LIVRO PUBLICADO

LIVRO: PESQUISAS EM CLÍNICA MÉDICA

OPEN ACCESS PEER-REVIEWED BOOK 

PESQUISAS EM CLÍNICA MÉDICA

RESEARCH IN MEDICAL CLINIC

 2022 Editora Science / Brazil Science Publisher

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 Pág.1
DIFERENCIAÇÃO DIAGNÓSTICA DAS OTITES NA CLÍNICA MÉDICA
DIFFERENTIATION OF OTITIS DIAGNOSIS ON A MEDICAL CLINIC
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.01
Júlia Wanderley Drumond
Luane Vargas Miranda

CAPÍTULO 2 Pág.8
ASPECTOS CLÍNICOS DA SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS
CLINICAL ASPECTS OF POLYCYSTIC OVARIAN SYNDROME
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.02
Lucas Ferreira Santos Leão
Mariana Ivo Costa
Sophya Bezerra Silva Rocha
Alessandra Plácido Lima Leite

CAPÍTULO 3 Pág. 22
REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS: ETIOLOGIA, CLÍNICA E MANEJO
ADVERSE DRUG REACTION: ETIOLOGY, CLINIC AND THERAPEUTICS
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.03
Gustavo Mattos Papa Alcantara
Karla Eduarda Silva Ferreira
Cynthia Mafra Fonseca de Lima

CAPÍTULO 4 Pág. 37
SÍNDROME HEPATORRENAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA
HEPATORENAL SYNDROME: A LITERATURE REVIEW
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.04
Gabriel Pinheiro Furtado
Alan Alves de Lima Cidrão
Matheus Arrais Morais
Rebeca Canuto de Sousa
Saymon Medeiros Távora
Leonardo Miranda Macêdo

CAPÍTULO 5 Pág. 48
ABORDAGEM DA INJÚRIA RENAL AGUDA - UMA EXPERIÊNCIA DE INVESTIGAÇÃO E MANEJO NO HOSPITAL REGIONAL DO SERTÃO CENTRAL
APPROACH TO ACUTE KIDNEY INJURY - AN EXPERIENCE IN INVESTIGATION AND MANAGEMENT AT THE REGIONAL HOSPITAL OF SERTÃO CENTRAL
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.05
Rebeca Canuto de Sousa
Leonardo Miranda Macêdo

CAPÍTULO 6 Pág. 60
TRICOLEUCEMIA (LEUCEMIA DE CÉLULAS PILOSAS)
TRICOLEUCEMIA (HAIRY CELL LEUKEMIA)
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.06
Aline Firmiano
Renata Mendes de Almeida
Danielle Eleamen Baima
Thainara Aparecida Lopes dos Santos
Aurélia Pereira Praxedes
Ana Clara Morisco Arenghi
Carlos Toribio Buzo
Maria Victoria de Oliveira Correa Silva
Ludmylla Simiema Pereira
Larissa Madeira Tozi

CAPÍTULO 7 Pág.72
ANEMIA FALCIFORME
SICKLE CELL ANEMIA
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.07
Raul Dias Kezan
Priscila Coti Lewin
Giulia Pessin Moschetto
Lucas Braga Teodoro
Julia Lopes Hemza
Marco Aurélio
Carlos Toribio Buzo
Maria Victoria de Oliveira Correa Silva
Eliane Moreira
Luca de Almeida Mezzavilla

CAPÍTULO 8 Pág.83
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DE MÉTODOS BAYESIANOS NA ÁREA MÉDICA E DE SAÚDE PÚBLICA
SOME CONSIDERATIONS ON THE USE OF BAYESIAN METHODS IN THE MEDICAL AND PUBLIC HEALTH AREA
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.08
Jorge Alberto Achcar
Emerson Barili

CAPÍTULO 9 Pág.129
ESTUDO DA DEMANDA ATENDIDA NO CENTRO DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR DE LAGARTO, SERGIPE
STUDY OF THE DEMAND ATTACHED TO THE CENTER OF REFERENCE IN THE HEALTH OF LABOR OF LAGARTO, SERGIPE
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.09
Raíssa Gabriela Mourão Gonçalves
Fernanda De Souza Formentin
Isabella De Oliveira Bêta
Kedson Alessandri Lobo Neves
Lucas Raphael Mourão Gonçalves
Paulo Sergio Taube Júnior
Jocinei Dos Santos
Gustavo Hallwass
Larissa Andréia Ferreira Sampaio
Gustavo da Silva Claudiano

CAPÍTULO 10 Pág.144
DEPRESSÃO DE DIFÍCIL CONTROLE: A IMPORTÂNCIA DA APS NO SEGUIMENTO DO PACIENTE QUE ESTÁ SOB OS CUIDADOS DO ESPECIALISTA NO SUS
RESISTANT DEPRESSION: THE IMPORTANCE OF THE BASIC UNIT IN THE FOLLOW-UP OF THE PATIENT WHO IS BEING CARED FOR IN SPECIALIST CARE IN SUS
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.10
Petrônio de Oliveira Brandão
Julia Domingues Morales
Maxwell de Morais Silva
Thales Gomes Sarmento
Rossiniê de Miranda Araújo

CAPÍTULO 11 Pág.154
A NICOTINA COMO FATOR PROTETOR DA RETOCOLITE ULCERATIVA
NICOTINE AS A PROTECTIVE FACTOR AGAINST ULCERATIVE COLITIS
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.11
Leonardo Neves Filho
Natália Carvalho Gomes David
Vittor Augusto Carvalho Peres
André Matheus Carvalho Silva Leite
José Rubens Bueno Araújo
Isaque Martino de Assis Pereira e Silva
Ana Paula Leal de Castro
Giovanna Veronez Tierno
Esther Aline Correia Brito
Ana Luiza da Silva Bastos

CAPÍTULO 12 Pág.162
INTOXICAÇÃO ALIMENTAR BOTULÍNICA
BOTULINIC FOOD POISONING
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.12
Alyce Gabrielle de Araújo Oliveira
Eliandra de Andrade Santos
Gessiane Suellen Correia de Freitas
José Manoel do Nascimento
Ninive Bezerra Florêncio

CAPÍTULO 13 Pág.173
DOR FEMOROPATELAR: ASPECTOS CLÍNICOS E BIOMECÂNICOS
PATELLOFEMORAL PAIN: CLINICAL AND BIOMECHANICS ASPECTS
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.13
Isabela Vitória Souza Araújo
Ana Carolina Brites de Magistris Martins
Leticia Yoko Nakamura de Roide
Jamilly Radiuc Cipolli
Matheus Sandoval Miguel
Deborah Hebling Spinoso

CAPÍTULO 14 Pág.190
FIBRILAÇÃO ATRIAL: ABORDAGENS EPIDEMIOLÓGICAS, TERAPÊUTICAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
ATRIAL FIBRILLATION: EPIDEMIOLOGICAL APPROACHES, THERAPEUTICS AND CLINICAL MANIFESTATIONS
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.14
José Leandro Ribeiro de Souza
Larissa Maria Ribeiro de Souza
Rayssa Kely Silva de Souza
Claudia Cavalcante Dias
Ellen Vitória Barbosa da Silva
Rafaela Figueirêdo Fernandes Soares

CAPÍTULO 15 Pág.199
PUBLIQUE COM A SCIENCE EM FLUXO CONTÍNUO
PUBLISH WITH SCIENCE IN CONTINUOUS FLOW
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.15
AUTORES
AUTORES
AUTORES

CAPÍTULO 16 Pág.200
PUBLIQUE COM A SCIENCE EM FLUXO CONTÍNUO
PUBLISH WITH SCIENCE IN CONTINUOUS FLOW
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.16
AUTORES
AUTORES
AUTORES

SOBRE OS ORGANIZADORES DO LIVRO DADOS CNPQ: Pág.201

PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO

 

A clínica médica é um conhecimento básico e amplo em medicina aplicado ao entendimento dos acometimentos e atenção ao paciente de modo generalista.

O conhecimento dos pacientes de modo mais realista e conceitual demonstrado no livro poderá propiciar aos leitores condições adequadas para o desenvolvimento de diversas habilidades importantes aos médicos em formação permitindo ao paciente ter acesso a um tratamento mais humanizado e respaldado por conhecimento científico e técnico de qualidade.

A obra é pertinente, pois favorece o conduzir dessa relação dentro dos preceitos da ética médica sem esquecer da qualidade, permitindo o conhecimento de estratégias para a realização de entrevistas com habilidades de comunicação mais efetivas, técnicas mais elaboradas de atendimento, entendimento mais aprofundado dos problemas que acometem o paciente e técnicas para a realização de exames físicos mais efetivos. Além da utilização de um raciocínio clínico e a elaboração mental da lista de problemas de modo mais refinado culminando num plano de condutas que possa sim ser mais benéfico para o paciente sem esquecer obviamente de todo o conhecimento científico disponível.

Também pensando na análise das condições de vida e saúde da criança do adulto e do idoso com relação aos aspectos biopsicossociais e epidemiológicos. Todos esses conhecimentos podem servir de base para um atendimento e relação médico-paciente mais efetiva, proveitosa e exitosa.

Este livro versa sobre os conhecimentos teóricos e práticos para a abordagem inicial do paciente e princípios básicos para a realização do processo diagnóstico e terapêutico das principais patologias, bem como a organização e funcionamento de unidade de clínica geral, além de formas de prevenção e educação em saúde. Desenvolvimento e aplicação de conhecimentos e habilidades para assistência médica sistematizada ao indivíduo, família e grupos, na promoção, proteção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da saúde. Planejamento, execução e avaliação dessa assistência aos pacientes com afecções clínicas agudas e crônicas, visando o atendimento domiciliar, ambulatorial e hospitalar.

 

Boa Leitura

Os  Organizadores

HOW CITE THIS BOOK:

NLM Citation

Santos ILVL, editor. Pesquisas em Clínica Médica. 1st ed. Campina Grande (PB): Editora Science; 2022.

APA Citation

Santos, I. L. V. L. (Eds.). (2022). Pesquisas em Clínica Médica (1st ed.). Editora Science.

ABNT Brazilian Citation NBR 6023:2018

SANTOS, I. L. V. L. Pesquisas em Clínica Médica 1. ed. Campina Grande: Editora Science, 2022.

WHERE ACCESS THIS BOOK:

www.editorascience.com.br/

Prof. Dr. Igor Luiz Vieira de Lima Santos

Câmara Brasileira do Livro

ISBN

978-65-00-53342-2 

DOI

https://doi.org/10.56001/22.9786500533422

 

CAPÍTULOS PUBLICADOS

CAPÍTULO 1

DIFERENCIAÇÃO DIAGNÓSTICA DAS OTITES NA CLÍNICA MÉDICA

DIFFERENTIATION OF OTITIS DIAGNOSIS ON A MEDICAL CLINIC

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.01

Submetido em: 15/09/2022

Revisado em: 28/09/2022

Publicado em: 03/10/2022

 

Júlia Wanderley Drumond

Médica graduada no Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH)

http://lattes.cnpq.br/3801858518043826

Luane Vargas Miranda

Médica graduada no Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH)

http://lattes.cnpq.br/9331737243479682

 

 

 

Resumo

Otites são doenças comuns tanto nos atendimentos de urgência como nas consultas eletivas, podendo ser classificadas em agudas e crônicas. Portanto, faz-se necessário uma sistematização semiológica baseada em dados experimentais e observacionais para o alcance de um diagnóstico clínico adequado, com maior aplicabilidade. Os benefícios para a prática médica incluem suporte para tomada de decisão, maior precisão do diagnóstico e prognóstico e uso de critérios baseados em evidências. Este capítulo tem como objetivo identificar os critérios necessários para a distinção dos tipos de otite visando auxiliar estudantes de medicina, médicos generalistas, clínicos, pediatras e otorrinolaringologistas no diagnóstico com base em revisões literárias sobre o tema.

Palavras-Chave: otites, clínica médica, otorrinolaringologia.

Abstract

Otitis are common diseases both in emergency care and in elective consultations and can be classified as acute and chronic. Therefore, a semiological systematization based on experimental and observational data is necessary to reach an adequate clinical diagnosis, with greater applicability. Benefits for medical practice include decision-making support, increased diagnostic and prognostic accuracy, and use of evidence-based criteria. This chapter aims to identify the criteria needed to distinguish the types of otitis in order to help medical students, general practitioners, clinicians, pediatricians and otolaryngologists in the diagnosis based on literature reviews on the subject.

Keywords: Otitis, medical clinic, otolaryngology

 

 

Introdução

Otites são doenças inflamatórias do ouvido que surgem tanto nos atendimentos de urgência como nas consultas eletivas. São classificadas em agudas e crônicas. A importância deste estudo baseia-se no fato de ser uma doença comum, sobretudo nos primeiros anos de vida, provocando otites muitas vezes recorrentes. Por sua vez, pode se instalar e limitar a qualidade de vida da criança e, futuramente, a do adulto.

  Além disso, é importante diferenciar, nestes primeiros tempos, aquela que, ainda hoje, é a primeira causa de surdez infantil, a otite serosa, que acomete o ouvido médio (PAÇO, 2010).  Muitos são os casos de otite serosa que evoluem e curam espontaneamente, porém, outros apenas são resolvidos com terapêutica médica ou cirúrgica, com a aplicação de tubos transtimpânicos.

  Segundo a Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia, muitas queixas podem surgir associadas às otites, como otalgia, otorreia, hipoacusia, otorragia, acufenos, vertigens e alterações do equilíbrio, autofonia, plenitude auricular, e hiperacusia. Sendo assim, faz-se necessário uma sistematização semiológica para o alcance de um diagnóstico clínico adequado, com maior aplicabilidade.

  Pensando sobre esse assunto a pergunta que podemos fazer para guiar um raciocínio clínico é: “Quais aspectos devem ser considerados para que seja possível diferenciar de maneira sistematizada, por meio de um algoritmo médico, os tipos de otites?”

  O objetivo geral deste capítulo é promover a diferenciação sistematizada dos tipos de otite, a partir da clínica do paciente e das características epidemiológicas que a doença apresenta, para facilitar a busca diagnóstica. A intenção é identificar os critérios necessários para a distinção dos tipos de otites.

  Este capítulo não apresenta como objetivo abordar os planos terapêuticos e propedêuticos a serem seguidos e tampouco classificar as diferentes otites quanto ao grau de gravidade e de comorbidade.

  Logo, a criação de um algoritmo médico que busque detalhar e normatizar as diferenças entre as otites é uma forma de evitar diagnósticos equivocados e, consequentemente, a implementação de planos terapêuticos ineficazes e também de prevenir sequelas decorrentes dessa doença, como a mastoidite aguda, a perfuração timpânica e a surdez infantil, na medida em que a população pediátrica é a mais acometida por essa afecção.

  O algoritmo dirige-se, principalmente, a estudantes de medicina, médicos generalistas, clínicos, pediatras e otorrinolaringologistas, pretendendo ser um auxiliar de diagnóstico. Este capítulo baseia-se em revisões literárias sobre o tema.

Diferenciação Diagnóstica das Otites na Clínica Médica

  A otite é um termo geral para qualquer doença inflamatória no ouvido, seja na porção externa, média ou interna, podendo ser aguda ou crônica. A otite externa é causada, principalmente, por umidade excessiva e traumatismos por objetos inseridos no ouvido. A otite média envolve, geralmente, a Trompa de Eustáquio, estrutura que liga o ouvido médio à nasofaringe. Sendo assim, secreções nasais infectadas passam pela tuba auditiva e chegam ao ouvido médio. Este tipo de otite ocorre, geralmente, após inflamações da via aérea superior. A otite interna origina-se, principalmente, de afecções do sistema nervoso central, que atingem o labirinto (PAÇO,2010).

  Considerando as diferentes regiões acometidas do ouvido, a otite pode trazer ao paciente distintos sinais e sintomas. Na otite externa as partes acometidas são o pavilhão auditivo e o canal auditivo, apresentando sintomas de dor quando puxados ou tocados. Na otite média, devido ao acúmulo de fluido medialmente à membrana timpânica ocorre inflamação e o abaulamento dela, causando dor. Em alguns casos, os fluidos perfuram a membrana timpânica levando ao alívio por supuração. Já na otite interna, as estruturas acometidas são responsáveis pela audição e equilíbrio. Sendo assim, o paciente pode apresentar sinais de tontura e dificuldade de se manter em linha reta, e sintomas de perda auditiva temporária.

  Diante do quadro de sinais e sintomas descrito pelo paciente é preciso identificar as causas, local de acometimento, tempo de instalação e duração da inflamação, possíveis complicações e achados otoscópicos para uma avaliação precisa e realização de um plano propedêutico adequado. A identificação do local da inflamação não é uma tarefa das mais difíceis, visto que os sinais e sintomas das otites são bem definidos para cada estrutura acometida.

  A OTITE EXTERNA DIFUSA AGUDA, acomete o ouvido externo e tem como principais fatores predisponentes: umidade, manipulação excessiva, descamação epitelial, traumatismos, permanência de corpo estranho e otites médias supurativas. Os principais agentes etiológicos são: Pseudomonas aeruginosa (mais comum, principalmente em nadadores), Staphylococcus aureus, Peptostreptococcus sp., Bacteroides sp., Proteus mirabilis. (GUERRA, 2007) A inflamação externa do ouvido é acompanhada de prurido, dor, otorréia e hipoacusia, podendo variar de acordo com o tempo e grau de inflamação. Nos achados otoscópicos podem ser vistos secreções, edema variado e eritema difuso.

  A OTITE EXTERNA DIFUSA LOCALIZADA ocorre principalmente no conduto auditivo externo com a obstrução de um folículo piloso. O principal motivo dessa obstrução é o excesso de cerúmen ou secreção sebosa é associado à manipulação local excessiva, se tornando uma porta de entrada para bactérias.   O agente etiológico principal é o Stafilococcus aureus que se instala no meato acústico externo. Os sintomas são dor excessiva, hipoacusia e prurido. Ademais, mesmo o agente causador sendo um microrganismo bacteriano, esta condição clínica pode ter resolução espontânea.

  De acordo com a mesma fonte, a OTOMICOSE é uma otite mais rara, sendo o agente etiológico um fungo. Os principais agentes causadores são o Aspergillus (responsável por 80%) e a Candida. Muitas vezes está associado à infecção bacteriana. As manifestações clínicas são prurido intenso, dor moderada, otorreia espessa, placas de levedura e secreções que podem obstruir o ouvido. À otoscopia visualiza-se eritema, edema, exsudato de cores variadas (PAÇO, 2010).

  Em concordância com o VI Manual de Otorrinolaringologia pediátrica da Interamerican Association of Pediatric Otorhinolaryngology (IAPO), a OTITE EXTERNA ECZEMATOSA é um termo amplo que compreende diferentes condições dermatológicas (dermatite atópica, seborreica, de contato, lúpus, psoríase, neurodermatite e eczema infantil) que predispõe o canal auditivo externo à otite externa. (SIH, 2006). Entre os sinais e sintomas estão o prurido intenso (como a otomicose), descamação, formação de fissuras na pele do canal auditivo externo, crostas, eritema e feridas. A anamnese deve contemplar a história dermatológica.

  A OTITE MÉDIA AGUDA ocorre principalmente no inverno e sua patogênese está associada a propagação de processos inflamatórios agudos do nariz, seios paranasais ou rinofaringe. Esta condição através da tuba auditiva e/ou obstrução da tuba auditiva por hipertrofia das adenóides ou reações alérgicas. Os principais agentes causadores são Streptoccocus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis, respectivamente na ordem de prevalência. A otite média aguda possui prevalência bimodal, sendo que o primeiro pico geralmente ocorre entre os 6o e 36o mês de vida e o segundo pico entre os 4 aos 7 anos. Os sintomas são variáveis e idade-dependentes. Em lactentes costuma gerar irritabilidade, recusa alimentar, choro persistente. Nas crianças e adultos, o quadro é de otalgia súbita, hipoacusia, plenitude auricular, otorreia e febre. Os achados otoscópicos são: membrana timpânica congesta e abaulada com perda do brilho e triângulo luminoso ausente. A secreção mucopurulenta, sob pressão, pode causar uma perfuração na membrana timpânica com consequente otorréia. A perfuração costuma ser puntiforme e tende à resolução espontânea. (FRANCHE, 1998)

  A MIRINGITE BOLHOSA é uma forma especial de otite média que atinge a membrana timpânica. Pode ter etiologia viral ou bacteriana. As manifestações clínicas são otalgia intensa e súbita, hipoacusia com plenitude auricular, seguida por otorragia. À otoscopia analisa-se um tímpano hiperemiado, com presença de bolhas hemorrágicas. (FRANCHE, 1998) Deve-se aguardar 48 horas para verificar se há resolução espontânea, exceto em criança menor de dois anos.

  Além dos acometimentos agudos, a otite também pode apresentar-se cronificada, sendo a mais comum a OTITE MÉDIA CRÔNICA SECRETORA. Esta consiste na presença crônica (por mais de 3 meses) de efusão no ouvido médio, sem otalgia e outros sintomas inflamatórios agudos. É a causa mais comum de perda auditiva em crianças. Seu pico também é bimodal, sendo o primeiro geralmente aos 2 anos e o segundo aos 5 anos. Os principais fatores de risco são a idade, a presença de otite média aguda precoce e de infecções virais. A otite média secretora pode se apresentar de forma silenciosa ou pode ser percebida por meio de sintomas de hipoacusia condutiva leve, plenitude auricular e autofonia. Em casos mais graves, pode haver atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem. (SIH, 2006) No achado otoscópico podem ser vistos: membrana timpânica translúcida, com nível hidroaéreo ou bolhas na caixa timpânica, espessada, sem brilho, com aumento da vascularização radial e também retraída.

  Um algoritmo para diagnóstico e tratamento de crianças com quadro sugestivo de otite média aguda foi elaborado pela Academia Americana de Pediatria (Figura 1).

  Os algoritmos podem potencialmente auxiliar na prática clínica da medicina, uma vez que derivam de dados experimentais ou observacionais. Os benefícios para a prática médica incluem suporte para tomada de decisão, maior precisão do diagnóstico e prognóstico e uso de critérios baseados em evidências.

 

 

 

 

 

 

Figura 1: Recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria para antibioticoterapia em crianças e adolescentes com otite.

 

Fonte: Rev Panam Salud Publica. 2004.

As recomendações destacadas no algoritmo para diagnóstico e tratamento de crianças com quadro sugestivo de otite média aguda, publicadas em 2004 pela Academia Americana de Pediatria (AAP) e pela Academia Americana de Medicina de Família (AAFP), sugerem tratamento conservador naqueles com suspeita de OMA não complicada, isto é, observação sem introdução de antibióticos. Tal medida tem como princípio a prevenção do aumento de resistência bacteriana, tratando apenas aqueles que, de fato, se beneficiam da antibioticoterapia. 

 Referências

CARVALHO, Cristiana Marques Nascimento HHS. Recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria para antibioticoterapia em crianças e adolescentes com pneumonia comunitária. Rev Panam Salud Publica. 2004

FRANCHE GLS, TABAJARA LMV, ARRARTEJLF, SAFFER M. Otoscopia e timpanometria no diagnóstico da otite média secretora. J Pediatr (R Jan). 1998.

GUERRA, Angela Francisca Marques et al. Otorrinolaringologia pediátrica no Sistema Público de Saúde de Belo Horizonte. Rev. Saúde Pública [online]. 2007, vol.41, n.5, pp.719-725. ISSN 1518-8787. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000500005.

NETO A., FLORES P., RUAH C., SOUSA E., PEREIRA P., NORONHA F., PALMINHA J., PENHA R.: Mastoidites Agudas na Criança. Acta Médica Portuguesa, 11, 643-647, 1998.

PAÇO, João. OTITES NA PRÁTICA CLÍNICA. Guia de diagnóstico e tratamento, CÍRCULO MÉDICO, 2010 SOCIEDADE BRASILEIRA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO FACIAL. Tratado de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvicofacial, Volume II, 2a Ed. São Paulo, 2011.

SAFFER, M.; NETO, J. Avaliação do poder diagnóstico dos sinais e sintomas na otite média aguda. J Pediatr (R Jan). 1996.

GODINHO, Ricardo. VI Manual de Otorrinolaringología Pediátrica de la     IAPO. Eds. Tania Sih, Alberto Chinski, and Roland Eavey. IAPO, 2006.

CAPÍTULO 2

ASPECTOS CLÍNICOS DA SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS 

CLINICAL ASPECTS OF POLYCYSTIC OVARIAN SYNDROME

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.02

Submetido em: 08/09/2022

Revisado em: 05/10/2022

Publicado em: 17/10/2022

 

Lucas Ferreira Santos Leão

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina. Maceió-AL

http://lattes.cnpq.br/1161223507900490

Mariana Ivo Costa

Universidade Federal de Alagoas, CCME. Arapiraca-AL

http://lattes.cnpq.br/5812952432823509

Sophya Bezerra Silva Rocha

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina. Maceió-AL

http://lattes.cnpq.br/1026296304066506

Alessandra Plácido Lima Leite

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina. Maceió-AL

http://lattes.cnpq.br/1899781830442132

 

 

 

Resumo

A síndrome do ovário policístico (SOP) é a condição endócrina mais comum entre as mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo e está diagnosticada entre 6% e 16% da população feminina durante a menacme. A etiopatogenia é multifatorial e ainda pouco conhecida, estando associada a distúrbios metabólicos, com maiores manifestações de riscos cardiovasculares, como aumento da resistência insulínica (RI), dislipidemia, diabetes e hipertensão. As manifestações clínicas têm como característica marcante o hiperandrogenismo, podendo ser laboratorial ou clínico, que se manifesta em quase 85% das pacientes com SOP. Os critérios diagnósticos da SOP que são amplamente utilizados e abrange o maior número de pacientes são os critérios de Rotterdam. No menacme esse diagnóstico é realizado na presença de ao menos dois dos três achados: oligomenorreia, hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial e morfologia ultrassonográfica de policistose ovariana. A SOP é multissistêmica, apresenta complexidade de diagnóstico e diversos aspectos clínicos, sendo crucial a abordagem multidisciplinar visando diminuir a fragmentação dos serviços de saúde e otimizar o acesso de tratamento.

Palavras-chave: Síndrome do ovário policístico; Hiperandrogenismo; Resistência à insulina; Obesidade.

 

Abstract

Polycystic ovary syndrome (PCOS) is the most common endocrine condition among women of reproductive age worldwide and is diagnosed between 6% and 16% of the female population during menacme. The etiopathogenesis is multifactorial and still poorly understood, being associated with metabolic disorders, with greater manifestations of cardiovascular risks, such as increased insulin resistance (IR), dyslipidemia, diabetes and hypertension. Clinical manifestations are characterized by hyperandrogenism, which can be laboratory or clinical, which is manifested in almost 85% of patients with PCOS. The diagnostic criteria for PCOS that are widely used and cover the largest number of patients are the Rotterdam criteria. In menacme, this diagnosis is made in the presence of at least two of the three findings: oligomenorrhea, clinical and/or laboratory hyperandrogenism, and ultrasound morphology of ovarian polycystosis. PCOS is multisystemic, has diagnostic complexity and several clinical aspects, and a multidisciplinary approach is crucial to reduce the fragmentation of health services and optimize access to treatment.

Keywords: Polycystic Ovarian Syndrome; Hyperandrogenism; Obesity

 

 

Introdução

A síndrome do ovário policístico (SOP) é a condição endócrina mais comum entre as mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo. Como uma síndrome, é um conjunto de sinais e sintomas heterogêneos e quase sempre relacionados à endocrinopatia, envolvendo irregularidade do ciclo menstrual, alteração na fertilidade, hiperandrogenismo revelado como hirsutismo, acne, alopecia, elevação dos níveis séricos de androgênios, além de critérios imagiológicos (AL WATTAR et al., 2021; MACIEL, 2019; TAVARES et al., 2019).

A etiopatogenia é multifatorial e ainda pouco conhecida, mas sabe-se que algumas condições estão relacionadas a um aumento da prevalência, como: puberdade precoce, familiares de parentesco próximo com diagnóstico da SOP, obesidade e presença da diabetes mellitus (DM) (ROSA-E-SILVA, 2021).

Isso afeta profundamente a qualidade de vida (QV) e o bem-estar das mulheres, podendo levar ao descuido e aumento do risco das complicações das tantas condições envolvidas, já que a autoestima e satisfação com a autoimagem são fatores importantes na percepção da QV das mulheres. A literatura também relata o aumento de distúrbios psicológicos, como transtornos psiquiátricos ou preocupações psicossociais (AL WATTAR et al., 2021; ROSA-E-SILVA, 2021).

A disfunção sexual também está associada à piora da QV, e a disfunção psicossocial está associada ao aumento da incidência de distúrbios relacionados à sexualidade. Os efeitos metabólicos da SOP, a infertilidade e os efeitos negativos na QV e na função sexual reforçam a importância do acompanhamento multidisciplinar e especializado dessas mulheres para preservar seu pleno bem-estar físico, social e emocional (ROSA-E-SILVA, 2021).

Múltiplos fatores contribuem para as manifestações da SOP, havendo uma relação entre exacerbação das manifestações da SOP e a obesidade, mostrando uma estreita relação entre ambas, pois cerca de 55% das mulheres com SOP apresentam também obesidade, impactando no diagnóstico, no metabolismo, e na fertilidade. Acredita-se que a obesidade tem um papel crucial no desenvolvimento e prognóstico da SOP, exercendo grande influência uma vez que, reduzindo 5% a 10% do peso, as pacientes apresentam melhora no padrão menstrual e nos sintomas clínicos de hiperandrogenismo. A obesidade é uma das principais alterações relacionadas à diminuição da QV e alterações psicossociais e apesar da SOP e da obesidade serem independentes, estão associadas de maneira íntima e com piora das manifestações clínicas da síndrome (MACIEL, 2019; ROSA-E-SILVA, 2021).

Além disso, a SOP também está associada a distúrbios metabólicos, com maiores manifestações de riscos cardiovasculares, como aumento da resistência insulínica (RI), dislipidemia, diabetes e hipertensão, sendo considerada um distúrbio metabólico causados ​​por defeitos contínuos na secreção e ação da insulina. Estudos mostraram que alguns marcadores de risco para doenças cardiovasculares estão aumentados em pacientes com SOP, incluindo espessura da camada íntima da carótida, disfunção endotelial, calcificação da artéria coronária e rigidez arterial. Os distúrbios surgem independente da presença da obesidade, por isso mesmo nem todas as mulheres com SOP devem ser consideradas iguais (BERNI et al., 2021; TAVARES et al., 2019).

A variação dos fenótipos das pessoas com SOP e nos sintomas expressos entre as mulheres afetadas geralmente leva a um diagnóstico tardio devido a inespecificidade e a gama de diagnósticos diferenciais, sendo seu tratamento apenas com sintomáticos em vez de abrangentes, multidisciplinar e baseados em evidências, o que otimizaria o controle da doença a longo prazo (AL WATTAR et al., 2021).

Para realização do diagnóstico, o Consenso de Rotterdam foi publicado em conjunto pelas Sociedades Americana de Medicina Reprodutiva e Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia em 2004 e revisado em 2012, sendo o mais usado na prática clínica devido aos seus critérios mais flexíveis, incluindo inclusive mulheres sem manifestações claras de hiperandrogenismo (ESHRE et al., 2004).

 

Sendo assim, a SOP se mostra uma doença complexa e heterogênea que envolve múltiplas manifestações metabólicas e toda mulher com SOP deve ser investigada a fim de prevenir as desordens associadas e doenças cardiovasculares. (ROSA-E-SILVA, 2021).

