitivas relacionadas com a substância.

VII.     Aumento do tempo empregado para conseguir ou consumir a substância ou recuperar- se de seus efeitos cognitivos relacionados com a substância.

 

AVALIAÇÃO DO GRAU DE DEPENDÊNCIA

 

Para avaliar o grau de dependência à nicotina recomendaos o Teste de Fagerström para dependência à nicotina, conforme a tabela a seguir (Tabela 1). Deve-se realizar as perguntas ao paciente e marcar os pontos de acordo com a resposta, em seguida somar o total de pontos.

Tabela 1: Teste para avaliar a dependência de nictotina.

                                                                  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O nível de dependência de acordo com a tabela acima é classificado em: 0-2 = muito baixa; 3-4 = baixa; 5 = média; 6-7 = elevada; 8-10 = muito elevada. Uma soma acima de 6 pontos indica que, provavelmente, o paciente terá desconforto significativo ao cessar o tabagismo.

 

 

 

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

 

A abordagem do paciente tabagista pode ser feita por qualquer profissional da saúde e é indicada para todos os fumantes, pode ser realizada em consultas, triagens, pronto-socorro, etc. Resume-se em propostas como perguntar, avaliar, aconselhar e preparar o fumante para que cesse o tabagismo. São sugeridas algumas perguntas nessa abordagem: Você fuma? Há quanto tempo? Quantos cigarros você fuma por dia? Quanto tempo após acordar acende o 1º cigarro? O que você acha sobre marcar uma data para deixar de fumar? Já tentou parar de fumar? O que te atrapalha a parar de fumar?

A abordagem permite que o profissional avalie se o fumante está pronto e tem interesse em iniciar o processo de cessação do tabagismo. Caso o paciente não demonstre interesse em cessar, ele deve ser novamente abordado em um próximo contato. Para os interessados em parar de fumar, deve-se iniciar o preparo para cessação, onde o profissional da saúde deve sugerir que o fumante estabeleça uma data para o início do seu processo; explicar os sintomas da abstinência; e sugerir estratégias para controlar o desejo de fumar (como repetidamente tomar água e escovar os dentes, por exemplo) e para quebrar os estímulos para fumar (como por exemplo limitar o uso de café e de bebidas com teor alcoólico, evitar possuir objetos como isqueiros, evitar ambientes ou situações que estimulem a fumar e se adequar a lidar com situações de estresse, entre outros). Os pacientes que são fumantes e que estão em processo de cessação de fumar devem ser acompanhados em consultas de retorno para termos a certeza de fornecer um apoio na fase inicial da abstinência, quando os riscos de recaída são de maior proporção.

 

TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO

 

O aconselhamento estruturado é baseado em quatro sessões iniciais, de forma que sejam preferencialmente semanais, nas quais são abordados os seguintes temas: Sessão 1: Entender por que o paciente fuma e como isso afeta a saúde; Sessão 2: Os primeiros dias sem fumar - discussão sobre a vivência; Sessão 3: Como superar os obstáculos para permanecer sem fumar; Sessão 4: Benefícios obtidos após parar de fumar.

 

 

Após as sessões iniciais, é indicado 2 sessões quinzenais na fase de manutenção da abstinência, individualizando as necessidades do paciente em cada sessão, em seguida uma sessão mensal até completar um ano para prevenir recaídas.

O tratamento não medicamentoso deve ser realizado com todos os pacientes e é mais eficaz quando associado ao tratamento medicamentoso, porém pacientes que não apresentam sintomas de abstinência, fumam menos de 5 cigarros por dia, consomem o primeiro cigarro do dia superior a 1 hora após acordar e/ou com pontuação do teste de Fagerstrom igual ou menor que 4, podem realizar o tratamento não medicamentoso de forma isolada.

 

TRATAMENTO MEDICAMENTOSO

 

Para os que têm indicação de tratamento medicamentoso, o tratamento com Terapia de Reposição de Nicotina (TRN) deve ser realizado, podendo combinar fármaco de liberação lenta (adesivo) com fármaco de liberação rápida (goma ou pastilha), sendo o tratamento de escolha por sua maior eficácia. Podem ser oferecidas como opções terapêuticas à TRN combinada: bupropiona isolada, bupropiona associada a uma TRN isolada ou TRN isolada (adesivo, goma ou pastilha).

Cloridrato de bupropiona: comprimido de 150 mg (liberação prolongada); e Nicotina (de liberação rápida): goma de mascar de 2 mg e pastilha de 2 mg. Nicotina (de liberação lenta): adesivo de 7, 14 e 21 mg (uso transdérmico).

  • A TERAPIA DE REPOSIÇÃO DE NICOTINA COMBINADA (CTRN)

A TRN, seja combinada ou isolada, deve se iniciar quando o paciente cessar o tabagismo, não devendo ser usada de forma concomitante com o cigarro ou demais derivados de tabaco. Deve-se pensar na combinação de adesivo + pastilha ou goma de nicotina de acordo com o esquema de uso do adesivo descrito a posteriori, sendo a última opção utilizada para o controle da fissura ou em casos de uso de no máximo 5 cigarros/dia.

  • ADESIVOS DE NICOTINA (TRANSDÉRMICO)

A reposição de nicotina deve levar em consideração a proporção de um mg de nicotina para cada cigarro fumado. Deve se levar em conta pontos como:

Não é considerado adequado ultrapassar a dose de 42 mg/dia.

 Para calcularmos inicialmente a reposição de nicotina, devemos levar em conta:

Até 5 cigarros/dia: Não é indicado o uso de adesivo. Deve se iniciar com goma ou pastilha, não podendo ultrapassar 5 gomas/pastilhas de 2 mg ou 3 gomas/pastilhas de 4 mg.

De 6 a 10 cigarros/dia: deve se iniciar com adesivo de 7 mg/dia.

De 11 a 19 cigarros/dia: deve se iniciar com adesivo de 14 mg/dia

Vinte (20) ou mais cigarros/dia: deve se iniciar com adesivo de 21 mg/dia.

  • COMBINAÇÃO DE ADESIVOS

Os pacientes que fazem uso de mais de 20 cigarros/dia, e que apresentarem dificuldade para reduzir a quantidade de cigarros, porém que estão motivados a parar de fumar, são candidatos ao uso associado de adesivos. Uma vez que, combinações podem ser feitas de acordo com a quantidade de cigarros fumados diariamente e a intensidade dos sintomas de abstinência a nicotina, levaremos em conta então:

Fuma acima de 40 cigarros por dia: 21mg + 21mg/dia.

Fuma mais de 30 a 40 cigarros por dia: 21mg +14mg/dia.

Fuma mais de 20 a 30 cigarros por dia: 21mg + 7mg/dia.

A diminuição das doses associadas de adesivos deve ser feita de modo que retire cerca de 7 mg/semana, avaliada de acordo com a intensidade dos sintomas de síndrome de abstinência.

  • CLORIDRATO DE BUPROPIONA

Pacientes com idade superior a 65 anos, idosos, podem apresentar quadro de maior sensibilidade ao tratamento com esse medicamento. O médico deve, diante disso, avaliar a necessidade e, se necessário, prescrever dose única diária pela manhã (após cessar o jejum) de 150 mg.

Para fumantes com patologia de insuficiência renal crônica (IRC) ou hepatopatia crônica é aconselhável diminuir a dose para 150mg/dia, devido a maior biodisponibilidade do medicamento.

Para pacientes que cessaram o tabagismo com o uso de bupropiona e não apresenta síndrome de abstinência, pode de acordo com o critério médico, pode ser mantida dose única diária matinal (após o desjejum) na posologia de 150 mg.

O paciente que seja trabalhador noturno deve tomar o primeiro comprimido do dia de bupropiona no horário em que desperta.

Os fumantes que apresentam desconforto gástrico ou apresentam com história recente de gastrite devem tomar o comprimido de bupropiona após ser realizada a alimentação.

  • PRINCIPAIS EFEITOS COLATERAIS DOS MEDICAMENTOS

Adesivo de nicotina (transdérmico):

Os pacientes podem curar com prurido, exantema, eritema, cefaléia, náusea, tontura, dispneia, palpitação e distúrbio do sono, sendo os dois últimos mais observados quando se é usado dose excessiva de nicotina. Além disso, pode apresentar-se com irritação na pele ao usar o adesivo, o que pode ser diminuído com o uso de creme de corticóide, na noite anterior e no dia seguinte ao da aplicação, no local onde o adesivo será inserido.

Goma e pastilha de nicotina:

Tosse,irritação na garganta, soluço, estomatite, anorexia, xerostomia, perda do paladar, indigestão, parestesia, desconforto gástrico, flatulência, dor abdominal.

