LIVRO: PESQUISAS EM CLÍNICA MÉDICA

OPEN ACCESS PEER-REVIEWED BOOK 

SÍNDROME HEPATORRENAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA

HEPATORENAL SYNDROME: A LITERATURE REVIEW

 2022 Editora Science / Brazil Science Publisher

 

Gabriel Pinheiro Furtado

Médico-Residente, Programa de Residência Médica em Clínica Médica, Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Fortaleza – CE

http://lattes.cnpq.br/6446016335261825

Alan Alves de Lima Cidrão

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/5121771315362981

Matheus Arrais Morais

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/9786152985263980

Rebeca Canuto de Sousa

Médico-Residente, Programa de Residência Médica em Clínica Médica, Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Fortaleza – CE

http://lattes.cnpq.br/8159115412305702

Saymon Medeiros Távora

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/0873523428316143

Leonardo Miranda Macêdo

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/8233122295320709

Resumo

A Síndrome Hepatorrenal (SHR) é uma complicação da cirrose hepática e da hipertensão portal, e uma das causas de lesão renal aguda (LRA) nesses pacientes. Trata-se de uma condição com elevada morbidade e mortalidade. Recentes modificações conceituais e no diagnóstico permitiram que essa condição fosse mais precocemente identificada com instituição de tratamento em tempo oportuno, e maior chance de sobrevida para os pacientes. O presente capítulo objetiva revisar o conceito, quadro clínico e critérios diagnósticos, tratamento e prevenção da SHR, com ênfase na SHR-lesão renal aguda (LRA). Para tal, foi realizada pesquisa de artigos de revisão literária em bancos de dados com uso do descritor Síndrome Hepatorrenal, com seleção, leitura e síntese a partir dos materiais lidos, visando auxiliar estudantes, médicos generalistas e clínicos no manejo dessa importante condição.

Palavras-Chave: Síndrome Hepatorrenal

Abstract

Hepatorenal Syndrome (HRS) is a complication of liver cirrhosis and portal hypertension, and one of the causes of acute kidney injury (AKI) in these group of patients. It is a condition with high morbity and mortality. Recent conceptual and diagnostic changes have allowed this condition to be identified earlier with the institution of timely treatment, and a greater chance of survival for patients. This chapter aims to review the concept, clinical manifestations and diagnostic criteria, treatment and prevention of HRS, with emphasis on HRS-acute kidney injury (AKI). For this purpose, a search for reviews was carried out in databases using the descriptor Hepatorrenal Syndrome, with selection, reading and synthesis from the materials, aiming to help students, general practitioners and clinicians in the management of this important condition.

Keywords: Hepatorenal Syndrome

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CAPÍTULO 4

SÍNDROME HEPATORRENAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA

HEPATORENAL SYNDROME: A LITERATURE REVIEW

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.04

 

Gabriel Pinheiro Furtado

Médico-Residente, Programa de Residência Médica em Clínica Médica, Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Fortaleza – CE

http://lattes.cnpq.br/6446016335261825

Alan Alves de Lima Cidrão

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/5121771315362981

Matheus Arrais Morais

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/9786152985263980

Rebeca Canuto de Sousa

Médico-Residente, Programa de Residência Médica em Clínica Médica, Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Fortaleza – CE

http://lattes.cnpq.br/8159115412305702

Saymon Medeiros Távora

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

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Leonardo Miranda Macêdo

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/8233122295320709

 

 

 

Resumo

A Síndrome Hepatorrenal (SHR) é uma complicação da cirrose hepática e da hipertensão portal, e uma das causas de lesão renal aguda (LRA) nesses pacientes. Trata-se de uma condição com elevada morbidade e mortalidade. Recentes modificações conceituais e no diagnóstico permitiram que essa condição fosse mais precocemente identificada com instituição de tratamento em tempo oportuno, e maior chance de sobrevida para os pacientes. O presente capítulo objetiva revisar o conceito, quadro clínico e critérios diagnósticos, tratamento e prevenção da SHR, com ênfase na SHR-lesão renal aguda (LRA). Para tal, foi realizada pesquisa de artigos de revisão literária em bancos de dados com uso do descritor Síndrome Hepatorrenal, com seleção, leitura e síntese a partir dos materiais lidos, visando auxiliar estudantes, médicos generalistas e clínicos no manejo dessa importante condição.