Epidemiologia

A SOP está diagnosticada entre 6% e 16% da população feminina durante a menacme, variáveis de acordo com os critérios diagnósticos utilizados. Os distúrbios menstruais acometem de 60% a 85% das pacientes, e até 30% delas podem ser eumorréicas. A obesidade ocorre por volta de 55% das mulheres com SOP. Um estudo que avaliou mulheres no fim do menacme com DM2 mostrou prevalência seis vezes maior de SOP do que nas mulheres sem diabetes. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) tem prevalência de 2,5 vezes mais nas mulheres com SOP do que nas mulheres não afetadas (API et al., 2009; FERNANDES, 2013).

No Brasil existe a falta de estudos epidemiológicos sobre a prevalência da SOP, mas pelo menos 30% das brasileiras com SOP apresentam obesidade e/ou intolerância à glicose, enquanto 10% apresentam DM2 (FERNANDES, 2013).

Fisiopatologia

Segundo os critérios diagnósticos de Rotterdam, que serão abordados mais a frente, é possível identificar a composição de quatro fenótipos de SOP:

Fenótipo A: hiperandrogenismo + disfunção ovariana + morfologia ovariana policística

Fenótipo B: hiperandrogenismo + disfunção ovariana

Fenótipo C: hiperandrogenismo + morfologia ovariana policística

Fenótipo D: disfunção ovariana + morfologia ovariana policística

Os fenótipos e a prevalência da síndrome são influenciados por fatores ambientais, culturais, genéticos, bem como pelo critério diagnóstico utilizado. Assim sendo vários fatores têm sido implicados na fisiopatologia da SOP, como componentes genéticos, distúrbios endócrinos hereditários, fatores ambientais e fatores metabólicos (TAVARES et al., 2019).

A maioria das mulheres com SOP tem obesidade e apresenta RI (50% a 90% delas), levando a alterações metabólicas mais precocemente. A RI pode ser definida como uma resposta biológica subnormal às concentrações de insulina, caracterizada pela diminuição da sensibilidade dos tecidos à ação da insulina, resultando em um feedback positivo da secreção de insulina das células β pancreáticas para manter a homeostase da glicose. Alguns órgãos como fígado, músculo e tecido adiposo apresentam RI claramente, o que não acontece nos ovários, pois a hiperinsulinemia estimula as células da teca, aumentando a produção de andrógenos com consequente distribuição mais central de gordura, levando ao aumento da gordura visceral que ocasiona lipólise em maior quantidade, aumentando os ácidos graxos livres o que induz a RI, gerando importantes implicações metabólicas (MACIEL, 2019).

A dislipidemia, manifestada principalmente por níveis séricos elevados de triglicerídeos e colesterol de lipoproteína de baixa densidade e colesterol de lipoproteína de alta densidade reduzido, é considerada um fator de risco altamente modificável para doença cardiovascular, principalmente por seu impacto na aterosclerose. Segundo a Sociedade de Excesso Androgênico e SOP, até 70% das mulheres com SOP podem desenvolver dislipidemia, que pode ser mediada por RI, hiperandrogenismo e fatores ambientais (ROSA-E-SILVA, 2021).

Ainda falta muito para entender sobre a fisiopatologia da SOP, mas alguns fatores são mais discutidos atualmente. São eles:

  • Fatores Endócrinos

Um dos mecanismos endócrinos implicados na patogênese da SOP é o padrão de secreção de gonadotrofinas com hipersecreção do hormônio luteinizante (LH), e secreção do hormônio folículo estimulante (FSH) baixa ou no limite inferior da normalidade, levando a diminuição da probabilidade de ovulação uma vez que o processo de maturação folicular é afetado (KAZER et al., 1987).

Com essa falta de coordenação entre a secreção de LH e FSH, esse pulso aumentado de LH faz com que as células da membrana se tornem hiperativas, produzindo mais andrógenos, principalmente testosterona, que não são proporcionalmente convertidos em estradiol, explicando o hiperandrogenismo característico da síndrome. Dessa forma, não ocorre feedback adequado no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal em mulheres portadoras de SOP (ROSA-E-SILVA, 2021).

O padrão de secreção pulsátil de GnRH é controlado pelo feedback do ovário e dos hormônios esteroides estradiol e progesterona. Mulheres com SOP têm uma elevação de aproximadamente 40% na frequência de pulso de GnRH, levando ao aumento da secreção de LH e, por sua vez, aumento da produção de andrógenos ovarianos. Como a produção de estrogênio é prejudicada devido ao desequilíbrio hormonal, o eixo fica comprometido e não desempenha sua função plena. Além das mudanças no eixo, fatores intra-ovarianos, como os membros da superfamília do fator de crescimento transformador β (TGF-β), inibina, ativina, proteínas morfogênicas ósseas e fatores de diferenciação do crescimento (GDFs) também podem influenciar o desenvolvimento de anormalidade folicular em mulheres com SOP (ABBARA, 2021; STENER-VICTORIN et al., 2020).

O Sistema Renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) ovariano tem atuação no desenvolvimento e na atresia do folículo ovariano, além de ovulação e excreção dos hormônios. A eficiência deste sistema é necessária para a reprodução normal, e sua atividade é regulada por gonadotrofinas e depende da atividade de proteases na área de crescimento folicular (CINTRA et al.,2018).

A angiotensina e seus receptores estão distribuídos por todo o ovário, desde os folículos, teca, células da granulosa e são eles que tem o papel de regular a produção dos esteroides, sua função anormal é o que explica a infertilidade presente em algumas mulheres com SOP. Sabe-se que a enzima conversora de angiotensina (ECA) tem papel fundamental no SRAA que regula a pressão arterial, participa da angiogênese do ovário, do crescimento folicular e da inflamação (CINTRA et al., 2018).

Considerando que o desenvolvimento folicular normal depende da sincronia entre as gonadotrofinas, insulina, fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), hormônio anti-mulleriano (AMH), e outros fatores de crescimento, pode-se entender o impacto que essas alterações regulatórias têm na foliculogênese ovariana. No caso de mulheres com SOP, o recrutamento e ativação folicular ocorre com maior frequência, mas com atresia de folículos iniciais, dificultando o crescimento completo e maturação, estagnando o folículo no estágio intermediário, o que resulta no ovário com morfologia policística (ROSA-E-SILVA, 2021).

O aumento da insulina circulante tem efeito direto na produção de androgênios ovarianos, uma vez que esta possui ação sinérgica ao LH nas células da teca, estimulando a produção de androgênios (LI,2015). Além disso, a insulina também está envolvida na redução da produção da proteína carreadora de androgênios pelo fígado; estes dois efeitos somados aumentam a concentração de testosterona livre, ou seja, da fração ativa do hormônio.  O IGF-1, como a insulina, desempenha um papel na produção de andrógenos ovarianos, um dos quais é a estimulação da proliferação de células da teca (MCALLISTER, 2015).

 

  • Fatores Genéticos

A SOP tem influência de múltiplos genes, tendo um padrão complexo de hereditariedade, caracterizando-se como uma doença poligênica com penetrância gênica incompleta e influências epigenéticas; entretanto, ainda pouco se entende sobre esse padrão da síndrome (MCALLISTER, 2015).

A ECA, uma enzima chave no sistema renina-angiotensina pode converter angiotensina I em angiotensina II, e as variações na quantidade da ECA estão associadas a um polimorfismo gênico que pode alterar o sistema e estar associado à SOP. Esse polimorfismo já foi associado a algumas consequências clínicas da SOP como hipertensão, diabetes e síndrome metabólica (CINTRA et al., 2018).

Quando comparadas a expressão genética dos tecidos ovarianos de mulheres com e sem SOP, foram vistos diferentes padrões em relação aos genes ligados a vários processos metabólicos e biológicos distintos. Os diferentes genes envolvidos na gênese da SOP propiciam uma ampla variedade de possíveis genótipos, o que explica os diferentes fenótipos encontrados na síndrome e a dificuldade em se estabelecer consenso em relação aos critérios diagnósticos (ROSA-E-SILVA, 2021).

Manifestações Clínicas

As manifestações aparecem geralmente após a menarca, tendo como característica marcante o hiperandrogenismo, podendo ser laboratorial ou clínico, este se manifesta em quase 85% das pacientes com SOP (ROSA-E-SILVA, 2021).

As repercussões do hiperandrogenismo trazem reflexos psicológicos importantes que reverberam sobre a autoestima e QV da mulher. Um exemplo claro é encontrado na infertilidade cuja prevalência é estimada em 75% das mulheres com SOP, visto que, além de carregarem consigo o estigma pelo desejo insatisfeito de gerar um filho, causa diversos desconfortos psicossociais e influencia negativamente o bem-estar emocional e a QV (ROSA-E-SILVA, 2021).

Frequentemente a SOP se apresenta através do hirsutismo, obesidade, acne, seborreia, irregularidades menstruais, acantose nigricans, hiper-hidrose. Os sinais clínicos mais confiáveis do hiperandrogenismo são o hirsutismo e a disfunção ovariana. Mais raramente podem ser vistas a virilização e a alopecia, esta última tem fisiopatologia não esclarecida, mas provavelmente se associa com os androgênios circulantes e com maior sensibilidade dos folículos pilosos, resultando no afilamento difuso do cabelo (ROSA-E-SILVA, 2021; TENNILÄ et al., 2021).

Estabelecer o diagnóstico da SOP na adolescência é mais delicado. A irregularidade menstrual no período da adolescência se dá por uma alteração fisiológica decorrente da imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano e tem como explicação a ausência do feedback positivo do estradiol sobre a secreção do LH, resultando em ciclos anovulatórios (85% dos ciclos no primeiro ano após a menarca) (YELA, 2018).

Também fazem parte do cortejo clínico da síndrome alterações na qualidade do sono, traduzidas por fadiga, cansaço e indisposição, muitos estudos evidenciam que mulheres com SOP têm maiores taxas de distúrbios respiratórios do sono que mulheres saudáveis (SIMON et al., 2020).

Abordagem Diagnóstica

Os critérios diagnósticos da SOP que são amplamente utilizados e abrange o maior número de pacientes são os critérios de Rotterdam. No menacme esse diagnóstico é realizado na presença de ao menos dois dos três achados: oligomenorreia, hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial e morfologia ultrassonográfica de policistose ovariana; entretanto na adolescência os critérios são mais estritos, sendo o hiperandrogenismo causador necessário de hirsutismo ou hiperandrogenemia e o diagnóstico deve ser reavaliado após 8 anos de menarca, além da exclusão de outras doenças que cursam com hiperandrogenismo (FAUSER et al., 2012).

Essas manifestações clínicas são, principalmente, decorrentes do excesso de androgênios circulantes. O diagnóstico diferencial é feito com os tumores produtores de androgênios (ovário e adrenal), hiperprolactinemia, disfunções tireoidianas e a hiperplasia adrenal congênita, mais especificamente a forma não clássica, através da propedêutica complementar, ou seja, dosagem de testosterona total ou livre, dosagem de prolactina (PRL), dosagem do Hormônio Folículo Estimulante (FSH),  dosagem do Hormônio Tireoestimulante (TSH), T4 livre, dosagem de dehidroepiandrosterona sulfatada (DHEA-5), dosagem de 17 alfa-hidroxiprogesterona (17OHP) (KYRITSI et al., 2018; ROSA-E-SILVA, 2021).

Quando há apenas um critério clínico como a anovulação é importante realizar US pélvica e averiguar se preenche critérios para diagnóstico da SOP, e, caso não, deve-se investigar outras causas de anovulação (ROSA-E-SILVA, 2021).

Atrelado aos critérios de Rotterdam pode ser realizado o exame sistemático e avaliação do hiperandrogenismo clínico com uso de ferramentas de avaliações padronizadas específicas, tais como o escore de Ferriman-Gallwey e o escore visual de Ludwig, para hirsutismo e acne em adultos; no entanto o escore modificado de Ferriman-Gallwey possui limitações já que é padronizado para mulheres adultas caucasianas, podendo ter sua acurácia diminuída quando aplicados em outra faixa etária. Outro ponto é a etnia na determinação da distribuição dos pelos nas mulheres, sendo o hirsutismo mais intenso observado em mulheres do Oriente Médio, do Mediterrâneo e da América Latina. Nessas pacientes os graus leves podem ser vistos como padrões normais do grupo étnico, não havendo necessidade de tratamento (BERNI et al., 2021).

Fonte: YILDIZ, Bulent O. Assessment, diagnosis and treatment of a patient with hirsutism. Nature Clinical Practice Endocrinology & Metabolism, v. 4, n. 5, p. 294-300, 2008.

Uma ressalva importante é que um quarto das mulheres hirsutas com SOP não apresentam o hiperandrogenismo correspondente (testosterona, androstenediona e sulfato de desidroepiandrosterona), o que pode gerar dúvidas sobre o diagnóstico (BERNI et al., 2021).

Outros aspectos clínicos podem ser observados devido a virilização, como hipertrofia de clitóris, padrão masculino e hipertrofia de musculatura e engrossamento da voz, são incomuns na SOP, sendo necessária investigação imediata e podendo associar-se a tumores produtores de androgênios de origem ovariana ou suprarrenal e uso de androgênios exógenos (AZZIZ et al., 2009).

Complicações

Cerca de 70% dos pacientes com SOP relatam dificuldade em relação à fertilidade, embora a taxa de fecundidade seja semelhante à de mulheres sem SOP (ROSA-E-SILVA, 2021).

Os fatores de risco como obesidade, tabagismo, hipertensão, dislipidemia, doença vascular subclínica, tolerância diminuída à glicose, história familiar de doença cardiovascular prematura, falta de atividade física, síndrome metabólica e diabetes tipo 2, apneia obstrutiva do sono, níveis elevados de PCR e homocisteína estão relacionadas com risco cardiovascular em mulheres com SOP sendo essencial avaliação e investigação periódica (PETRAZUOLI et al., 2019).

Outra complicação associada é o câncer de endométrio, a literatura não recomenda rastreamento de rotina, mas alguns estudiosos orientam a realização de ultrassonografia transvaginal para avaliação da espessura do endométrio em caso de sangramento uterino anormal, spotting e amenorreia prolongada (>90 dias),   indução do sangramento de privação em mulheres com amenorreia prolongada usando progesterona a cada 3 a 4 meses e realizar biópsia endometrial através da histeroscopia nas que apresentarem endométrio espessado (TEEDE et al., 2018; AL WATTAR et al., 2021).

Tratamento

Na SOP, ao passo que se trata de uma síndrome etiológica e clinicamente heterogênea, o tratamento depende das manifestações clínicas apresentadas pela paciente. Assim, é centrado nas queixas da mulher e na prevenção das consequências provocadas pelas alterações metabólicas, a longo prazo, através de medidas farmacológicas e não farmacológicas (TENNILÄ et al., 2021; ROSA-E-SILVA, 2021).

São várias as alternativas para o tratamento medicamentoso que vai desde o uso de contraceptivos combinados associados ou não a drogas antiandrogênicas a medidas estéticas para o hirsutismo e medidas especificas para o tratamento da acne. Entretanto, as mudanças no estilo de vida são imprescindíveis para as pacientes com SOP (MARTIN et al., 2018; ROSA-E-SILVA, 2021).

Os contraceptivos hormonais combinados são amplamente utilizados por ter bom custo-efetividade para tratamento das manifestações androgênicas, mas apresentam efeitos colaterais importantes como maiores propensões a desfechos trombóticos, diminuição de libido, feminização do feto masculino (ROSA-E-SILVA, 2021; BERNI, 2021).

Outro medicamento bem aceito é a metformina, que promove a diminuição da insulina de jejum, otimiza o controle do peso e minimiza o hiperandrogenismo com melhora do ciclo menstrual, além do benefício no distúrbio do sono e sonolência diurna. É seguro, possui baixo custo e está disponível no Sistema Único de Saúde. O uso contínuo de metformina se associa a diminuição no nível sérico de vitamina B12, devendo ser monitorado e oferecer a reposição se necessária. Devido a multiplicidade das apresentações clínicas da SOP, não há consenso sobre o momento de início do uso da metformina e nem sobre a duração do tratamento (AL WATTAR et al., 2021; ROSA-E-SILVA, 2021; SIMON et al., 2020).

Para o tratamento das manifestações clínicas da SOP como hirsutismo são recomendadas sessões de fotodepilação e eflornitina tópica como primeira linha, mas de acordo com o grau de acometimento também pode ser usado medicamento antiandrogênicos isolados ou combinados com contraceptivos hormonais, importantes quando o hirsutismo está associado a acne. Outros medicamentos que podem ser utilizados são o acetato de ciproterona e drospirenona recomendado como tratamento de segunda linha para irregularidade menstrual, acne, hirsutismo (AL WATTAR et al., 2021).

A indução da ovulação pode ser realizada através do citrato de clomifeno, porém seu uso prolongado e mal-sucedido deve ser evitado. O letrozol é considerado de primeira linha, uma vez que o citrato de clomifeno tem maior relação com gravidez múltipla (TEEDE et al., 2018).

Os tratamentos não farmacológicos incluem intervenções de estilo de vida como dieta com restrição calórica (déficit 500-700 kcal/dia) e exercícios físicos frequentes (TEEDE et al., 2018). A obesidade não faz parte das manifestações fenotípicas avaliadas pelos critérios de Rotterdam para SOP, porém, é observada uma íntima relação com esta síndrome; então, a perda de peso é a primeira linha de tratamento para SOP e obesas, sendo crucial alterações no estilo de vida, dieta saudável, atividade física regular, tratamento medicamentoso com estatinas, metformina, e, como última alternativa, cirurgia bariátrica para manter um peso saudável, melhorar parâmetros hormonais e qualidade de vida (EID et al., 2005).

Outro aspecto do tratamento é a avaliação de rotina para a saúde mental e qualidade de vida e se necessário encaminhar para aconselhamento e gestão da saúde mental por profissionais capacitados (AL WATTAR et al.,2021; GOODMAN et al., 2015).

Considerações Finais

A SOP é multissistêmica, apresenta complexidade de diagnóstico e diversos aspectos clínicos, sendo crucial a abordagem multidisciplinar visando diminuir a fragmentação dos serviços de saúde e otimizar o acesso de tratamento.

Outro ponto importante é um maior conhecimento da fisiopatologia e dos aspectos clínicos visando diminuir o atraso no diagnóstico e tomadas de decisões terapêuticas mais eficazes tendo como alicerces a medicina baseada em evidências e a experiência da boa prática clínica. Ressaltamos a importância de investimentos em pesquisa no tema em tela.

Referências

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CAPÍTULO 3

REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS: ETIOLOGIA, CLÍNICA E MANEJO

ADVERSE DRUG REACTION: ETIOLOGY, CLINIC AND THERAPEUTICS

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.03

Submetido em: 05/11/2022

Revisado em: 05/12/2022

Publicado em: 23/01/2023

 

Gustavo Mattos Papa Alcantara

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina, Maceió-AL

http://lattes.cnpq.br/9599157733225834

Karla Eduarda Silva Ferreira

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina, Maceió-AL

http://lattes.cnpq.br/4438829264007221

Cynthia Mafra Fonseca de Lima

Centro Universitário Cesmac, Faculdade de Medicina, Maceió-AL

http://lattes.cnpq.br/3978900571387193

 

 

 

Resumo

A reações adversas a medicamentos (RAMs) são interações entre o sistema imunológico e fármacos que são passíveis de ocorrer na prática clínica de qualquer profissional. Uma revisão de literatura em bases de dados foi utilizada para se investigar as principais informações sobre o tema. Ainda há discussão de teorias acerca da etiologia exata das RAMs, sendo a teoria do hapteno mais aceita do que a teoria de estimulação direta, ou p-i. As reações podem ocorrer de formas previsíveis e imprevisíveis, dependendo do mecanismo da reação. Os mecanismos de reação são classificados em 4 tipos, de acordo com sua cronologia, mediador e apresentação clínica, sendo o tipo IV subdividido. A apresentação clínica das RAMs se dá de formas muito variadas, podendo ser diferenciadas pela apresentação e tempo de reação, além de haver relações entre a apresentação e o medicamento deflagrante. O diagnóstico, é conduzido primariamente pela anamnese e apresentação da reação, mas há exames complementares que podem ser úteis para confirmação. O tratamento em si das RAMs é simples, baseando-se na retirada das medicações, mas há medidas mais urgentes de estabilização que necessitam de ser usadas num quadro mais agudo.

Palavras-chave: Efeitos Colaterais e Reações Adversas Relacionados a Medicamentos; Células Th1; Erupção por Droga; Imunologia; Hipersensibilidade.

Abstract

Adverse reactions to drugs (ARDs) are interactions between the imunologic system and drugs that are possible of happening in the clinical practice of any professional. A literature review was utilized to investigate the main topics of the subject. There still is discussion of teories about the exact etiology of ARDs, with the hapten theory being more widely accepted then the direct stimulation theory, or p-i theory. The reactions can occur in predictable and unpredictable way, which can dependo of their reaction mecanismo. The mecanisms of ADRs can be classified in 4 tipes, according to their cronology, mediator and clinical apresentation, with the tipe IV reaction being subdivided in 4 more. The clinical apresentation of the ARDs can occur in diferent ways, possibly being differentiated by the presentation and reaction time, also there being a connection between presentation and causing drug. Diagnostic is conducted primarly by anamnesis and the clinical presentation, but complementary exams can be useful for confirmation.Treatment of ADRs is pretty simple, based on the withdrawal of the medication used, but there are more urgent measures that need to be used on an acute

Keywords: Drug-Related Side Effects and Adverse Reactions; Drug Eruption; Imunology; Hipersensibility; Th1 Cells

 

 

Introdução

Reações adversas a medicamentos (RAM) podem ser classificadas em dois tipos, tipo A, aumentada, ou tipo B, bizarra. As reações do tipo A são reações determinadas pelas características farmacológicas da droga, como janela de dosagem segura e interações farmacológicas, sendo, portanto, reações dose dependentes e previsíveis. As reações do tipo B, por outro lado, são conceituadas como reações imprevisíveis, não dependentes de dosagem e de efeitos não antecipados em relação ao agente. Apesar disso, há estudos que apontam situações em que a dose do fármaco apresenta influência limitada sobre o desenrolar da reação. De forma geral, a Colaboração Internacional em Asma, Alergia e Imunologia (iCAALL) define reação de hipersensibilidade a drogas (RHD) como o efeito adverso à medicação que se assemelha à alergia, sendo pertencentes ao grupo das reações do tipo B. Ainda, a iCAALL recomenda que numa situação de suspeita de reação alérgica, o termo reação de hipersensibilidade às drogas deve ser usado até que um mecanismo imunológico definitivo seja demonstrado.

A classificação das RHDs é feita de acordo com o mecanismo, sendo ou alérgicas ou não alérgicas; e a cronologia, podendo ser imediata, a que ocorre dentro de uma a seis horas depois da aplicação, e atrasada, ocorrendo após seis horas da aplicação (DYKEWICZ, 2020).

Metodologia

A condução desse estudo se deu por meio de uma pesquisa exploratória de artigos científicos e diretrizes relacionadas às reações adversas a medicamentos. Foi realizada pesquisa bibliográfica nas bases de dados National Library of Medicine (PubMed MEDLINE), Cochrane Library, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foram usados os descritores Efeitos Adversos, Erupção por Droga, Efeitos Colaterais e Reações Adversas Relacionados a Medicamentos, Imunologia para a montagem do instrumento de pesquisa. Dos resultados, foram selecionados 36 artigos a partir de seus títulos e resumos, dos quais 18 foram excluídos após a leitura na íntegra. A pesquisa se limitou a artigos dos últimos 5 anos, com duas exceções: o consenso internacional de reações adversas a drogas e o uma ferramenta clínica para estimar a probabilidade de reações adversas.

Etiologia e Fisiopatologia

No sentido de explicitar o mecanismo pelo qual fármacos provocam reações do sistema imunológico, duas hipóteses foram propostas: a hipótese dos haptenos e a hipótese da estimulação direta a receptores imunológicos, denominada p-i. Há também a possibilidade da deflagração da RHD não alérgica, na qual a molécula do medicamento interage com o receptor de células efetoras da inflamação, como mastócitos, causando uma reação semelhante à alergia, mas sem a sensibilização do sistema imune ao medicamento causador, sendo denominadas, portanto, de pseudoalérgicas. Ressalta-se, ainda, que há drogas que podem provocar RHDs por um, dois ou todos os mecanismos possíveis, não sendo um excludente do outro.

Tabela 1: Classificação de Coombs das RHDs.

  

Tipo

Classificação cronológica

Tempo da reação
após aplicação da droga

Mediador

Apresentação clínica

I

Imediata

Até 6 horas

IgE

Rinite
Broncospasmo
Anafilaxia
Urticaria
Angioedema

II

Tardia

5 a 15 dias

IgG citotóxica

Citopenia

III

Tardia

7 a 8 dias para a
doença do soro
7 a 21 para vasculite

IgG complexo imunológico

Doença do soro
Vasculite
Urticaria

IVa

Tardia

1 a 21 dias

Células Th1

Eczema
Agranulocitose

IVb

Tardia

1 a vários dias para o exantema
2 a 6 semanas para a DRESS

Células Th2

DRESS
Exantema maculopapular

IVc

Tardia

1 a 2 dias para EFD
4 a 28 dias para SJS/NET

Células T citotóxicas

SJS/NET
Exantema maculopapular
Exantema pustular
EFD

IVd

Tardia

1 a 2 dias

Células T

PEGA

Fonte: Desenvolvido pelos autores.

A principal descrição do mecanismo de ação das RHDs se dá pelo conceito do hapteno, sendo a base da classificação de Gell e Coombs (PICHLER, 2019). Segundo esse conceito, as moléculas farmacológicas são muito pequenas para provocar uma resposta dos mecanismos imunológicos, porém, é possível a ligação covalente com proteínas, formando um complexo hapteno-proteína, que interage com complexos de histocompatibilidade (HMC) de uma célula apresentadora de antígenos (APC), sendo em seguida apresentados às células T, iniciando a cadeia de resposta imunológica. É importante ressaltar que as drogas podem se ligar a lugares diferentes das proteínas carreadoras, causando mudanças estruturais diferentes e, consequentemente, se ligando a HMCs diferentes. Além disso, alguns fármacos precisam ser metabolizados antes de se ligarem a proteínas, esses são denominados fármacos pró-haptenos.

As reações imunológicas são divididas de acordo com a classificação de Gell e Coombs, que divide as reações em tipos de I a IV, segundo o mecanismo e as manifestações clínicas associadas (SANCHEZ, 2017; PICHLER, 2019). A reação de tipo I são baseadas na produção de anticorpos IgE, havendo a sensibilização prévia numa primeira exposição assintomática, após a qual, caso haja reexposição, ocorre a interação do complexo hapteno-proteína com os anticorpos, resultando na liberação imediata de histamina e tryptase e geração de prostaglandinas e leucotrienos. As reações de tipo II, por meio de mediação IgG, consistem em ação citotóxica de macrófagos e do sistema complemento. As reações de tipo III, anticorpos IgG formam complexos com os antígenos e se depositam em tecidos, incitando nesses tecidos resposta imune e os danificando. As reações do Tipo IV são deflagradas por células T, tendo seu efeito dependente de qual subgrupo delas está envolvido (DICKEWICZ, 2020). Além disso, essa reação pode ocorrer tanto pela apresentação de células apresentadoras de antígenos quanto pela estimulação direta dos receptores das células T(TCR).

A estimulação direta dos receptores é proposta na hipótese p-i, segundo a qual algumas drogas se ligam não-covalentemente à TCR ou HLA, sendo que fármacos diferentes interagem com um, outro, ou ambos os receptores (COPAESCU et al., 2020). Essa interação permite que algumas dessas reações sejam mais previsíveis, já que caso o receptor envolvido seja identificado, seu efeito pode ser previsto (PICHLER, 2019).

Quadro Clínico

A apresentação clínica das RHDs é muito variada, apresentando diferenças de acordo com o tempo da apresentação e subsequentemente com o mecanismo deflagrante da reação. As reações imediatas podem ser deflagradas por anticorpos IgE (alérgica); pela ativação do sistema complemento ou pela estimulação direta de mastócitos e/ou basófilos, por exemplo. Enquanto as reações tardias ocorrem pela ativação de células T (SANCHEZ, 2017).

Reações imediatas de hipersensibilidade se apresentam mais comumente com eritema, urticária e angioedema, além de poder estar acompanhado de conjuntivite ou rinite, sintomas gastrointestinais (náuseas, êmese, diarreia), além de hipotensão e broncoespasmo, esses últimos indicativos de anafilaxia. Tanto a apresentação de angioedema quanto a de anafilaxia podem ocorrer isoladas. Já as reações tardias incluem apresentações cutâneas como urticária, exantema maculopapular, vasculite, erupção fixa à droga (EFD), Exantema intertriginoso e flexural simétrico (SDRIFE); podendo ocorrer, em casos mais extremos, afecção dos órgãos internos, que pode ser concomitante aos sintomas cutâneos, por exemplo, reação cutânea associada à eosinofilia e sintomas sistêmicos (DRESS), Necrólise epidérmica tóxica (NET), pustulose exantemática generalizada aguda (PEGA) (DEMOLY et al., 2014).

A incidência dessas manifestações está frequentemente relacionada ao fármaco deflagrante; no caso de exantema maculopapular, por exemplo, aminopenicilinas, quinolonas, anticonvulsivantes e meios de radiocontraste são os indutores mais comuns dessa manifestação clínica.

Apesar da cronologia ser importante para diagnosticar DHRs e excluir hipóteses diagnósticas de apresentações exclusivamente cutâneas, a morfologia das apresentações é o dado mais importante na decisão clínica.

 A urticária consiste em áreas elevadas eritematosas com edema da derme superficial de variável número e tamanho, podendo ou não estar acompanhada de angioedema e estar localizada em qualquer parte do corpo. É comum, durante o episódio, a ocorrência de coceira e o desaparecimento de lesões, com o aparecimento de novas; porém, o desaparecimento das lesões com a pele voltando ao normal ocorre geralmente dentro de 24 horas. Já o angioedema ocorre quando, em quadro similar, o edema atinge a derme profunda. Porém, o angioedema ocorre mais frequentemente na face e na genitália, assim como na mucosa oral, laringe, faringe e língua; além disso, a manifestação é acompanhada de dor e calor ao invés de coceira, tendo também duração mais longa, de vários dias (ANTIA, 2018).

A erupção fixa à droga (EFD) surge 2 dias após a exposição, na forma de placas eritematosas localizadas, às vezes com bolhas centrais, que desaparecem espontaneamente com hiperpigmentação residual. Porém, em caso de repetição da exposição, ocorre reaparecimento da erupção no mesmo local (ALMEIDA, 2020).

As reações cutâneas graves adversas à droga (RCGAD) são as reações que detém uma maior mortalidade devido ao envolvimento de outros órgãos além da pele, sendo crítico seu reconhecimento para o início do suporte.

A pustulose exantemática generalizada aguda (PEGA) é caracterizada por pequenas pústulas disseminadas subitamente, muitas vezes envolvendo áreas de atrito da pele, como axilas e o tronco, acompanhadas de exantema generalizado. A PEGA se desenvolve de 1 a 2 dias após a ingestão de antibióticos, mas necessita de mais tempo para que a reação com outras drogas ocorra. As aminopenicilinas, cefalosporinas, macrolídeos e outros antibióticos beta –lactâmicos, assim como hidroxicloroquina, terbinafina e diltiazem. A confluência de pústulas deve chamar a atenção para evitar diagnóstico incorreto de progressão para NET. Sua progressão envolve febre e leucocitose com neutrofilia, terminando com descamação pós-pústula (ARDEN-JONES, 2019).