Cloridrato de bupropiona

Xerostomia, insônia, cefaléia, tontura, náusea, depressão, ansiedade, pânico, dortorácica,desorientaçãoeanorexia.Hátambémumriscodeconvulsãoem1:1.000pessoasquetomamadosemáximadiáriarecomendada,300mg.

  • PRINCIPAIS CONTRAINDICAÇÕES DA TERAPIA MEDICAMENTOSA

Terapia de Reposição de Nicotina (TRN)

Esse método é bem tolerado em pacientes que se apresentem com patologias como cardiopatia crônica estáveis, não aumentando a gravidade da cardiopatia. Nos eventos agudos, tal como no infarto agudo do miocárdio (IAM), deve- se evitar nas primeiras duas semanas que procedem do evento, devido ao risco aumentado de arritmias causado pelo estímulo adrenérgico causado pela nicotina. No entanto, existem pacientes com eventos cardiovasculares agudos, que podem se beneficiar do uso antecipadamente dessa terapia na forma de adesivo de nicotina. Dessa forma, esses indivíduos devem ser avaliados pelo médico assistente para avaliação do quadro clínico cardiovascular estável, principalmente quando há risco de tabagismo entre esses pacientes. Além dessas observações, deve-se adequar a dose da TRN, ou até mesmo suspender o tratamento, se por acaso ocorra algum efeito colateral relevante.

Contraindicações específicas

Adesivo de nicotina (transdérmico): História recente de IAM nas duas últimas semanas, se apresentem com arritmias cardíacas graves, angina pectoris instável, ulcera péptica, doença vascular periférica, doenças dermatológicas, e até mesmo gravidez e lactação.

Goma de nicotina: Lesões na mucosa bucal,incapacidade de mascar, úlcera péptica, uso de próteses dentárias móveis e sub-luxação na articulação temporomandibular (ATM). Pastilha de nicotina: Úlcera péptica, lesões na mucosa bucal, uso de próteses dentárias móveis e edema de Reinke.

Cloridrato de bupropiona

As contraindicações absolutas para o uso de bupropiona engloba tabagistas que já tenham apresentado ou apresente as seguintes condições clínicas: convulsão febril na infância, epilepsia, histórico de traumatismo crânio-encefálico (TCE), tumor do sistema nervoso central, e uso concomitante de inibidor da enzima monoamino-oxidase (IMAO) e anormalidades no eletroencefalograma. Além disso, há possibilidade de apresentar interações medicamentosas com os seguintes medicamentos: hipoglicemiantes fenitoína, antipsicóticos, carbamazepina, barbitúricos e corticoides.

 

MEDIDAS AUXILIARES

 

Algumas medidas devem ser utilizadas como forma de auxiliar o tratamento de cessar o tabagismo em virtude de terem boa abrangência e baixo custo, dentre elas podemos destacar os canais telefônicos de suporte ao tratamento de dependência à nicotina, de forma que pelo menos três contatos telefônicos melhoram as chances de cessação. No Brasil, temos a disposição o telefone 136 referente ao Disque Saúde, que informa sobre a cessação do tabagismo. Práticas complementares e integrativas em saúde Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são tratamentos que usam de recursos terapêuticos de acordo com os conhecimentos tradicionais. Atualmente, o SUS oferece, de forma integral e gratuita, 29 procedimentos de PICS à população, entre eles podemos destacar a acupuntura, aromaterapia, cromoterapia, dança circular, hipnoterapia, homeopatia e meditação. As PICS são intervenções seguras e populares, quando usadas de forma adequada por profissionais capacitados e responsáveis.

MONITORIZAÇÃO

 

O acompanhamento do tratamento do tabagismo deve ser realizado pelas unidades de saúde que ofereçam o tratamento, elas podem atuar por meio do registro do número de pacientes atendidos, de sua situação em relação ao uso da nicotina a cada consulta, além disso, ao apontamento de evasão ao tratamento até que se complete o tempo preconizado. A abordagem pode ser avaliada por meio do relato pelos tabagistas, em relação à abstinência do tabaco. Assim, é possível criar indicadores de cessação do uso e de adesão ou abandono do tratamento que auxiliam a sua monitorização e avaliação, nos diferentes graus de atenção do SUS. O tratamento do tabagismo pode ser iniciado em qualquer nível de atenção à saúde, sendo preferencialmente na Atenção Primária à Saúde (APS). Ao completar a finalização do tratamento, que ao ser alcançado a abstinência, é indicado que o paciente seja acompanhado por até um ano para certificar da manutenção deste quadro. No caso de recaída, deve-se reavaliar o tratamento feito anteriormente e decidir em conjunto como proceder em relação ao retratamento. Sugere-se ainda a busca ativa de pacientes que tenham rejeitado a continuidade do tratamento. Os possíveis efeitos adversos pelo uso dos medicamentos, como relatados anteriormente, devem ser acompanhados pelo profissional da saúde responsável pelo atendimento, que decidirá sobre a melhor conduta a ser adotada em cada caso, referenciando quando julgar necessário, encaminhamentos para outros profissionais ou unidades de saúde. A abstinência tabágica é o objetivo pretendido no programa desenvolvido nas unidades de saúde, tendo como eixo central, intervenções cognitivas, com o objetivo não só à cessação e treinamento de habilidades comportamentais, mas também a prevenção de recaídas. No entanto, o monitoramento dos resultados dessa ação contemplada no SUS deve fundamentalmente levar em consideração os aspectos que caracterizam essa doença crônica como é o caso da dependência química, ou seja, o estado de abstinência fisiológica, mediante a suspensão, evidenciará o quadro de síndrome de abstinência e necessidade de uso da substância com objetivo de aliviar ou evitar sintomas de abstinência. Dessa forma, dada às características da patologia e segundo fontes da literatura, as tentativas podem se somar cinco ou mais vezes com a resposta negativa ao desfecho pretendido que é abandono do vício ou recaídas. Portanto, não será adequado condicionar a resposta do tratamento com uso do aconselhamento isolado ou com o acompanhado de medicamento ao imediato sucesso na cessação da nicotina, ou até a reversão do quadro de dependência tabágica, desconsiderando que dificuldades em cessar o uso é um dos itens que compõem o diagnóstico de dependência.

 

TERMO DE ESCLARECIMENTO E RESPONSABILIDADE

 

Deve ser informado ao paciente, ou seu responsável legal, sobre os potenciaisbenefícios, assim como os possíveis riscos e efeitos adversos relacionados a cessação dotabagismocomosmedicamentosdescritosanteriormente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

HALTY, Luis S. et al. Análise da utilização do questionário de tolerância de Fagerström (QTF) como instrumento de medida da dependência nicotínica. J Pneumol., [S. l.], v. 28, n. 4, p. 180-186, jul./ago. 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jpneu/a/Lbz8y4Jh9ncz9jW9LNRVkkz/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

HEATHERTON, T. F.; KOZLOWSKI, L. T.; FRECKER, R. C.; FAGERSTRÖM, K. O. The Fagerström test for nicotine dependence: A revision of the Fagerström Tolerance Questionnaire. Br J Addict., [S. l.], v. 86, n. 9, p. 1119-1127, sep. 1991. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1932883/. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Conjunta nº 10, de 16 de abril de 2020. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília-DF, n. 74, p. 27, 17 abril 2020. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/pcdt_tabagismo.pdf. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

REICHERT, J. et al. Diretrizes para cessação do tabagismo – 2008. J Bras Pneumol., [S. l.], v. 34, n. 10, p. 845-880, out. 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpneu/a/tnNVbyTKq39N9SqMqSpgbyy/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

RIGOTTI, Nancy A. Benefits and consequences of smoking cessation. Uptodate, Waltham-USA, 2022. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/benefits-and-consequences-of-smoking-cessation. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

RIGOTTI, Nancy A. Overview of smoking cessation management in adults. Uptodate, Waltham-USA, 2022. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/overview-of-smoking-cessation-management-in-adults. Acesso em: 21 nov. 2022.