Palavras-Chave: Síndrome Hepatorrenal

Abstract

Hepatorenal Syndrome (HRS) is a complication of liver cirrhosis and portal hypertension, and one of the causes of acute kidney injury (AKI) in these group of patients. It is a condition with high morbity and mortality. Recent conceptual and diagnostic changes have allowed this condition to be identified earlier with the institution of timely treatment, and a greater chance of survival for patients. This chapter aims to review the concept, clinical manifestations and diagnostic criteria, treatment and prevention of HRS, with emphasis on HRS-acute kidney injury (AKI). For this purpose, a search for reviews was carried out in databases using the descriptor Hepatorrenal Syndrome, with selection, reading and synthesis from the materials, aiming to help students, general practitioners and clinicians in the management of this important condition.

Keywords: Hepatorenal Syndrome

 

 

Introdução

A cirrose hepática é o estágio final da lesão hepática, quase sempre decorrente de hepatopatia crônica. De progressão lenta, essa se caracteriza histopatologicamente pela substituição do parênquima hepático normal por tecido fibrocicatricial (fibrose) com distorção arquitetural lobular e vascular, e formação de nódulos de regeneração. As modificações morfoestruturais levam a perda funcional dos hepatócitos e comprometem o sistema vascular portal com redução do fluxo venoso e aumento da pressão portal. Tais alterações podem levar a anormalidades circulatórias, vasculares, funcionais e bioquímicas, que caracterizam as várias manifestações clínicas da doença (BEST, 2019).

Inúmeras causas de doenças hepáticas podem resultar em cirrose hepática. As causas mais comuns são as hepatites virais (com destaque para as infecções pelos vírus C e B), a doença hepática por álcool, a esteatohepatite não alcoólica e a hepatite autoimune (BEST, 2019).

Os pacientes com cirrose hepática são susceptíveis a uma variedade de complicações, a maioria dessas decorre do estado de hipertensão portal, dentre as quais destacam-se: sangramento varicoso, peritonite bacteriana espontânea e síndrome hepatorrenal (OJEDA-YUREN, 2021). A disfunção renal é especialmente comum nesse grupo de pacientes e se associa à piores prognóstico e mortalidade à curto prazo (GINÈS, 2018).

A principais causas de disfunção renal na cirrose são a lesão renal aguda pré-renal (seja por hipovolemia secundária a sangramento, por infecções, por sangramento gastrointestinal ou por diarreia induzida por lactulose), a síndrome hepatorrenal (objeto desse capítulo) e outras causas de disfunção renal (intrínseca como a necrose tubular aguda ou ainda pós-renal) (GINÈS, 2018).

A SHR se desenvolverá em cerca de 20% dos pacientes com cirrose avançada no primeiro ano do diagnóstico, e em 40% durante os cinco anos seguintes do diagnóstico (OJEDA-YUREN, 2021). Trata-se de uma condição de elevada mortalidade, embora potencialmente reversível, e que é considerada uma manifestação de doença hepática terminal (BEST, 2019).

O presente capítulo objetiva revisar e aprofundar conceito, quadro clínico e critérios diagnósticos, tratamento e prevenção da SHR, com ênfase na SHR-lesão renal aguda (LRA).

Metodologia

Foi realizada pesquisa bibliográfica nas bases de dados National Library of Medicine (PubMed MEDLINE), Cochrane Library, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) com uso do descritor Síndrome Hepatorrenal. Foram selecionados somente artigos de revisão da literatura dos últimos 5 anos, além do Guia da American Association for the Study of Liver Diseases de 2021 para manejo de ascite, peritonite bacteriana espontânea e síndrome hepatorrenal. Após leitura dos títulos, resumos e texto na íntegra, 5 artigos de revisão selecionados, além do Guia já mencionado, serviram de base para elaboração deste capítulo.

Conceito

Pacientes com doença hepática avançada e ascite geralmente apresentam redução da perfusão renal por vasoconstrição renal secundária à redução do volume efetivo circulante e à ativação do sistema vasoativo endógeno no contexto de vasodilatação arterial esplâncnica e sistêmica. A redução do fluxo renal leva a um declínio na taxa de filtração glomerular (TFG) sem resposta à reposição volêmica, numa condição que, na ausência de outras causas identificáveis, se denomina Síndrome hepatorrenal (SHR). Embora classicamente associada à cirrose hepática, a SHR também pode ocorrer na hepatite fulminante, na hepatite alcoólica grave e ainda em tumores metastáticos (GINÈS, 2018; OJEDA-YUREN, 2021).