DRESS, ou reação cutânea associada à eosinofilia e sintomas sistêmicos, é uma afecção que ocorre subitamente a erupção disseminada de pequenas máculas ou pápulas eritematosas, idêntica ao de exantema maculopapular benigno, com a inflamação eritematosa da face (SHIOHARA, 2019). A complicação da doença se dá pelo envolvimento dos órgãos internos, culminando em falência múltipla de órgãos; além disso, a reativação de vírus latentes, como o herpesvírus, também é reconhecida como um fator predisponente da mortalidade da DRESS. O acometimento da DRESS se dá tardiamente, em torno de 2 a 12 semanas após a administração de medicamentos, os quais geralmente são dapsona, minociclina, drogas antiepiléticas e allopurinol.

A necrólise epidérmica tóxica (NET) tem início com bolhas pequenas surgindo em máculas, com rápida progressão (frequentemente menos de 12 horas) e dor associadas. As lesões bolhosas se espalham tanto na pele quanto na mucosa, com o concomitante desenvolvimento de febre e sangramento de mucosas (ARDEN-JONES, 2019). O sinal de Nikolsky é positivo, sendo que o desenvolvimento das bolhas se dá de 4 dias a 8 semanas após o contato com os medicamentos, os quais mais frequentemente são nevirapina, anti-inflamatórios não esteroides e antiepilépticos. A NET pertence à mesma entidade clínica da síndrome de Stevens‐Johnson (SJS), com as mesmas manifestações exceto a cobertura da pele, a qual é de 10% na SJS, mais de 30% na NET e na sobreposição das duas enfermidades, a cobertura varia de 10% a 30%.

Tabela 2: Causas possíveis de RAMs.

 

Apresentação

Medicamentos mais frequentemente associados

Exantema maculopapular

Aminopenicilinas, quinolonas, anticonvulsivantes e meios de radiocontraste

Pustulose exantemática generalizada aguda

Aminopenicilinas, cefalosporinas, macrolídeos e outros antibióticos beta –lactâmicos, assim como hidroxicloroquina, terbinafina e diltiazem

DRESS

Dapsona, minociclina, drogas antiepiléticas e allopurinol.

Necrólise epidérmica tóxica (NET)

Nevirapina, anti-inflamatórios não esteroides e antiepilépticos

Fonte: Desenvolvido pelos autores.

 

Diagnóstico

O diagnóstico é feito pela coleta e análise adequada da história clínica e observação de sinais e sintomas compatíveis com reação adversa medicamentosa, podendo ser complementado por testes laboratoriais e de sensibilidade.

História Clínica

A coleta da anamnese é o primeiro passo para a formulação de um diagnóstico de reação alérgica medicamentosa, com identificação de quando os sintomas tiveram início, descrição cronológica da sua progressão, de quais medicamentos e outras substâncias passiveis a causar alergia foram consumidas, se esses medicamentos já tinham sido tomados antes e dos fatores de risco (ABRAMS; KHAN, 2018) que podem ser relativos ao paciente, tais como ser jovem, gênero feminino, polimorfismos conhecidos do HLA ou algumas infecções virais como a por HIV (vírus da imunodeficiência adquirida) e EBV (vírus Epstein-Barr), ou relativos ao medicamento, como via de administração tópica, intramuscular ou intravenosa, uso de grande doses com alta frequência ou uso de drogas com haptenos (WARRINTON el al., 2018).

O exame físico deve ser realizado, uma vez que a pele é o órgão que mais comumente apresenta alterações derivadas de alergias, com observação de exantema e lesões eritematosas com início no tronco que se espalha para membros. Urticária e angioedema também podem ser presentes. Em crianças é necessário fazer diagnóstico diferencial de infecções virais, que são as causas mais comuns desses sintomas. Nos casos mais graves, sintomas compatíveis com SJS e NET podem ser observados (WARRINTON et al., 2018).

Uma ferramenta útil para avaliação da probabilidade de uma reação medicamentosa, embora não comumente utilizada na prática clínica, é a Escala de Probabilidade de Reação Adversa a Drogas (NARANJO, 1981) demonstrada abaixo:

Tabela 3: Escala de Probabilidade de Reação Adversa a Drogas.

Pergunta

Sim

Não

Não sabe

1. Existem relatos conclusivos prévios de alergia mediada por medicamentos?

1

0

0

2. O efeito adverso apareceu após a administração da droga de que se tem suspeita?

2

-1

0

3. O efeito adverso melhorou quando a droga foi descontinuada ou um antagonista específico foi administrado?

1

0

0

4. A reação adversa reapareceu quando a droga foi administrada novamente?

2

-1

0

5. Existem outras causas alternativas que poderiam causar a reação?

-1

2

0

6. A reação reapareceu quando o placebo foi administrado?

-1

1

0

7. A droga foi encontrada na corrente sanguínea em doses conhecidamente tóxicas?

1

0

0

8. Há reação observada é dose dependente?

1

0

0

9. O paciente teve uma reação similar a mesma droga ou semelhantes em alguma exposição prévia?

1

0

0

10. O efeito adverso foi confirmado por alguma evidência objetiva?

1

0

0

Fonte: NARANJO, 1981.

 Para pontuações maiores ou iguais a 9 considera-se o diagnóstico de reação alérgica a medicamentos definitivo, entre 5 e 8 é considerado muito provável, entre 1 e 4 possível e menor ou igual a 0 pouco provável.

Investigação Laboratorial

Exames laboratoriais como hemograma, função renal e enzimas hepáticas são úteis para a investigação do acometimento de outros órgãos pela reação alérgica (ABRAMS; KHAN, 2018), além disso, a pesquisa de níveis de triptase no sérum pode contribuir para o diagnóstico de reações mediadas por IgE, sendo considerado sugestivo se este aumenta após 30 minutos do início da reação anafilática, tem seu pico de 1 a 2 horas após o seu início e se mantém aumentado por 6 a 8 horas, no entanto baixos níveis de triptase não invalida o diagnóstico de reação alérgica, desse modo esses dados são complementares, e não diagnósticos (DYKEWICZ; LAM, 2020).

Testes Diagnósticos

Além de anamnese e constelação de sintomas e sinais condizentes com alergia medicamentosa, métodos complementares de diagnóstico podem ser realizados para confirmar a alergia ou comprovar a segurança do uso de determinado medicamento.

Testes de Provocação

Considerado o padrão ouro para o diagnóstico, os testes de provocação também conhecidos como teste de desafio, consiste na administração controlada do fármaco de que se suspeita alergia, para confirmar ou desaprovar a hipersensibilidade, ou de medicação semelhante com o intuito de confirmar a tolerância do paciente. Tem altíssimas taxas de valor preditivo negativo para reações imediatas, no entanto tem ação limitada para reações prolongadas. Além dessas limitações, é necessário analisar o risco benefício de propositalmente administrar um alérgeno em um paciente por seu risco de reação severa e consequente perigo a vida, portanto a realização desse procedimento apenas deve ser realizada por profissional treinado e com monitoramento de sinais vitais e sintomas relacionados (COPAESCU et al., 2020; AUN et al., 2019).

Teste de Sensibilidade Cutânea

Testes de sensibilidade cutânea consistem na administração intradérmica ou por punctura do fármaco para avaliação de resposta mediada por anticorpos IgE, em caso positivo serão observados eritema, urticária ou erupção cutânea local (GREENBERGER et al., 2019). No entanto, esse método tem sensibilidade variável a depender do tipo de reação causada, próprio medicamento causador e a concentração usada, além de poder ser suprimido pelo uso de anti-histamínicos, esteroides tópicos e omalizumabe (DYKEWICZ; LAM, 2020), de modo que testes falsos negativos e falso positivos não são raros. Drogas antiepilépticas, meios de contraste, betalactâmicos, tetrazepam e pristinamicina são alguns dos medicamentos que aumentam a sensibilidade do teste cutâneo (COPAESCU et al., 2021). O teste de sensibilidade cutânea com penicilina foi validado pela literatura e recomendado por diretrizes como American Academy of Allergy e Asthma and Immunology (ABRAMS; KHAN, 2018), testes com outros fármacos também podem ser úteis para diagnóstico quando associados a história clínica e anamnese.

Testes in vitro

Com o intuito de diminuir o risco para o paciente, foram desenvolvidos modelos de testes de sensibilidade a medicamentos in vitro, entre eles:

  1. Teste de Transformação de Linfócitos (LTT) que consiste em realizar a cultura de linfócitos do paciente em meio com concentrações farmacológicas da droga de que se suspeita que exista alergia de 5 a 7 dias e medir a sua reação;
  2. Immunospot Ligado a Enzimas que quantifica as células reativas a medicamentos por meio da ligação entre o spot e as citocinas e agentes citológicos secretados após a células mononucleares do sangue periférico do paciente são estimuladas com a droga de interesse;
  3. Biomarcadores para Reações Medicamentosas Adversas, apesar de ser possível observar o aumento de alguns agentes pró-inflamatórios durante reações medicamentosas adversas alguns tem se destacado na literatura, tais como IL-6 e IL-12, embora esses biomarcadores possam estar presentes em outras patologias que não reações anafiláticas (COPAESCU et al., 2021).

Apesar de trazerem algumas vantagens em relação aos outros tipos de testes, os in vitro apenas estão disponíveis em centros especializados, tornando-os não práticos e pouco usados clinicamente, além disso algumas metodologias ainda não tem estão padronizadas e não tem valor preditivo estabelecido, no entanto seu uso pode ser útil quando associado a outras evidências, como as previamente descritas.

Tratamento

O principal método para evitar agravos para pacientes alérgicos a medicamentos é a descontinuação do uso, com substituição por outros de mesmo efeito que tenham diferentes características químico-estruturais para prevenir o risco de reações cruzadas. Para o caso de reação de hipersensibilidade, o tratamento é principalmente sintomático, com uso de corticosteroides tópicos e anti-histamínicos orais para a resolução de sintomas cutâneos. E, em caso de reação anafilática, o tratamento de escolha é epinefrina intramuscular que pode ser associada a corticosteroides sistémicos (WARRINGTON et al., 2018).

 

 

Tabela 4: Dose recomendada de epinefrina

 

 

Idade/Peso

Dose utilizada

 

Lactente menor de 10 kg

0.01 mg/kg = 0.01 mL/kg de 1 mg/mL (1:1000)

Criança de 1 a 5 anos

0.15 mg =0.15 mL de 1 mg/mL (1:1000)

Criança de 6 a 12 anos

0.3 mg = 0.3ml de 1 mg/mL (1:1000)

Adolescentes e adultos

0.5 mg = 0.5ml de 1 mg/mL (1:1000)

Fonte: Adaptado de World Allergy Organization Anaphylaxis Guidance 2020.

O seguinte algoritmo pode ser utilizado em casos agudos de RAMs em pacientes instáveis:

Figura 1: Algoritmo de tratamento de reações agudas.

1 – Eliminar a substância gatilho e, se possível, substituir por um medicamento de mesmo efeito, mas de estrutura química diferente.

 

2- ANAFILAXIA – Injetar epinefrina via intramuscular, 0,1mg/kg, até a dose máxima de 0,5 mg para adultos e 0,3 para crianças. Repetir em 5 a 15 minutos se necessário.

 



3-HIPERSENSIBILIDADE- Uso de anti-histamínicos orais e corticosteroides tópicos para o tratamento sintomático

 



4- Deitar o paciente e elevar extremidades inferiores, principalmente se haver dificuldade respiratória ou emese

 

 

5- Garantir via aérea, se necessário fornecer suplementação de oxigênio.


 

 

6- Estabelecer acesso intravenoso e realizar infusão de solução salina isotônica se necessário

 

 

 

7 – Realizar ressuscitação cardiopulmonar se necessário

 

Fonte: Adaptado de World Allergy Organization Anaphylaxis Guidance 2020.

Tratamento de dessensibilização pode ser realizado em pacientes alérgicos em situações em que o uso do medicamento em questão é essencial, consiste na administração de doses gradativamente maiores da droga de que se tem alergia até que a dose terapêutica seja atingida. Por seu risco a vida do paciente a dessensibilização nunca deve ser iniciada por médico não especialista. Além disso, a resistência concedida é transitória e desaparece uma vez que o uso da droga seja descontinuado (DYKEWICZ; LAM, 2020).

Considerações Finais

As reações adversas à medicamentos são uma possibilidade que sempre deve ser considerado pelo clínico na prática. Além de ferramentas de estimação de probabilidade, há apresentações clínicas distintas que podem apontar tanto o medicamento deflagrante quanto o mecanismo imunológico. Dessa forma, a estratégia terapêutica de descontinuação de uso pode ser muito efetiva baseada numa anamnese e exame físico pertinentes, ainda havendo testes confirmatórios de preço e segurança variáveis para a fundamentação maior da decisão clínica. Assim, espera-se que clínicos possam usar as informações aqui explicitadas para ter mais segurança no uso de terapêuticas farmacológicas. 

Referências

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CAPÍTULO 4

SÍNDROME HEPATORRENAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA

HEPATORENAL SYNDROME: A LITERATURE REVIEW

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.04

Submetido em: 28/02/2023

Revisado em: 01/05/2023

Publicado em: 10/03/2023

 

Gabriel Pinheiro Furtado

Médico-Residente, Programa de Residência Médica em Clínica Médica, Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Fortaleza – CE

http://lattes.cnpq.br/6446016335261825

Alan Alves de Lima Cidrão

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/5121771315362981

Matheus Arrais Morais

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/9786152985263980

Rebeca Canuto de Sousa

Médico-Residente, Programa de Residência Médica em Clínica Médica, Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Fortaleza – CE

http://lattes.cnpq.br/8159115412305702

Saymon Medeiros Távora

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/0873523428316143

Leonardo Miranda Macêdo

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/8233122295320709

 

 

 

Resumo

A Síndrome Hepatorrenal (SHR) é uma complicação da cirrose hepática e da hipertensão portal, e uma das causas de lesão renal aguda (LRA) nesses pacientes. Trata-se de uma condição com elevada morbidade e mortalidade. Recentes modificações conceituais e no diagnóstico permitiram que essa condição fosse mais precocemente identificada com instituição de tratamento em tempo oportuno, e maior chance de sobrevida para os pacientes. O presente capítulo objetiva revisar o conceito, quadro clínico e critérios diagnósticos, tratamento e prevenção da SHR, com ênfase na SHR-lesão renal aguda (LRA). Para tal, foi realizada pesquisa de artigos de revisão literária em bancos de dados com uso do descritor Síndrome Hepatorrenal, com seleção, leitura e síntese a partir dos materiais lidos, visando auxiliar estudantes, médicos generalistas e clínicos no manejo dessa importante condição.

Palavras-Chave: Síndrome Hepatorrenal

Abstract

Hepatorenal Syndrome (HRS) is a complication of liver cirrhosis and portal hypertension, and one of the causes of acute kidney injury (AKI) in these group of patients. It is a condition with high morbity and mortality. Recent conceptual and diagnostic changes have allowed this condition to be identified earlier with the institution of timely treatment, and a greater chance of survival for patients. This chapter aims to review the concept, clinical manifestations and diagnostic criteria, treatment and prevention of HRS, with emphasis on HRS-acute kidney injury (AKI). For this purpose, a search for reviews was carried out in databases using the descriptor Hepatorrenal Syndrome, with selection, reading and synthesis from the materials, aiming to help students, general practitioners and clinicians in the management of this important condition.

Keywords: Hepatorenal Syndrome

 

 

Introdução

A cirrose hepática é o estágio final da lesão hepática, quase sempre decorrente de hepatopatia crônica. De progressão lenta, essa se caracteriza histopatologicamente pela substituição do parênquima hepático normal por tecido fibrocicatricial (fibrose) com distorção arquitetural lobular e vascular, e formação de nódulos de regeneração. As modificações morfoestruturais levam a perda funcional dos hepatócitos e comprometem o sistema vascular portal com redução do fluxo venoso e aumento da pressão portal. Tais alterações podem levar a anormalidades circulatórias, vasculares, funcionais e bioquímicas, que caracterizam as várias manifestações clínicas da doença (BEST, 2019).

Inúmeras causas de doenças hepáticas podem resultar em cirrose hepática. As causas mais comuns são as hepatites virais (com destaque para as infecções pelos vírus C e B), a doença hepática por álcool, a esteatohepatite não alcoólica e a hepatite autoimune (BEST, 2019).

Os pacientes com cirrose hepática são susceptíveis a uma variedade de complicações, a maioria dessas decorre do estado de hipertensão portal, dentre as quais destacam-se: sangramento varicoso, peritonite bacteriana espontânea e síndrome hepatorrenal (OJEDA-YUREN, 2021). A disfunção renal é especialmente comum nesse grupo de pacientes e se associa à piores prognóstico e mortalidade à curto prazo (GINÈS, 2018).

A principais causas de disfunção renal na cirrose são a lesão renal aguda pré-renal (seja por hipovolemia secundária a sangramento, por infecções, por sangramento gastrointestinal ou por diarreia induzida por lactulose), a síndrome hepatorrenal (objeto desse capítulo) e outras causas de disfunção renal (intrínseca como a necrose tubular aguda ou ainda pós-renal) (GINÈS, 2018).

A SHR se desenvolverá em cerca de 20% dos pacientes com cirrose avançada no primeiro ano do diagnóstico, e em 40% durante os cinco anos seguintes do diagnóstico (OJEDA-YUREN, 2021). Trata-se de uma condição de elevada mortalidade, embora potencialmente reversível, e que é considerada uma manifestação de doença hepática terminal (BEST, 2019).

O presente capítulo objetiva revisar e aprofundar conceito, quadro clínico e critérios diagnósticos, tratamento e prevenção da SHR, com ênfase na SHR-lesão renal aguda (LRA).

Metodologia

Foi realizada pesquisa bibliográfica nas bases de dados National Library of Medicine (PubMed MEDLINE), Cochrane Library, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) com uso do descritor Síndrome Hepatorrenal. Foram selecionados somente artigos de revisão da literatura dos últimos 5 anos, além do Guia da American Association for the Study of Liver Diseases de 2021 para manejo de ascite, peritonite bacteriana espontânea e síndrome hepatorrenal. Após leitura dos títulos, resumos e texto na íntegra, 5 artigos de revisão selecionados, além do Guia já mencionado, serviram de base para elaboração deste capítulo.

Conceito

Pacientes com doença hepática avançada e ascite geralmente apresentam redução da perfusão renal por vasoconstrição renal secundária à redução do volume efetivo circulante e à ativação do sistema vasoativo endógeno no contexto de vasodilatação arterial esplâncnica e sistêmica. A redução do fluxo renal leva a um declínio na taxa de filtração glomerular (TFG) sem resposta à reposição volêmica, numa condição que, na ausência de outras causas identificáveis, se denomina Síndrome hepatorrenal (SHR). Embora classicamente associada à cirrose hepática, a SHR também pode ocorrer na hepatite fulminante, na hepatite alcoólica grave e ainda em tumores metastáticos (GINÈS, 2018; OJEDA-YUREN, 2021).

Além da vasoconstrição renal, estudos recentes demonstraram ainda o papel de uma resposta inflamatória sistêmica com liberação de citocinas pro-inflamatórias e vasodilatadores no desenvolvimento da SHR. Essa resultaria da ativação de células apresentadoras de antígenos (monócitos, macrófagos e células dendríticas) a partir da translocação bacteriana e da disfunção imune relacionada à cirrose e levaria a um aumento da vasodilatação e prejuízo da contratilidade cardíaca (GINÈS, 2018).

Classicamente, duas formas de síndrome hepatorrenal foram descritas em 1996 pelo International Club of Ascites (ICA). A SHR tipo 1 definida como um rápido aumento da creatinina, maior que 100% e para valores acima de 2,5 mg/dL em até duas semanas; e a SHR tipo 2 caracterizada por piora mais lenta da função renal para valores de creatinina acima de 1,5 mg/dL e acometimento característico de pacientes com ascite refratária a diuréticos e retenção de sódio (BUCCHERI, 2022).

Contudo, o ponto de corte estabelecido na definição original apresentava limitações importantes pelo fato de a creatinina sérica basal de pacientes com cirrose ser frequentemente baixa pela redução acentuada da produção hepática e pela diminuição da massa muscular por desnutrição proteico-calórica, além de ser falseada pelos níveis séricos de bilirrubina (BUCCHERI, 2022). A Cistatina C é menos influenciada por fatores confundidores (como idade e massa muscular), mas não há evidências que sustentem seu uso como superior a creatinina na avaliação da função renal em pacientes com cirrose (KHEMICHIAN, 2021).

Desse modo, o diagnóstico de SHR era estabelecido em estágios avançados de lesão renal com eficácia do tratamento limitada nesses casos. Por isso, a atual nomenclatura diferencia os dois tipos pela presença de lesão renal aguda (LRA) na SHR-LRA (anteriormente SHR tipo 1) ou pela ausência de lesão renal aguda na SHR-Doença Renal Crônica (SHR-DRC – anteriormente SHR tipo 2) (OJEDA-YUREN, 2021).

A SHR-LRA seria uma forma mais grave, desencadeada por fatores precipitantes como infecções bacterianas (Peritonite Bacteriana Espontânea, por exemplo), sangramento gastrointestinal (embora, nesse caso, seja mais comum que a disfunção renal seja secundária à hipovolemia) e paracenteses volumosas sem administração concomitante de Albumina. Já a SHR-DRC seria menos grave, no contexto de perda crônica da função renal e categorizada como DRC (GINÈS, 2018). Neste capítulo, nos deteremos somente a SHR-LRA.

Diagnóstico

O diagnóstico de SHR-LRA é feito no paciente com cirrose com ascite que apresente lesão renal aguda (estágio ICA-LRA ≥ 2) na ausência de choque e de outras causas definidas de disfunção renal e após afastados estados de depleção de volume. Trata-se, portanto, de um diagnóstico de exclusão (OJEDA-YUREN, 2021).

A definição de lesão renal aguda (LRA) em pacientes com cirrose baseia-se na classificação Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) de 2012 modificada pelo International Club of Ascites (ICA) em 2015, que não utiliza um valor absoluto de creatinina sérica, e sim aumentos do valor basal; e que também não se vale do débito urinário (normalmente utilizada para população geral) visto ser um parâmetro de difícil mensuração nos pacientes com cirrose, que podem apresentar oligúria sem lesão renal ou ainda não apresentar oligúria (por estarem em uso de diuréticos). A classificação ICA-LRA define ainda três estágios de LRA conforme as modificações da creatinina em relação ao seu valor basal (Tabela 1). Para o valor de creatinina basal, considera-se algum resultado dos últimos três meses mais próximo da admissão ou, na ausência deste, a creatinina admissional (OJEDA-YUREN, 2021).

Tabela 1: Critérios diagnósticos e classificação em estágio de LRA de acordo com ICA.

Definição

  • Aumento da Creatinina basal ≥ 0,3 mg/dl em 48 h; ou
  • Aumento da Creatinina basal ≥ 50% nos últimos 7 dias.

estágios

ESTÁGIO 1A

·         Aumento ≥ 0,3 mg/dL do valor basal para valor < 1,5 mg/dL

ESTÁGIO 1B

·         Aumento ≥ 0,3 mg/dL do valor basal para valor ≥ 1,5 mg/dL

ESTÁGIO 2

·         Aumento > 2,0 a 3,0 vezes o valor basal

ESTÁGIO 3

·         Aumento > 3,0 vezes o valor basal; OU

·         Aumento ≥ 0,3 mg/dL de um valor basal ≥ 4,0 mg/dL; OU

·         LRA com terapia de substituição renal (TSR)

Fonte: Adaptado dos Critérios ICA-KDIGO de LRA

 

Outras possíveis etiologias de disfunção renal que devem ser excluídas são: o uso atual ou recente de medicações nefrotóxicas (AINEs, aminoglicosídeos, contraste iodado) e a presença de sinais de doença renal estrutural (proteinúria > 500 mg/dia ou hematúria microscópica > 50 hemácias/campo de grande aumento; ou alteração da morfologia renal (GINÈS, 2018).

Para afastar depleção de volume, deve-se suspender a terapia diurética e realizar expansão volêmica com Albumina 1 g/kg/dia (dose máxima de 100 g/dia) por pelo menos 48h. Caso a função renal melhore (redução de 25% do valor da creatinina), não se trata de SHR (KHEMICHIAN, 2021).

Alguns biomarcadores urinários têm sido estudados para o diagnóstico da LRA em pacientes cirróticos, com destaque para NGAL (Neutrophil Gelatinase-Associated Lipocalin), um marcador inflamatório produzido por células tubulares renais lesionadas, que sugere precocemente SHR caso sua concentração urinária apresente níveis intermediários, enquanto sugere lesão renal pré-renal e necrose tubular aguda caso seus níveis estejam, respectivamente, reduzidos e elevados. Esses ainda possuem aplicabilidade clínica limitada e são candidatos a serem incluídos futuramente no diagnóstico diferencial da lesão renal aguda no contexto de cirrose. (OJEDA-YUREN, 2021).

Tratamento

O tratamento da SHR envolve resolução da descompensação hepática, seja por medidas que visem a melhora da doença primária como ocorre no tratamento antiviral das hepatites virais ou na abstinência da hepatite alcoólica grave; seja por transplante hepático (BUCCHERI, 2022).

Medidas clínicas gerais incluem avaliar sinais vitais, pressão arterial e balanço hídrico, coleta de culturas (de urina, sangue e líquido ascítico), início de antibioterapia de amplo espectro se suspeita de infecção. A terapia diurética deve ser evitada, com realização de paracenteses de pequeno volume se necessário para controle de ascite. Os betabloqueadores devem ser descontinuados nos pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) devido à possibilidade de hipotensão e efeito negativo na circulação renal, embora não haja consenso (GINÈS, 2018).

As terapêuticas específicas para tentar reverter a lesão renal aguda objetivam elevar a pressão arterial sistólica, o volume arterial e consequentemente a perfusão renal. Para tal, nos pacientes com estágio pelo menos 1B pela classificação ICA-LRA (tabela 1), isto é, que apresentem creatinina acima de 1,5 mg/dL, após expansão com albumina (nas primeiras 48h é realizada 1 g/kg/dia até dose máxima diária de 100 g) associam-se vasoconstritores e Albumina na dose de 20-40 g/dia (BUCCHERI, 2022; GINÈS, 2018).

Tais intervenções, embora amplamente utilizadas, se baseiam em estudos com graus de evidência baixo ou muito baixo, sobretudo em relação a mortalidade, efeitos adversos e descompensações (BEST, 2019).

A Terlipressina é um análogo da vasopressina apontada como opção de primeira linha na SHR, embora com efeitos adversos importantes. Seu mecanismo de ação promove vasoconstrição da musculatura lisa e redução da pressão portal. Outras opções de vasoconstritores são: (1) a Noradrenalina e a Midodrina, agonistas alfa-adrenérgicos que também promovem vasoconstrição da musculatura lisa, mas com aumento da resistência vascular sistêmica; e (2) o Octreotide, um análogo da somatostatina que inibe a liberação de vasodilatadores sistêmicos (OJEDA-YUREN, 2021).

A Terlipressina é iniciada na dose de 2-4 g por dia EV em infusão contínua, com progressão para até 12 g após 72h do início, caso não haja redução de pelo menos 25% do valor da creatinina sérica anterior ao início do tratamento (GINÈS, 2018). A infusão contínua foi mais efetiva e melhor tolerada em relação à administração em bolus (OJEDA-YUREN, 2021).

Os efeitos colaterais da Terlipressina incluem dor abdominal, diarreia e condições graves como insuficiência respiratória por sobrecarga cardíaca (a Terlipressina aumenta a pós-carga, o que se soma ao aumento da pré-carga pela Albumina) (BUCCHERI, 2022). Outros efeitos graves incluem angina e isquemias mesentérica, cutânea ou de extremidades. Por isso, seu uso provavelmente deve ser evitado em pacientes com doença cardíaca e doença arterial periférica (GINÈS, 2018). Caso haja efeitos colaterais graves, seu uso deve ser suspenso; e efeitos colaterais não-graves, sua dose deve ser reduzida. Os efeitos colaterais da Albumina incluem anafilaxia, edema pulmonar e hipertermia (OJEDA-YUREN, 2021).

A Noradrenalina se mostrou tão efetiva quanto à Terlipressina, embora os estudos utilizados tenham limitação importante (BUCCHERI, 2022). Uma exceção são os pacientes com falência hepática crônica agudizada (em inglês Acute-on-chronin liver failure – ACLF), em que o uso daquela foi menos efetivo em comparação a essa. (OJEDA-YUREN, 2021). Sua dose inicial é de 0,5 mg/h, com possibilidade de progressão com incrementos de 0,5 mg/h a cada quatro horas até o máximo de 3 mg/h (BIGGINS, 2021). Seus efeitos adversos incluem arritmia e isquemia, e suas vantagens principais seriam o custo e a disponibilidade (BUCCHERI, 2022).

A associação de Octreotide com Midodrina, embora menos efetiva, também é uma opção à Terlipressina, sobretudo na indisponibilidade dessa e na ausência de monitorização hemodinâmica contínua e de ambiente de terapia intensiva para infusão de Noradrenalina (OJEDA-YUREN, 2021).

Octreotide é administrado por via subcutânea ou em infusão contínua e Midodrina por via oral (GINÈS, 2018). As doses recomendadas são, respectivamente, 100 a 200 mcg SC 8/8h (ou 50 mcg/h em infusão contínua) e 7,5 mg VO 8/8h (com progressão até máximo de 12,5 mg 8/8h) (OJEDA-YUREN, 2021).

Os vasoconstritores associados à albumina devem ser continuados até que se obtenha redução da creatinina em mais de 50% e para valores abaixo de 1,5 mg/dL ou para nível próximo ao valor basal anterior à disfunção renal (resposta completa). Pacientes que não apresentem resposta ou que tenham resposta parcial devem ter a terapêutica com vasoconstrição e albumina suspensa ao cabo de 14 dias (GINÈS, 2018). A recorrência da SHR após concluir a terapêutica e suspender a Terlipressina não é comum (cerca de 20%), mas, nesses casos, nova administração dessa associada à Albumina costuma ser eficaz (GINÈS, 2018).

Casos selecionados podem se beneficiar da realização de stent intra-hepático portossistêmico transjugular (TIPS) e de terapia de substituição renal (TSR), sobretudo como medida de ponte para o transplante hepático ou transplante duplo (renal e hepático) nos pacientes que sejam candidatos (BUCCHERI, 2022).

O TIPS para tratamento da SHR é de uso controverso e não possui estudos suficientes que suportem seu uso, uma vez que os pacientes geralmente possuem muitas contraindicações à essa terapia (BUCCHERI, 2022). Pacientes altamente selecionados e com função hepática relativamente preservada podem se beneficiar desse procedimento (GINÈS, 2018).

A hemodiálise não pode ser considerada tratamento da SHR como medida isolada uma vez que não resolve a causa base. Como já comentado, sua principal indicação é quando existe perspectiva de transplante, mas também quando existe perspectiva de recuperação da função hepática (etiologias reversíveis) (GINÈS, 2018).  Algumas das suas indicações são similares às da população não-cirrótica: acidose metabólica, edema pulmonar (hipervolemia), uremia e hipercalemia graves e/ou refratárias (OJEDA-YUREN, 2021).

O transplante hepático é o tratamento definitivo da SHR-LRA, uma vez que é capaz de reverter por completo a doença hepática e a hipertensão portal, os dois mecanismos mais importantes para a SHR (GINÈS, 2018).  Pacientes que desenvolvem SHR geralmente têm acréscimo no escore MELD, sobretudo na pontuação anterior ao início do tratamento medicamentoso. Alguns casos selecionados podem se beneficiar ainda de transplante duplo (fígado e rins). (BUCCHERI, 2022).

Pacientes com cirrose que não sejam candidatos ao transplante e se apresentem em estado crítico, sem melhora ou com disfunções em múltiplos órgãos devem ser considerados para limitação de suporte (KHEMICHIAN, 2021).