 

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CAPÍTULO 9

DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA

 

Autor Principal

Mateus Sampaio Coelho

Discente do Curso de Medicina da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

 

Coautores

Rafael Pimenta Magalhães

Discente do Curso de Medicina da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

Diogo Quintino de Souza

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

 

 

INTRODUÇÃO

 

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma doença com possibilidade de medidas preventivas e tratamentos, porém se trata de uma doença irreversível, com seu quadro sendo estabilizado e impedindo sua progressão, mas nunca uma cura da doença em si. Essa doença possui sintomas respiratórios persistentes, com uma limitação do fluxo aéreo, isso ocorre devido a alterações nas vias aéreas e nos alvéolos causadas por exposições significativas a partículas e gases nocivos. As alterações da DPOC ocorrem nas vias aéreas, na vasculatura e no parênquima pulmonar, seu quadro clínico, geralmente, afeta pacientes com bronquite obstrutiva crônica e/ou enfisema pulmonar (dois principais componentes fisiopatológicos da doença), ambos relacionados ao tabagismo. Os sintomas cardinais são dispneia, tosse e expectoração, podendo também apresentar sibilância ou opressão torácica. O sintoma mais comum e com aparecimento precoce é a dispneia quando feito esforços, o diagnóstico é feito através da história clínica e exame de prova de função pulmonar, já o tratamento baseia-se em atividades de recondicionamento físico e pulmonar somado ao tratamento medicamentoso.

 

FATORES DE RISCO

 

Quando se analisa os fatores de risco (FR) para a DPOC, aquele com maior relevância é a exposição intensa e contínua à fumaça, isso ocorre pelo tabagismo (incluindo o fumo passivo) e pelo uso de fogão a lenha. Para o tabagismo, o histórico de tabagismo deve ser formulado em maços-ano (maços por dia X o número de anos de tabagismo). Sempre questionar sobre suas idades de início e término. Uma história de fumar mais de 40 maços de cigarros por ano é altamente indicativo dessa doença.

Outros riscos menos pronunciados são idade superior a 50 anos, displasia broncopulmonar; história de tuberculose pulmonar; precocidade. Por se tratar de uma doença com prevalência massiva em idosos, em pacientes jovens a principal causa de DPOC é a deficiência de alfa-1 antitripsina.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

A consequência do aumento do tabagismo e do uso de combustíveis vegetais (madeira, relva e outros materiais orgânicos) é evidenciada também no aumento da DPOC. As mortes por DPOC podem afetar os países em desenvolvimento mais do que os países desenvolvidos. A doença pulmonar obstrutiva crônica afeta 64 milhões de pessoas e causou mais de 3,2 milhões de óbitos no mundo em 2015; espera-se que seja uma das 3 principais causas de morte em todo o mundo até 2030. No Brasil a prevalência de DPOC foi de 17% em pessoas com idade igual ou superior a 40 anos, com destaque para a região Centro-Oeste com 25% dos casos, seguido da região com maior população no país, a Sudeste, com aproximadamente 23%. Como o Brasil se apresenta como uma nação com alto grau de ocorrência da doença pulmonar obstrutiva crônica, se faz necessário políticas e estratégias de intervenção e de saúde específicas voltadas ao controle e prevenção desta patologia.

 

FISIOPATOLOGIA

 

A principal característica fisiopatológica da DPOC é a restrição do fluxo aéreo causada pelo estreitamento e/ou obstrução das vias aéreas, perda de retração elástica ou ambos. Essa limitação se deve a um processo inflamatório ou infeção. Esse processo fisiopatológico é causado por dois motivos principais: exposição respiratória (principalmente tabagismo) e fatores genéticos. Na doença pulmonar obstrutiva crônica, a inflamação aumenta à medida que a gravidade da doença aumenta, na doença grave (avançada), a inflamação não desaparece completamente quando o tabagismo é interrompido. Esta inflamação crônica não parece responder aos corticosteróides.

De todas as exposições por inalação, o tabagismo é o principal fator de risco em quase todos os países, embora apenas 15 % dos fumantes desenvolvem doença pulmonar obstrutiva crônica clinicamente aparente; um histórico de exposição de mais de 40 anos / pacote é particularmente preditivo. Entre os fatores genéticos, a doença genética causadora mais bem definida é a deficiência de alfa-1-antitripsina, que é um importante causa de enfisema em não tabagistas e aumenta significativamente a suscetibilidade para adquirir a doença em fumantes.Mais de 30 alelos genéticos manifestaram estar associados à DPOC ou apodrecimento da função pulmonar em populações específicas, mas nenhum foi associado à tripsinose alfa-1.

Em indivíduos geneticamente suscetíveis, a exposição à inalação desencadeia uma inflamação nas vias aéreas e alvéolos que desencadeia a doença. Supõe-se que este processo seja mediado por um crescimento na atividade da protease, e associadamente, uma diminuição na atividade anti-protease. Em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, a ativação de neutrófilos e outras células inflamatórias libera proteases como parte do processo inflamatório; A atividade da protease é maior que a da antiprotease, resultando em desolação tecidual e hipersecreção de muco.

As infecções respiratórias (às quais os pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica estão predispostos) podem exacerbar a progressão da destruição pulmonar. Bactérias, especialmente Haemophilus influenzae, colonizam o trato respiratório inferior em cerca de 30 % dos pacientes com DPOC.

 

DIAGNÓSTICO

 

O diagnóstico da DPOC é através da história clínica + prova de função pulmonar, obtida através da espirometria. Os sintomas cardinais são dispneia, tosse e expectoração. Pode também apresentar sibilância ou opressão torácica. O sintoma que aparece mais cedo é a dispneia aos esforços. Quanto ao exame físico, esse costuma-se apresentar normal, quando alterado, no exame de tórax, geralmente há presença de enfisema, que pode aparecer devido a hiperinsuflação pulmonar e redução do murmúrio vesicular. Se por acaso, o paciente apresentar tórax em barril (aumento do diâmetro anteroposterior) e diafragma retificado, pode ser um indicativo de doença grave. Os exames laboratoriais de rotina podem ser descartados para o diagnóstico inicial da DPOC, porém, ajudam no diagnóstico diferencial de outras causas de dispneia.

A prova de função pulmonar (espirometria) é indicada em todos os pacientes com sintomas suspeitos de DPOC para confirmação diagnóstica, avaliação do grau de comprometimento, avaliação da progressão da doença e resposta ao tratamento. O objetivo desse exame é saber se existe/qual o grau da limitação ao fluxo aéreo e se tem ausência de sua reversibilidade por prova broncodilatadora. Esse exame ocorre pré e pós-administração de broncodilatador, para determinar a responsividade da via aérea. O diagnóstico de DPOC é confirmado quando o índice de Tiffeneau (VEF1/CVF) é menor que 0,7, habitualmente associado a VEF1 < 80% do previsto, e não há outra explicação para os sintomas e obstrução do fluxo aéreo.

A classificação mais adotada para a DPOC é a proposta pelo GOLD (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease), o qual classifica a doença de acordo com a intensidade dos sintomas que o paciente manifesta - mensurada por meio de questionários como mMRC (Modified Medical Research Council Questionnaire) e CAT (COPD Assessment Test) - e de acordo com as quantidades de exacerbações por ano.

 

Relacionando esses dois dados, pode-se classificar a DPOC em 4 grupos distintos:

 

  • Grupo A: paciente pouco sintomático (CAT < 10 OU mMRC 0-1) e baixo risco de exacerbações (0 ou 1 exacerbação sem necessidade de internação)

 

 

  • Grupo B: paciente muito sintomático (CAT 10 OU mMRC 2) e baixo risco de exacerbações (0 ou 1 exacerbação sem necessidade de internação)
  • Grupo C: paciente pouco sintomático (CAT < 10 OU mMRC 0-1) e alto risco de exacerbações (2 ou mais exacerbações ou 1 ou mais exacerbações com necessidade de internação)
  • Grupo D: paciente muito sintomático (CAT 10 OU mMRC 2) e alto risco de exacerbações (2 ou mais exacerbações ou 1 ou mais exacerbações com necessidade de internação)

 

Em paralelo a isso, existe também a classificação do antigo estadiamento GOLD, que leva em consideração o grau de obstrução das vias aéreas, mensurada pela diminuição da VEF1 abaixo do esperado e pela relação VEF1/CVF.

 

Sendo assim, pode-se ter outros 4 grupos:

 

  • GOLD I (leve): VEF1/CVF < 70% pós prova broncodilatadora e VEF1 80% do previsto.
  • GOLD II (moderada): VEF1/CVF < 70% pós prova broncodilatadora e VEF1 entre 50-79% do previsto.
  • GOLD III (grave): VEF1/CVF < 70% pós prova broncodilatadora e VEF1 entre 30-49% do previsto.
  • GOLD IV (muito grave): VEF1/CVF < 70% pós prova broncodilatadora e VEF1 < 30% do previsto.

 

Na Atenção primária devemos suspeitar de DPOC e solicitar espirometria quando: há tosse e expectoração crônica, quando ocorre bronquite aguda frequente; dispneia progressiva, persistente, que piora com exercício ou com infecções e também exposição à fumaça de cigarro ou à poeira ou produtos químicos ocupacionais. Está também atento aos diagnósticos diferenciais tais como: (asma obstrutiva crônica, bronquite crônica, bronquiectasia e tuberculose).