Além da vasoconstrição renal, estudos recentes demonstraram ainda o papel de uma resposta inflamatória sistêmica com liberação de citocinas pro-inflamatórias e vasodilatadores no desenvolvimento da SHR. Essa resultaria da ativação de células apresentadoras de antígenos (monócitos, macrófagos e células dendríticas) a partir da translocação bacteriana e da disfunção imune relacionada à cirrose e levaria a um aumento da vasodilatação e prejuízo da contratilidade cardíaca (GINÈS, 2018).

Classicamente, duas formas de síndrome hepatorrenal foram descritas em 1996 pelo International Club of Ascites (ICA). A SHR tipo 1 definida como um rápido aumento da creatinina, maior que 100% e para valores acima de 2,5 mg/dL em até duas semanas; e a SHR tipo 2 caracterizada por piora mais lenta da função renal para valores de creatinina acima de 1,5 mg/dL e acometimento característico de pacientes com ascite refratária a diuréticos e retenção de sódio (BUCCHERI, 2022).

Contudo, o ponto de corte estabelecido na definição original apresentava limitações importantes pelo fato de a creatinina sérica basal de pacientes com cirrose ser frequentemente baixa pela redução acentuada da produção hepática e pela diminuição da massa muscular por desnutrição proteico-calórica, além de ser falseada pelos níveis séricos de bilirrubina (BUCCHERI, 2022). A Cistatina C é menos influenciada por fatores confundidores (como idade e massa muscular), mas não há evidências que sustentem seu uso como superior a creatinina na avaliação da função renal em pacientes com cirrose (KHEMICHIAN, 2021).

Desse modo, o diagnóstico de SHR era estabelecido em estágios avançados de lesão renal com eficácia do tratamento limitada nesses casos. Por isso, a atual nomenclatura diferencia os dois tipos pela presença de lesão renal aguda (LRA) na SHR-LRA (anteriormente SHR tipo 1) ou pela ausência de lesão renal aguda na SHR-Doença Renal Crônica (SHR-DRC - anteriormente SHR tipo 2) (OJEDA-YUREN, 2021).

A SHR-LRA seria uma forma mais grave, desencadeada por fatores precipitantes como infecções bacterianas (Peritonite Bacteriana Espontânea, por exemplo), sangramento gastrointestinal (embora, nesse caso, seja mais comum que a disfunção renal seja secundária à hipovolemia) e paracenteses volumosas sem administração concomitante de Albumina. Já a SHR-DRC seria menos grave, no contexto de perda crônica da função renal e categorizada como DRC (GINÈS, 2018). Neste capítulo, nos deteremos somente a SHR-LRA.

Diagnóstico

O diagnóstico de SHR-LRA é feito no paciente com cirrose com ascite que apresente lesão renal aguda (estágio ICA-LRA ≥ 2) na ausência de choque e de outras causas definidas de disfunção renal e após afastados estados de depleção de volume. Trata-se, portanto, de um diagnóstico de exclusão (OJEDA-YUREN, 2021).

A definição de lesão renal aguda (LRA) em pacientes com cirrose baseia-se na classificação Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) de 2012 modificada pelo International Club of Ascites (ICA) em 2015, que não utiliza um valor absoluto de creatinina sérica, e sim aumentos do valor basal; e que também não se vale do débito urinário (normalmente utilizada para população geral) visto ser um parâmetro de difícil mensuração nos pacientes com cirrose, que podem apresentar oligúria sem lesão renal ou ainda não apresentar oligúria (por estarem em uso de diuréticos). A classificação ICA-LRA define ainda três estágios de LRA conforme as modificações da creatinina em relação ao seu valor basal (Tabela 1). Para o valor de creatinina basal, considera-se algum resultado dos últimos três meses mais próximo da admissão ou, na ausência deste, a creatinina admissional (OJEDA-YUREN, 2021).

Tabela 1: Critérios diagnósticos e classificação em estágio de LRA de acordo com ICA.

Definição

  • Aumento da Creatinina basal ≥ 0,3 mg/dl em 48 h; ou
  • Aumento da Creatinina basal ≥ 50% nos últimos 7 dias.

estágios

ESTÁGIO 1A

·         Aumento ≥ 0,3 mg/dL do valor basal para valor < 1,5 mg/dL

ESTÁGIO 1B

·         Aumento ≥ 0,3 mg/dL do valor basal para valor ≥ 1,5 mg/dL

ESTÁGIO 2

·         Aumento > 2,0 a 3,0 vezes o valor basal

ESTÁGIO 3

·         Aumento > 3,0 vezes o valor basal; OU

·         Aumento ≥ 0,3 mg/dL de um valor basal ≥ 4,0 mg/dL; OU

·         LRA com terapia de substituição renal (TSR)

Fonte: Adaptado dos Critérios ICA-KDIGO de LRA

 

Outras possíveis etiologias de disfunção renal que devem ser excluídas são: o uso atual ou recente de medicações nefrotóxicas (AINEs, aminoglicosídeos, contraste iodado) e a presença de sinais de doença renal estrutural (proteinúria > 500 mg/dia ou hematúria microscópica > 50 hemácias/campo de grande aumento; ou alteração da morfologia renal (GINÈS, 2018).