Profilaxia

A prevenção da SHR é recomendada para pacientes com Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) ao momento do diagnóstico da PBE. Para tal, utiliza-se a Albumina, que promove melhora da perfusão renal, com desfechos positivos e diminuição da mortalidade. As evidências para seu uso como profilaxia de infecções além da PBE são limitadas. (BUCCHERI, 2022). A dose recomendada é de 1,5g/kg (dose máxima 100 g) EV no primeiro dia em até 6h do diagnóstico e 1,0g/kg (máximo 100 g) EV no terceiro dia. (BIGGINS, 2021.). Deve-se também administrar Albumina após paracenteses volumosas em pacientes cirróticos (GINÈS, 2018).

Além disso, pacientes com função hepática e/ou renal prejudicadas (Child-Pugh > 9, Bilirrubinas totais ≥ 3 mg/dL, Creatinina ≥ 1,2 mg/dL) e baixa concentração de proteína do líquido ascítico (< 1,5 g/dL) parecem se beneficiar do uso de Norfloxacina diária como profilaxia de PBE, com redução da incidência e aumento da sobrevida relacionadas a SHR (GINÈS, 2018). Embora o risco seja minimizado, tais pacientes ainda assim podem desenvolver tal condição. Um possível aumento do risco de resistência bacteriana é uma implicação desse uso (BUCCHERI, 2022).

O uso de Pentoxifilina pode ser benéfico como medida de profilaxia baseado em evidências limitadas, contudo um ensaio clínico randomizado recente não demonstrou diferença significativa em relação ao placebo na sobrevida ou na resolução da SHR (BUCCHERI, 2022). Investigações futuras, portanto, são necessárias. Do mesmo modo, o uso da Rifaximina também necessita de mais ensaios clínicos randomizados (GINÈS, 2018). O uso de probióticos, estatinas, fatores de crescimento hematopoiéticos e ácidos biliares como profilaxia necessita de mais estudos (BUCCHERI, 2022).

­­Considerações Finais

A SHR é uma complicação da hepatopatia crônica e da hipertensão portal e uma das causas de lesão renal aguda nesses pacientes. Trata-se de uma condição com elevada morbidade e mortalidade. Por isso, é fundamental que seja precocemente identificada. Nesse sentido, mudança recente na classificação passou a considerar SHR-LRA e SHR-DRC e não mais SHR tipo 1 e tipo 2, e o uso da Classificação de ICA-LRA permitiu que o diagnóstico e o tratamento da SHR-LRA fossem instituídos mais precocemente. O diagnóstico segue sendo de exclusão e o tratamento consiste no uso de medicações vasoconstrictoras, com destaque para Terlipressina, associados à Albumina; e, de forma definitiva, no transplante hepático o mais cedo possível para os pacientes elegíveis. Além disso, o uso de Albumina ou de antibioticoterapia nos parece eficaz na redução do risco de desenvolver SHR e na melhora da sobrevida em grupos específicos de pacientes. Embora com prognóstico ruim, espera-se que novas opções de tratamento possam ser desenvolvidas no futuro à luz da demonstração recente do papel da resposta inflamatória sistêmica na SHR. A SHR, portanto, persiste como uma patologia complexa e com necessidade de mais estudos clínicos para melhor conhecimento e maiores possibilidades terapêuticas. O presente capítulo objetivou fornecer uma visão ampla sobre o tema, de modo que médicos generalistas e internistas possam utilizar as informações aqui pormenorizadas em sua prática clínica.

Referências

BEST, Lawrence MJ et al. Treatment for hepatorenal syndrome in people with decompensated liver cirrhosis: a network meta‐analysis. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 9, 2019.

BIGGINS, Scott W. et al. Diagnosis, evaluation, and management of ascites, spontaneous bacterial peritonitis and hepatorenal syndrome: 2021 practice guidance by the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology, v. 74, n. 2, p. 1014-1048, 2021.

BUCCHERI, Sebastiano; DA, Ben L. Hepatorenal Syndrome: Definitions, Diagnosis, and Management. Clinics in Liver Disease, v. 26, n. 2, p. 181-201, 2022.

GINÈS, Pere et al. Hepatorenal syndrome. Nature Reviews Disease Primers, vol. 4, n. 23, 2018

KHEMICHIAN, Saro et al. Hepatorenal syndrome. Critical Care Clinics, v. 37, n. 2, p. 321-334, 2021.

OJEDA-YUREN, Alicia S. et al. An integrated review of the hepatorenal syndrome. Annals of Hepatology, v. 22, p. 100236, 2021.

CAPÍTULO 5

ABORDAGEM DA INJÚRIA RENAL AGUDA – UMA EXPERIÊNCIA DE INVESTIGAÇÃO E MANEJO NO HOSPITAL REGIONAL DO SERTÃO CENTRAL

APPROACH TO ACUTE KIDNEY INJURY – AN EXPERIENCE IN INVESTIGATION AND MANAGEMENT AT THE REGIONAL HOSPITAL OF SERTÃO CENTRAL

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.05

Submetido em: 15/05/2023

Revisado em: 20/05/2023

Publicado em: 23/05/2023

 

Rebeca Canuto de Sousa

Médico-Residente, Programa de Residência Médica em Clínica Médica, Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Fortaleza – CE

http://lattes.cnpq.br/8159115412305702

Leonardo Miranda Macêdo

Médico-Preceptor do Serviço de Clínica Médica do Programa de Residência Médica, Hospital Regional do Sertão Central, Quixeramobim – CE

http://lattes.cnpq.br/8233122295320709
 

 

 

 

Resumo

O rim exerce importante papel na homeostase do indivíduo, sendo um dos primeiros órgãos a ser afetado durante um agravo de saúde. A Injúria Renal Aguda está associada com piora da morbimortalidade dos pacientes internados, sobretudo no que se refere às disfunções renais dialíticas em pacientes em regime de unidade de terapia intensiva. Este trabalho tem por objetivo padronizar a abordagem dos pacientes admitidos com Injúria Renal Aguda no Hospital Regional do Sertão Central-CE, de modo a reduzir a variabilidade na condução clínica desta patologia e instrumentalizar médicos residentes e plantonistas do serviço mencionado. A metodologia utilizada foi pesquisa em livros texto, protocolos institucionais e em banco de dados como PubMed utilizando o descritor ˜acute+kidney+injury+management˜. Os resultados obtidos foi a confecção de um fluxograma de abordagem clínica ao paciente com Injúria Renal Aguda. Concluiu-se, portanto, que uma abordagem sistematizada ajuda a otimizar os recursos institucionais auxiliando na celeridade e condução proporcional a cada paciente.

Palavras-chave: Injuria Renal Aguda; Diagnóstico Clínico; Insuficiencia Renal

Abstract

The kidney plays an important role in the individual’s homeostasis, being one of the first organs to be affected during a health problem. Acute Kidney Injury is associated with worsening morbidity and mortality in hospitalized patients, especially with regard to dialytic kidney dysfunction in patients in an intensive care unit. This work aims to standardize the approach to patients admitted with Acute Kidney Injury at the Hospital Regional do Sertão Central-CE, in order to reduce the variability in the clinical management of this pathology and to equip resident physicians and physicians on duty at the mentioned service. The methodology used was research in textbooks, institutional protocols and in a database such as PubMed using the descriptor ˜acute+kidney+injury+management˜. The results obtained was the creation of a flowchart of clinical approach to the patient with Acute Kidney Injury. It was concluded, therefore, that a systematized approach helps to optimize institutional resources, assisting in the speed and proportionate management of each patient.

Keywords: Acute Kidney Injury; Clinical Diagnosis; Renal insufficiency

 

 

Introdução

O rim é um órgão responsável pelo equilíbrio ácido-base, hidroeletrolítico do paciente, além de suas funções endócrinas e papel na reatividade dos vasos sanguíneos. (RIELLA, 2018)

Durante um agravo de saúde é comum deparar-se com o quadro de disfunção renal aguda, seja este em um rim previamente normal ou não. Esta condição, frequentemente reversível, relaciona-se com maior tempo de internação e maior mortalidade do paciente, podendo chegar a valores com quase 40% de mortalidade em Unidades de Terapia Intensiva, além do risco de evolução para Doença Renal Crônica a longo prazo. (SANTOS et al, 2020) (INDA-FILHO et al, 2021).

O Hospital Regional do Sertão Central (HRSC) é um hospital situado na cidade de Quixeramobim-CE, referência de uma macrorregião que abrange em torno de 20 municípios e dispõe de um serviço de Clínica Médica, com suporte para múltiplas especialidades para otimizar o atendimento dos agravos mais prevalentes no território epidemiológico.

Segundo dados estatísticos do HRSC, pacientes com o perfil de doenças renais ou do trato urinário configuraram cerca de 7,3% dos pacientes atendidos no ano de 2022 e um percentual em torno de 10% das transferências para Unidade de Terapia Intensiva neste mesmo período.

Objetivos
  • Geral:
  • Instrumentalizar médicos do Hospital Reginaldo Sertão Central, principalmente, residentes de Clínica Médica, quanto ao manejo seguro da Injúria Renal Aguda, focando em condutas baseadas em evidências e nas boas práticas.
  • Específicos:
  • Padronizar os fluxogramas de investigação e manejo clínico inicial, respeitando as peculiaridades do Hospital Regional de Sertão Central e perfil de pacientes atendidos;
  • Otimizar a integração dos residentes e novos médicos plantonistas do serviço, apresentando de forma direta e objetiva os fluxogramas institucionais;
  • Ter instrumento de redução de variabilidade clínica quanto à condução desta importante patologia.
Metodologia

            A metodologia utilizada se deu por meio de pesquisa na plataforma online PubMed utilizando o descritor ˜acute+kidney+injury+management˜, pesquisa em livros texto de referência no tema como o Riella e Harrison, além de pesquisa em protocolo institucional do ISGH/HRSC.

Definição

A Injúria Renal Aguda (IRA) pode ser definida pela redução abrupta da taxa de filtração glomerular e ter diversos fatores precipitantes, tais como infecção, rabdomiólise, uso de drogas nefrotóxicas, alterações da volemia efetiva circulante, isquêmicos, mecânicos com a classificação em IRA pré renal, renal ou pós renal (SUASSUNA et al., 2020).

A IRA pré renal resulta da redução do volume efetivo circulante e é definida pela redução da excreção de água e sódio urinário com elevação da osmolaridade urinária.

A IRA Renal pode ocorrer anatomicamente em qualquer segmento da unidade funcional do rim (glomérulo, túbulo, interstício, vasos), sendo a mais comum a Necrose Tubular Aguda (NTA), cujas causas por sua vez, em sua grande maioria, decorrem da isquemia renal (sepse, síndrome hepatorrenal, síndrome compartimental abdominal, síndrome hemolítico urêmica, cocaína, ciclosporina, antiinflamatórios não hormonais, inibidores da enzima conversora de angiotensina, coagulação intravascular disseminada, vasculites), tóxicos (nefrite intersticial aguda, quimioterápicos, aminoglicosídeos, anfotericina B, venenos ofídicos, mioglobina, etilenoglicol) ou progressão da IRA pré-renal.  A IRA por nefrite intersticial é mais comum por reações alérgicas medicamentosas (inibidor da bomba de prótons, penicilinas, cefalosporinas, sulfonamidas, dentre outros) (Riella, 2018).

A IRA pós renal decorre de algum fator obstrutivo, habitualmente por acometimento mais baixo no trato urinário, a exemplo de bexiga neurogênica, hiperplasia prostática benigna, mas também neoplasias (principalmente vesicais), bexiga neurogênica, fibrose retroperitoneal, cálculo ureteral bilateral. É muito comum a apresentação de mais de um mecanismo envolvido no processo de IRA (SANTOS et al, 2020).

Segundo o Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO 2017), podemos definir a IRA como uma redução abrupta da taxa de filtração glomerular pelo tempo especificado conforme caracterizado abaixo:

  • Aumento da creatinina sérica (Cr) maior ou igual a 0.3mg/dl dentro de 48h ou;
  • Aumento da Cr 1.5 vezes o valor basal, dentro dos primeiros 7 dias, ou;
  • Redução do volume urinário 0.5ml/kg/h por 6 horas;

Tomando por base o KDIGO 2017, podemos classificar a gravidade da IRA em 3 níveis, conforme os índices de creatinina sérica ou volume urinário:

  • I – Aumento de 1.5-1.9 vezes a Cr basal ou aumento maior ou igual de 0.3mg/dl ou redução do débito urinário menor que 0.5ml/kg/h por 6-12h;
  • II – Aumento de 2.0-2.9 vezes a Cr basal ou redução do débito urinário menor que 0.5ml/kg/h por um período maior ou igual a 12h;
  • III – Aumento de 3 vezes a Cr basal ou aumento da Cr sérica para valores maior ou igual a 4.0mg/dl ou início de terapia renal substitutiva (TRS) em pacientes menores de 18 anos, com queda da taxa de filtração glomerular (eGFR) menor que 35ml/min/1.73m2 ou redução do débito urinário menor que 0.3ml/kg/h pelo tempo igual ou maior a 24h ou anúria pelo tempo de 12h ou mais.
Diagnóstico

Laboratorialmente podemos diagnosticar a IRA através da análise da osmolaridade urinária, fração de excreção do sódio, ureia e creatinina com os valores abaixo descritos:

  • Na IRA pré renal esperamos retenção de água e sódio intravascular e concentração urinária: sódio urinário < 20 mEq/l e osmolaridade urinária > 500 mOsm;
  • Na IRA renal já há algum grau de lesão tubular, comprometendo a reabsorção de solutos, portanto o sódio urinário apresenta-se elevado (> 40 mEq/l) e a osmolaridade urinária tende a ser semelhante à plasmática ( < 350 mOsm). Outro critério é a fração de excreção de ureia (FEU) e creatinina (FECr), onde a IRA pré renal haverá maior reabsorção tubular com consequente maior concentração de ureia e creatinina urinária, quando comparada à IRA renal: FEU > 60 e FECr > 40 falam favor de lesão pré renal. Relações reduzidas – FEU < 30 e FECr < 20, favorecem o diagnóstico de IRA renal.

Outra ferramenta no auxílio diagnóstico é a avaliação do Sumário de Urina (SU): a presença de cilindros hialinos pode indicar IRA pré renal, cilindros granulosos, IRA renal, eosinofilúria ou neutrofilúria favorecerem o diagnóstico de Nefrite Intersticial Aguda, bem como a presença de dismorfismo eritrocitário, apontar glomerulopatias e hemoglobina presente no SU sugerir rabdomiólise, sobretudo quando há níveis séricos elevados de CPK e aldolase (MACEDO et al., 2020).

Exames de imagem auxiliam na elucidação de doença renal preexistente, uropatia obstrutiva, complicações infecciosas, como a formação de abcessos, dentre outros.

Por fim, a biópsia renal entra nos casos em que não há elucidação diagnóstica ou de curso clínico evidentemente desfavorável, como a isquemia cortical bilateral, nefrite intersticial aguda e glomerulonefrite rapidamente progressiva (síndrome nefrítica com rápido declínio de função renal) (PIMENTEL et al., 2021)

 

Manejo Clínico

A doença renal crônica parece ser o fator de risco principal para desenvolvimento de uma IRA (SINGH; RIFKIN; BLANTZ, 2010), além disso não há um tratamento específico para tal entidade, os cuidados com o paciente com IRA passam por manter a euvolemia e perfusão tecidual com cristalóides ou vasopressores se necessário, suspender drogas nefrotóxicas (a exemplo dos inibidores da enzima conversora de angiotensina e bloqueadores do receptor da aldosterona), evitar hiperglicemias, manejo da hipercalemia, acidose e uremia (por risco de disfunção plaquetária, serosites, alteração do sistema nervoso central), ajustar drogas para função renal, tais como antibióticos, suporte nutricional com dieta hipoprotéica com alvo de 1.0-1.5g/kg/dia em pacientes com IRA e em terapia dialítica. Evitar, sempre que possível, exames contrastados na vigência da IRA, do contrário, preferir meios de contraste isosmolares e realizar expansão volêmica com cristalóide endovenoso para prevenção da nefropatia induzida por contraste. (KDIGO, 2017) (PALOMBA et al., 2016)

            Apesar da relevância de tal entidade clínica, ainda não há biomarcadores conhecidos até então que possam antever com segurança a instalação da IRA. Estudos têm apontado o teste de estresse com furosemida (TEF) como um preditor satisfatório para antever a evolução da IRA grave KDIGO III (CHAWLA et al, 2013), cujo manejo pode ser feito com a administração de 1mg/kg de furosemida para pacientes sem uso anterior da medicação ou a dose de 1.5mg/kg para pacientes que fizeram uso recente de furosemida, tendo por resultado uma diurese menor ou igual a 200ml após 2 horas da administração da furosemida.

O TEF, trata-se de um teste funcional que consegue avaliar a viabilidade tubular remanescente (PON et al., 2021).

O momento de indicação da terapia renal substitutiva (TRS) na IRA entra como método de controle de desequilíbrio ácido-base e hidroeletrolítico e em contexto de algumas intoxicações exógenas, não sendo bem definida pelo KDIGO 2017, portanto, é alinhada pela equipe assistente.

            A TRS na IRA pode ser indicada mais precocemente (ureia sérica < 150 ) e está associada à menor mortalidade e maiores taxas de recuperação renal (NASCIMENTO et al., 2012)

            A abordagem clínica protocolada no hospital em questão (HRSC) é dada da seguinte forma (MACEDO et al., 2020) (vide anexo 1. e 2.):

  • Inicialmente avalia-se as comorbidades do paciente, bem como a suspensão ou ajuste de drogas nefrotóxicas, solicitar exames iniciais como: hemograma, ureia, creatinina, eletrólitos, gasometria venosa, em geral, ou arterial se taquipneia, sumário de urina, Rx de tórax e USG de vias urinárias;
  • Individualizar casos que irão requerer parecer da nefrologia para diálise de urgência;
  • Na suspeita de glomerulopatias, solicitar proteinúria de 24h, dismorfismo eritrocitário e painel de autoimunidade individualizado caso-a-caso.
  • Em pacientes suspeitos de serem renais crônicos descompensados, solicitar perfil metabólico do produto cálcio-fósforo, tais como: dosagem do paratormônio, cálcio sérico, albumina (para eventual correção pela albumina), colecalciferol e fósforo séricos, além das sorologias para HIV e Hepatites B e C para solicitação precoce de clínica de diálise ambulatorial;
  • Sempre que possível, na presença de anemia, prosseguir com investigação específica, partindo da contagem dos reticulócitos para diferenciação entre as causas hipoproliferativas das hiperproliferativas, lembrando de afastar causas carenciais, hemolíticas ou de doença crônica, antes de eventuais hemotransfusões
  • As metas investigativas e terapêuticas são especificadas no plano terapêutico para atualização e seguimento multidisciplinar de modo que o paciente obtenha alta no tempo oportuno.

 

Urgência Dialítica

            Em linhas gerais, há o consenso sobre indicação de diálise de urgência: hiperpotassemia refratária às medidas clínicas ou com alterações eletrocardiográficas, acidose metabólica grave (pH < 7.2), hipervolemia refratária às medidas clínicas, síndrome urêmica, com pericardite constrictiva, crises convulsivas e encefalopatia urêmica. (KASPER, 2017). (vide Anexo 3.)

Considerações Finais

Uma abordagem sistematizada ajuda a otimizar os recursos institucionais auxiliando na celeridade e condução proporcional a cada paciente.

            Ao abordar um paciente com disfunção renal, deve-se tentar determinar a temporalidade para diferenciar uma disfunção renal aguda de disfunção renal crônica. Em seguida, sob a luz da anamnese, exame físico e exames complementares, buscar instituir o diagnóstico etiológico. Destacamos o sumário de urina, sódio urinário, pesquisa de dismorfismo eritrocitário e ultrassonografia de aparelho urinário, como os principais balizadores na avaliação complementar. Haverá casos cuja biópsia renal será fundamental para manejo clínico e auxílio diagnóstico. (vide Anexo 4.)

Por fim, após a investigação clínica, instituir o tratamento específico, tendo sempre em vista as entidades clínicas que têm maior morbidade, ressaltamos a Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva, além das urgências dialíticas. (vide Anexo 5.)

Anexos

 

Anexo 1. Abordagem geral do paciente com Injúria Renal Aguda.

 

 

Anexo 2. Abordagem inicial do paciente com Injúria Renal no Hospital Regional do Sertão Central.

 

Anexo 3. Avaliação prioritária de Urgências dialíticas na abordagem do paciente com Injúria Renal Aguda no Hospital Regional do Sertão Central.

Anexo 4. Avaliação complementar para priorizar pacientes com Injúria Renal Aguda com indicação de biópsia renal.

 

Anexo 5. Fluxograma da abordagem do paciente com Injúria Renal Aguda no Hospital Regional do Sertão Central.

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CAPÍTULO 6

TRICOLEUCEMIA (LEUCEMIA DE CÉLULAS PILOSAS)

TRICOLEUCEMIA (HAIRY CELL LEUKEMIA)

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.06

Submetido em: 19/08/2023

Revisado em: 22/08/2023

Publicado em: 23/08/2023

 

Aline Firmiano

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0008-3535-2926

Renata Mendes de Almeida

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0004-0944-0624

Danielle Eleamen Baima

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0001-0823-8772

Thainara Aparecida Lopes dos Santos

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0007-1893-4951

Aurélia Pereira Praxedes

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0000-1661-0565

Ana Clara Morisco Arenghi

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0008-9922-5424

Carlos Toribio Buzo

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0001-9910-8403

Maria Victoria de Oliveira Correa Silva

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

http://lattes.cnpq.br/2761324930804278

Ludmylla Simiema Pereira

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

http://orcid.org/0009-0000-4217-4728

Larissa Madeira Tozi

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

http://orcid.org/0000-0002-8939-1575

 

 

 

Resumo

A tricoleucemia, também conhecida como leucemia de células pilosas (LCP), é uma forma rara de leucemia crônica caracterizada pela proliferação de células B maduras, que infiltram a medula (difusamente), sangue periférico e baço (sobretudo a polpa vermelha). Essa neoplasia tem como principais causas de mortalidade as complicações infecciosas decorrentes da imunossupressão, tanto por mecanismo de imunossupressão celular relacionada à própria doença quanto por aplasia prolongada induzida pelo tratamento com análogos de purina, drogas atualmente utilizadas em primeira linha. O presente capítulo visa informar sobre as principais características dessa doença, bem como o quadro clínico, fatores de risco, diagnóstico, tratamento e prognóstico. Neste trabalho, foi realizada pesquisa de artigos e relatos de caso em bancos de dados com uso dos descritores Leucemia de Células Pilosas e Tricoleucemia com leitura, seleção e síntese a partir dos materiais lidos, visando auxiliar estudantes, médicos generalistas, especialistas e clínicos no saber e manejo dessa importante patologia.

Palavras-Chave: Leucemia de Células Pilosas; Tricoleucemia

Abstract

Hairy cell leukemia, also known as hairy cell leukemia (HCL), is a rare form of chronic leukemia characterized by the proliferation of mature B cells, which infiltrate the marrow (diffusely), peripheral blood and spleen (mainly the red pulp). This neoplasm has infectious complications resulting from immunosuppression as the main causes of mortality, both due to the mechanism of cellular immunosuppression related to the disease itself and to prolonged aplasia induced by treatment with purine analogues, drugs currently used in the first line. This chapter aims to inform about the main characteristics of this disease, as well as the clinical picture, risk factors, diagnosis, treatment and prognosis. In this work, research was carried out for articles and case reports in databases using the descriptors Leukemia de Células Pilososa and Tricholeukemia with reading, selection and synthesis from the materials read, aiming to help students, general practitioners, specialists and clinicians in the knowledge and management of this important pathology.

Keywords: Hairy Cell Leukemia; Hairy cell leukemia

 

 

 

Introdução

É uma neoplasia de células B maduras, que infiltram a medula (difusamente), sangue periférico e baço (sobretudo a polpa vermelha). Possui imunofenótipo específico e curso indolente aparecendo   geralmente em pacientes de meia idade, em uma proporção de homem: mulher de 4,5: 1. Caracteriza-se clinicamente por citopenias (mais comumente neutropenia e monocitopenia), esplenomegalia e infecções (JUNIOR et al., 2005; VALENTE et al., 2022).

            No esfregaço de sangue periférico de um paciente com diagnóstico de tricoleucemia, os linfócitos clonais estão normalmente em pequena quantidade. São células pequenas redondas ou ovais, com cromatina homogênea, menos condensada que um linfócito não-clonal. Os nucléolos estão ausentes e o citoplasma é abundante, com projeções de membrana que conferem o aspecto piloso à célula. (SANDES et al., 2021)

Essa neoplasia tem como principais causas de mortalidade as complicações infecciosas decorrentes da imunossupressão, tanto por mecanismo de imunossupressão celular relacionada à própria doença quanto por aplasia prolongada induzida pelo tratamento com análogos de purina, drogas atualmente utilizadas em primeira linha (OTANI et al., 2022).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autoria própria 2023.

Epidemiologia

             De acordo com o RRHMNO (Registro Regional Especializado em Hematologia na Normandia Ocidental), a leucemia de células pilosas (HCL) correspondeu a 0,7% das doenças hematológicas e a 3% entre todos os tipos de leucemias.

          A incidência é de 0,3/100.000 pessoas em uma diferença média de homens para mulheres de 1,5-2:1. A idade de acometimento no momento da detecção da doença é, em média, aos 58 anos de idade. Há uma prevalência maior em povos de etnia branca do que em negras. (JANUS; ROBAK, 2022).

Etiologia

A etiologia exata é desconhecida, porém alguns estudos correlacionam esta patologia a fatores de exposições ambientais, tais como: radiação, benzeno, herbicidas e pesticidas, fazendo com que aumente o risco do desenvolvimento desta doença (GALINDO et al., 2016).

Classificação

            Apesar da classificação de leucemia de células pilosas não ser universalmente reconhecida, distinguiu-se em 3 formas distintas: Clássica (HCL), Variante (HCLv) e Variante Japonesa. A leucemia de células pilosas (HCL) e a variante da leucemia de células pilosas (HCLv) são doenças raras com características clinicopatológicas sobrepostas (SALEM et al., 2019). As características que distinguem HCL de HCLv incluem a expressão de CD25, CD123, CD200, anexina-A1 e a presença da mutação BRAF V600E. O perfil imunofenotípico clássico inclui positividade sempre para CD11c, CD25 e CD103, podendo também ser positiva para CD19, CD20, CD22 e negatividade para CD3, CD5, CD10 e CD23 e possuir alguns marcadores positivos como CD123 e anexina A1, enquanto HCLv normalmente não possui esses marcadores, mas eles podem ocorrer em um subgrupo de pacientes com HCL com um curso clínico agressivo.

            A leucemia de células pilosas (HCL) é uma neoplasia indolente de pequenas células linfoides B maduras com núcleos ovais e citoplasma abundante com “projeções pilosas” circunferenciais envolvendo o sangue periférico (SP) e infiltrando difusamente a medula óssea (MO) e a polpa vermelha esplênica. Geralmente associada a homens brancos, de idade média de início de 50 anos, pancitopenia, infecções, aspirados de medula sem sucesso, forte atividade TRAP e boa resposta α-IFN ou análogos de purina. Morfologicamente, as células da HLC apresentam baixas relações núcleo-citoplasmática, núcleo centrais ou excêntricos, ovais, recuados ou bilobados, de cromatina reticular (“rendilhado”), nucléolos indistintos e complexos ribossomo-lamela. Enquanto a variante HCL (HCLv) é um distúrbio linfoproliferativo de células B ainda mais raro, podendo se assemelhar morfologicamente ao HCL, no entanto suas células são menores e possuem proporções núcleo-citoplasmáticas mais altas, central, arredondado, núcleos hipercromático, um nucléolo proeminente, citoplasma intensamente basofílico e nenhum complexo ribossomo-lamela, além disso células binucleadas são comuns, além disso, este tipo possui predileção por sexo nenhum, idade média avançada (70 anos), leucocitose, ausência de infecção, aspirados de medula bem-sucedidos, inatividade de TRAP e má resposta ao α-IFN (KONKAY et al., 2014).

            A OMS classifica O HCLv como “linfoma/leucemia de células B esplênicas, inclassificável”, sendo uma doença mais agressiva, com sobrevida mediana significativamente menor que a HLC. Pacientes com este subtipo possuem elevada contagem de glóbulos brancos, sem monocitopenia. Inunofenotipicamente, também expressam os antígenos de células B CD11c, CD19, CD20 e CD22, porém não expressam alguns marcadores característicos do tipo clássico, como CD25 e CD103.

            Além disso, a variante Japonesa é um subtipo que ocorreu exclusivamente no Japão, possuem algumas características com a HLC variante, como sua predileção por nenhum dos sexos, idade média de 60 anos, leucocitose, aspirados de medula bem-sucedidos, atividade de TRAP ausentes ou fraca e resposta pobre a α-IFN. Morfologicamente apresentam células com núcleos redondos hipercromáticos, nucléolos inconspícuos e raramente possuem complexo ribossomo-lamela (WU et al., 2000).

Fatores de Risco

            Os fatores de risco, todavia não estão esclarecidos, entretanto, estudos demonstraram associação com a exposição à radiação, substâncias químicas como benzenos, inseticidas, fungicidas e pesticidas que são produtos utilizados nas atividades agrícolas (JUNIOR et al., 2011).

            Em relação ao sexo, sugere-se que os homens apresentem maiores riscos devido a exposição ocupacional. Sobre a idade, é extremamente rara em crianças e, afeta em sua maioria, homens entre 55-60 anos de idade. Sendo a raça branca a mais afetada quando em comparação com a raça negra (MONNEREAU et al., 2014).

Quadro Clínico

            A tricoleucemia (ou leucemia de células pilosas) apresenta em seu quadro clínico, sinais e sintomas que são comuns em outros tipos de cânceres, principalmente nas leucemias e linfomas. Apesar de comuns, uma grande parte dos pacientes não apresentam os sintomas no momento do diagnóstico, mas há exceções, e aqueles que apresentam, os principais são: Fraqueza, sendo consequência de anemia. Sangramentos secundários à trombocitopenia, cerca de um terço dos pacientes manifestam; Febre e infecções, são resultados da neutropenia que o paciente demonstra. As infecções são causadas comumente por bactérias gram-negativas e micobactérias, já as infecções fúngicas disseminadas e pneumonia por P. carinii podem ocorrer em alguns casos isolados.

            Pacientes podem apresentar perda de peso inexplicável, febre e suores noturnos. Há também, o desconforto abdominal, causado pela esplenomegalia, que pode ser discreta, ou volumosa, nestes casos, as células mononucleares e macrófagos esplênicos hipertróficos, infiltram difusamente a polpa vermelha. A polpa branca é preservada, não há expansão, podendo inclusive ser atrófica. A hepatomegalia é presente em 20% dos casos, e apresentam anormalidades não muito exacerbadas da função hepática. Em 10% dos casos, a linfonodomegalia é encontrada, com os linfonodos periféricos apresentando até 2 cm de diâmetro.  

            A tricoleucemia está associada com outros distúrbios imunológicos sistêmicos, como: esclerodermia, polimiosite, poliarterite nodosa, eritema maculopapular e pioderma gangrenoso. Pode haver também, a presença de anomalias incomuns que são capazes de estarem associadas à doença como: anticorpos adquiridos antifator VIII, paraproteinemia e mastocitose sistêmica.

Diagnóstico

            O diagnóstico da tricoleucemia é baseado na identificação de células pilosas no esfregaço de sangue periférico, citometria de fluxo, biópsia de medula óssea, imuno-histoquímica (IHQ) (TALLMAN; ASTER, 2023).