 

TRATAMENTO

 

O manejo adequado de pacientes com DPOC deve incluir medidas farmacológicas e não farmacológicas, onde a cessação do tabagismo é a principal atitude a ser adotada para redução da progressão da doença (caso o tabagismo seja o causador). As metas do tratamento da DPOC são desacelerar sua progressão, aliviar sintomas, melhorar condições de saúde, prevenir e tratar complicações e exacerbações, reduzir mortalidade, aumentar tolerância ao exercício e efeitos colaterais do tratamento. O exercício físico também se apresenta como um passo muito importante em todo o processo de reabilitação pulmonar.

O tratamento deve ser monitorado de 3 em 3 meses no início da terapêutica até controle sintomático adequado. As causas mais comuns de insucesso são: a falta de adesão terapêutica; uso errado dos dispositivos inalatórios; não cessação de contato com o tabagismo, exposição ocupacional e também alguns transtornos psicossociais.

O tratamento é dividido de acordo com a classificação proposta pela GOLD, sendo eles:

 

Grupo A:

A primeira escolha será um broncodilatador de ação curta, monoterapia com anticolinérgico ou beta-agonista. A segunda escolha será um anticolinérgico de ação longa; ou beta-agonista de longa ação; ou beta-agonista de ação curta e anticolinérgico de ação curta.

 

Grupo B:

Focado na reabilitação pulmonar, no qual a primeira escolha é o tratamento regular com um broncodilatador de ação longa. Para resgate é usado o broncodilatador de ação curta quando necessário. Já a segunda escolha é o tratamento regular com um anticolinérgico de ação longa e beta-agonista de ação longa. Alternativas: Beta-agonista de ação curta e/ou anticolinérgico de ação curta.

 

Grupo C:

Focado na reabilitação pulmonar, no qual a primeira escolha é o tratamento regular com anticolinérgico de ação longa. Para resgate: broncodilatador de ação curta quando necessário. Na segunda escolha: Tratamento regular com anticolinérgico de ação longa e beta-agonista de ação longa. Alternativas: Inibidor de fosfodiesterase-4, beta-agonista de ação curta e/ou antagonista muscarínico de ação curta.

 

Grupo D:

Focado na reabilitação pulmonar, no qual a primeira escolha é o tratamento regular com anticolinérgico de ação longa. Resgate: Broncodilatador de ação curta quando necessário. Segunda escolha: Tratamento regular com uma das seguintes combinações: anticolinérgico de ação longa + um beta-agonista de ação longa ou glicocorticóide inalável + beta-agonista de ação longa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRUSASCO, V.; MARTINEZ, F. Chronic obstructive pulmonary disease. Compr Physiol, [S. l.], v. 4, n. 1, p. 1-31, jan. 2014. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24692133/. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

BUIST, A. S. et al. International variation in the prevalence of COPD (the BOLD Study): A population-based prevalence study. Lancet, [S. l.], v. 370, n. 9589, p. 741-750, sep. 2007. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17765523/. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

CRUZ, Marina M.; PEREIRA, Marcos. Epidemiologia da doença pulmonar obstrutiva crônica no Brasil: Uma revisão sistemática e metanálise. Ciência & Saúde Coletiva, [S. l.], v. 25, n. 11, p. 4547-4557, nov. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Bk3RFBFzBmYxtmZP6HHZwYd/?format=pdf&lang=en. Acesso em: 23 out. 2022.

 

DOURADO, Victor Z.; GODOY, Irma. Recondicionamento muscular na DPOC: Principais intervenções e novas tendências. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, [S. l.], v. 10, n. 4, p. 331-334, jul./ago. 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbme/a/DmBsy5mvnmcjrzcSFgPbkjK/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 23 out. 2022.

 

GLOBAL INITIATIVE FOR CHRONIC OBSTRUCTIVE LUNG DISEASEGlobal Strategy for the Diagnosis, Management and Prevention of Chronic Obstructive Pulmonary Disease: 2020 report. [S. l.s. n.], 2020. Disponível em: https://goldcopd.org/wp-content/uploads/2019/12/GOLD-2020-FINAL-ver1.2-03Dec19_WMV.pdf. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

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IYER, A. S. et al. CT scan-measured pulmonary artery to aorta ratio and echocardiography for detecting pulmonary hypertension in severe COPD. Chest, [S. l.], v. 145, n. 4, p. 824-832, apr. 2014. DOI 10.1378/chest.13-1422. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3971971/pdf/chest_145_4_824.pdf. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

LANGE, P. et al. Lung-function trajectories leading to chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med, [S. l.], v. 373, n. 2, p. 111-122, jul. 2015. DOI 10.1056/NEJMoa1411532. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1411532. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

QASEEM, A. et al. Diagnosis and management of stable chronic obstructive pulmonary disease: a clinical practice guideline update from the American College of Physicians, American College of Chest Physicians, American Thoracic Society, and European Respiratory Society. Ann Intern Med, [S. l.], v. 155, n. 3, p. 179-191, aug. 2011. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24692133/. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

CAPÍTULO 10

DOENÇA DIARREICA AGUDA

 

Autor Principal

Heloá Cardoso de Resende

Discente do Curso de Medicina do Instituto Metropolitano de Ensino Superior (IMES)

 

Coautores

Amanda Loreta Vieira

Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

Marcela Silveira Freitas Drumond

Discente do Curso de Medicina do Instituto Metropolitano de Ensino Superior (IMES)

 

 

INTRODUÇÃO

 

A Doença Diarreica Aguda é uma das doenças que mais afetam a saúde pública mundial. Apesar dos índices de gravidade e mortalidade dessa condição demonstrarem um declínio acentuado nas últimas décadas, em algumas áreas, principalmente nos países de alta vulnerabilidade, ela ainda continua sendo uma doença de alta mortalidade, principalmente em crianças menores de 5 anos.

A diarreia pode ser definida como o aumento na quantidade ou volume das fezes, diminuição na sua consistência, aumento na sua aquosidade e/ou aumento na frequência dos episódios de evacuação. Quando está associada à presença de pus ou sangue nas fezes a diarreia passa a ser denominada disenteria. Entre os sintomas desta patologia podem incluir desconforto abdominal, cólica, plenitude, excesso de flatos, náusea e vômitos. Apresenta duração autolimitada, na maior parte dos casos.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

Um dos problemas de saúde pública é a alta ocorrência de episódios de diarreia sem uma investigação etioepidemiológica. Isto, associado a péssimas condições sanitárias da população, é responsável por casos graves que podem evoluir ao óbito. Dessa forma, a diarreia aguda representa em todo o mundo uma doença de alta morbimortalidade, especialmente em países em desenvolvimento. O Relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) registrou que em 2017, cerca de 8% da mortalidade - o que equivale a 448 mil crianças com menos de cinco anos - morreram devido à diarreia no mundo.

No Brasil, apesar da melhora na morbimortalidade da diarreia em crianças, os índices ainda são desafiadores. Em 2018, foram contabilizadas 218.012 internações por esta doença, sendo que 36,2% representam crianças menores de 5 anos. Além disso, um estudo realizado por Benício et al, mostrou que nas regiões Norte e Nordeste ocorrem cerca de três e quatro episódios de diarreias anuais nesta faixa da população, enquanto no Sul do país a frequência baixava para 1,4 casos. Este estudo demonstra o caráter de desigualdade na distribuição do processo saúde/doença, em consequência das variáveis que influenciam nos seus índices, como vacinação, saneamento básico, políticas públicas e condições socioeconômicas.

 

FATORES DE RISCO

 

Os fatores de risco mais frequentes para a desenvolvimento da diarreia aguda são: contato com indivíduos com diarreia infecciosa; viver em condições de higiene deficiente, como em locais com saneamento básico inadequado e coleta de lixo; interrupção precoce da amamentação exclusiva por leite materno; má higiene pessoal e dos alimentos, especialmente aqueles que serão consumidos crus; consumo de alimentos de procedência desconhecida; consumo de agua de poço artesiano que não passaram pela devida análise.

  

 

FISIOPATOLOGIA

 

Os quadros de diarreia aguda se desenvolvem por variados mecanismos e etiologias, sendo que mais de 90% têm causa infecciosa em que se destacam os vírus, bactérias e parasitas. Nos, aproximadamente, 10% restantes, entram os fatores não infecciosos, relacionados a medicações, alimentação desbalanceada e ingestões tóxicas.

As bactérias são os agentes mais importantes em países com maior vulnerabilidade, devido às piores condições sanitárias, enquanto os agentes virais são mais relevantes em países industrializados.