Para afastar depleção de volume, deve-se suspender a terapia diurética e realizar expansão volêmica com Albumina 1 g/kg/dia (dose máxima de 100 g/dia) por pelo menos 48h. Caso a função renal melhore (redução de 25% do valor da creatinina), não se trata de SHR (KHEMICHIAN, 2021).

Alguns biomarcadores urinários têm sido estudados para o diagnóstico da LRA em pacientes cirróticos, com destaque para NGAL (Neutrophil Gelatinase-Associated Lipocalin), um marcador inflamatório produzido por células tubulares renais lesionadas, que sugere precocemente SHR caso sua concentração urinária apresente níveis intermediários, enquanto sugere lesão renal pré-renal e necrose tubular aguda caso seus níveis estejam, respectivamente, reduzidos e elevados. Esses ainda possuem aplicabilidade clínica limitada e são candidatos a serem incluídos futuramente no diagnóstico diferencial da lesão renal aguda no contexto de cirrose. (OJEDA-YUREN, 2021).

Tratamento

O tratamento da SHR envolve resolução da descompensação hepática, seja por medidas que visem a melhora da doença primária como ocorre no tratamento antiviral das hepatites virais ou na abstinência da hepatite alcoólica grave; seja por transplante hepático (BUCCHERI, 2022).

Medidas clínicas gerais incluem avaliar sinais vitais, pressão arterial e balanço hídrico, coleta de culturas (de urina, sangue e líquido ascítico), início de antibioterapia de amplo espectro se suspeita de infecção. A terapia diurética deve ser evitada, com realização de paracenteses de pequeno volume se necessário para controle de ascite. Os betabloqueadores devem ser descontinuados nos pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) devido à possibilidade de hipotensão e efeito negativo na circulação renal, embora não haja consenso (GINÈS, 2018).

As terapêuticas específicas para tentar reverter a lesão renal aguda objetivam elevar a pressão arterial sistólica, o volume arterial e consequentemente a perfusão renal. Para tal, nos pacientes com estágio pelo menos 1B pela classificação ICA-LRA (tabela 1), isto é, que apresentem creatinina acima de 1,5 mg/dL, após expansão com albumina (nas primeiras 48h é realizada 1 g/kg/dia até dose máxima diária de 100 g) associam-se vasoconstritores e Albumina na dose de 20-40 g/dia (BUCCHERI, 2022; GINÈS, 2018).

Tais intervenções, embora amplamente utilizadas, se baseiam em estudos com graus de evidência baixo ou muito baixo, sobretudo em relação a mortalidade, efeitos adversos e descompensações (BEST, 2019).

A Terlipressina é um análogo da vasopressina apontada como opção de primeira linha na SHR, embora com efeitos adversos importantes. Seu mecanismo de ação promove vasoconstrição da musculatura lisa e redução da pressão portal. Outras opções de vasoconstritores são: (1) a Noradrenalina e a Midodrina, agonistas alfa-adrenérgicos que também promovem vasoconstrição da musculatura lisa, mas com aumento da resistência vascular sistêmica; e (2) o Octreotide, um análogo da somatostatina que inibe a liberação de vasodilatadores sistêmicos (OJEDA-YUREN, 2021).

A Terlipressina é iniciada na dose de 2-4 g por dia EV em infusão contínua, com progressão para até 12 g após 72h do início, caso não haja redução de pelo menos 25% do valor da creatinina sérica anterior ao início do tratamento (GINÈS, 2018). A infusão contínua foi mais efetiva e melhor tolerada em relação à administração em bolus (OJEDA-YUREN, 2021).