  • Os achados laboratoriais incluem:
  • Esfregaço de sangue periférico: identificação de células pilosas com projeções citoplasmáticas finas, semelhantes a fios de cabelo, células mononucleares grandes com núcleos ovoides e excêntrico sem nucléolo. Podem ser identificadas com a coloração de Romanowsky;
  • Hemograma com contagem diferencial: é comum o aparecimento de anemia normocítica normocrômica ou macrocítica (85% dos doentes), trombocitopenia, neutropenia, monocitopenia (80% dos doentes), Leucocitose (10%–20% dos doentes);
  • Outras análises: Azoto ureico elevado, alteração dos testes de função hepática, serologias de hepatite B e C para o tratamento com rituximab;
  • Citometria de fluxo de sangue periférico: para confirmação do imunofenótipo das células B circulantes e permite o diagnóstico diferencial com outras afecções por meio da presença ou não da expressão de antígenos específicos;
  • Biópsia: requer uma biópsia da medula óssea com trefina. Difícil ou impossível de aspirar (dry tap) devido à fibrose da medula induzida pela tricoleucemia;
  • Coloração imuno-histoquímica (IHQ): o melhor método para diagnóstico e determinação da extensão do envolvimento;
  • Para distinguir a tricoleucemia clássica de outras neoplasias periféricas de pequenas células B;
  • Avaliar a existência da mutação somática BRAFV600E tem sido utilizada como um dos critérios diagnósticos para a leucemia de células pilosas clássica, estudos revelam que a leucemia de células pilosas tem uma alta frequência da mutação desse gene BRAF V600E, em torno de 97% dos casos;
  • Permite a avaliação de antígenos típicos da tricoleucemia: as células tumorais apresentam imunoglobulinas de superfície IgM, IgD, IgG ou IgA e expressam antígenos de linhagem linfoide B (CD11c, CD19, CD20, CD22, CD25, CD79b e CD103).
Tratamento Clínico

            O tratamento clínico utilizado na tricoleucemia é baseado de acordo com o risco que apresenta a doença, com o objetivo principal a remissão permanente.

            Atualmente está sendo utilizado como tratamento os análogos de purinas, o que são a Pentostatina (2′-desoxicoformicina 2′-DCF) e Cladribina (2-clorodesoxiadenosina 2-CdA), e também interferon-alfa (IFN-alfa). Essas drogas têm mostrados resultados satisfatórios na remissão completa da doença. A combinação de análogos de purina com rituximab (anticorpo monoclonal quimérico) foi segura e eficaz para pacientes com tricoleucemia recorrente e/ou refratária.

            A pentostatina é um agente altamente eficaz para a leucemia de células pilosas e produz remissões prolongadas na maioria dos pacientes (JOHNSTON et al., 2000).

            A cladribina resulta em remissões completas prolongadas na maioria dos pacientes com HCL. Vários estudos indicaram que pacientes em remissão completa têm sobrevidas comparáveis ​​àquelas de controles normais pareados por idade (BELANI; SAVEN, 2006).

            Os resultados do tratamento com interferon alfa demonstraram que a duração da remissão em pacientes inicialmente esplenectomizados e posteriormente tratados com interferon alfa foi maior do que em pacientes tratados com interferon alfa sem esplenotomia. A esplenotomia pode ser recomendada como terapia de primeira linha para pacientes de baixo risco com leucemia de células pilosas; o interferon alfa deve ser a terapia de primeira linha em pacientes de alto risco (GOTIC et al., 2000).

            Embora a leucemia de células pilosas (HCL) seja incomum, um progresso notável foi feito no tratamento de pacientes com essa doença. Devido aos seus mecanismos de ação únicos, os análogos de purina, 2′-desoxicoformicina (2′-DCF) e 2-clorodesoxiadenosina (2-CdA), são naturalmente direcionados aos linfócitos e são citotóxicos tanto para células em repouso quanto para células em divisão. Ambos os agentes induzem remissões completas (CRs) duráveis ​​na esmagadora na maioria dos pacientes. Notavelmente, taxas igualmente altas de RC durável são alcançadas em pacientes não tratados e previamente tratados. Além disso, pacientes com grandes cargas tumorais se saem tão bem quanto aqueles com doença mínima. Portanto, esses agentes surgiram como os tratamentos de escolha para todos os pacientes com leucemia de células pilosas e suplantaram tratamentos anteriores, como esplenectomia e interferon-alfa (IFN-alfa). Uma vez que um único ciclo de 7 dias de 2-CdA leva a excelentes resultados e está associado a poucas toxicidades além da febre com cultura negativa, esse agente é particularmente atraente e pode oferecer algumas vantagens. No entanto, dada a história natural indolente da HCL, será necessário um estudo de acompanhamento de longo prazo para determinar se um análogo de purina oferece uma vantagem de sobrevida sobre o outro (TALLMAN et al., 1999).

            Longas remissões na leucemia de células pilosas com análogos de purina, tanto a pentostatina quanto a cladribina têm eficácia na leucemia de células pilosas (HCL), mas não se sabe qual agente obtém melhores resultados. Mostramos eficácias equivalentes para ambos os agentes no tratamento de HCL, com DFS não apresentando platô. A verdadeira cura na HCL permanece indefinida, mas a adição de anticorpos monoclonais pode ser benéfica. Nossos resultados sugerem que atingir a RC deve continuar sendo o principal objetivo do tratamento (ELSE et al., 2005).

            O papel do rituximabe em combinação com pentostatina ou cladribina para o tratamento da leucemia de células pilosas recorrente/refratária:  Os análogos de purina pentostatina e cladribina revolucionaram o tratamento da leucemia de células pilosas (HCL) com respostas globais em mais de 85% dos pacientes e uma sobrevida livre de progressão mediana de até 15 anos. Eles continuam a ser eficazes na terapia de segunda e até terceira linha; no entanto, tratamentos alternativos são necessários para pacientes que são ou se tornaram refratários a esses agentes ou cujas remissões são mais curtas a cada curso de terapia. A combinação de análogos de purina com rituximab foi segura e eficaz para pacientes com HCL recorrente e/ou refratária, e os resultados atuais sugerem um benefício adicional em comparação com o tratamento padrão (ELSE et al., 2007).

Tratamento Cirúrgico

            Como bem mencionado, a esplenomegalia é um achado comum na tricoleuceumia.

            A esplenectomia, outrora primeira modalidade de tratamento para a leucemia de células pilosas, é uma conduta que consiste na remoção do baço, em prol de reduzir sintomas e gerar um estado de alívio para o paciente acometido pela patologia. A retirada do baço vem apresentando um decaimento na sua escolha devido as terapias farmacológicas eficazes no tratamento da doença.

            A tricoleucemia, pode fazer o baço crescer em níveis comprometedores de órgãos adjacentes, os pressionando e podendo resultar em problemas secundários, além da piora do quadro atual. Na falha terapêutica farmacológica, se não houver consideráveis resultados de melhora em relação à diminuição do tamanho do baço, a esplenectomia ainda pode ser uma conduta a ser questionada.

            Em casos raros, mas ainda sim atualmente pode ser utilizada como conduta tal cirurgia, porém não é esperado que ele apresente cura, pois é uma terapia com objetivo de remissão clínica.

            O baço tem como uma de suas funções remover células sanguíneas já velhas, funcionando como uma espécie de filtro da corrente sanguínea, com seu aumento, teremos uma hiperfunção do baço, podendo levar a uma escassez de glóbulos vermelhos ou plaquetas. A esplenectomia pode ajudar a melhorar as contagens sanguíneas, ou seja, pode melhorar a contagem de células sanguíneas e fazer com que diminua a necessidade de transfusões.

            É recomendável que os pacientes esplenectomizados sejam submetidos a esquemas de imunização, como medida profilática às possíveis infecções, devido ao seu risco maior de infecções em relação à indivíduos não esplenectomizados.

Prognóstico

            O prognóstico da leucemia de células pilosas são, geralmente, ruins, sendo que cerca de um terço dos pacientes recaem e dois terços desses podem alcançar nova remissão duradoura mediante retratamento com análogos de purina.

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CAPÍTULO 7

ANEMIA FALCIFORME

SICKLE CELL ANEMIA

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.07

Submetido em: 27/08/2023

Revisado em: 28/08/2023

Publicado em: 28/08/2023

 

Raul Dias Kezan

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0007-1801-9438

Priscila Coti Lewin

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0002-0517-9516

Giulia Pessin Moschetto

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0007-0342-0368

Lucas Braga Teodoro

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0001-4273-1501

Julia Lopes Hemza

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0001-5097-7157

Marco Aurélio

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0007-1309-7496

Carlos Toribio Buzo

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

https://orcid.org/0009-0001-9910-8403

Maria Victoria de Oliveira Correa Silva

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

http://lattes.cnpq.br/2761324930804278

Eliane Italiano Moreira Urbano da Silva

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

http://orcid.org/0009-0007-7320-3588

Luca de Almeida Mezzavilla

Universidade Anhembi Morumbi, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP

http://lattes.cnpq.br/1519867289378233

 

 

 

Resumo

A Anemia Falciforme (AF) é uma doença sanguínea de caráter hereditário, monogênica, ou seja, presente em um dos alelos e a mais comum no Brasil. Além de ser a doença hematológica hereditária mais comum no mundo, com predomínio geograficamente em países da África e oriente médio. Caracteriza-se pelas mutações no gene da β-globina, que apresentam como resultado uma hemoglobina anormal denominada hemoglobina S (HbS) e uma diferenciação na forma dos glóbulos vermelhos, deixando-os em formato de foice, prejudicando assim o carreamento do oxigênio pelo corpo e trazendo como consequências a manifestação de anemia crônica, crises de falcização e susceptibilidade às infecções entre outras manifestações clínicas severas que exigem total atenção por parte da saúde pública. Neste trabalho, tem como objetivo de informar as principais características desta doença, bem como o quadro clínico, fatores de risco, diagnóstico, tratamento e prognóstico. Visando auxiliar estudantes, clínicos gerais, especialistas e clínicos no conhecimento e tratamento desta importante patologia.

Palavras-Chave: Anemia Falciforme

Abstract

Sickle Cell Anemia (SCA) is a hereditary, monogenic blood disease, that is, present in one of the alleles and the most common in Brazil. In addition to being the most common hereditary hematological disease in the world, geographically predominant in countries in Africa and the Middle East. It is characterized by mutations in the β-globin gene, which result in an abnormal hemoglobin called hemoglobin S (HbS) and a differentiation in the shape of red blood cells, making them sickle-shaped, thus impairing the transport of oxygen through the body. and bringing as consequences the manifestation of chronic anemia, sickling crises and susceptibility to infections among other severe clinical manifestations that require full attention from public health. In this work, it aims to inform the main characteristics of this disease, as well as the clinical picture, risk factors, diagnosis, treatment and prognosis. Aiming to help students, general practitioners, specialists and clinicians in the knowledge and treatment of this important pathology.

Keywords: Sickle Cell Anemia

 

 

 

Introdução

            A Anemia Falciforme (AF) é uma doença sanguínea de caráter hereditário, monogênica, ou seja, presente em um dos alelos e a mais comum no Brasil. Caracteriza-se pelas mutações no gene da β-globina, que apresentam como resultado uma hemoglobina anormal denominada hemoglobina S (HbS) e uma diferenciação na forma dos glóbulos vermelhos, deixando-os em formato de foice, prejudicando assim o carreamento do oxigênio pelo corpo e trazendo como consequências a manifestação de anemia crônica, crises de falcização e susceptibilidade às infecções entre outras manifestações clínicas severas que exigem total atenção por parte da saúde pública(SOUSA et al., 2021).

A AF como já se sabe tem sua incidência mais prevalentes em povos afrodescendentes, advindos das regiões africanas, entretanto estudos recentes mostram que devido a miscigenação de raças que ocorreram pelas diversos processos migratórios ao longo da história, em países do Mediterrâneo, Caribe, América Central e Sul, Arábia, Índia e Brasil, atualmente a presença dessa doença não se apresenta mais tão somente em sua maioria em populações da raça negra, sendo observado também em pessoas de pele clara, olhos azuis, entre outras características, o que mostra que a identificação e a presença dessa doença tem se tornada cada vez maior sendo comprovadamente a doença hematológica mais presente no Brasil (MANFREDINI et al., 2007).

Epidemiologia

             A anemia falciforme é a doença hematológica hereditária mais comum no mundo, com predomínio geograficamente em países da África e oriente médio. É um grupo de doenças hereditárias causadas por mutações no HBB, que codifica a subunidade β da hemoglobina. A incidência é estimada entre 300.000 e 400.000 neonatos globalmente a cada ano, a maioria na África subsaariana (KATO et al., 2018).

            Além disso, a hemoglobinopatia falciforme representa um problema de saúde para muitos outros grupos étnicos, incluindo populações nativas da Itália, Grécia, Turquia, Arábia Saudita, Índia, Paquistão, Bangladesh, China e Chipre (NIETERT; SILVERSTEIN; ABBOUD, 2002).

            No Brasil devido a miscigenação, de acordo com o Ministério da Saúde “Estima-se que, atualmente, há entre 60 mil e 100 mil habitantes com a doença falciforme no País. A distribuição no Brasil é bastante heterogênea, sendo a Bahia, o Distrito Federal e o Piauí as unidades federadas de maior incidência.”

Etiologia

            A Anemia Falciforme é uma hemoglobinopatia de caráter autossômico recessivo, causada por uma mutação no gene codificante HBB da cadeia β da hemoglobina. Devido a essa mutação, ocorre a produção da hemoglobina mutante S (HbS), que possui o ácido glutâmico substituído por valina na sua cadeia β. (KATO et al., 2018).

            Em baixas concentrações de O2, a HbS pode se polimerizar, em um processo chamado de falcização, onde a hemácia perde seu formato original e assume formato de foice. Indivíduos heterozigotos para o gene da HbS em geral são assintomáticos a não ser quando expostos a situações mais intensas (hipóxia, desidratação), já indivíduos homozigotos sofrem falcização das hemácias em condições fisiológicas (NETO; PITOMBEIRA, 2003).

Tipos de Doenças Falciforme

            A severidade e o tipo da doença variam de acordo com os alelos do gene da hemoglobina herdados dos pais (SAFADY, 2021). Desta forma, alguns tipos de doença falciforme são:

  • Anemia falciforme – Hemoglobina SS: Tipo mais frequente de doença falciforme. Indivíduos com anemia falciforme possuem duas cópias do gene HbS (genótipo SS), portanto apresentam a forma mais aguda da doença.
  • Doença da Hemoglobina SC: Indivíduos que herdam um alelo do gene HbS e um da variante HbC. Normalmente apresentam sintomas mais leves da doença.
  • Doença da Hemoglobina SE: Indivíduos que herdam um alelo do gene HbS e um da variante HbE.
  • Sβ talassemia: Indivíduos que herdam um alelo do gene HbS e um gene de talassemia, outro tipo de anemia hereditária. Existem dois tipos de Sβ talassemia: “0” e “+”. A Sβ0 normalmente se refere a forma mais severa da doença.
Fatores de Risco

            A anemia falciforme faz parte de um grupo de hemoglobinopatias crônicas hereditárias autossômicas recessivas. Os fatores de risco tendem a ser diversos, por se tratar de uma doença multissistemica, a diversidade fenotípica da anemia falciforme é parcialmente explicada por variantes genéticas que controlam a expressão dos genes da HbF e pela herança do gene da ÿ-talassemia. O papel de outros potenciais modificadores genéticos é menos claro. Os principais agentes carreadores são relacionados principalmente a genética e herança hereditária de alelos falciformes, nas quais os pais portadores assintomáticos de um gene afetado, responsáveis por HbA e HbS (AS), sendo a forma mais comum e grave a homozigótica HbSS. A forma heterozigótica HbSC, HbSβ-talassemias, HbSD e HbSOArab, que são caracterizadas como hemoglobinopatias compostas e βglobinas, são variantes da expressão genica do HbS, responsável pela falcizacao (PIEL; STEINBERG; REES, 2017).

Também podem ser associadas a fatores étnicos, sendo mais susceptíveis em populações de ascendência africana, mediterrânea e oriente médio, devido ao traço falciforme (HbS em heterozigose) também relacionadas ao gene defeituoso. Na população negra nacional é maior perante as demais cores autodeclaradas o que reflete o processo miscigenação heterogêneo do Brasil e propicia a dispersão das alterações genéticas (PIEL; STEINBERG; REES, 2017).

No âmbito dos fatores laboratoriais hepáticos, foram constatados aumentos nos níveis de bilirrubina direta e total, fosfatase alcalina, transaminase glutâmico oxalética (TGO) e ferritina, todos correlacionados com maior risco de mortalidade. Adicionalmente, níveis elevados de PCR (Proteína C Reativa) também foram identificados como indicadores de risco aumentado de morte. (LOUREIRO; ROZENFELD, 2005).

Na esfera de complicações cardiovasculares, os primeiros enfatizaram que os pacientes com anemia falciforme têm limitações de exercício. podemos observar achados ecocardiográficos específicos, como regurgitação contínua do jato tricúspide, falta de ar em repouso, e ortopneia, particularmente durante a crise, e ar e elevação do índice de resistência vascular pulmonar também contribuíram para os índices de mortalidade (HAYWOOD, 2009).

Em relação no que diz respeito ao gênero e a anemia falciforme não é observado uma relação entre os dois, entretanto, pode se observar uma taxa elevada entre homens, embora alguns estudos podem demonstrar um aumento em mulheres na idade adulta. Um ponto importante observado é a correlação direta entre maiores taxas de mortalidade e a presença de fatores de risco. O genótipo mais grave, como o HbSS, apresentou uma maior taxa de mortalidade, corroborando estudos globais e reforçando a gravidade desse genótipo. Portanto, podemos concluir que a sobrevivência média ainda não é um fator favorável, e principalmente em regiões com maior incidência, falta acesso a informação e recursos (LOUREIRO; ROZENFELD, 2005).

Quadro Clínico

            Pode ser apresentada em grande variedade de sintomas, que costumam aparecer a partir do sexto mês de vida, e são divididos em dois grupos principais o hemolítico e o isquêmico (HOUWING et al., 2019).

            A rápida destruição de hemácias pode levar a anemia crônica, causando fadiga e palidez; a icterícia por acúmulo de bilirrubina. Já a obstrução de vasos causada pelas hemácias falciformes pode trazer:

– Crises de dor aguda em diversas áreas do corpo, como ossos, articulações e músculos.

– Risco AVC, obstrução dos vasos sanguíneos no cérebro aumenta o risco de AVC, resultando em sintomas neurológicos graves.

– Complicações Ósseas e Articulares, o fluxo sanguíneo reduzido pode causar necrose avascular, levando a dores crônicas e problemas nas articulações.

– Atraso no desenvolvimento, devido à diminuição do fluxo sanguíneo para ossos e órgãos, crianças podem experimentar atraso no crescimento.

– Complicações em Órgãos Internos, redução do suprimento de oxigênio aos órgãos internos pode levar a complicações variadas, como insuficiência renal.

Outras complicações gerais são: maior risco de infecção, colelitíase, priapismo, úlcera nas pernas, retinopatia, disfunções cognitivas, hipertensão pulmonar, esplenomegalia (INUSA et al., 2019).

Diagnóstico

            Com sua alta prevalência no Brasil e por grande mortalidade em virtude de infecção bacteriana ou sequestro esplênico, a doença falciforme tornou-se o seu diagnóstico obrigatório pelos testes de triagem neonatal (de 0 a 28 dias de vida), em todo o país. A detecção da hemoglobina S, é realizada por meio das técnicas de Focalização isoelétrica ou pela Cromatografia líquida de alta eficiência. As principais formas fenotípicas encontradas ao nascimento são: Hb FS, Hb FSC, Hb FSA e Hdb FSD-Punjab. As cadeias Beta globínicas são detectáveis em torno da 10ª a 12ª semana de gestação, o que possibilitaria o diagnóstico no pré-natal (NUZZO; FONSECA, 2004).

            Qualquer traço genotípico ou fenotípico encontrado para a doença, a criança deverá repetir o exame após o sexto mês de vida para confirmação do perfil hemoglobínico, além da investigação dos pais (FERRAZ; MURAO, 2007).

            Já os exames de imagem, estão relacionados ao diagnóstico e acompanhamento das complicações que podem surgir ao longo da vida, principalmente as Vasoclusivas, caracterizada por dor muito frequente em pacientes com esse diagnóstico (FERRAZ et al., 2019).

Tratamento Clínico

            As complicações da Anemia Falciforme estão associadas ao aumento da hemoglobina S, ao fenômeno da eritrofalciformação, à interação anormal entre leucócitos e plaquetas com as células endoteliais, ao aumento da coagulabilidade sanguínea, ao estado inflamatório crônico e à vasculopatia proliferativa, possivelmente ligada à alteração do metabolismo do óxido nítrico na doença falciforme (MEIER, 2018).

            O objetivo do tratamento é inibir a produção e diminuir a quantidade circulante de hemoglobina S. A elevação dos níveis de Hb fetal está associada à maior sobrevida, e pode ser obtido com o uso crônico por prazo indefinido de hidroxiureia, que inibe a ribonucleotídeo redutase, estimula a produção de HbF e de óxido nítrico e reduz as moléculas de adesão (KAPOOR; LITTLE; PECKER, 2018).

            Os sintomas podem ser reduzidos com a transfusão de concentrado de hemácias e tratamento medicamentoso da dor e das complicações clínicas. O uso da L-glutamina reduz a oxidação das hemácias e a ocorrência das crises de falcização.

            O imunobiológico Crizanlizumabe, anticorpo monoclonal seletivo da IgG2 kappa, e o voxelotor, inibidor da polimerização da HbS, são também drogas aprovadas que elevam os níveis de hemoglobina e reduzem as crises de falcização e as complicações da doença falciforme.

            É possível a cura da anemia falciforme através do transplante de células tronco a partir de um doador adequado.

            A terapia gênica para a doença falciforme está em desenvolvimento, mas ainda não é uma opção disponível.

Tratamento Cirúrgico

            As transfusões sanguíneas são uma ótima forma de tratar aquele paciente portador da doença falciforme e é uma das medidas que desempenham um papel fundamental em reduzir a mortalidade e morbidade dos pacientes acometidos pela anemia falciforme. Porém, o único tratamento curativo de fato que temos atualmente consiste no transplante de medula óssea (TMO) por vezes denominado como transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), que tem como objetivo restaurar a função medular do paciente com a medula óssea produzindo células defeituosas, além disso, o tratamento é indicado para crianças em situações graves, como por exemplo na ocorrência do acidente vascular cerebral (ZAGO et al., 2013).

            A modalidade do transplante feito aqui, será a do transplante alogênico, cujo paciente receberá a medula sadia de um doador aparentado, os estudos feitos, onde foram utilizados irmãos HLA idênticos como os doadores mostraram resultados bons, além disso, há outra modalidade de transplante que é o transplante singênico, onde o doador será um irmão gêmeo idêntico, porém é uma situação mais rara dada a baixa incidência de gêmeos idênticos na população (VERA; VICARI; LÚCIA, 2019).

            O método é uma intervenção mais agressiva, o procedimento é feito submetendo o doador à anestesia geral e ocorre a punção na crista ilíaca posterior, no qual o conteúdo da medula óssea é aspirado, enquanto ele permanece posicionado em decúbito ventral, a quantia coletada, é a necessária para após o procedimento, a “pega”, ou então a enxertia possa ser realizada. Após a coleta da medula, ela é armazenada em uma bolsa contendo anticoagulante, e posteriormente, filtrada para remoção de fragmentos do osso e gorduras. O paciente falciforme recebe o conteúdo da medula, através de um acesso venoso central.

            Hoje em dia há a possibilidade de realizar o procedimento usando sangue de cordão umbilical (SCU), como uma alternativa de reconstruir a medula com as células deste cordão. O sangue do cordão é coletado no momento que a criança nasce e posteriormente é processado e armazenado para que o indivíduo que necessite receba a transfusão. A vantagem deste método é que após o sangue do cordão ser coletado, ele pode ser congelado e estocado para ser usado quando necessário (GALVÃO; GREGIANIN; BRUNETTO, 2001).

            Além do tratamento cirúrgico curativo para a anemia falciforme, vale citar a terapia cirúrgica para complicações vistas ao decorrer da atividade da doença falciforme. Uma complicação relativamente frequente na anemia falciforme é a presença de úlceras de membros inferiores, seu surgimento pode ocorrer dado o caráter vaso-oclusivo da doença, além de outros fatores genéticos, são lesões ulcerativas dolorosas que se manifestam de forma única ou múltipla e que habitualmente aparecem em regiões com a pele mais fina, como a área do tendão de Aquiles, região maleolar, região tibial. Porém não há relação entre melhores tratamentos perante a esta condição, cada caso deve ser analisado e a conduta deve ser especificada para cada situação (PALADINO, 2007).

Prognóstico

            Quanto aos fatores de gravidade da doença, as pesquisas evidenciam uma dificuldade de integrar as contraditórias dimensões de uma doença em uma só medida de gravidade, onde apesar de existirem razões pelos quais indicam pior prognóstico, ainda assim, são dependentes de outros fatores, tais como o impacto na qualidade de vida dos pacientes e dos familiares, sendo assim, ainda não há uma definição geral ou medida de gravidade que seja amplamente aceita. No entanto, quanto aos determinantes de gravidade, o genótipo da β-globina é considerado um dos principais, especialmente quando considerado a nível de população e não do indivíduo. Sendo que no geral, HbSS e HbSβ° são comumente formas mais graves da doença, enquanto HbSC e Hbsβ+ são formas mais leves, de tal forma que a sobrevida média de pacientes com a doença HbSC é quase 20 anos maior do que para pacientes com HbSS (QUINN, 2016).

            É reconhecido que HbF% mais alto está associado a VOEs reduzidos, dactalite, SCA, úlceras de perna, osteonecrose, colelitíase, e confere uma vantagem de sobrevida global. No entanto, é sabido que a doença falciforme é uma doença multisistêmica e que a capacidade de prever uma doença grave ainda é um desafio, visto que existem muitos processos subadjacentes que podem levar o indivíduo a desfechos que vão desde vida relativamente livre de sintomas até a 8ª década de vida até doença grave (definida como morte, acidente vascular cerebral, dor frequente ou SCA recorrente).

            Em uma análise de rede foi identificado fatores de risco previamente conhecidos para mortalidade a curto prazo, incluindo insuficiência renal e leucocitose, também marcadores laboratoriais de hemólise e complicações clínicas associadas à hemólise. Além disso, a maioria dos pacientes reconhecem que seus sintomas são significativamente afetados por fatores ambientais, tais como mudanças de clima, moradia e status socioeconômico, afetando diretamente em seu prognóstico e resultados, apesar disso, esses efeitos são relativamente pouco estudados e pouco compreendidos, principalmente quando comparados as causas genéticas da variabilidade (REES; BROUSSE; BREWIN, 2022).

            No geral, a baixa hemoglobina, baixa porcentagem de hemoglobina F e altos valores de reticulócitos na infância estão associados a piores resultados e a complexidade devido a uma variabilidade extrema tendem ser individuais a cada paciente, sendo assim, a gravidade pode ser definida de várias maneiras.

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CAPÍTULO 8

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DE MÉTODOS BAYESIANOS NA ÁREA MÉDICA E DE SAÚDE PÚBLICA

SOME CONSIDERATIONS ON THE USE OF BAYESIAN METHODS IN THE MEDICAL AND PUBLIC HEALTH AREA

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.08

Submetido em: 18/09/2023

Revisado em: 10/10/2023

Publicado em: 23/10/2023

 

Jorge Alberto Achcar

Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Social, Ribeirão Preto-SP

http://lattes.cnpq.br/3125027713681936

Emerson Barili

Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Estatística, Maringá-PR

https://lattes.cnpq.br/0218379899868808
 

 

Resumo

O objetivo deste estudo é apresentar algumas considerações de interesse prático sobre o uso da metodologia Bayesiana nas áreas de medicina, epidemiologia e saúde pública. O uso da metodologia Bayesiana para obter inferências de interesse tem aumentado de forma significativa nas últimas décadas nas áreas de pesquisa médica, epidemiologia e de saúde pública, como observado na literatura, dadas algumas dificuldades existentes no ajuste de modelos mais complexos aos dados usando a metodologia de inferência clássica (frequentista). A metodologia frequentista em geral é baseada em resultados assintóticos na construção de intervalos de confiança e testes de hipóteses o que pode ser um grande problema quando não temos grandes amostras. Além disso, apesar do uso do valor-p ainda ser amplamente considerado em estudos médicos e de saúde pública para tomada de decisões baseada nas inferências obtidas, a literatura tem apresentado vários estudos mostrando possíveis desvantagens do uso de métodos frequentistas, em particular sobre o uso do valor-p, quando comparados ao uso de métodos Bayesianos que apresentam interpretações mais simples baseadas somente em resultados probabilísticos. Algumas aplicações com dados reais da área de medicina e saúde pública ilustram a metodologia apresentada.

Palavras-Chave: métodos Bayesianos, aplicações médicas, saúde pública, comparações com inferência clássica.

Abstract

The objective of this study is to present some considerations of practical interest regarding the use of Bayesian methodology in the areas of medicine, epidemiology and public health. The use of the Bayesian methodology to obtain inferences of interest has increased significantly in recent decades in the areas of medical research, epidemiology and public health, as observed in the literature, given some difficulties in fitting more complex models to data using the methodology of classical (frequentist) inference. The frequentist methodology in general is based on asymptotic results in the construction of confidence intervals and hypothesis tests, which can be a big problem when we do not have large samples. Furthermore, although the use of the p-value is still widely considered in medical and public health studies for decision-making based on the inferences obtained, the literature has presented several studies showing possible disadvantages of using frequentist methods, in particular regarding the use of the p-value, when compared to the use of Bayesian methods that present simpler interpretations based only on probabilistic results. Some applications with real data from the area of medicine and public health illustrate the methodology presented.

Keywords: Bayesian methods, medical applications, public health, comparisons with classical inference.

 

DEVIDO A PECULIARIDADE DO TRABALHO COM FÓRMULAS GRÁFICOS E TABELAS EM EXCESSO. SEU CONTEÚDO COMPLETO SÓ PODE SER ACESSADO NO BOTÃO DO LIVRO.