Entre os vírus, os rotavírus são os agentes frequentemente associados aos episódios de diarreia. Estes variam de quadros leves, com diarreia líquida e duração limitada a quadros mais graves, com a presença de febre, vômitos e consequente desidratação.

A maioria das diarreias por agentes infecciosos apresentam transmissão fecal-oral, por água, alimentos e objetos contaminados, sendo eliminados em grandes concentrações nas fezes infectadas. O rotavírus ainda possui um componente respiratório, com eliminação em secreções respiratórias, permitindo facilmente a disseminação dessa doença.

Os múltiplos mecanismos fisiopatológicos das diarreias se devem aos variados agentes causais, podendo alguns patógenos agirem através de mais de um mecanismo. O quadro agudo ocorre quando o agente infeccioso vence as barreiras de defesa da mucosa do hospedeiro, produzindo manifestações clínicas específicas para cada enteropatógeno. Além disso, as diarreias podem se dividir em inflamatórias e não inflamatórias. A primeira é marcada por lesão e morte de enterócitos, atrofia das vilosidades intestinais e hiperplasia das criptas, caracterizando evacuações frequentes, de menor volume e presença de pus, muco ou sangue nas fezes, além de sintomas sistêmicos como febre alta, dor abdominal intensa e tenesmo e são causadas, frequentemente, por bactérias enteroinvasivas. Já a última, desencadeia-se pela alteração do transporte de líquidos e eletrólitos, assim, o hospedeiro tende a apresentar fezes aquosas e em grande volume e febre baixa.

 

CLASSIFICAÇÃO

 

As diarreias podem ser divididas em agudas, persistentes e crônicas, a depender do tempo de duração. A diarreia aguda tem duração inferior a 2 semanas e é geralmente causada por vírus, bactérias ou parasitas. Já as persistentes têm duração entre 2 a 4 semanas. As diarreias crônicas têm uma duração maior que 4 semanas e é uma manifestação de doenças inflamatórias do intestino, cânceres intestinais, alergias alimentares, etc.

Além disso, as diarreias são divididas de acordo com a sua fisiopatologia em: diarreia osmótica, diarreia secretória, diarreia exsudativa e diarreia motora.

 

DIAGNÓSTICO

 

A maioria dos adultos com diarreia aguda não procura atendimento médico porque seus sintomas são leves ou transitórios. Pessoas com febre persistente, diarreia sanguinolenta, dor abdominal intensa, sintomas de desidratação ou história de doença inflamatória intestinal necessitam de uma avaliação médica.

O diagnóstico de gastroenterite viral aguda é principalmente clínico, e é firmado por uma história de doença diarreica típica (no mínimo três vezes ao dia ou pelo menos 200 g de fezes por dia) que é de início veloz, com breve duração - menos de uma semana - e é acompanhada de náuseas, vômitos, febre ou dor abdominal leve e exame físico característico de dor abdominal generalizada.

A avaliação inicial deve incluir uma anamnese cuidadosa para determinar a duração dos sintomas, frequência, características dos movimentos intestinais e sintomas associados. Além disso, deve-se atentar para a desidratação. Perguntas sobre possíveis exposições, como histórico alimentar, local de residência, exposições ocupacionais, viagens recentes e de longa distância, animais de estimação e hobbies também podem fornecer outras pistas de diagnóstico.

Exames laboratoriais não são necessários para a maioria dos pacientes. Se a produção de urina estiver significativamente diminuída, sugerindo-se um quadro importante de desidratação, um painel metabólico basal deve ser realizado para rastrear hipocalemia ou disfunção renal. O hemograma completo não pode distinguir de forma confiável entre causas bacterianas e outras de diarreia, mas pode ajudar a apontar condições graves e possíveis complicações. Hemoculturas devem ser realizadas em pacientes com febre alta ou doença sistêmica.

Exame de fezes para identificação de patógenos bacterianos não é necessário para a maioria dos pacientes sem doença grave ou comorbidades de alto risco. No entanto, alguns pacientes podem ter real indicação de identificação do patógeno, como por exemplo: paciente com doença grave, diarreia sanguinolenta com evidência de redução de volume, 6 ou mais fezes moles em 24 horas, dor abdominal intensa, necessidade de hospitalização, outros sinais ou sintomas associados à diarreia infecciosa (diarréia sanguinolenta, diarreia mucosanguinoleta), pacientes imunodeprimidos, doença inflamatória intestinal, gravidez, duração de sintomas por mais de uma semana, preocupações com a saúde pública.

 

TRATAMENTO

 

O seguimento de pacientes apresentando diarreia aguda, se dá inicialmente, com medidas gerais de suporte, como reposição hídrica que é de importância primordial em todos os tipos de diarreia aguda, visando evitar ou corrigir desidratação e se necessário, ajustes dietéticos. Pacientes muito sintomáticos, podem se beneficiar de terapia farmacológica para alívio dos mesmos. Rotineiramente, não há indicação de antibioticoterapia para a maioria dos casos, haja vista que a patologia, é em sua maioria, autolimitada. Em determinadas situações, principalmente naquelas em que há risco de evolução para doença grave e/ou com sinais e sintomas sugestivos de infecção bacteriana invasiva, pode ser adequado o uso de antibioticoterapia. 

 

Reposição de líquidos

A reidratação é a principal terapia na doença diarreica, devendo ser feita, preferencialmente, por via oral, com soluções que contenham sal, açúcar e água. Bebidas isotônicas usadas para reposição de suor não são capazes de substituir as soluções de reidratação oral, embora possam ser suficientes para o paciente sem desidratação. Adultos com desidratação grave devem receber reposição de fluidos intravenosos e após melhora do quadro, podem ser substituídos por soluções de reidratação oral. 

Recomendações dietéticas 

Para que haja a renovação dos enterócitos, uma dieta adequada durante o período de diarreia se faz necessário; mas, se os pacientes apresentam náuseas e vômitos que impeçam a alimentação, um breve período de consumo apenas de líquidos não será prejudicial. Alimentos gordurosos devem ser evitados até que a função intestinal volte ao normal. Os produtos que contêm lactose, podem ser difíceis de digerir, por isso, uma suspensão temporária desses alimentos é razoável.

Terapia sintomática

Para pacientes que apresentam bastante desconforto, os agentes antimotilidade podem ser usados com cautela naqueles que não apresentam características de diarreia infecciosa.  

Probióticos

Probióticos contendo bactérias benéficas que ajudam a manter ou repovoar a flora não patogênica também podem ser usados como terapia alternativa. Há uma variedade de probióticos disponíveis, e cada probiótico tem atividades diferentes, mas, apenas alguns probióticos terão eficácia. Demonstrou-se que o Lactobacillus GG reduz a duração da diarreia infecciosa na infância e o Saccharomyces boulardii pode ser eficaz na redução no tempo de infecção por C. difficile.

 

Em relação à antibioticoterapia, ela é indicada para pacientes imunossuprimidos com diarreia de características inflamatórias, lactentes com idade inferior a 3 meses, devido à alta probabilidade da etiologia bacteriana, pacientes imunocompetentes com sinais de diarreia inflamatória e probabilidade de infecção por Shigella e indivíduos retornando de viagens internacionais apresentando febre e sinais de sepse. O esquema empírico, inclui as seguintes alternativas: 

 

Ciprofloxacina 

500mg VO de 12/12 horas, por 5 dias

ou

200mg EV de 12/12 horas, por 5 dias.

Ceftriaxona 

2g EV de 24/24 horas, por 5 dias.

Azitromicina 

500mg VO, 24/24 horas, por 5 dias.

 

PREVENÇÃO

 

Apesar da maior prevalência de casos leves e moderados e de característica autolimitada, as diarreias agudas provocam grande ônus econômico e social. Diante disso, as medidas de prevenção da doença devem ser constantemente aplicadas e relembradas.

Destacam-se o correto manuseio dos alimentos, incluindo higienização de frutas, legumes e verduras, uso de água potável filtrada ou fervida para consumo, lavagem das mãos antes das refeições, evitar o compartilhamento de copos e talheres, uma vez que a principal forma de transmissão da doença é fecal-oral. Ademais, medidas de melhoria das condições sanitárias impactam positivamente na redução dos casos de doenças diarreias.

Cabe ainda ressaltar a importância da vacinação infantil contra o Rotavírus, incluída no Calendário Nacional de Vacinação, protege a população pediátrica contra o principal agente viral da doença.