Os efeitos colaterais da Terlipressina incluem dor abdominal, diarreia e condições graves como insuficiência respiratória por sobrecarga cardíaca (a Terlipressina aumenta a pós-carga, o que se soma ao aumento da pré-carga pela Albumina) (BUCCHERI, 2022). Outros efeitos graves incluem angina e isquemias mesentérica, cutânea ou de extremidades. Por isso, seu uso provavelmente deve ser evitado em pacientes com doença cardíaca e doença arterial periférica (GINÈS, 2018). Caso haja efeitos colaterais graves, seu uso deve ser suspenso; e efeitos colaterais não-graves, sua dose deve ser reduzida. Os efeitos colaterais da Albumina incluem anafilaxia, edema pulmonar e hipertermia (OJEDA-YUREN, 2021).

A Noradrenalina se mostrou tão efetiva quanto à Terlipressina, embora os estudos utilizados tenham limitação importante (BUCCHERI, 2022). Uma exceção são os pacientes com falência hepática crônica agudizada (em inglês Acute-on-chronin liver failure - ACLF), em que o uso daquela foi menos efetivo em comparação a essa. (OJEDA-YUREN, 2021). Sua dose inicial é de 0,5 mg/h, com possibilidade de progressão com incrementos de 0,5 mg/h a cada quatro horas até o máximo de 3 mg/h (BIGGINS, 2021). Seus efeitos adversos incluem arritmia e isquemia, e suas vantagens principais seriam o custo e a disponibilidade (BUCCHERI, 2022).

A associação de Octreotide com Midodrina, embora menos efetiva, também é uma opção à Terlipressina, sobretudo na indisponibilidade dessa e na ausência de monitorização hemodinâmica contínua e de ambiente de terapia intensiva para infusão de Noradrenalina (OJEDA-YUREN, 2021).

Octreotide é administrado por via subcutânea ou em infusão contínua e Midodrina por via oral (GINÈS, 2018). As doses recomendadas são, respectivamente, 100 a 200 mcg SC 8/8h (ou 50 mcg/h em infusão contínua) e 7,5 mg VO 8/8h (com progressão até máximo de 12,5 mg 8/8h) (OJEDA-YUREN, 2021).

Os vasoconstritores associados à albumina devem ser continuados até que se obtenha redução da creatinina em mais de 50% e para valores abaixo de 1,5 mg/dL ou para nível próximo ao valor basal anterior à disfunção renal (resposta completa). Pacientes que não apresentem resposta ou que tenham resposta parcial devem ter a terapêutica com vasoconstrição e albumina suspensa ao cabo de 14 dias (GINÈS, 2018). A recorrência da SHR após concluir a terapêutica e suspender a Terlipressina não é comum (cerca de 20%), mas, nesses casos, nova administração dessa associada à Albumina costuma ser eficaz (GINÈS, 2018).

Casos selecionados podem se beneficiar da realização de stent intra-hepático portossistêmico transjugular (TIPS) e de terapia de substituição renal (TSR), sobretudo como medida de ponte para o transplante hepático ou transplante duplo (renal e hepático) nos pacientes que sejam candidatos (BUCCHERI, 2022).

O TIPS para tratamento da SHR é de uso controverso e não possui estudos suficientes que suportem seu uso, uma vez que os pacientes geralmente possuem muitas contraindicações à essa terapia (BUCCHERI, 2022). Pacientes altamente selecionados e com função hepática relativamente preservada podem se beneficiar desse procedimento (GINÈS, 2018).

A hemodiálise não pode ser considerada tratamento da SHR como medida isolada uma vez que não resolve a causa base. Como já comentado, sua principal indicação é quando existe perspectiva de transplante, mas também quando existe perspectiva de recuperação da função hepática (etiologias reversíveis) (GINÈS, 2018).  Algumas das suas indicações são similares às da população não-cirrótica: acidose metabólica, edema pulmonar (hipervolemia), uremia e hipercalemia graves e/ou refratárias (OJEDA-YUREN, 2021).

O transplante hepático é o tratamento definitivo da SHR-LRA, uma vez que é capaz de reverter por completo a doença hepática e a hipertensão portal, os dois mecanismos mais importantes para a SHR (GINÈS, 2018).  Pacientes que desenvolvem SHR geralmente têm acréscimo no escore MELD, sobretudo na pontuação anterior ao início do tratamento medicamentoso. Alguns casos selecionados podem se beneficiar ainda de transplante duplo (fígado e rins). (BUCCHERI, 2022).

Pacientes com cirrose que não sejam candidatos ao transplante e se apresentem em estado crítico, sem melhora ou com disfunções em múltiplos órgãos devem ser considerados para limitação de suporte (KHEMICHIAN, 2021).