CAPÍTULO 9

ESTUDO DA DEMANDA ATENDIDA NO CENTRO DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR DE LAGARTO, SERGIPE

STUDY OF THE DEMAND ATTACHED TO THE CENTER OF REFERENCE IN THE HEALTH OF LABOR OF LAGARTO, SERGIPE

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.09

Submetido em: 05/02/2024

Revisado em: 15/02/2024

Publicado em: 20/02/2024

 

Raíssa Gabriela Mourão Gonçalves

Universidade Federal de Sergipe, Lagarto – SE

http://lattes.cnpq.br/8125574936839002

Fernanda De Souza Formentin

Universidade Federal de Sergipe, Lagarto – SE

http://lattes.cnpq.br/8125574936839002

Isabella De Oliveira Bêta

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO, Santarém – PA

https://orcid.org/0000-0003-2994-5772

Kedson Alessandri Lobo Neves

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO, Santarém – PA

http://lattes.cnpq.br/1081832412313971

Lucas Raphael Mourão Gonçalves

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO, Santarém – PA

https://orcid.org/0000-0003-4492-1947

Paulo Sergio Taube Júnior

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO, Santarém – PA

https://orcid.org/0000-0001-5786-7615

Jocinei Dos Santos

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO, Santarém – PA

https://lattes.cnpq.br/1081217288151122

Gustavo Hallwass

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO, Santarém – PA

http://lattes.cnpq.br/6840617813796918

Larissa Andréia Ferreira Sampaio

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO,  Santarém – PA

http://lattes.cnpq.br/2797599110253183

Gustavo da Silva Claudiano

Universidade Federal do Oeste do Pará, PPGBIO, Santarém – PA

http://lattes.cnpq.br/6500363801545710

 

 

 

Resumo

Introdução: A relação entre trabalho e processo saúde/doença é reconhecida desde a Antiguidade. No Brasil, a saúde do trabalhador é dividida em dois períodos: antes e após a reforma sanitária, que foi responsável por políticas de saúde como a criação do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, que incorpora a saúde do trabalhador na rede de serviços de saúde do SUS. Objetivo: Identificar o perfil sociodemográfico e os sintomas clínicos do usuário atendido no centro de referência de Lagarto, Sergipe. Método: Estudo transversal descritivo com 444 prontuários de trabalhadores atendidos entre 2017 e 2019, organizados e analisados no programa Microsoft Office Excel versão 2019. Foram coletados dados sobre assistência e trabalho. Os dados sociodemográficos: idade, sexo, profissão, local de residência e zona geográfica; clínicos: sintomas e seu tempo de ocorrência; de assistência: situação no serviço e origem de encaminhamento e do trabalho: uso de EPI, tempo de ocupação e situação de trabalho. Aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal de Sergipe. Resultados: A maioria dos usuários foi do sexo masculino (52,03%). Os dados estão concentrados na faixa etária de 46 a 60 anos (34,03%). Os sintomas mais apresentados foram osteomusculares e cutâneos (31,98%) e com menor frequência, os neuropsiquiátricos (4,05%), que predominaram no sexo feminino (66,67%). No setor terciário predominaram os acidentes de trabalho (54,17%), e nos sintomas neuropsiquiátricos (78,57%). Conclusão: O perfil do trabalhador atendido tem maioria do sexo masculino. Porém os agravos de saúde relacionados aos sintomas neuropsiquiátricos, o sexo feminino foi maioria.

Palavras-Chave: saúde do trabalhador; acidentes de trabalho; saúde ocupacional.

Abstract

Background: The relationship between work and the health-disease process has been recognized since Antiquity. In Brazil, worker health is divided into two moments: before and after a health reform, which was responsible for health policies as a creation of the Reference Center on Occupational Health, whose to incorporate health of the health service network of SUS. Objective: To identify the sociodemographic profile and clinical symptoms of the user attended in central servise of Lagarto, Sergipe. Methods: Descriptive cross-sectional study with data of 444 medical records of workers served between 2017 and 2019 organized and approved in the program Microsoft Office Excel version 2019. Approved by the research ethics committee of the Federal University of Sergipe. The sociodemographic data were: age, sex, occupation, place of residence and geographical area; the clinicians: symptoms, complaints and their time of occurrence; of assistance: situation in service and origin of referral and work: use of PPE, time of occupation and work situation. Results: The majority of the votes were male (52.03%) and an average age was 45.93 years. Data are concentrated in the age range of 46 to 60 years (34.03%). The most severe symptoms were osteomuscular and cutaneous (31.98%) and less frequent neuropsychiatric (4.05%), which predominated in females (66.67%). The tertiary sector had a predominance in work accidents (54.17%), as well as in the neuropsychiatric ones (78.57%). Conclusion: The profile of the worker attended has the majority of males. However, the health problems related to neuropsychiatric symptoms, the female sex was the majority.

Keywords: occupational health; occupational accidents; occupational medicine.

 

 

 

Introdução

A relação entre trabalho e processo saúde/doença é reconhecida desde a Antiguidade. Neste período da história não havia grandes preocupações, já que os efeitos do ato de trabalhar eram sofridos apenas por escravos. Porém, já existiam estudos isolados da relação trabalho-doença1. Hipócrates (460a.C. a 375a.C.) no seu livro “Ares, águas e lugares” descreveu a influência do meio no surgimento das doenças, através do quadro clínico da intoxicação saturnina em trabalhadores de minas2. Em 1700 foi publicado o estudo de Ramazzini, “De Morbis Artificium Diatriba” (traduzido em português como “As Doenças dos Trabalhadores”), considerado a primeira descrição sistematizada de doenças associadas ao exercício de determinadas ocupações3. Observando as queixas de seus pacientes e seus ofícios, Ramazzini identificou que o trabalho pode ser um determinante do processo de adoecimento.

No Brasil, a saúde do trabalhador apresenta dois períodos distintos: antes e após a reforma sanitária4. No que concerne ao ocorrido antes da Reforma, era encarada como recurso daqueles que dispunham de cobertura da previdência, não sendo um benefício estendido a todos os trabalhadores5. As mudanças sociais e políticas ocorridas no Brasil, a partir das décadas de 1980 e 1990, associadas ao contexto da Reforma Sanitária, foram determinantes nas propostas de reformulação das políticas de saúde no âmbito de suas relações com o trabalho6. Pode-se destacar, como um de seus principais resultados, a definição da área da Saúde do Trabalhador no campo de abrangência da saúde pública, delegando ao Sistema Único de Saúde (SUS) assumir o papel legal nesta área7.

O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) criado pela Portaria Ministerial 1.679/2002, incorpora a Saúde do Trabalhador nos serviços de saúde do SUS8. Atua na criação de políticas públicas, participa de convênios de cooperação técnica, além de atuar na identificação e tratamento de acidentes e agravos relacionados ao trabalho9.

O CEREST “José Edézio Dias do Nascimento” fica localizado na cidade de Lagarto, Sergipe. É um centro regional que abrange seis municípios, sendo eles: Lagarto, Simão Dias, Tobias Barreto, Salgado, Riachão e Poço Verde10. Atua na vigilância em saúde do trabalhador, a fim de identificar o perfil de adoecimento e morte dos trabalhadores da região, bem como os ramos produtivos. E deste modo, garante ações de saúde voltadas para as reais necessidades dos trabalhadores de Lagarto e região11. Os serviços ofertados compreendem: prestar assistência especializada aos trabalhadores acometidos por doenças e/ou agravos relacionados ao trabalho; realizar promoção, proteção e, recuperação da saúde dos trabalhadores; e investigar as condições do ambiente de trabalho, utilizando dados epidemiológicos em conjunto com a Vigilância Sanitária10,11.

É fundamental o estudo da relação entre trabalho e processo saúde/doença para a Saúde do Trabalhador. Diante disto, este estudo teve como objetivo avaliar o perfil sociodemográfico e as caraterísticas clínicas dos usuários do CEREST regional Lagarto, Sergipe.

Metodologia

Estudo transversal descritivo realizado com dados de todos os prontuários de trabalhadores atendidos no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST Lagarto, Sergipe entre 2017-2019. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe sob parecer nº 3.219.021 e CAAE: 07840918.0.0000.5546.

Foram coletados dados sociodemográficos, clínicos, referentes à assistência e ao trabalho. Os dados sociodemográficos foram: idade, sexo, profissão, local de residência e zona geográfica; os clínicos: sintomas e seu tempo de ocorrência; os de assistência: situação no CEREST e origem de encaminhamento; e os do trabalho: uso de EPI, tempo de ocupação e situação de trabalho.

Os dados foram organizados e analisados no programa Microsoft Office Excel versão 2019. As variáveis obtidas foram de caráter qualitativo nominal e variáveis quantitativas. Inicialmente foi realizada a análise descritiva envolvendo a organização, resumo e representação dos dados através de tabelas de frequência, medidas de tendência central, medidas de posição e medidas de variação.

As divisões das variáveis foram realizadas da seguinte forma: faixa etária entre 0 e 15 anos, para crianças e adolescentes, 16 a 30 anos, jovens, 31 a 45 anos e 46 a 60 anos, para os adultos, e acima de 60 anos, categorizando os idosos. As profissões estão divididas em quatro categorias para um melhor entendimento das associações, sendo elas: setor primário (lavrador), setor secundário (operador de bomba, operador de distribuição, operador de máquina), setor terciário (manicure, atendente farmácia, vendedor, balconista, costureira, motoboy, motorista, mototaxista, frentista, caixa, professor, contador, enfermeira, laboratorista, educadora, chefe de produção, gerente de perímetro, técnico administrativo, técnico agrícola, técnico de enfermagem, vigilante, assistente social, auxiliar administrativo, auxiliar de perecíveis, agente comunitário de saúde, agente de endemias, conferente, auxiliar de serviços gerais, diarista, empregada doméstica, padeiro, cozinheira, embalador, empacotadora de fumo, babá, feirante, colaborador, eletricista, merendeira, recortador de gesso, gari, ajudante de marceneiro, ajudante de carga e descarga, ajudante de corte e ajudante de transporte) e outros (desempregado e estudante).

Os sintomas foram agrupados em: acidente de trabalho (acidente com pérfuro-cortante, amputações, ferimento corto-contuso, intoxicação por agrotóxicos, traumas, fraturas e dermatites), osteomuscular e cutâneo (artralgias, mialgias, lesão por esforço repetitivo e distúrbio osteomuscular relacionados ao trabalho, lombalgia, urticária, varicela, escabiose, piodermites e lesões bolhosas), otorrinolaringológico (distúrbios auditivos, alterações da fonação e deglutição, faringite e rinite alérgica), neuropsiquiátrico (insônia, cefaleia, esquizofrenia, transtornos de ansiedade e depressão e Doença de Parkinson), outros (sintomas respiratórios, cardiovasculares, oftalmológicos, geniturinários, ginecológico, endocrinológicos e gastrointestinais) e sem sintomas (avaliação periódica de saúde).

Resultados e Discussão

A pesquisa abrangeu todos os prontuários do período de 2017 a 2019 (444 prontuários). Houve um predomínio do sexo masculino nos casos atendidos (52,03%). A idade variou de 5 a 88 anos, compreende a variação de 1 a 88 anos, com uma média de 45,93 anos, e um desvio padrão 15,92, o que demonstra uma moderada dispersão dos dados, confirmada pela mediana que se aproxima bastante da média (46 anos). As frequências por faixas etárias mostram que a maior concentração de dados está na faixa de 46 a 60 anos (146 pacientes representando 34,03%), e a menor frequência nas crianças e adolescentes, faixa de 0 a 15 anos (9 pacientes representando 2,1%) (tabela 1).

 

Tabela 1: Descrição das faixas etárias através da distribuição de frequência e percentual, nos prontuários dos trabalhadores atendidos no CEREST de Lagarto, SE no período de 2017 a 2019.

Idade

Frequência

Percentual (%)

0 a 15 anos

9

2,10

16 a 30 anos

57

13,29

31 a 45 anos

139

32,40

46 a 60 anos

146

34,03

Acima de 60 anos

78

18,18

Total

429*

100,00

Fonte: Os autores.

 

Em relação à zona geográfica, a maioria dos trabalhadores atendidos reside na zona urbana (59,61%).

Em relação aos sintomas, foram mais prevalentes os osteomusculares e os cutâneos (31,98%), seguidos pelos pacientes que não apresentavam sintomas (26,35%). Os sintomas com menor frequência (4,05%) foram os neuropsiquiátricos (tabela 2).

Tabela 2: Descrição das categorias de sintomas apresentados por trabalhadores atendidos no CEREST de Lagarto, SE relacionando frequência e percentual no período de 2017 a 2019.

Sintomas

Frequência

Percentual (%)

Acidente de trabalho

28

6,31

Neuropsiquiátrico

18

4,05

Osteomuscular e cutâneo

142

31,98

Otorrinolaringológico

27

6,08

Outros

112

25,23

Sem sintomas

117

26,35

Total

444

100

 

Fonte: Os autores.

 

Na correlação entre sintoma e sexo, observa-se que os sintomas neuropsiquiátricos (66,67%) e os acidentes de trabalho (60,71%) predominam no sexo feminino, enquanto os sintomas osteomusculares e cutâneos (52,82%), otorrinolaringológicos (55,56%) e pacientes sem sintomas (58,97%) predominam no sexo masculino (gráfico 1).

 

 

 

Gráfico 01: Divisão das categorias de sintomas por sexo dos trabalhadores atendidos no CEREST de Lagarto, SE

Fonte: Os autores.

 

Na correlação entre zona geográfica e setor econômico da profissão exercida, há predomínio do setor primário na zona rural (78,31%). A zona urbana apresenta a maioria dos trabalhadores no setor terciário (67,11%).

Na associação das categorias zona geográfica e sintomas, nota-se grande diferença na incidência dos sintomas neuropsiquiátricos entre as zonas (77,8% na zona urbana e 22,2% na zona rural). A categoria sem sintomas demonstrou a menor diferença em relação às zonas geográficas (55,6% na urbana e 44,4% na rural).

Na associação entre sintomas e setor econômico, o setor terciário tem predominância de todos os sintomas (acidente de trabalho 54,17%; osteomuscular e cutâneo 42,28%; otorrinolaringológico 62,50%; outros 51,11%; sem sintomas 44,19%). O sintoma neuropsiquiátrico tem uma ocorrência consideravelmente maior no setor terciário (78,57%). A menor diferença entre setores primário e terciário é notada no sintoma osteomuscular e cutâneo (primário 40,57% e terciário 42,28%) (gráfico 2).

 

 

 

Gráfico 2: Análise da ocorrência dos sintomas divididos por setores econômicos em trabalhadores atendidos no CEREST de Lagarto, no período de 2017 a 2019

Fonte: Os autores.

 

Na correlação entre faixa etária e sintomas, os sintomas neuropsiquiátricos (58,82%), otorrinolaringológicos (38,46%) e outros (38,32%), predominam na faixa etária de 31 a 45 anos, enquanto os sintomas osteomusculares e cutâneos (36,43%) e os pacientes sem sintomas (41,07%) predominam na faixa etária de 46 a 60 anos.  A faixa etária acima de 60 anos é a que tem maior ocorrência de acidentes de trabalho (29,63%) (gráfico 3).

Gráfico 3: Distribuição da relação entre sintomas e faixa etária dos trabalhadores atendidos no CEREST de Lagarto, no período de 2017 a 2019.

Fonte: Os autores.

 

Na correlação entre sintomas e EPIs, o uso destes (70,75%) foi mais prevalente que o não uso (29,25%). Todos os trabalhadores com sintomas neuropsiquiátricos faziam uso de EPIs. Quanto ao sintoma otorrinolaringológico, a maioria dos pacientes (63,64%) não utilizavam EPIs. Em 80% dos acidentes de trabalho eram utilizado EPIs (tabela 3). O percentual de uso dos EPIs foi semelhante nas zonas geográficas (rural 75% e urbana 70,15%) (Tabela 03).

 

Tabela 3: Levantamento da relação entre o uso de EPI e sintomas dos trabalhadores atendidos no CEREST de Lagarto no período de 2017 a 2019.

Sintomas

Uso de EPI

 

Sim

Não

Total

Acidente de trabalho

12 (80%)

3 (20%)

15

Neuropsiquiátrico

7 (100%)

0 (0%)

7

Osteomuscular e pele

27 (66,85%)

14 (34,15%)

41

Otorrinolaringológico

4 (36,36%)

7 (63,64%)

11

Outros

16 (76,19%)

5 (23,81%)

21

Sem sintomas

9 (81,82%)

2 (18,18%)

11

Total

75

31

106*

* O total não condiz com todos os dados obtidos pela falta de algumas informações.

 

Na categoria origem do encaminhamento, a demanda espontânea foi maioria em ambas as zonas geográficas (90% na zona rural e 84,29% na zona urbana).

Várias foram as informações obtidas a partir dos dados coletados neste estudo que ajudaram a descrever o cenário da saúde do trabalhador atendido pelo CEREST regional Lagarto, Sergipe. De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira ocupada em 2013 apresentava uma predominância do sexo masculino (57,6%)12, assemelhando-se aos dados encontrados nos trabalhadores atendidos no CEREST regional Lagarto. Em março de 2018 foi publicado um relatório pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) onde a taxa global de participação das mulheres na força de trabalho era de 48,5% em 2018, sendo 26,5 pontos percentuais abaixo da taxa dos homens13.

Segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), as principais doenças desenvolvidas no trabalho são osteomusculares, dermatoses ocupacionais e doenças psicossociais14. A prevalência das doenças relacionadas ao trabalho modifica-se constantemente de acordo com as mudanças sociais e econômicas15. As doenças de maior notificação relacionadas ao trabalho são as doenças osteomusculares e perda auditiva por ruído15. Os trabalhadores rurais que estão inseridos no setor primário são em sua maioria acometidos por doenças osteomusculares16, 17, 18, assim como profissionais do setor terciário como enfermeiras19. Os transtornos mentais são sinais e sintomas ligados a alterações de funcionamento sem origem conhecida, que resultam na perda do equilíbrio emocional20 e têm se destacado nas últimas duas décadas entre as doenças ocupacionais15, dado concordante com o achado deste estudo.

A análise dos dados coletados mostra que as mulheres apresentam uma maior ocorrência de sintomas neuropsiquiátricos, o que pode ser explicado pelo fato de que, mesmo após a inserção no mercado de trabalho, a mulher continuar responsável pelo planejamento e execução das atividades domésticas. As possíveis repercussões da dupla jornada de trabalho sobre a saúde são: sobrecarga psicológica, fadiga física ou burnout e; tempo insuficiente para lazer, descanso, horas de sono e alimentação21. Este dado está em consonância com estudo realizado por Araújo, Godinho, Reis e Almeida21 no qual a prevalência de transtornos mentais comuns (TMC) foi mais elevada em mulheres com alta sobrecarga doméstica (48,1%) e também naquelas que não recebiam ajuda para realização dessas atividades (47,1%). A prevalência de TMC foi significantemente maior nas mulheres em estudo realizado em população atendida pelo Programa de Saúde da família na cidade de São Paulo22 e também em estudo realizado com profissionais de saúde, onde mulheres tiveram chance mais elevada (2,36 vezes) de apresentar TCM23. Estudo realizado com professores da rede municipal de Vitória da Conquista, Bahia mostrou problemas de saúde mais frequentes em mulheres e elevada prevalência de transtornos mentais comuns, atingindo mais da metade das mulheres estudadas21.

A maior ocorrência de acidentes de trabalho na faixa etária acima dos 60 anos em nosso trabalho está em consonância com outras investigações que evidenciaram repercussões negativas do trabalho em idosos24. Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) trabalhadores com mais de 55 anos parecem estar mais propensos a sofrerem acidentes de trabalho fatais25. Estudo realizado no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, também encontrou predomínio de acidentes de trabalho na faixa etária da população idosa26. Esses achados podem estar associados à maior participação dos idosos no mercado de trabalho, mesmo após aposentadoria, devido à necessidade de participação na renda familiar.

Quanto aos acidentes de trabalho, este estudo mostrou que as mulheres foram as mais afetadas, achado discordante de um estudo realizado no CEREST de Botucatu, São Paulo27. Os vínculos empregatícios entre 2004 e 2013 segundo levantamento realizado pelo Ministério da Previdência Social, teve um crescimento de 79% entre as mulheres e neste mesmo período a concessão de auxílio-doença acidentário cresceu 172% entre trabalhadoras28. Estes dados podem estar ligados a inadequações dos locais de trabalhos para mulheres.

O uso do EPI neste trabalho (80%) mostrou taxa superior à de outros estudos como o de trabalhadores da área de saúde (41,3%)29, podendo estar relacionado com diferentes amostras populacionais, tamanho das amostras e metodologia de coleta e análise dos dados. De acordo com Mattos e Másculo2, o uso do EPI envolve três dimensões: a técnica, que compreende o conhecimento para utilizar o EPI adequado para cada risco de trabalho, o educacional, que corresponde ao ensino do uso correto e o psicológico, para o trabalhador compreender a importância do EPI para sua integridade física durante a atividade laboral.

Conclusões

Os resultados apontam que houve predominância do sexo masculino entre os trabalhadores atendidos no CEREST. Porém, quando analisado os agravos de saúde relacionados aos transtornos neuropsiquiátricos, o sexo feminino foi maioria. Os acidentes de trabalho tiveram maior ocorrência na faixa etária acima de 60 anos, indicando que esta população precisa continuar inserida no mercado de trabalho, por ainda ser responsável em contribuir com a renda familiar. Estes dados indicam a necessidade de propor e implementar estratégias de reavaliação dos espaços de trabalho para promoção de ambientes seguros e que respeitem as diferenças de idade e gênero.

O setor primário teve maior concentração de sintomas osteomusculares e cutâneos, pois os trabalhadores deste setor desempenham funções laborativas que exigem trabalho braçal, sendo necessária a introdução de medidas de promoção e prevenção relacionadas a ergonomia no exercício da função.

Não foi observada diferença estatisticamente significante em nenhum dos parâmetros analisados.

            A saúde do trabalhador é campo do saber abrangente que revela necessidade de realização de outros estudos na área, para identificação das lacunas passíveis de intervenção na relação entre o trabalhador e o processo que leva ao seu adoecimento. 

 

Agradecimentos

Agradecemos a toda a equipe de trabalhadores do CEREST Lagarto, em especial a diretora do serviço Sra. Alexsandra Oliveira.

Referência
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CAPÍTULO 10

DEPRESSÃO DE DIFÍCIL CONTROLE: A IMPORTÂNCIA DA APS NO SEGUIMENTO DO PACIENTE QUE ESTÁ SOB OS CUIDADOS DO ESPECIALISTA NO SUS

RESISTANT DEPRESSION: THE IMPORTANCE OF THE BASIC UNIT IN THE FOLLOW-UP OF THE PATIENT WHO IS BEING CARED FOR IN SPECIALIST CARE IN SUS

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.10

Submetido em: 05/03/2024

Revisado em: 05/03/2024

Publicado em: 06/03/2024

 

Petronio de Oliveira Brandão

Residente de Medicina de Família e Comunidade – FCM/SMS, João Pessoa – PB

http://lattes.cnpq.br/5710753068502041

Julia Domingues Morales

Residente de Medicina de Família e Comunidade – FCM/SMS, João Pessoa – PB

http://lattes.cnpq.br/1465497820025939

Maxwell de Morais Silva

Residente de Medicina de Família e Comunidade – FCM/SMS, João Pessoa – PB

http://lattes.cnpq.br/6928476815472445

Thales Gomes Sarmento Ferreira

Residência médica em Medicina de Família e Comunidade – FCM/SMS, João Pessoa – PB

http://lattes.cnpq.br/7884362796976727

Rossiniê de Miranda Araujo

Preceptor Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade – FCM/SMS, João Pessoa – PB

http://lattes.cnpq.br/5346505128565836

 

 

 

Resumo

Objetivo: relatar a experiência acerca de um quadro de depressão fora do habitual para a equipe, enfatizando a importância que a atenção primária tem no cuidado do paciente que já está em acompanhamento com especialista no SUS. Método: Relato de experiência seguindo o protocolo SQUIRE 2.0, sobre o acompanhamento de uma paciente portadora de depressão realizado em uma UBS de João Pessoa-PB, ao longo de 6 meses. Resultado: paciente apresentou melhora progressiva, porém dificultosa, dos sintomas depressivos durante os 6 meses de cuidado conjunto com a psiquiatria. Ao longo desse tempo, foi decisivo, também, para o êxito do tratamento, os médicos da UBS procurarem entender as relações interpessoais da paciente, principalmente com sua mãe, além de receber contrarreferências do especialista, e uma interconsulta com a psicóloga que também acompanhava o caso. Conclusão: a UBS consegue ter um papel primordial no tratamento dos usuários, mesmo que esses já estejam em acompanhamento com serviço especializado.

Palavras – chave: atenção primária; depressão; contrarreferência.

Abstract

The aim of this study was to report the team’s experience of an unusual case of depression, emphasizing the importance of primary care in caring for patients who are already being monitored by a specialist in the SUS. Method: This is an experience report using the SQUIRE 2.0 protocol, about the 6-month follow-up of a patient with depression at a UBS in João Pessoa-PB. Results: The patient showed progressive improvement, but difficult, in her depressive symptoms during the 6 months of joint psychiatric care. During this time, it was also decisive for the success of the treatment that the UBS doctors tried to understand the patient’s interpersonal relationships, especially with her mother, as well as receiving counter-referrals from the specialist, and an inter-consultation with the psychologist who was also following the case. Conclusion: the UBS is able to play a key role in the treatment of users, even if they are already being monitored by a specialized service.

Keywords: primary care; depression; psychiatry.

 

 

Introdução

A Atenção Básica é conhecida como a principal porta de entrada na Rede de Atenção à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e tem a Estratégia Saúde da Família (ESF) como modelo norteador de assistência, responsável pela realização de ações preventivas e de promoção da saúde nos territórios definidos e com populações que fazem parte desse1.

O nível primário de atenção à saúde tem por uma de suas premissas a resolutividade, que também é um dos princípios do SUS. Essa é definida como a exigência de que, quando um indivíduo buscar por atendimento, ou surgir um problema de impacto abrangente sobre a saúde, o serviço que o abarca esteja capacitado para não só enfrentar, como, também, resolver2. Tendo em vista isso, infere-se que cada vez mais cresce a necessidade de que os serviços na atenção básica sejam eficientes, por diversos motivos, entre eles diminuir a demanda nos demais níveis de atenção, o que é um problema crônico enfrentado na saúde pública, além de um verdadeiro desafio a ser contornado.

Nos últimos anos as queixas de saúde mental têm aumentado expressivamente, demandando que os profissionais da atenção primária, por exemplo, estejam cada vez mais capacitados no manejo dessas. E no universo das doenças psiquiátricas, a mensuração da resolutividade de um serviço está associada aos resultados referentes ao conjunto de ações não só médicas, mas principalmente multidisciplinares, que este oferece para os usuários. É necessário, por tanto, um conhecimento amplo dos médicos e dos outros profissionais sobre seus pacientes, abarcando variáveis como condições sociais, clínicas, severidades dos sintomas, assim como condições laborais e moradia daqueles que são atendidos diariamente3.

Na atualidade, o transtorno depressivo é considerado uma das doenças que mais causa sofrimento na população global, pessoas das mais diversas classes sociais e uma faixa etária variada4. Essa situação demanda que os serviços de saúde estabeleçam formas cada vez mais eficazes de manejar o quadro dos pacientes e os respectivos prejuízos na vida deles. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 2018, enfatizam que cerca de 300 milhões de pessoas no mundo sofram de depressão, destas cerca de 300 mil chegam ao suicídio, o que corresponde a aproximadamente 10 % dos suicídios relatados (taxa anual), despontando a depressão como segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos5. Ainda, de acordo com sua frequência, projeta-se que uma em cada quatro pessoas irá fazer o tratamento de depressão pelo menos uma vez na vida4.

No Brasil, aproximadamente 24 a 30 milhões de pessoas apresentam, apresentaram ou virão a ter pelo menos um episódio depressivo ao longo da vida6. E muitos desses quadros têm relação íntima com a falta de apoio dentro da própria casa. A ausência ou diminuição da percepção do suporte familiar desencadeia sofrimento, desajustamento psicológico e emoções negativas, cursando com danos significativos, como a baixa autoestima e/ou do autoconceito, corroborando com o desenvolvimento de uma personalidade vulnerável e a manifestação de sintomatologia depressiva7.

Ao levar em consideração que a maior parte dos brasileiros depende do SUS, é de suma importância que a atenção primária esteja preparada para receber e manejar esses casos da forma mais adequada, sobretudo porque é nesse nível de atenção que o usuário normalmente tem o primeiro acesso aos serviços médicos, o que proporciona entender o meio em que ele está inserido e como isso influencia no seu processo saúde-doença, sendo fundamental no seu tratamento. Na atenção secundária, devido à diminuta oferta de serviços e profissionais especializados, essa realidade torna-se ainda mais difícil.

Materiais e Métodos

O presente estudo tem natureza descritiva e qualitativa do tipo relato de experiência, sendo elaborada de acordo com o protocolo Standards for Quality Improvement Reporting Excellence (SQUIRE) 2.0. O trabalho descreve consultas realizadas em uma Unidade de Saúde da Família (USF) de João Pessoa-PB, ao longo de 6 meses.

Relato de experiência do acompanhamento de uma paciente que desenvolveu depressão após 5 meses do falecimento de seu pai. Destaca-se neste relato que mesmo com um difícil manejo do caso, houve criação importante de vínculo entre a paciente e a equipe, de modo que mesmo em consultas periódicas com psiquiatra, optou por continuar, paralelamente, sob os nossos cuidados na USF.

As consultas ocorreram mensalmente. Após o diagnóstico, inicialmente, foi prescrito antidepressivo inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS), juntamente com um benzodiazepínico. As demais prescrições foram realizadas pelo médico psiquiatra que passou a acompanhá-la durante o caso. Devido à refratariedade do quadro, foi necessário entender o contexto em que a paciente estava inserida, solicitando acompanhamento da sua mãe nas consultas, e da psicóloga em uma dessas, de modo consensual. Além do acompanhamento médico, a paciente também estava em acompanhamento regular com psicóloga, bem como o médico era constantemente informado sobre a paciente por meio do Agente Comunitário de Saúde, seu esposo, demonstrando a multidisciplinaridade como eixo norteador no tratamento.

Resultados e Discussões

No início de dezembro de 2022, durante o final dos atendimentos rotineiros da unidade, um agente comunitário de saúde (ACS) abordou a equipe médica para falar de algo que o preocupava muito: sua esposa que, aparentemente, apresentava sintomas de depressão, após o falecimento do pai dela. Conversamos com o ACS e nos colocamos à disposição para iniciar um acompanhamento contínuo com a paciente, orientado que, brevemente, a trouxesse para uma consulta médica inicial.

            Uma semana depois, comparece ao consultório uma mulher acompanhada de seu esposo, com 48 anos e, à primeira impressão, apática, fácies depressiva, com olhar vago. Na consulta, nos norteamos pelos princípios do Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP). Em poucos minutos de conversa, foi perceptível seu discurso lentificado, entrecortado por episódios de choro, cujo conteúdo era predominantemente negativo, com sentimentos ruins, aflições, preocupações, bem como a falta de perspectiva no seu futuro e ideações suicidas constantes. Até aquele momento, ela nunca havia conversado com um profissional de saúde a respeito de suas angústias e sentimentos. Percebemos que, de fato, tratava-se de uma paciente com depressão e que o falecimento de seu pai foi um fator amplificador de suas angústias.

            Terminada a primeira consulta, foi iniciado escitalopram 10mg pela manhã, juntamente com clonazepam 1mg pela noite, e nos deixamos à disposição para demandas espontâneas, mas orientamos retorno marcado com 1 mês de uso do medicamento (tempo suficiente para avaliar ajuste de dose do antidepressivo). Na nossa experiência com pacientes com quadros semelhantes, esperamos bons resultados com esse tratamento, logo esperávamos que a paciente retornasse com melhores resultados.

            Passado o período pactuado, a paciente retornou sem quaisquer melhoras do quadro clínico, ainda bastante chorosa, relatando que os pensamentos de atentar contra a própria vida estavam cada vez mais frequentes e que, dessa vez, apresentava fobia em ficar sozinha. Referiu que ao permanecer sem a companhia do esposo, a única pessoa que residia com ela, tinha medo de que algo de ruim pudesse acontecer-lhe, como ter crise de ansiedade. Nessa consulta, observamos que o manejo inicial que comumente resulta em boa resposta durante nossa rotina na UBS não foi o suficiente, do ponto de vista medicamentoso, para auxiliar na qualidade de vida da paciente e redução dos sintomas. Então, consideramos acionar o suporte de um médico psiquiatra, tendo em vista que nem mesmo uma melhora mínima foi observada e o caso passava a se tornar cada vez mais grave, gerando preocupação na equipe da UBS.