 

REFERÊNCIAS

 

LAROCQUE, Regina; HARRIS, Jason B. Approach to the adult with acute diarrhea in resource-rich settings. Uptodate, Waltham-USA, 2022. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/approach-to-the-adult-with-acute-diarrhea-in-resource-rich-settings. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

LONGO, Dan L. et alMedicina interna de Harrison. 18. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. 2 v.

 

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Vacinação. BVS, [S. l.], 2007. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/vacinacao. Acesso em: 20 nov. 2022.

 

VELASCO, Irineu T. et al. (org.). Medicina de emergência: Abordagem prática. 15. ed. Barueri: Manole, 2021.

 

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CAPÍTULO 11

HIPOTIREOIDISMO

 

Autor Principal

Camila Pereira Pessoti

Discente do Curso de Medicina da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)

 

Coautores

Melissa Gomes da Costa

Bruna Kelren Freitas Pohlmann

Discentes do Curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

 

 

INTRODUÇÃO

 

O hipotireoidismo é uma comorbidade endócrino-metabólica que atinge a glândula tireoide e está relacionada com a manifestação de diversos sintomas devido à alteração dos hormônios tireoidianos. Distúrbios no eixo hipotálamo-hipófise, doença primária da glândula ou idiopática são algumas das causas que estão envolvidas na fisiopatologia da doença. As manifestações clínicas são diversas e estão relacionadas principalmente com o metabolismo celular, resultando em múltiplos sintomas e achados no exame físico.

A causa mais comum do hipotireoidismo é devido a doença da própria glândula com diminuição dos níveis hormonais de triiodotironina (T3) e tiroxina (T4), associado ao aumento do hormônio estimulador da tireoide (TSH), denominado hipotireoidismo primário. Devido à associação com o íon iodo, tal comorbidade possui alta incidência em regiões iodo carentes nos quais não possuem suplementação da dieta com iodo. Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento da doença incluem sexo feminino, idade, histórico familiar, terapias radioativas entre outras.

 Sinais e sintomas apresentados variam de acordo com a gravidade e extensão da doença. Perdas graduais da função tireoidiana estão relacionadas a sintomatologia progressiva enquanto perdas súbitas ou congênitas estão envolvidas no comprometimento grave e de maior repercussão clínica.

Neste capítulo, iremos discutir sobre o hipotireoidismo, seus fatores de risco, epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento.

 

FATORES DE RISCO

 

É importante para o médico generalista o conhecimento dos fatores de risco e situações que predispõem o quadro de hipotireoidismo, realizando assim o rastreio, visando o diagnóstico adequado para estabelecer a conduta correta e específica para o paciente.

Os fatores que podem estar associados a essa patologia são, idade avançada, sexo feminino, histórico familiar presente, irregularidade menstrual sem causa definida e histórico de infertilidade.

Além disso, deve-se atentar às condições clínicas que demandam um olhar atencioso para o possível diagnóstico dessa disfunção tireoidiana, que são; gravidez, tratamento anterior de radiação da tireoide com iodo radioativo ou radiação terapêutica, cirurgia tireoidiana ou alteração prévia da glândula, diabetes mellitus tipo 1, histórico de doença autoimune, quadro sindrômicos como a trissomia do cromossomo 21 ou síndrome de Turner, presença de bócio e/ou positividade para anticorpo anti tireoperoxidase, clínica sugestiva de hipotiroidismo, uso contínuo de algumas medicações (lítio, amiodarona, interferon alfa, sunitinib e sorafenib), quadro de hiperprolactinemia, dislipidemia, anemia e/ou Insuficiência cardíaca.

Dessa forma, cabe ao médico, reconhecer a necessidade do paciente para realizar a investigação, e assim, dar continuidade ao acompanhamento.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

O hipotireoidismo consiste na mais recorrente doença da tireoide, a qual está presente em todo o mundo, afetando de 8% a 12% dos brasileiros, em especial idosos e mulheres. A carência de iodo e a doença autoimune, denominada Tireoidite de Hashimoto, são as formas mais frequentes. Cerca de um terço da população mundial vive em áreas onde há deficiência de iodo e as repercussões ocasionadas por essa falta, sobretudo no sistema neurológico de fetos e crianças, são bem reconhecidas.

A prevalência do hipotireoidismo em mulheres chega a ser dez vezes maior do que em homens, sendo agravada no período gestacional, onde há maior demanda e, paradoxalmente, maior excreção de iodo. Acerca da incidência, sabe-se que esta é mais prevalente em indivíduos com idade a partir dos 50-60 anos.

 

FISIOPATOLOGIA

 

A glândula tireoide pesa em torno de 15 a 20 gramas. Ela é responsável pela secreção de dois hormônios metabólicos: tiroxina (T3) e triiodotironina (T4). Além desses hormônios, a tireoide também secreta calcitonina, produzida pelas células C, sendo essencial para o metabolismo do cálcio. A secreção de T3 e T4 é controlada pelo hormônio estimulante da tireoide (TSH), secretado pela adeno-hipófise. O T3 é convertido pelos tecidos em T4 e diferem entre si na rapidez e intensidade de ação, sendo o T4 menos disponível nos tecidos, embora seja mais potente.

A tireoide é composta por folículos tireoidianos, preenchidos por uma glicoproteína denominada tireoglobulina, que compõem majoritariamente o coloide, substância que preenche os folículos. Esses folículos são revestidos por células epiteliais cuboides que secretam substâncias para dentro dos folículos. Quando preenchidos, a secreção folicular deve ser reabsorvida para o sangue, no intuito de realizar suas funções.

Para a síntese dos hormônios tireoidianos, se faz necessário a presença de iodo em forma de iodeto, absorvido pelo trato gastrointestinal e comumente suplementado ao sal de cozinha. Para que tal mecanismo ocorra, é indispensável converter os íons iodeto em uma forma oxidada do iodo, capaz de se combinar com a tirosina. A oxidação do iodeto é realizada por uma enzima, denominada tireoperoxidase. Caso tenha um bloqueio ou ausência dessa enzima, não há formação dos hormônios tireoidianos. A captação do iodeto se dá, principalmente, pela ação do TSH, que atua estimulando a bomba de iodeto presente nas células da tireoide.

A formação do T4 se dá pela junção de duas diiodotirosina, enquanto o T3 se forma pela junção de uma molécula de monoiodotirosina e uma molécula de diiodotirosina dentro de uma tireoglobulina, no qual é reabsorvida pelas células presentes no folículo e, posteriormente, libera T3 e T4 em um processo de hidrólise. Os hormônios são então secretados e liberados na corrente sanguínea, sendo transportados, em sua maioria, por proteínas plasmáticas sintetizadas pelo fígado.

A síntese e liberação de T3 e T4 é regulada pelo TSH. O TSH é inibido a depender dos níveis de T3 e T4, sendo estimulado pelo hormônio liberador de tireotropina (TRH) por feedback negativo. O TRH, hormônio sintetizado pelo hipotálamo, regula a secreção de TSH pela adeno-hipófise, estimulando a sua produção. A tireóide possui a capacidade de armazenar os hormônios nos folículos tireoidianos por 2 a 3 meses. Assim, quando se tem diminuição da produção dos hormônios tireoidianos, o organismo consegue sustentar suas funções devido a este armazenamento, conseguindo postergar os sintomas relacionados à ausência hormonal tireoidiana.

 

ATIVIDADE METABÓLICA DOS HORMÔNIOS TIREOIDIANOS

 

Em suma, os hormônios tireoidianos atuam aumentando a atividade metabólica de praticamente todos os órgãos e tecidos do corpo humano. Esses hormônios possuem diversas atuações em diferentes estruturas: aumento do número e atividade mitocondrial, transporte de íons sódio e potássio nas membranas celulares, crescimento infantil e desenvolvimento cerebral de fetos e neonatos.

Existe uma grande associação entre o hipotireoidismo e falha no crescimento e formação do cérebro, principalmente, em crianças. Níveis hormonais desregulados estão relacionados com retardo do crescimento infantil. Além desse fator, os hormônios tireoidianos também estão relacionados com a maturação, crescimento e desenvolvimento cerebral, tanto na vida intrauterina como pós uterina, estendendo-se até os primeiros anos de vida. Tal mecanismo resulta em uma condição denominada cretinismo, causado pelo hipotireoidismo grave tendo como desdobramento distúrbio de crescimento e retardo mental.

Ademais, a ação dos hormônios tireoidianos se estende para o metabolismo de carboidratos, gorduras e vitaminas. Por se tratar de substâncias diretamente envolvidas no metabolismo, a redução ou o aumento interfere no peso corporal. Pacientes com hipotireoidismo, ou seja, redução ou ausência hormonal, potencialmente poderão cursar com distúrbios que envolvem diversos sistemas corporais: aumento do peso, diminuição da frequência cardíaca, constipação intestinal devida a redução da motilidade gastrointestinal, velocidade da atividade cerebral reduzida, lentidão muscular e retardo do relaxamento após contração, sonolência excessiva, perda excessiva da libido, menorragia e polimenorréia ou amenorréia.