Profilaxia

A prevenção da SHR é recomendada para pacientes com Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) ao momento do diagnóstico da PBE. Para tal, utiliza-se a Albumina, que promove melhora da perfusão renal, com desfechos positivos e diminuição da mortalidade. As evidências para seu uso como profilaxia de infecções além da PBE são limitadas. (BUCCHERI, 2022). A dose recomendada é de 1,5g/kg (dose máxima 100 g) EV no primeiro dia em até 6h do diagnóstico e 1,0g/kg (máximo 100 g) EV no terceiro dia. (BIGGINS, 2021.). Deve-se também administrar Albumina após paracenteses volumosas em pacientes cirróticos (GINÈS, 2018).

Além disso, pacientes com função hepática e/ou renal prejudicadas (Child-Pugh > 9, Bilirrubinas totais ≥ 3 mg/dL, Creatinina ≥ 1,2 mg/dL) e baixa concentração de proteína do líquido ascítico (< 1,5 g/dL) parecem se beneficiar do uso de Norfloxacina diária como profilaxia de PBE, com redução da incidência e aumento da sobrevida relacionadas a SHR (GINÈS, 2018). Embora o risco seja minimizado, tais pacientes ainda assim podem desenvolver tal condição. Um possível aumento do risco de resistência bacteriana é uma implicação desse uso (BUCCHERI, 2022).

O uso de Pentoxifilina pode ser benéfico como medida de profilaxia baseado em evidências limitadas, contudo um ensaio clínico randomizado recente não demonstrou diferença significativa em relação ao placebo na sobrevida ou na resolução da SHR (BUCCHERI, 2022). Investigações futuras, portanto, são necessárias. Do mesmo modo, o uso da Rifaximina também necessita de mais ensaios clínicos randomizados (GINÈS, 2018). O uso de probióticos, estatinas, fatores de crescimento hematopoiéticos e ácidos biliares como profilaxia necessita de mais estudos (BUCCHERI, 2022).

 

­­Considerações Finais

A SHR é uma complicação da hepatopatia crônica e da hipertensão portal e uma das causas de lesão renal aguda nesses pacientes. Trata-se de uma condição com elevada morbidade e mortalidade. Por isso, é fundamental que seja precocemente identificada. Nesse sentido, mudança recente na classificação passou a considerar SHR-LRA e SHR-DRC e não mais SHR tipo 1 e tipo 2, e o uso da Classificação de ICA-LRA permitiu que o diagnóstico e o tratamento da SHR-LRA fossem instituídos mais precocemente. O diagnóstico segue sendo de exclusão e o tratamento consiste no uso de medicações vasoconstrictoras, com destaque para Terlipressina, associados à Albumina; e, de forma definitiva, no transplante hepático o mais cedo possível para os pacientes elegíveis. Além disso, o uso de Albumina ou de antibioticoterapia nos parece eficaz na redução do risco de desenvolver SHR e na melhora da sobrevida em grupos específicos de pacientes. Embora com prognóstico ruim, espera-se que novas opções de tratamento possam ser desenvolvidas no futuro à luz da demonstração recente do papel da resposta inflamatória sistêmica na SHR. A SHR, portanto, persiste como uma patologia complexa e com necessidade de mais estudos clínicos para melhor conhecimento e maiores possibilidades terapêuticas. O presente capítulo objetivou fornecer uma visão ampla sobre o tema, de modo que médicos generalistas e internistas possam utilizar as informações aqui pormenorizadas em sua prática clínica.

Referências

BEST, Lawrence MJ et al. Treatment for hepatorenal syndrome in people with decompensated liver cirrhosis: a network meta‐analysis. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 9, 2019.

BIGGINS, Scott W. et al. Diagnosis, evaluation, and management of ascites, spontaneous bacterial peritonitis and hepatorenal syndrome: 2021 practice guidance by the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology, v. 74, n. 2, p. 1014-1048, 2021.

BUCCHERI, Sebastiano; DA, Ben L. Hepatorenal Syndrome: Definitions, Diagnosis, and Management. Clinics in Liver Disease, v. 26, n. 2, p. 181-201, 2022.

GINÈS, Pere et al. Hepatorenal syndrome. Nature Reviews Disease Primers, vol. 4, n. 23, 2018

KHEMICHIAN, Saro et al. Hepatorenal syndrome. Critical Care Clinics, v. 37, n. 2, p. 321-334, 2021.

OJEDA-YUREN, Alicia S. et al. An integrated review of the hepatorenal syndrome. Annals of Hepatology, v. 22, p. 100236, 2021.