            Ainda, no atendimento supracitado, progredimos o antidepressivo e iniciamos um antipsicótico atípico, no intuito de estabilizar o humor, por conta da labilidade emocional que a paciente apresentava. Também orientamos que, devido a piora dos sintomas, iríamos encaminhá-la para acompanhamento conjunto com o psiquiatra. Naquele momento, essa proposta foi encarada por ela como uma espécie de gatilho de abandono, recusando ser atendida por outro médico por receio de não ser mais avaliada por nós e, principalmente, que o novo profissional não acolhesse suas queixas com o mesmo primor que estávamos desempenhando na Unidade Básica de Saúde.

            Em janeiro de 2023 a paciente retornava, novamente, sem melhora expressiva de sua clínica (relatava cerca de 30% de redução dos sintomas). Observamos que o caso cada vez mais distanciava-se da nossa experiência com pacientes apresentando queixas semelhantes, e que o manejo medicamentoso isoladamente não se mostrava o suficiente para melhorar o quadro referido. Dessa forma, trouxemos para as consultas um olhar mais voltado para a família da paciente, bem como sua história de vida e suas vivências diárias. Percebemos que era preciso pôr em prática os princípios da Medicina de Família e Comunidade e entender o meio em que a usuária estava inserida, utilizando dessa compreensão para auxiliar na sua qualidade de vida.

Ainda, no mesmo atendimento, conversamos com seu esposo que estava presente. Perguntamos: “Como estava sendo lidar com toda aquela situação?”. A resposta, bastante presumível, era de que não era fácil e, por vezes, referiu acordar de madrugada e colocar-se em prantos ao relembrar de tudo que vivera até aquele momento. Indagava-se, com veemência, o porquê de aquilo acontecer com ele. Ficamos bastante reflexivos sobre o quanto a depressão, como qualquer outro transtorno mental, não afeta apenas uma pessoa, mas sim tem um alto potencial de capilarizar-se por todos aqueles que estão ao redor de quem está em tratamento. Também comentava conosco que a paciente, quando tinha sua presença em casa, apresentava uma melhora do humor, tendo menos acessos de choro e desespero. Todavia, quando ele precisava ausentar-se para vir trabalhar na unidade, isso era uma espécie de gatilho para a piora clínica mental da sua esposa. Nos relatou que iria antecipar suas férias para passar mais tempo presente e que já havia encontrado uma psicóloga para iniciar o acompanhamento, e logo em breve iria iniciar os atendimentos com psiquiatra. Fato esse que deixou a paciente bastante apreensiva, pois não queria deixar de ser atendida por nossa UBS, relatando que se sentia muito bem e compreendida por nós. Enfatizamos que não seria porque ela iria ser recebida na atenção secundária, que iria deixar de ter nossos cuidados. Passamos um bom tempo explicando isso. Acolhida tais informações, em consulta conjunta com preceptor do nosso programa de residência médica, programamos iniciar carbonato de lítio, no lugar do antidepressivo. E já deixamos de sobreaviso que talvez nós precisaríamos conversar, também, com a mãe e a psicóloga da paciente.

            No início de fevereiro a paciente teve a primeira consulta com o psiquiatra. Muito interessante destacar que seu esposo conseguia sempre, a nosso pedido, a contrarreferência deste profissional, que é uma prática fundamental para aprimorar o cuidado dos usuários no SUS que estão referenciados, por exemplo, mas que muitas vezes é negligenciada. Importante frisar que todo o acompanhamento dessa paciente tornou-se mais fluido devido a essa atitude: por vezes propusemos algumas hipóteses diagnósticas e condutas, sob nosso olhar, e o médico especialista nos respondia sob a perspectiva dele, inclusive trocando o ISRS por um antidepressivo dual e nos explicando os motivos desta troca e de não prescrever carbonato de lítio (que havia sido um dos medicamentos pensados pela equipe da UBS no último encontro com a usuária).  Isso nos ajudou muito ao longo do acompanhamento.

            Ainda em fevereiro, chegou a ser atendida por nossa unidade mais 2 vezes, e mesmo com esse esquema terapêutico proposto pelo psiquiatra, a paciente não obteve melhoras significativas. Apresentou uma discreta melhora do humor, mas persistência de choro, medo de ficar sozinha, adinamia. Entretanto obteve diminuição da ideação suicida. O que consideramos um ganho importante. Essa conjuntura nos convidava a questionar, por vezes, se o médico especialista não deveria ter prescrito o carbonato de lítio, mesmo com todas as explicações fornecidas por ele nas contrarreferências. De acordo com nossa vivência seria muito difícil reverter esse quadro trocando, apenas, a classe medicamentosa do antidepressivo, dessa vez para um dual.

Chegava o início do mês de março e o caso passava a ser cada vez mais atípico para nós, que nunca havíamos experienciado esta gravidade. Além disso, a proximidade com o esposo da paciente cursava com uma contratransferência importante na equipe, pois era perceptível seus diversos sentimentos, angústias, descrenças, fé na melhora do quadro de sua esposa, que pareciam manifestarem-se de forma simultânea e por vezes ambivalentes. No meio do mês supracitado a paciente teve sua segunda consulta com o psiquiatra, onde foi aumentada a dose da medicação. Deixamos acordado com o seu esposo, também, que trouxesse sua sogra e a psicóloga da usuária, com o consentimento dela, evidentemente, após 2 semanas, para conversarmos em nossa unidade. O fato da não resposta medicamentosa nos alertava cada vez mais que era necessária uma abordagem mais ampla, explorando mais o contexto da paciente. Estávamos mais certos do que nunca que seria preciso sob uma perspectiva mais ampla, e que apenas na atenção primária isso seria possível com mais facilidade.

            Em abril, conhecemos a mãe da paciente e a psicóloga que acompanhava o caso desde o início. Sentamo-nos os três no consultório para tentar entender o que estava acontecendo. Ao longo de 1h30min adentramos na relação entre mãe e filha. Como de se esperar, foi marcada por uma vida de muitos conflitos entre ambas, englobando, até agressões físicas e psicológicas. E o que mais chamou atenção foi que, ao término dessa consulta, a genitora foi indagada, depois de todo o relato proferido, se teria alguma recordação boa acerca de seu convívio com ela. Friamente, olhando fixamente em nossos olhos, ela respondeu: “não!”. A psicóloga, com ar de espanto, novamente indagou o mesmo questionamento e, mais uma vez, a mãe da paciente reiterou a resposta dada anteriormente. Ficamos em silêncio por alguns minutos. Mas, ainda nesse encontro, saímos com um saldo positivo e importante: ela demonstrou-se apta a tentar reconciliar-se com a filha, tendo consciência que isso nos ajudaria no tratamento. A partir de então, traçamos mais uma meta: além do manejo medicamentoso, iríamos, em conjunto com a psicóloga, multidisciplinarmente, tentar conciliar o ambiente familiar.

            Ao final de abril, tivemos a primeira consulta em conjunto com a usuária e a sua mãe. Com delicadeza começamos a abordar a questão entre as duas. Ambas estavam conduzindo o atendimento expondo, cada uma, suas opiniões. Como mediadores do diálogo entendemos que nosso papel de médico, naquele momento, seria de achar um ponto de partida para reatar os laços afetivos. E pela primeira vez, desde dezembro do ano anterior, pudemos perceber que a paciente havia saído do consultório com um sorriso no rosto. Em relatos do seu esposo, ela sempre mandava nos avisar que estava se sentindo um pouco melhor do que antes. Isso nos encheu de esperança por entender que havíamos acertado em nossa conduta e que tínhamos um grande potencial de ajudar naquele caso, juntamente ao especialista.

No início de maio a paciente foi para a terceira consulta com o psiquiatra, onde aumentou a dosagem do antidepressivo dual para a máxima e associou com mirtazapina marcando o retorno em 60 dias. Ao final do referido mês a paciente veio para a unidade com uma melhora de mais de 50% no seu quadro, segundo ela. Ainda persistia com episódios esporádicos de medo e fobia, mas apresentava fluidez no discurso jamais vista por nós até aquele momento, além de melhora no prazer de fazer atividades diárias (como assistir televisão, cozinhar), livre do discurso choroso, e com expressões de uma tênue felicidade no olhar, jamais vista até então. Nessa consulta nos chamou atenção que estávamos conhecendo, pela primeira vez, quem era realmente era aquela usuária em sua verdadeira essência, despida, mesmo que parcialmente, das vestes da depressão. A sensação única de que todo esforço valeu a pena, nos tomou naquele dia.

Conclusões

            Os transtornos mentais, mais notadamente depressão e ansiedade, estão cada vez mais frequentes no dia a dia da atenção primária, merecendo sua devida atenção assim como outras doenças crônicas prevalentes, a destacar diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica.

            É importante frisar o papel primordial da Atenção Primária como uma espécie de rastreio nesse processo. Não raro, essas são consideradas queixas ocultas. É muito comum o usuário sentar-se no consultório para tratar de outras demandas, mas, quando bem investigado pelo médico, surgem pontos relevantes para o resgate e diagnóstico dessas patologias mentais, trazendo para a mesa novos rumos para a anamnese.

Em uma esfera mais prática, dentro de todos os níveis de atenção do SUS, é na Unidade Básica de Saúde que, talvez, o paciente tenha a única chance de ser ouvido de maneira mais eficiente, podendo ter a oportunidade de esgotar todas as suas demandas e, por isso, fazer surgir novos problemas de saúde para investigação. É também nesse mesmo nível de atenção que o usuário consegue ter acesso com mais frequência aos profissionais, que por terem contato mais veemente com a comunidade, conseguem entender o contexto em que aquele está inserido. Isso faz total diferença no tratamento.

Todo o supracitado pode ser potencializado quando se trabalha sob uma perspectiva multiprofissional, além de haver uma intercomunicação entre atenção primária e secundária, por meio das referências e contrarreferências.

Referências
  1. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. 2017. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/ visualiza/index.jsp?data=22/09/2017&jornal=1&pagina=68&totalArquivos=120.
  2. Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 1990. [Internet].
  3. Amaral CEM, Moreira CP. Análise dos efeitos do apoio matricial em Saúde Mental em uma Unidade de Saúde da Família do município de Salvador, Bahia. In: Nunes M, Landim FLP, orgs. Saúde Mental na Atenção Básica: Política e Cotidiano. Salvador: EDUFBA; 2016.
  4. CAMARGO, R. M.Prevalência de casos de depressão em acadêmicos de enfermagem em uma instituição de ensino de Brasília. Revista Mineira de Enfermagem, v. 18. n. 2, 2014.
  5. World Health Organization. Mental Health Action Plan 2013-2020. Geneva: WHO; 2018.
  6. Menezes PR, Nascimento AF. Epidemiologia da depressão nas diversas fases da vida. Porto Alegre: Artmed; 2000.
  7.  Silva, N. K. N., Carvalho, C. M. S. D., Magalhães, J. M., Carvalho Junior, J. A. M., Sousa, B. V.  S., & Moreira, W.  C.  (2018).  Ações do enfermeiro na atenção básica para prevenção  do  suicídio. SMAD.

CAPÍTULO 11

A NICOTINA COMO FATOR PROTETOR DA RETOCOLITE ULCERATIVA

NICOTINE AS A PROTECTIVE FACTOR AGAINST ULCERATIVE COLITIS

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.11

Submetido em: 29/03/2024

Revisado em: 21/04/2024

Publicado em: 16/05/2024

 

Leonardo Neves Filho

Universidade Federal de Goiás, Departamento de Medicina, Goiânia-GO

http://lattes.cnpq.br/4092347441167565

Natália Carvalho Gomes David

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Medicina, Goiânia-GO

http://lattes.cnpq.br/1757485536632921

Vittor Augusto Carvalho Peres

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Medicina, Goiânia-GO

http://lattes.cnpq.br/4302972955125776

André Matheus Carvalho Silva Leite

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Medicina, Goiânia-GO

http://lattes.cnpq.br/0336143524032620

José Rubens Bueno Araújo

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Medicina, Goiânia-GO

http://lattes.cnpq.br/0966618203262421

Isaque Martino de Assis Pereira e Silva

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Medicina, Goiânia-GO

http://lattes.cnpq.br/5608201890881651

Ana Paula Leal de Castro

Centro Universitário de Mineiros – UNIFIMES, Departamento de Medicina, Trindade-GO

http://lattes.cnpq.br/1177248827392269

Giovanna Veronez Tierno

Centro Universitário de Mineiros – UNIFIMES, Departamento de Medicina, Trindade-GO

http://lattes.cnpq.br/1698004267169292

Esther Aline Correia Brito

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Medicina, Goiânia-GO

http://lattes.cnpq.br/6694128340718722

Ana Luiza da Silva Bastos

Universidade Evangélica de Goiás, Departamento de Medicina, Anápolis-GO

http://lattes.cnpq.br/4334450250783321

 

 

 

Resumo

A colite ulcerativa é uma doença inflamatória intestinal (DII), apresentando caráter crônico, caracterizada por apresentar lesões ulceradas e inflamadas na mucosa e submucosa, restrita ao cólon e reto. Os fatores que iniciam a doença não são totalmente desvendados, mas envolve fatores genéticos, imunológicos, ambientais e microbiológicos. Estudos sugerem uma associação inversa entre tabagismo e colite ulcerativa, levantando a hipótese do papel da nicotina na sua patogênese e potencial terapêutico. Uma revisão de literatura examinou o uso da nicotina transdérmica no tratamento, sugerindo seu papel como terapia complementar em casos leves a moderados e na manutenção da remissão em pacientes com colite quiescente. Mecanismos propostos incluem supressão da imunidade, modulação da resposta inflamatória e alteração da motilidade intestinal. Entretanto, é necessário que ocorra estudos de forma séria e sistemática para compreender a fisiopatologia envolvida. Efeitos adversos como náuseas, tonturas e distúrbios do sono foram relatados, exigindo estratégias para minimizar esses efeitos. Nota-se que a falta de um maior número ensaios clínicos ou estudos de longo prazo específicos para nicotina na colite ulcerativa limita as conclusões, destacando a necessidade de estudos controlados com o objetivo de analisar a segurança, eficácia e os mecanismos responsáveis pelo seu funcionamento. Esses esforços podem auxiliar na pesquisa e tratamento de formas terapêuticas com maior eficácia.

Palavras-Chaves: Nicotina, retocolite ulcerativa, proteção.

Abstract

Ulcerative colitis is an inflammatory bowel disease, with a chronic nature, characterized by ulcerated and inflamed lesions in the mucosa and submucosa, restricted to the colon and rectum. The factors that initiate the disease are not fully understood, but it involves genetic, immunological, environmental and microbiological factors. Studies suggest an inverse association between smoking and ulcerative colitis, raising the hypothesis of the role of nicotine in its pathogenesis and therapeutic potential. A literature review examined the use of transdermal nicotine in treatment, suggesting its role as complementary therapy in mild to moderate cases and in maintaining remission in patients with quiescent colitis. Proposed mechanisms include suppression of immunity, modulation of the inflammatory response, and alteration of intestinal motility. However, serious and systematic studies are necessary to understand the pathophysiology involved. Adverse effects such as nausea, dizziness, and sleep disturbances have been reported, requiring strategies to minimize these effects. It is noted that the lack of a greater number of clinical trials or long-term studies specific to nicotine in ulcerative colitis limits the conclusions, highlighting the need for controlled studies with the aim of analyzing the safety, efficacy and mechanisms responsible for its functioning. These efforts can assist in the research and treatment of more effective therapeutic forms..

Keywords: Nicotine, Ulcerative colitis, protection.

 

 

 

Introdução

A retocolite ulcerativa é uma doença inflamatória intestinal, caracterizada por inflamação e ulceração contínua da mucosa e submucosa, ocorrendo apenas no reto e no cólon. A retocolite ulcerativa ou colite ulcerativa é uma doença confinada apenas ao cólon e ao reto, apresenta características contínuas e ascendentes, ou seja, as lesões são unidas na mesma região e sobem do reto ao colón, diferentemente da doença de Crohn. A doença faz parte de um seleto grupo de doenças que apresentam diversas características em semelhança, características clínicas, patológicas e epidemiológicas parecidas, isto acaba por dificultar a definição de doença do paciente. Os fatores que dão início para a doença e a fisiopatologia não são exatos, alguns estudam indicam uma relação entre fatores ambientais, genéticos e imunológicos.

A epidemiologia da colite ulcerativa tem 2 picos de incidência, o primeiro e o mais importante é entre os 15 e 30 anos e o segundo entre os 55 e 80 anos. É uma doença que não apresenta gênero preferencial, alguns autores indicam uma preferência pelo sexo masculino, mas nada conclusivo. Quando existem casos na família, o risco do paciente ter a doença se eleva.

A relação entre fumar ou usar produtos que apresentam nicotina e a retocolite ulcerativa é uma dúvida, pois estudos com carácter epidemiológico têm mostrado uma associação inversa, como se fosse um fator protetor, entre o tabagismo e o risco de desenvolvimento dessa doença. Em contrapartida, o mesmo não ocorre com a doença de Crohn, sendo a nicotina um dos principais fatores de risco. Essa dúvida levantou questões sobre o papel da nicotina na patologia da retocolite ulcerativa e abriu portas para investigações sobre seu uso como forma de proteção.

A relação entre nicotina e a colite ulcerativa teve seu pontapé inicial com a pesquisa realizada em 1984 por Harries et al, ele realizou um estudo de forma observacional/epidemiológica, que a maioria dos diagnósticos da doença eram para  pessoas não fumantes ou que pararam de fumar recentemente. Com este estudo, foi iniciado no meio científico a hipótese que a nicotina seria um fator de proteção para colite ulcerativa.

Este capítulo vai estudar, na forma de uma revisão de literatura, o papel da nicotina como um possível fator protetor na colite ulcerativa.Vamos analisar os estudos disponíveis, incluindo epidemiológicos, ensaios clínicos e pesquisas experimentais, que avaliam os efeitos da nicotina e sua relação com a doença. Além disso, vamos abordar a complexidade desta relação, todos os mecanismos biológicos envolvidos e os possíveis efeitos negativos.

Por meio dessa revisão de literatura, buscamos fornecer uma compreensão mais profunda do papel da nicotina na colite ulcerativa, oferecendo insights valiosos para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes e individuais. Ao mesmo tempo, reconhecemos as nuances e desafios associados ao uso da nicotina como agente terapêutico, deixando claro a importância de estudos baseados em evidências para analisar a situação, para somente depois, iniciar seu uso de forma clínica.

Metodologia

Trata-se de um estudo revisional de literatura, realizada no período de 2019 a 2024, por meio de pesquisas na base de dados PubMed. Foram utilizadas as palavras chaves para a busca:”Nicotine” e ” ulcerative colitis”. Desta busca foram encontrados 214 artigos, que posteriormente foram selecionados com base em alguns critérios. Foram selecionados os artigos que apresentaram: Texto completo no idioma ingles, publicados no período descrito acima, que abordassem a ideia do trabalho e disponibilizados na íntegra de forma gratuita. Os critérios que excluíram alguns artigos foram: textos duplicados, apresentaram somente resumos, que saíssem do tema do nosso estudo e que não se enquadraram nos critérios de inclusão. Após os critérios de seleção restaram serem aplicados, sobraram 6 artigos que foram submetidos à leitura para a coleta de informações.

 

 

Figura 2. Fluxograma PRISMA da seleção de estudos.

 

Resultados e Discussão

A retocolite ulcerativa é uma doença intestinal inflamatória crônica do intestino (OKADA et al., 2023) que apresenta desafios significativos no seu tratamento devido à complexidade da sua fisiopatologia e às diferentes respostas individuais aos medicamentos disponíveis. Este capítulo propõe discutir os resultados e implicações dos estudos analisados sobre a utilização da nicotina transdérmica no tratamento da colite ulcerativa, bem como explorar os mecanismos propostos que podem explicar sua influência sobre a doença.

Os estudos revisados indicam que a nicotina transdérmica pode desempenhar um papel na terapia complementar da colite ulcerativa leve e moderada (KANNICHAMY et al., 2020).  Houve uma associação positiva entre o uso de nicotina e uma melhora dos sintomas de alguns pacientes. No entanto, é notável que a eficácia da nicotina parece ser mais pronunciada quando utilizada em conjunto com terapias convencionais, como mesalazina ou corticosteroides, do que quando administrada isoladamente.

Alguns estudos também sugeriram que a nicotina pode ajudar na manutenção da remissão da doença em pacientes com colite ulcerativa quiescente. Isso sugere um potencial papel da nicotina não apenas no tratamento dos surtos agudos, mas também na prevenção de recorrências da doença, entretanto, mais estudos se tornam necessários para entender melhor essa hipótese.

Os mecanismos pelos quais a nicotina pode influenciar a colite ulcerativa são diversos e ainda não totalmente compreendidos. Entre esses mecanismos, destacam-se a supressão da imunidade celular e humoral, a modulação da resposta inflamatória, a alteração da motilidade intestinal e a influência sobre o fluxo sanguíneo intestinal (ALQARAWI et al., 2020)

Estudos indicam que a nicotina tem a capacidade de modular a atividade dos linfócitos T e a sua produção de citocinas pró-inflamatórias, reduzindo a inflamação no cólon e reto. A nicotina também pode aumentar a liberação de neurotransmissores que promovem a motilidade do intestino, ajudando a aliviar os principais sintomas dos pacientes com colite ulcerativa, dor abdominal e diarreia. (ALQARAWI et al., 2020)

Além dos resultados terapêuticos, os estudos que revisamos abordaram a tolerância e os efeitos adversos associados ao uso de nicotina na forma transdérmica. (KANNICHAMY et al., 2020). Embora a maioria dos pacientes tenha conseguido completar o tratamento com adesivos de nicotina, efeitos colaterais adversos foram relatados. Efeitos como tontura, náusea e distúrbios do sono.

No entanto, é importante salientar que os efeitos descritos geralmente não evoluíram para a forma grave e diminuíram seus sintomas ao longo do tempo. Estratégias como ajustar a dose e fórmulas de liberação lenta ajudaram a diminuir tais efeitos.

A interpretação desses resultados deve levar em consideração algumas limitações dos estudos analisados, incluindo um menor número de estudos clínicos em grande escala, o qual seria suficiente para aumentar o embasamento científico desta hipótese.

Portanto, são necessários ensaios clínicos bem projetados e controlados para avaliar adequadamente a eficácia e segurança dessa abordagem terapêutica. Além disso, estudos adicionais são necessários para investigar os mecanismos precisos pelos quais a nicotina exerce seus efeitos na fisiopatologia da colite ulcerativa, bem como para explorar estratégias para melhorar a tolerabilidade e minimizar os efeitos adversos associados ao uso.

 

Considerações Finais

Em síntese, a etiologia desta interação entre nicotina e a doença inflamatória intestinal é complexa entre fatores genéticos, imunológicos, ambientais e microbiológicos. A relação entre tabagismo e colite ulcerativa é intrigante, existem estudos sugerindo uma associação inversa entre o tabagismo e o risco de desenvolvimento da doença, criando dúvida sobre o papel da nicotina na sua patogênese e possíveis aplicações terapêuticas.

A revisão de literatura integrativa examinou o papel da nicotina transdérmica no tratamento da colite ulcerativa, revelando que ela pode desempenhar um papel na terapia complementar da doença leve a moderadamente ativa. Mecanismos propostos incluem a supressão da imunidade, modulação da resposta inflamatória e alteração da motilidade intestinal.

Embora os resultados terapêuticos sejam promissores, é importante considerar os efeitos adversos associados ao uso de nicotina, como náuseas, tonturas e distúrbios do sono, que podem afetar a tolerabilidade do tratamento. Estratégias para minimizar esses efeitos, como ajuste de dose e orientação do paciente, são essenciais.

No entanto, as conclusões desses estudos são limitadas pela falta de ensaios clínicos randomizados de grande escala e de longo prazo específicos para a nicotina transdérmica na colite ulcerativa, bem como pela heterogeneidade dos estudos em relação às doses de nicotina e desfechos avaliados. Portanto, são necessários mais estudos bem controlados para avaliar adequadamente a eficácia e segurança dessa abordagem terapêutica, assim como para elucidar os mecanismos precisos pelos quais a nicotina influencia a fisiopatologia da colite ulcerativa. Esses esforços podem fornecer insights valiosos para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas com maior eficácia e individualidade

Referências

AlQasrawi D, Qasem A, Naser SA. Divergent Effect of Cigarette Smoke on Innate Immunity in Inflammatory Bowel Disease: A Nicotine-Infection Interaction. Int J Mol Sci. 2020 Aug 13;21(16):5801. doi: 10.3390/ijms21165801. PMID: 32823518; PMCID: PMC7461043.

Gui X, Yang Z, Li MD. Effect of Cigarette Smoke on Gut Microbiota: State of Knowledge. Front Physiol. 2021 Jun 17;12:673341. doi: 10.3389/fphys.2021.673341. PMID: 34220536; PMCID: PMC8245763.

Kannichamy V, Antony I, Mishra V, Banerjee A, Gandhi AB, Kaleem I, Alexander J, Hisbulla M, Khan S. Transdermal Nicotine as a Treatment Option for Ulcerative Colitis: A Review. Cureus. 2020 Oct 22;12(10):e11096. doi: 10.7759/cureus.11096. PMID: 33240692; PMCID: PMC7681756.

KUMAR, Vinay; ASTER, Jon C.; ABBAS, Abul K.. Robbins & Cotran Patologia: bases patológicas das doenças. 9 Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021, 1421 p.

Logan RF, Edmond M, Somerville KW, Langman MJ. Smoking and ulcerative colitis. Br Med J (Clin Res Ed). 1984 Mar 10;288(6419):751-3. doi: 10.1136/bmj.288.6419.751. PMID: 6423062; PMCID: PMC1444645.

Okada K, Matsuo K. Nicotine Exerts a Stronger Immunosuppressive Effect Than Its Structural Analogs and Regulates Experimental Colitis in Rats. Biomedicines. 2023 Mar 16;11(3):922. doi: 10.3390/biomedicines11030922. PMID: 36979901; PMCID: PMC10046003.

Zhang W, Lin H, Zou M, Yuan Q, Huang Z, Pan X, Zhang W. Nicotine in Inflammatory Diseases: Anti-Inflammatory and Pro-Inflammatory Effects. Front Immunol. 2022 Feb 18;13:826889. doi: 10.3389/fimmu.2022.826889. PMID: 35251010; PMCID: PMC8895249.

CAPÍTULO 12

INTOXICAÇÃO ALIMENTAR BOTULÍNICA

BOTULINIC FOOD POISONING

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.12

Submetido em: 08/04/2024

Revisado em: 13/05/2024

Publicado em: 16/05/2024                                                                                                        

 

Alyce Gabrielle de Araújo Oliveira

Faculdade Santíssima Trindade, Nazaré da Mata-PE

http://lattes.cnpq.br/3672804570727587

Eliandra de Andrade Santos

Faculdade Santíssima Trindade, Nazaré da Mata-PE

https://lattes.cnpq.br/8406652015335811

Gessiane Suellen Correia de Freitas

Faculdade Santíssima Trindade, Nazaré da Mata-PE

https://lattes.cnpq.br/6879035756335551

José Manoel do Nascimento

Faculdade Santíssima Trindade, Nazaré da Mata-PE

http://lattes.cnpq.br/4868187494735855

Ninive Bezerra Florêncio

Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE

http://lattes.cnpq.br/50793891343881

 

 

 

Resumo

O botulismo alimentar consiste em uma grave doença bacteriana, adquirida pela ingestão de alimentos contaminados pelas toxinas geradas pelo Clostridium botulinum. Entre os alimentos contaminados implicados nos casos de intoxicação, destacam-se conservas vegetais, produtos cárneos cozidos e defumados de maneira artesanal, e alimentos enlatados industrializados. A bactéria produz diferentes toxinas, mas com atividades farmacológicas distintas. Atualmente, são reconhecidos oito tipos de toxinas botulínicas: A, B, C1, C2, D, E, F e G, sendo os tipos A, B, E e F patogênicos para seres humanos. Em todos os tipos de botulismo, são observados sintomas semelhantes, como paralisia flácida e dificuldade respiratória, devido ao bloqueio da acetilcolina. O presente trabalho consiste em uma revisão bibliográfica narrativa sobre o botulismo de origem alimentar, seus métodos de diagnóstico e tratamento, bem como medidas preventivas de intoxicação, contribuindo assim para a educação contínua na prevenção da doença no país.

Palavras-Chave: Botulismo; Botulismo alimentar; Clostridium botulinum; Toxina bacteriana.

Abstract

Foodborne botulism is a severe bacterial illness acquired by ingesting food contaminated with toxins produced by Clostridium botulinum. Implicated contaminated foods include canned vegetables, homemade cooked and smoked meat products, and commercially canned foods. The bacterium produces different toxins with distinct pharmacological activities. Currently, eight types of botulinum toxins are recognized: A, B, C1, C2, D, E, F, and G, with types A, B, E, and F being pathogenic to humans. All types of botulism present similar symptoms such as flaccid paralysis and respiratory difficulty due to acetylcholine blockade. This study is a narrative literature review on foodborne botulism, its diagnostic and treatment methods, as well as preventive measures, contributing to ongoing education in disease prevention in the country.

Keywords: Botulism; Food botulism; Clostridium botulinum; Bacterial toxin.

 

 

 

Introdução

O botulismo é decorrente da ação de toxinas produzidas pelo Clostridium botulinum, uma bactéria gram-positiva que habita diversos ambientes (solo, água, mel, legumes frescos e es peciarias) e que se desenvolvem bem em condições de anaerobiose. As toxinas que caracterizam essa patologia se subdividem em letras de A-G, dentre as toxinas mais prejudiciais estão as do tipo A, B, E e ocasionalmente a do tipo F (Amaral et al., 2021). Desde 1999, no Brasil é realizada de forma metódica a notificação de novos casos isolados e de surtos da doença, onde grande parte deles é ocasionada pela toxina botulínica do tipo A (Barbosa et al., 2019).

O botulismo alimentar acontece quando alguém consome alimentos contaminados com toxinas botulínicas ou quando essas toxinas são produzidas devido à proliferação de bactérias no trato gastrointestinal (Abebe et al., 2020). A incidência maior de contaminação do botulismo alimentar está nos alimentos preparados artesanalmente, especialmente as conservas caseiras manipuladas de forma indevida ou que não sofreram tratamento térmico suficiente para destruição dos esporos do Clostridium botulinum (Soragni et al., 2019).

A toxina é absorvida através do lúmen intestinal e é transportada ativamente para a corrente sanguínea sistêmica. Ao atravessar a corrente sanguínea, a toxina é transportada para as terminações neuromusculares onde impossibilita o lançamento de acetilcolina, produzindo o seu efeito tóxico (Arriagada, 2009; Abebe et al., 2020).  É caracterizada como uma doença grave que desencadeia alterações digestivas e neurológicas, podendo ocasionar insuficiência respiratória seguida de morte (Brasil, 2006; Przedpelski et al., 2018).

Um número elevado de óbitos está associado à demora no diagnóstico clínico, sendo a insuficiência respiratória uma das razões fundamentais para óbitos. O cuidado com a enfermidade envolve a execução de duas séries de medidas, são elas: o tratamento de suporte e o tratamento específico (soro antibotulínico e antibióticos) (Brasil, 2006; Przedpelski et al., 2018). Neste contexto, este estudo consiste em uma revisão de literatura narrativa discorrendo sobre o botulismo de origem alimentar e seus impactos na saúde pública. Assim, contribuindo, através educação continuada, com a prevenção da doença no país.

Metodologia

A revisão bibliográfica narrativa consiste em uma categoria de artigos primordiais para a educação continuada, pois possibilitando o alcance de discernimento ou atualização sobre uma temática específica em curto tempo (Dos Santos Carvalho, et al., 2021). Essa categoria, possui estrutura empírica permitindo que as questões específicas não forneçam respostas quantitativas a reprodução dos dados. Dessa forma, a metodologia para encontrar referências não é explicada, assim como os critérios utilizados na avaliação e seleção dos trabalhos não são informados. Deste modo, os artigos de revisão narrativas devem ser considerados qualitativos (Bernardo, et al., 2004; Rother, 2007; Florêncio et al., 2022).