 

PRINCIPAIS CAUSAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

 

O hipotireoidismo se apresenta em algumas formas, resultando em comorbidades de etiologias distintas, porém, com os mesmos comprometimentos fisiológicos. Pode resultar de uma falha no eixo hipotálamo-hipófise-tireoide, sendo em suma maioria, decorrente do hipotireoidismo primário. Outras causas incluem redução da secreção de TSH ou do TRH. A causa do hipotireoidismo pode ser de etiologia transitória, medicamentosa ou de doença do hipotálamo.

O hipotireoidismo primário refere-se à diminuição de T3 e T4 com aumento do TSH, tendo dois graus: Hipotireoidismo subclínico e hipotireoidismo manifesto. O hipotireoidismo subclínico, tem-se níveis hormonais de TSH aumentado, enquanto os níveis de T3 e T4 estão normais, no qual os pacientes possuem pouca ou nenhuma sintomatologia. O hipotireoidismo manifesto, ao contrário do subclínico, terá alteração nos níveis de T4, que estão reduzidos e cursa com sintomas.

A tireoidite de Hashimoto é uma doença autoimune crônica na qual se tem destruição do tecido tireoidiano por ação de células e anticorpos, sendo a principal causa da hipotireoidismo em regiões iodo suficientes. Inicialmente, a tireoidite de hashimoto se manifesta como uma “tireoidite”, causando uma inflamação e destruição progressiva, com fibrose e redução ou ausência completa dos hormônios tireoidianos. O aumento da glândula tireoide, causada pela ausência de iodo, resulta em uma condição denominada “bócio endêmico devido à deficiência de iodo”. A ausência dos hormônios tireoidianos inibe o feedback negativo exercido sobre o TSH, resultando em um aumento da produção de TSH que por sua vez, irá estimular a produção de coloide de tireoglobulina, aumentando assim, o tamanho da tireoide. Pacientes com esta condição, possuem autoanticorpos para tireoglobulina, tireoide peroxidase e transportador tireoidiano sódio-iodeto em altas concentrações. Apesar de aumentados, esses anticorpos não possuem atividade, não devendo ser quantificados rotineiramente, apesar de que os testes para anticorpos antitireoide peroxidase possam ser utilizados para determinar a progressão da doença.

Outra condição que afeta a tireoide é o bócio atóxico idiopático. Nessa comorbidade, o crescimento da glândula se dá mesmo na presença do iodo. Entretanto, a produção dos hormônios pode ser normal, no entanto, encontra-se reduzida na maioria dos casos. A causa exata que culmina no crescimento da glândula no bócio atópico não está completamente elucidada. Acredita-se que devido à tireoidite ocorra um hipotireoidismo leve, resultando no bócio.

Independente de qual seja a causa do hipotireoidismo, os sintomas da deficiência dos hormônios tireoidianos são os mesmos e incluem fadiga, sonolência, lentidão muscular, diminuição da frequência cardíaca e do débito cardíaco e diminuição do volume sanguíneo. Ademais, alguns pacientes podem apresentar aumento do peso corporal, constipação, lentidão mental, diminuição no crescimento dos cabelos, descamação da pele e rouquidão. Em alguns casos mais graves, o paciente pode apresentar mixedema. O mixedema é uma condição edematosa que se caracteriza pela flacidez ocular e face inchada. Esse edema se origina devido ao acúmulo de um tipo de gel tecidual no espaço intersticial, por um mecanismo ainda desconhecido.

Além das condições fisiológicas, o hipotireoidismo pode se manifestar de forma iatrogênica. Pacientes submetidos a tireoidectomia total necessitam de realizar reposição de T4, normalmente realizada com levotiroxina. Nesses pacientes, se faz necessário medir os níveis séricos de TSH e regular a suplementação para manter os níveis hormonais adequados. Outra causa de hipotireoidismo iatrogênico é a radioiodoterapia, no qual se utiliza altas doses em pacientes com hipertireoidismo de graves, resultando em hipotireoidismo. Ademais, a irradiação externa do pescoço também pode cursar com hipotireoidismo naqueles pacientes submetidos à radioterapia com iodo.

Se acometido na infância, o hipotireoidismo irá cursar com cretinismo, condição na qual o recém-nascido desenvolverá distúrbio de crescimento e comprometimento cognitivo. O Cretinismo pode ser considerado congênito, resultando em ausência total da tireoide ou cretinismo endêmico, devido à escassez de iodo na alimentação. Neonatos que apresentam lentificação de movimentos, crescimento físico e estado mental comprometidos, devem levantar a suspeita de cretinismo, assim como crianças com crescimento de partes moles normais e baixa estatura também deve ser investigada.

 

DIAGNÓSTICO

 

A necessidade de investigação do hipotireoidismo no adulto, vem quando se observa sintomas clínicos. É importante ressaltar que, por se tratar de uma alteração na produção de um hormônio com ação em quase todos os sistemas, as alterações são em sua maioria inespecíficas. Logo, os sintomas mais comuns são alteração de peso, intolerância ao frio e irregularidade menstrual, fadiga, cansaço, queda de cabelos, constipação intestinal e redução da memória. Existem alguns sintomas que podem direcionar melhor a pesquisa, que são hiporreflexia, rouquidão, bócio, bradicardia, pele ressecada, unhas quebradiças, edema não-compressível (mixedema).

Além disso, a investigação deve ocorrer também em situações que provocam maior risco dessa disfunção hipometabólica. Sendo eles, gestação, tratamento de hipertireoidismo, presença de doença hipofisária ou hipotalâmica (como ectopias, hipoplasias e aplasias tireoidianas), pacientes hospitalizados com doença sistêmica grave, pacientes recebendo drogas que afetam a secreção do TSH (dopamina, glicocorticoides, fenitoína e análogos da somatostatina).

Para a investigação laboratorial, deve-se fazer mão do Hormônio Estimulador da Tireoide (TSH - valor normal: 0,3- 4,0 mU/L), que é considerado padrão ouro, associado a Tiroxina (T4 livre - valor normal: 0,7-1,5 ng/dL). A forma de hipotireoidismo primário é notada quando ocorre alta concentração sérica de TSH relacionada a uma baixa concentração sérica de T4 livre, já a forma subclínica do hipotireoidismo é diagnosticada quando há uma concentração normal de T4 livre associada a presença de uma concentração elevada de TSH, sendo necessária reavaliação de 1 a 3 meses, para fechamento do quadro. O hipotireoidismo secundário, também nomeado como hipotireoidismo central, é caracterizado por uma baixa concentração de T4 livre e uma concentração sérica de TSH que não está devidamente elevada. É de grande valia relembrar que em casos de alterações tireoideanas de difícil diagnóstico, pode-se fazer mão de anticorpos antitireoidianos, anti tireoperoxidase (ATPO), confirmando a presença de etiologia autoimune (tireoidite de Hashimoto).

Exames de imagem não possuem indicação para compor critério diagnóstico, pode se fazer uso destes, para acompanhar possíveis alterações de etiologias específicas, como hipotireoidismo central ou avaliação de progressão da doença, quando necessário.

 

TRATAMENTO

 

O hipotireoidismo, na maior parte das situações, consiste em uma condição permanente, a qual demanda tratamento contínuo ao longo da vida e, exceto em casos de hipotireoidismo transitórios e reversíveis, a terapia consiste na reposição do hormônio tireoidiano. Dessa maneira, em quase todos os pacientes que realizam o tratamento adequado, a eficácia terapêutica é atingida e há a restauração do estado eutireoidiano levando à reversão da grande maioria das manifestações clínicas e repercussões fisiológicas dessa doença.

É importante salientar que, para todos os pacientes com hipotireoidismo primário ou central, faz-se necessário o tratamento de reposição, independentemente da presença de sintomas. Casos de hipotireoidismo transitórios, como em tireoidites subagudas (granulomatosa ou linfocítica, por exemplo), ou reversíveis (relacionados ao uso de algum medicamento) não demandam a mesma propedêutica e podem ser manejados priorizando a resolução do fator desencadeante.

Os objetivos terapêuticos possuem ênfase na melhora sintomática, restabelecimento da secreção sérica de TSH, redução, caso haja, de bócio, além da prevenção de complicações, como a tireotoxicose iatrogênica, relacionada ao consumo excessivo do hormônio tireoidiano. É crucial que o TSH sérico se mantenha dentro da referência de normalidade (aproximadamente 0,5 a 5 mU/L) e que as particularidades do paciente que podem elevar o valor referencial, como nos idosos, onde os níveis de TSH tendem, naturalmente, a ser elevados, possuindo, assim, um limite superior referencial de aproximadamente 7,5 mU/L para pacientes com 80 anos ou mais, sejam consideradas.

Como citado, o tratamento de escolha é o uso contínuo de T4/Levotiroxina (Tiroxina Sintética). O T4 consiste em um pró-hormônio com baixa atividade intrínseca e, através de sua desiodação em tecidos periféricos, é formado a triiodotironina (T3), que é, de fato, o hormônio ativo. Cerca de 80% da produção diária total de T3 em indivíduos hígidos advém do mecanismo de desiodação. A dose de T4 absorvida gira em torno de 70-80% e, em decorrência da meia-vida plasmática longa de T4 (sete dias), o tratamento realizado uma vez ao dia, segundo as recomendações para sua ampla efetividade, proporciona concentrações séricas de T4 e T3 quase que constantes quando o equilíbrio é atingido.

A reposição inicial média de T4 em indivíduos adultos, no geral, é de 1,6 mcg/kg, administrados uma vez ao dia, com intervalo entre 50-200 mcg/dia a depender de cada paciente, uma vez que a massa corporal magra se correlaciona melhor com a dose necessária do que o peso corporal total. Por isso, há a necessidade de se atentar à promoção de um acompanhamento individualizado segundo a resposta fisiológica de cada indivíduo. Acerca da posologia, é orientado que, idealmente, a Levotiroxina (disponível em forma de comprimidos, cápsulas em gel ou líquida) seja tomada 30 a 60 minutos antes da primeira refeição diária/café da manhã (com estômago vazio) e não deve ser ingerida junto a outros medicamentos que possam interferir no processo de absorção, como carbonato de cálcio e sulfato ferroso.

Alguns indivíduos, ainda, podem tomar o medicamento duas horas ou mais após a última refeição diária. A proximidade com a ingesta alimentar, e não necessariamente a hora do dia, que consiste no fator determinante para correta absorção e eficácia medicamentosa. A melhora sintomatológica é notória, em geral, após duas semanas de tratamento, mas o que se sabe é que as concentrações séricas de hormônios tireoidianos se elevam primeiro e, posteriormente, os níveis de TSH decaem, sob ação de feedback negativo do T4 na hipófise e no hipotálamo. As concentrações fisiológicas de TSH são alcançadas após cerca de seis semanas. A recuperação plena, porém, dependerá de cada paciente, podendo levar até meses, em casos mais refratários e graves, para atingir a normalidade.

É importante considerar que a meia-vida plasmática da Levotiroxina é de uma semana e que o período necessário para que o equilíbrio seja alcançado após início terapêutico ou mudança de dose gira em torno de seis semanas e que, após o início da terapia, é importante que haja o acompanhamento periódico. Para pacientes que apresentam melhora sintomática, a reavaliação do TSH sérico deve ser feita em quatro a seis semanas. Se o TSH permanecer superior ao intervalo de referência, a dose de T4 pode ser aumentada em 12 a 25 mcg/dia nos pacientes com idade mais avançada ou pode ser aumentada para doses ainda mais altas em pacientes jovens, a depender do grau de aumento dos níveis de T4 livre e de redução de TSH quando a dose inicial foi instaurada.

Posterior a esse ajuste, caso tenha sido necessário, é crucial que haja a repetição de TSH em seis semanas. Em caso de pacientes com sintomas refratários após duas a três semanas, a reavaliação do T4 livre e do TSH deve ocorrer. Se o T4 livre estiver abaixo dos níveis normais, a dose pode ser aumentada sem avaliações séricas adicionais. Esse processo de aumento gradativo a cada três a seis semanas (a depender dos sintomas apresentados pelo paciente) deve ser feito com base em medições intervaladas de TSH sérico (e, caso os níveis normais ainda não tenham sido atingidos, de T4 livre) até que haja o retorno para dentro do intervalo de referência. Após o alcance da dose adequada e consequente identificação da quantidade necessária para manutenção, o paciente segue em propedêutica, sendo necessária a reavaliação deste e dos níveis de TSH sérico anualmente ou, caso haja modificação do estado do paciente (como o ressurgimento de sintomas) ou mudança dos níveis hormonais, mais frequentemente.

Em geral, não há necessidade de ajuste de dose adicional, a menos que haja uma situação que demande modificar o esquema terapêutico, como no caso de pacientes que utilizam medicamentos para morbidades coexistentes, que podem interagir farmacologicamente com o hormônio ou podem interferir na absorção da Levotiroxina. O TSH, nesse caso, deve ser dosado a cada quatro a seis semanas, a fim de confirmar se a dose de T4 ainda é adequada. Nesse sentido, é essencial identificar todos os medicamentos usados pelo paciente e os que podem, potencialmente, comprometer sua ação, para que possam ser tomados várias horas após a dose de Levotiroxina. O aumento da dose pode ser necessário nas seguintes situações: gravidez, ganho de mais de 10% do peso corporal, pacientes com secreção ácida prejudicada ou distúrbios do trato gastrointestinal (como na doença celíaca), Síndrome Nefrótica (devido ao aumento da excreção do hormônio tireoidiano), uso contínuo de Rifampicina, Carbamazepina, Fenitoína, Fenobarbital, dentre outros medicamentos. A redução da dose, por sua vez, pode ser demandada em casos de envelhecimento fisiológico, perda de peso de mais de 10% e após início de terapia androgênica. Seguindo a mesma lógica do aumento de dose, caso o TSH esteja ligeiramente abaixo do normal, uma redução de dose de 12 a 25 mcg/dia pode ser suficiente. Uma alternativa viável para ajuste, tanto aumento quanto redução das doses, é a variação de 15% da dose atual (para mais ou para menos) reduzindo a ingestão de um comprimido por semana. Todavia, quando os níveis de TSH estão expressivamente mais baixos, uma redução mais importante deve ser feita.

Não há relatos de efeitos colaterais recorrentes no caso de uso da dose e manejo correto da medicação. Em contrapartida, o uso de doses maiores que a indicada, pode resultar em hipertireoidismo subclínico (T4 e T3 séricos normais e baixas concentrações séricas de TSH) ou, até mesmo, em um quadro de hipertireoidismo evidente. Nesse sentido, educar o paciente acerca dos efeitos adversos do uso excessivo de Levotiroxina se faz essencial, uma vez que os riscos são mais elevados em pacientes que, na condição de superdosagem, possuem concentrações de TSH mais suprimidas.

Em situações específicas, a terapia medicamentosa sofre modificações e pode demandar uma conduta mais conservadora. Em indivíduos com mais de 60 anos, com problemas cardiopulmonares concomitantes ou pacientes com história de doença coronariana, por recomendação, recebem inicialmente de 25 a 50 mcg/dia de T4, uma vez que o hormônio tireoidiano, fisiologicamente, potencializa a necessidade miocárdica de oxigênio, estando, assim, atrelada ao maior risco de arritmias, angina e, até mesmo, infarto agudo do miocárdio nesse grupo citado. Nos casos de Hipotireoidismo Subclínico (HSC), é indicado o tratamento para aqueles que possuem TSH>10, Tireoidite de Hashimoto diagnosticada, gravidez, história de doença cardiovascular e alguns idosos. Porém, pacientes com HSC que possuem mais de 65 anos e TSH > 10 não têm indicação para tratamento, uma vez que, como já relatado, os níveis de TSH se elevam com a progressão da idade. Já em gestantes, especialmente a partir da quinta semana até a vigésima semana, sabe-se que há maior demanda do hormônio tireoidiano e, em contraponto com mulheres não grávidas, aquelas com hipotireoidismo não possuem a mesma capacidade de elevar a secreção de T4 e T3 pela tireoide. Pacientes que realizaram tireoidectomia devido a um quadro câncer de tireoide, independente do tratamento ou não com radioiodo como adicional, são orientados a tomar Levotiroxina não apenas pelo contexto de hipotireoidismo, mas, também, para prevenção de recidivas.

Alguns estudos avaliam possíveis benefícios do uso da terapia combinada (reposição de T3 e T4) em grupos específicos de pacientes, como após a realização de tireoidectomia ou que foram submetidos à terapia ablativa com radioiodo. Todavia, para a grande maioria, esse manejo não é recomendado, sendo, inclusive, contraindicado para pacientes idosos, com doença cardiovascular associada, tendo em vista que níveis elevados de T3 predispõem a gênese de arritmias.

 

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