A presente revisão foi elaborada a partir de artigos que abordam o assunto em foco, publicados em bases de dados científicos como Scielo, PubMed e Google Acadêmico.  Na busca foram utilizados os seguintes termos: “toxinas bacterianas”, “botulismo”, “intoxicação alimentar” e “Clostridium botulinum”. Não foi especificada limitação de data, país do estudo, língua da publicação e a área de conhecimento. A seleção dos artigos abrangeu o período de 1977 a 2022.

Resultados e Discussão
  • Doença de intoxicação alimentar

As patologias alimentares são normalmente causadas pelo consumo de alimentos ou água contaminada com microrganismos (bactérias, fungos, vírus, entre outros) ou com suas toxinas. Pesquisas informam a existência de mais de 250 variações patológicas em todo o mundo, sendo a maioria dessas infecções provocadas por bactérias e suas toxinas (Bernandes et al., 2018). Em geral, as intoxicações alimentares decorrentes de bactérias não são graves e após três dias os sintomas encerram. Entretanto, a intoxicação botulínica é grave e pode levar a óbito (Alves, 2012; Badell et al., 2018)

A história da toxina botulínica ocorreu no final do século XVIII, na Alemanha, onde houve uma grande privação de diversos itens básicos e de necessidades essenciais durante as guerras Napoleônicas. Desta forma, alimentos como salsichas e outros embutidos contaminados eram consumidos e como consequência ocorreram números altíssimos de mortes (Rodrigues, 2023). Em 1822, o físico alemão Justinus Kerner foi o primeiro a mencionar o termo Botulismo, designando-o como “envenenamento por salsicha”. Ele constatou que a origem da patologia seria um “veneno da salsicha” e, mais tarde, determinou aplicação terapêutica da toxina (Siqueira et al., 2020; Rocha et al., 2023).

  • Botulismo

Botulismo é uma patologia incomum, grave, de rápida progressão e pode acarretar a morte ao indivíduo contaminado. A doença é acarretada pela toxina botulínica, uma das neurotoxinas microbianas mais intensas, produzida por Clostridium botulinum (Williamson, et al., 2017). São descritos sete sorotipos dessa toxina (A, B, C, D, E, F e G) que, mesmo causando ação similares, se diferenciam pelas características antigênicas (Alizadeh et al., 2020).

A intoxicação de humanos está relacionada à contaminação de carne, leite e produtos lácteos com esporos de C. botulinum (Rasetti-Escargueil et al., 2019). Contudo, vale ressaltar que a preparação alimentos manipulados de maneira inapropriada e o acondicionamento em embalagens hermeticamente fechadas apresentam maiores riscos ao desenvolvimento dessa toxina como por exemplo, as conservas que são produzidas em casa (Parrilli, et al., 2008; Francisco et al., 2023).

Essa toxina contém estrutura molecular simples, sendo estável em meio ácidos e com cloreto de sódio (NaCl) e solúvel em água. Além disso, ela apresenta a habilidade de ativar anticorpos quando introduzidas ao organismo, mas a sua dose letal aos humanos até o momento não é conhecida (Park et al., 2018; Rocha et al., 2023).

  • Clostridium botulinum

O Clostridium spp. é um gênero de bactérias de morfologia bacilar, com coloração Gram positiva, formadora de esporos e patogênica ubiquitária. Suas características permitem latência no solo ou trato gastrointestinal de seus hospedeiros por grandes períodos, conservando sua viabilidade. Dentre as bactérias deste gênero está o Clostridium botulinum que provoca grave intoxicação alimentar (Bilhalva et al, 2021; Areias, 2022).

É por meio do processo conversão lisogênica que essa bactéria se torna patogênica. A mesma acontece no momento que um fago (vírus infectante de bactérias) contamina o Clostridium botulinum transmitindo o seu material genético, consequentemente o material genético do fago se integra ao da bactéria, que passa a gerar produtos gênicos que antes não produzia, como a toxina botulínica (Carvalho et al., 2018).

Salientando que não são todos os tipos de toxina botulínica responsável por causar a morbimortalidade em humanos e em outros animais, mas que depende da cepa. A bactéria produz diferentes toxinas, mas com atividades farmacológicas semelhantes. Atualmente, são conhecidos 8 tipos de toxinas botulínicas, que são: A, B, C1, C2, D, E, F e G, sendo que, entre elas somente os tipos A, B, E e F podem causar doenças ao ser humano (Rasetti-Escargueil et al., 2019; Setlow-Johnson, 2019; Martino, 2022; Areias, 2022).

  • Mecanismo de ação da toxina botulínica

Existem duas categorias distintas de C. botulinum, o proteolítico e o não proteolítico. O grupo das cepas proteolíticas tem a habilidade de formar uma pró toxina que sofre ação de proteases do próprio microrganismo, assim, a toxina é consumida em sua forma ativa. Já a cepa não proteolítica, suas pró toxinas são ativadas a partir da ação das proteases que há no trato digestivo do indivíduo (Torres et al., 2000; Baptista, 2003; Carod-Artal, 2018).

A toxina pode ser resguardada da ação nociva dos ácidos durante a sua trajetória pelo estômago devido a ligação ao alimento consumido. Assim, alcança o lúmen intestinal onde será absorvida por endocitose e ativamente transportada via sistema linfático ou circulação sanguínea para as extremidades neuromusculares, as terminações nervosas parassimpáticas pós-ganglionares e agrupamentos de gânglios periféricos, onde interrompe a liberação de acetilcolina, gerando seu efeito tóxico (Torres et al., 2000; Baptista, 2003; Corad-Artal et al., 2017).

A substância induz a interrupção da liberação da acetilcolina após chegar à membrana pré-sináptica da junção neuromuscular. Portanto, onde a toxina se aloja, acontece falhas na transmissão de impulsos na junção neuromuscular e, consequentemente, resultam em paralisia flácida dos músculos que são inervados por esses nervos. A regeneração está condicionada à formação de novas conexões neuromusculares e a recuperação clínica é conduzida por acompanhamento médio e pode levar de 1 a 12 meses para ocorrer (Pellegrino, 2017).

Ressaltando que esse procedimento não afeta a produção e decomposição da acetilcolina, porém influencia a liberação da mesma devido à ruptura de ligações peptídicas específicas do complexo SNARE (soluble nethylmaleimide sensitive factor attachtment protein receptor). Devido ao seu peso molecular (150 kDa), ela não atravessa barreira hematoencefálica e seus sintomas clínicos afetam o sistema nervoso periférico (Barbosa et al., 2019; Mirelle et al., 2019; Rodrigues, 2023; Rocha et al., 2023).

  • Manifestações clínicas e diagnóstico do botulismo

Todas as variantes do botulismo exibem a síndrome neurológica como sua característica principal, destacando-se a paralisia simétrica aguda descendente, que se manifesta sem febre e sem qualquer alteração sensorial. Sintomas gastrointestinais como náusea, vômito e diarreia podem estar presentes no botulismo alimentar. Sendo a prisão de ventre um sintoma que geralmente precede a paralisia, mas muitas vezes é negligenciada (Martin et al., 2017; Rao et al., 2017). Ainda, podem desencadear dificuldades respiratórias que variam com a faixa etária do paciente e da agilidade do diagnóstico. Ressaltando que sem tratamento rápido pode ocorrer parada respiratória e morte (Berkowitz et al., 2018).

O diagnóstico é confirmado pela detecção do microrganismo ou das toxinas nas fezes, soro, exsudatos da ferida, espécimes de tecido dos pacientes ou no alimento suspeito. O C. botulinum não faz parte da microbiota humana, desse modo, se encontrada em culturas de pessoas com sintomas, sua presença deve ser vista como diagnostico de botulismo (Hellmich et al., 2018). 

No Brasil, no período de 2006 a 2020 foram notificados 399 casos de botulismo e 83 foram confirmados. O maior número de casos notificados ocorreu em 2018 (45 casos) (Matos, 2022). Desse modo, uma investigação epidemiológica ágil é fundamental para prever outros casos derivados da ingestão de uma fonte alimentar e que pode estar disponível para consumo (Brasil, 2016; Rasetti-Escargueil et al., 2019).

  • Tratamento do botulismo

A velocidade de diagnóstico e condições hospitalares são aspectos fundamentais para a efetividade do tratamento do botulismo. O manejo da enfermidade envolve dois conjuntos de procedimentos. O cuidado de apoio, abrange as medidas de suporte e monitoração cardiorrespiratória realizadas em unidades de terapia intensiva (UTI). E a terapia direcionada, que diz respeito à remoção da toxina em circulação e sua fonte de origem por meio do soro antibotulínico (SAB), e de agentes antimicrobianos (Brasil, 2006).

O soro antibotulínico combate a toxina em circulação antes de sua fixação no sistema nervoso. Desse modo, é crucial iniciar o tratamento de forma antecipada. O SAB é um soro heterólogo, equino, em apresentação bi, trivalente (contra os tipos A e B ou A, B e E) ou heptavalente (A até G). Em casos de botulismo por lesão é aconselhável administrar penicilina cristalina ou metronidazol (Brasil, 2006; PrzedpelskI et al., 2018).

Em casos de botulismo gastrointestinal, a administração de agentes antimicrobianos não é recomendada em crianças com menos de um ano de idade, devido ao risco de aumento dos níveis de toxina com a morte celular. Embora não haja relatos desse efeito em adultos, deve-se levar em conta essa possibilidade em situações intestinais. A eficácia do uso de agentes antimicrobianos no tratamento do botulismo alimentar ou em casos de colonização intestinal ainda não foi determinada (Brasil, 2006; Payne et al., 2018).

Além disso, a nisina é “geralmente reconhecida como segura” (GRAS) para prevenir esporos de C. botulinum. No entanto, a literatura descreve que ambientes pouco ácidos, curtos períodos de choque térmico, altas cargas de esporos, alto teor de proteína e concentrações de fosfolipídios e temperaturas de incubação aumentadas podem diminuir a capacidade da nisina de inibir a bactéria (Gharsallaou et al., 2016; Alizadeh et al., 2020).

  • Prevenção do botulismo

As empresas do ramo alimentício devem aderir às diretrizes de boas práticas na produção, preparo, manuseio, armazenamento e preservação dos alimentos. Os consumidores devem sempre examinar as embalagens, pois se estiverem danificadas ou se as propriedades sensoriais estiverem comprometidas, estes devem ser descartados. Além disso, a conscientização sanitária da comunidade é essencial, pois as conservas produzidas de forma caseira e os alimentos provenientes de estabelecimento ilegais são os principais causadores dos casos de intoxicação botulínica (Clauwers et al., 2017; Brasil, 2021).

Conclusão

O botulismo sobressai entre as doenças e intoxicações alimentares devido à sua evolução aguda, que pode resultar em óbito. Portanto, as ações preventivas são de extrema relevância para a saúde pública, pois podem reduzir a ocorrência de casos isolados e surtos. Entre essas medidas, a fiscalização sanitária dos fabricantes dos alimentos mencionados e a conscientização sanitária da população são primordiais para o controle da doença.

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CAPÍTULO 13

DOR FEMOROPATELAR: ASPECTOS CLÍNICOS E BIOMECÂNICOS

PATELLOFEMORAL PAIN: CLINICAL AND BIOMECHANICS ASPECTS

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.13

Submetido em: 02/05/2024

Revisado em: 14/05/2024

Publicado em: 16/05/2024

 

 

Isabela Vitória Souza Araújo

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP, Brasil

http://lattes.cnpq.br/3911732241398292

Ana Carolina Brites de Magistris Martins 

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP, Brasil

http://lattes.cnpq.br/7167229446410126

Leticia Yoko Nakamura de Roide

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP, Brasil

http://lattes.cnpq.br/5170098204125400

Jamilly Radiuc Cipolli

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP, Brasil

http://lattes.cnpq.br/5898629842218088

Matheus Sandoval Miguel

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP, Brasil

 http://lattes.cnpq.br/7551643910364107

Deborah Hebling Spinoso

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP, Brasil

http://lattes.cnpq.br/3595360772888645

 

 

 

Resumo

A dor femoropatelar (DFP) é uma disfunção crônica, com alta prevalência em mulheres jovens e caracterizada por queixa de dor recorrente e prognóstico ruim a longo prazo. Suas causas são multifatoriais, e estudos apontam diferentes fatores de risco para DFP, entre eles, baixa força muscular do quadríceps, déficit de controle de movimento, diminuição da mobilidade articular, composição corporal e fatores psicológicos, que provavelmente estão associados à incapacidade grave autorreferida. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi fazer uma investigar se aspectos clínicos e biomecânicos da DFP por meio de pesquisa bibliográfica. Após a revisão na base de dados científicos, encontrou-se que a etiologia da DFP é considerada multifatorial, envolvendo aspectos anatômicos, biomecânicos e psicossociais. Devido a essa característica multifatorial a avaliação deve envolver anamnese, medidas de desempenho físico e aplicação de questionários para melhor compreensão de todos os fatores envolvidos na DFP. Por fim, quanto ao tratamento dessa disfunção, a literatura recomenda a combinação de terapia com exercícios resistidos, órtese e educação do paciente para melhora dos sintomas a curto e longo prazo. 

Palavras-chave: cinesiofobia, biomecânica, joelho

Abstract

Patellofemoral pain (PFP) is a chronic dysfunction, with a high prevalence in young women and characterized by complaints of recurrent pain and a poor long-term prognosis. Its causes are multifactorial, and studies indicate different risk factors for PFP, including low quadriceps muscle strength, movement control deficits, decreased joint mobility, body composition and psychological factors, which are probably associated with self-reported severe disability. In this sense, the objective of this study was to investigate the clinical and biomechanical aspects of PFD through bibliographical research. After reviewing the scientific database, it was found that the etiology of PFD is considered multifactorial, involving anatomical, biomechanical and psychosocial aspects. Due to this multifactorial characteristic, the assessment must involve anamnesis, physical performance measurements and the application of questionnaires to better understand all the factors involved in PFD. Finally, regarding the treatment of this dysfunction, the literature recommends a combination of resistance exercise therapy, orthosis and patient education to improve symptoms in the short and long term.

Key-words: kinesiophobia, biomechanics, knee

 

 

 

Introdução

A dor femoropatelar (DFP) é uma queixa musculoesquelética extremamente comum, correspondendo a 40% de todas as disfunções de joelho em indivíduos adultos (WERNER, 2014, GAITONDE, et al., 2019). Indivíduos com DFP relatam dor após uma atividade que envolva carga articular, como por exemplo, caminhada, subir/descer escadas, agachar e se sentar com os joelhos flexionados por um período prolongado (PANKEN, et al., 2015).

A prevalência de DFP é maior em mulheres, principalmente naquelas fisicamente ativas (MATTHEWS, et al., 2017). A recorrência dessa dor é extremamente alta, com relatos de 70 a 90% de persistência dos sintomas, que implicam em diminuição da qualidade de vida, perda da função, sedentarismo, ansiedade e depressão (NEAL, 2019). Nesse sentido, alguns estudos já indicam que mais de 50% dos pacientes com dor anterior no joelho apresentarão prognóstico desfavorável dentre de 5 a 8 anos (WILLY et al., 2019).

A etiologia da dor é multifatorial e a literatura estabelece diferentes fatores de risco para a DFP, entre eles, baixa força muscular do quadríceps, composição corporal, déficit de controle de movimento, diminuição da mobilidade articular e fatores psicológicos (HOTT, et al., 2020; FERREIRA, et al., 2022). Além disso, alguns estudos têm apontado que os fatores cognitivos comportamentais estão aumentados em indivíduos com DFP e provavelmente estão associados incapacidade grave autorreferida (PANKEN, et al, 2015; MATTHEWS, et al., 2017, RABELO, et al; 2017; HOTT, et al., 2020; HOLDEN, et al., 2021). Compreender os aspectos clínicos e biomecânicos envolvidos na DFP auxiliará os profissionais de saúde no melhor manejo desses pacientes a fim de obter resultados clínicos mais favoráveis na reabilitação.

Metodologia

 O presente trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica sobre a Dor Femoropatelar e os aspectos clínicos e biomecânicos envolvidos nessa disfunção. A busca das evidências científicas foram realizadas nos bancos de dados do PUBMED, Google Acadêmico e SciELO. Todos os artigos científicos utilizados estão registados na seção referências na parte final dessa obra.

Resultados e Discussão
  • Anatomia da Articulação Femoropatelar

A articulação femoropatelar também chamada articulação patelofemoral é definida como a articulação entre a patela e o sulco troclear, que por sua vez, encontra-se entre os côndilos femorais (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021). A patela é um osso sesamóide, onde seu ápice está ligado inferiormente no tendão patelar, que, se insere na tuberosidade da tíbia e sua base está ligada superiormente no tendão do quadríceps. Tal osso é fundamental para o aumento da capacidade de geração de força do quadríceps, pois garante maior vantagem mecânica para os extensores de joelho, decorrente do aumento do ângulo de tração do tendão do quadríceps (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021). Além disso, sua região posterior é preenchida por cartilagem com objetivo de reduzir o atrito entre patela e fêmur (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021).

 

  • Biomecânica da Articulação Femoropatelar

            A região posterior da patela é côncava e desliza sobre a região anterior do fêmur, que por sua vez, é convexa (HALL, 2020). Quando o joelho realiza flexão, a patela desliza inferiormente e quando o joelho realiza extensão a patela desliza superiormente, seguindo a lei do côncavo-convexo, além disso, durante esses movimentos ocorre o deslizamento médio-lateral, inclinação médio-lateral e rotação da patela, porém, o momento em que tais movimentos acontecem ainda é controverso na literatura (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021).

A articulação patelofemoral está muito conectada a articulação tibiofemoral, então quando ocorre movimento da articulação tibiofemoral a articulação patelofemoral também se move, a ordem de qual articulação irá se movimentar depende da cadeia cinética, ou seja, em movimentos onde a cadeia cinética é fechada, o fêmur se movimenta e ocorre movimentação dos côndilos femorais sobre a superfície posterior da patela, por outro lado, em movimentos onde a cadeia cinética é aberta a tíbia, por ser a região distal livre, se movimenta fazendo com que a patela se movimente sobre os côndilos femorais (HOUGLUM, et al., 2014; HALL, 2020).

Quando o joelho está em extensão completa sem a contração do músculo quadríceps femoral, a patela se encontra em uma posição destravada, porém, na posição de extensão completa com contração do músculo quadríceps femoral ou na posição de semiflexão do joelho a articulação femoropatelar encontra-se em uma posição de travamento (HALL, 2020).

  • Estabilização Dinâmica da Articulação Femoropatelar

            A região da articulação femoropatelar e tibiofemoral é composta por diversos músculos citados a seguir que auxiliam na estabilização dinâmica da articulação.

-Quadríceps femoral: É definido como um grupo de quatro músculos extensores de joelho localizados na região anterior do fêmur. Esse grupamento é formado pelo Vasto medial, Vasto lateral, Vasto intermédio e Reto femoral, tais músculos são inseridos distalmente na patela através do tendão do quadríceps (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021).  O vasto medial e vasto lateral, se encontram mais superficialmente e o vasto intermédio se localiza mais profundamente, porém todos eles realizam flexão de joelho. O reto femoral se encontra mais superficialmente, porém, por se originar na espinha ilíaca anteroinferior realiza o movimento de flexão do quadril, além do movimento de flexão de joelho (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021). .

Isquiotibiais: É definido como um grupo de três músculos flexores de joelho localizados na região posterior do fêmur. Esse grupamento é formado pelo Semitendíneo, Semimembranoso e Bíceps femoral, onde ambos realizam flexão de joelho. O Semitendíneo se localiza medialmente, por outro lado, o bíceps femoral se localiza lateralmente, ambos conseguem ser palpados por serem músculos superficiais (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021). O Semimembranoso é um músculo mais profundo, que possui área de secção transversal maior, quando comparada com o bíceps femoral e semitendíneo (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021).

Gastrocnêmio: sua função principal é flexão plantar, porém também auxilia na flexão de joelho. Quando em uma posição de de 30º de flexão existe a contração dos isquiotibiais somada a uma contração do músculo quadríceps, dessa forma o gastrocnêmio auxilia na estabilização do joelho nesse momento de contração dos agonistas e antagonistas do movimento (HALL, 2020; VASCONCELLOS, 2021).

Poplíteo: Também é um músculo de pequena extensão, sendo o músculo mais profundo que se insere no côndilo femoral e, auxiliando na estabilização póstero lateral da articulação do joelho, além de produzir rotação medial da tíbia e estabilizar o joelho evitando deslocamento anterior (HALL, 2020).

Em síntese a articulação do joelho é composta principalmente por dois grupamentos musculares, os extensores e flexores do joelho. O quadríceps ou extensores de joelho é o maior grupamento muscular da região, e possuem grande importância funcional, pois realiza funções como aceleração, desaceleração e estabilização. Exemplificando o quadríceps realiza diversos tipos de contração durante o movimento, podendo ser isométricas em um caso de desaceleração ou concêntricas e excêntricas pensando em uma atividade esportiva de corrida. Além disso, o quadríceps possui grande força de contração podendo chegar até a 4.450 N de força interna, tal força é necessária para a realização de movimentos funcionais em cadeia cinética fechada como, sentar-se em uma cadeira, levantar-se, saltar, sem que ocorra o colapso da articulação do joelho (HALL, 2020).

Como dito anteriormente o reto femoral também é um músculo que realiza flexão de quadril, dessa forma, em movimentos que exijam algum grau de flexão de quadril, tal músculo entrará em insuficiência ativa mais rapidamente, exigindo uma maior demanda dos vastos. Por outro lado, em um movimento que não ocorra flexão de quadril, o reto femoral, estará mais alongado e dessa forma não entrará precocemente em insuficiência ativa (HOUGLUM, et al., 2014; HALL, 2020). .

No vasto medial, existem duas direções de fibras, sendo composto por fibras longitudinais, chamadas de vasto medial longo, e fibras oblíquas, chamadas de vasto medial oblíquo, que por sua vez, parece ter importante papel na estabilização medial da patela no momento de extensão completa (HOUGLUM, et al., 2014; HALL, 2020). Os isquiotibiais ou flexores de joelho são importantes estabilizadores da articulação do joelho, por impedir o deslizamento anterior da tíbia, além de possuírem funções rotacionais no quadril e joelho (HALL, 2020).

  • Incidência e Prevalência da Dor Femoropatelar

A dor femoropatelar é amplamente reconhecida como uma das queixas mais frequentes entre as disfunções musculoesqueléticas, principalmente na articulação do joelho (Smith et al, 2018). A prevalência varia de 3% a 85% para dor anterior idiopática no joelho ou DFP e seus diagnósticos associados, sendo a prevalência de 25% a mais citada (WILLY, et al., 2019). A literatura tem apontado que esta condição está presente em diferentes grupos populacionais, mas afeta principalmente adolescentes, adultos ativos e indivíduos que realizam atividades físicas intensas, como por exemplo os atletas de elite e os que prestam serviços militares.

A incidência de dor femoropatelar tem sido abordada nos estudos apenas com determinadas populações, foram observadas: população mista de militares com uma taxa de 22 casos a cada 1000 pessoas por ano; corredoras recreativas iniciantes com 1080,5 casos por 1000 pessoas/ano apenas em 10 semanas; atletas universitárias amadoras com 1,9% ao longo de uma temporada atlética. Em atletas adolescentes, a taxa de incidência varia entre 5,1% (com ambos os sexos) e 14,9%, considerando apenas o sexo feminino (Smith et al, 2018).

Segundo Smith e colaboradores (2018), a prevalência anual de dor femoropatelar considerando indivíduos de ambos os sexos na população geral é de 22,7% (especificamente 29,2% em mulheres e 15,5% em homens), já em adolescentes é de 28,9%, enquanto na população militar é de 13,5%. A prevalência anual para atletas de elite varia consideravelmente a depender do esporte realizado: os estudos apontam uma taxa de 35,7% para ciclistas profissionais do sexo masculino e de 29,3% para bailarinas universitárias do sexo feminino.

É possível observar que há uma tendência das mulheres apresentarem maior risco de desenvolver a dor femoropatelar, em comparação aos homens. Assim como a participação em atividades esportivas de alto nível tem sido consistentemente vinculada à ocorrência e ao desenvolvimento de DFP (SMITH et al., 2018; CROSSLEY et al., 2019).

  • Fatores de Risco da Dor Femoropatelar

A literatura aponta alguns fatores de risco que podem estar associados à dor femoropatelar. Por se tratar de uma condição multifatorial, a DFP reflete muitas variáveis que apresentam relação com seus possíveis fatores de risco. Elementos estruturais, mecânicos, físicos e psicológicos podem ser identificados em desacordo nos indivíduos.

Um déficit na função do quadríceps, ligado a fraqueza deste músculo pode ter relação com a condição. Evidências moderadas encontradas revelam que a fraqueza do quadríceps aumenta o risco de DFP, particularmente em populações militares (NEAL et al; 2018). A atrofia do quadríceps também é um achado comum em indivíduos com DFP, mas apenas quando avaliada por exames de imagem, e não por circunferência ou avaliação visual. A atrofia do quadríceps é consistente em toda a musculatura e não apenas no vasto medial (WILLY, et al., 2019). Nesse mesmo contexto muscular, indivíduos com DFP apresentam fraqueza dos abdutores, extensores e rotadores externos do quadril (WILLY, et al., 2019). A taxa de desenvolvimento de força dos abdutores e extensores do quadril também é reduzida em pessoas com DFP (WILLY, et al., 2019). Entretanto, de acordo com a literatura existe uma forte possibilidade de que a fraqueza do quadril seja resultado da DFP e não uma causa direta da DFP.

Alterações biomecânicas proximais ou distais no membro inferior durante atividades como agachar, correr, saltar é comum em pessoas com DFP (WILLY, et al., 2019). Alterações como aumento da projeção do joelho no plano frontal e redução da flexão de joelho acabam por gerar um desalinhamento da patela dentro da articulação, produzindo uma carga aumentada para os tecidos musculoesqueléticos inervados suportarem, originando, então, o estresse femoropatelar. Apesar dos estudos transversais mostrarem essas alterações biomecânicas em relação a população assintomática, os achados ainda são inconsistentes.  Situações que envolvam alteração na cinemática de quadril, principalmente em atividades que exigem maior demanda biomecânica como a corrida e a subida/descida de escada podem demandar excessiva adução, rotação medial além da queda pélvica contralateral que levam a um não alinhamento fisiológico da patela durante atividades dinâmicas (POWERS, et al., 2017; WILLY, et al., 2019). Em situações de alterações na cinemática do tornozelo, como a pronação subtalar aumentada e na cinemática do joelho, como o valgo dinâmico o mesmo pode ser ocasionado, impulsionando possíveis riscos de disparos nociceptivos que podem por corroborar no estresse femoropatelar e dor. Foi proposto que a eversão do retropé excessiva pode levar a consequências durante o movimento, já que acarreta a um atraso na rotação externa da tíbia que permanece em uma rotação interna excessiva, tal alteração pode levar ao aumento da rotação interna do fêmur ao realizar extensão de joelho, isso faz com que haja uma sobrecarga entre côndilo femoral lateral e a faceta lateral da patela implicando na condição (WILLY, et al., 2019). Ainda assim, é incerto qual a implicação do alinhamento estático e dinâmico do pé como potencial perigo para a DFP.

Há evidências que alegam que o atraso da ativação do músculo vasto medial em relação ao vasto lateral e a redução da área de secção transversal do músculo quadríceps podem indicar a propensão do desenvolvimento da DFP, conduto, esses dados foram restritos para população militar, não indicando se tais condições se aplicam ao resto da população (VAN TIGGELEN, 2009). Neste sentido, há evidências que apresentam associação dos fatores de risco com a diminuição da força dos abdutores, extensores e rotadores externos de quadril, além de relacionar a menor ativação glútea durante as atividades funcionais (CROSSLEY, 2019).

Fatores psicológicos podem estar associados e influenciar nos riscos como a diminuição da saúde mental, o aumento da ansiedade e depressão, além do medo e catastrofização da dor que são cada vez mais associados à condição da dor femoropatelar e recorrentemente presente nos indivíduos, visto que eles adotam estratégias compensatórias para alteração do movimento e diminuição da dor, levando ao risco da persistência dos sintomas nessa condição e menor funcionalidade (WILLY, et al., 2019).

Além dos fatores de risco já associados, a recorrência de DFP em mulheres é maior quando comparada a homens, sugerindo que os principais fatores de risco são mais prevalentes no sexo feminino, principalmente nas fisicamente ativas, potencializando os riscos (GLAVIANO et al, 2015). Entretanto, ainda faltam evidências que aleguem maior relação causal entre o sexo feminino e a SDFP.

Ademais, estudos realizados trouxeram fortes evidências que variáveis como idade, altura, IMC, peso, gordura corporal e ângulo Q que eram comumente associados com a DFP não funcionam como fatores de risco neste contexto (NEAL, 2019). Conduto, faltam estudos que exponham claramente quais riscos determinam a presença ou não da DFP, sendo necessário mais pesquisas com maiores amostras que explorem alguns dos fatores já conhecidos e novos em evidência (CROSSLEY, 2019).

 

 

  • Importância da Cinesiofobia na Dor Femoropatelar

O conceito de cinesiofobia foi definido por Kori e colaboradores em 1990. Eles a descreveram como um “medo excessivo, irracional e debilitante de movimento e atividades físicas resultante de um sentimento de vulnerabilidade devido a uma lesão dolorosa ou nova lesão”, ou seja, é a presença de um medo irracional e devastador de realizar movimentos ou atividades por crença de que isso resultará em mais lesões ou dor.

Este termo é frequentemente associado a pessoas com dores crônicas, onde o medo de se movimentar resulta em uma diminuição da atividade física e leva a um ciclo vicioso de dor e um déficit da funcionalidade. É por isso que em contraste com outras fobias, onde os indivíduos reconhecem a irracionalidade de seus medos, pessoas com cinesiofobia tendem a considerar que a evitação do movimento é uma resposta adequada (BORDELEAU, et al, 2022).

Pensando nisso, pessoas com dor femoropatelar podem desenvolver cinesiofobia devido ao medo de que a movimentação do joelho piore a condição dolorosa na articulação. O medo do movimento pode levar à evitação de atividades essenciais, como por exemplo subir e descer escadas, agachar ou correr, resultando a longo prazo em uma piora no desempenho funcional (PRIORI, et al, 2019), com descondicionamento físico, perda de força muscular, diminuição da mobilidade e consequentemente aumento da dor.

Além disso, estudos vêm demonstrando que a cinesiofobia e a gravidade da incapacidade autorreferida estão positivamente correlacionadas em pacientes com dor femoropatelar, e que, portanto, os fatores psicológicos têm sido considerados cada vez mais em conjunto com os fatores físicos na dor musculoesquelética (SHALLAN, et al, 2023; MACLACHLAN, et al, 2018).

Maclanchlan e colaboradores (2018) concluem ainda que, se os fatores psicológicos forem identificados, são necessárias intervenções específicas para minimizar a influência negativa que esses fatores exercem sobre as estratégias de tratamento, uma vez que pesquisas têm apontado cada vez mais a relação entre fatores psicológicos e severidade dos sintomas, como dor e agravamento da incapacidade. 

 Dessa forma, o tratamento da dor femoropatelar, quando correlacionado com a cinesiofobia, requer uma abordagem tanto dos aspectos físicos quanto psicológicos da condição. Para diminuir a cinesiofobia nessa população, existem algumas estratégias de enfrentamento, como educação do paciente, gradual exposição ao movimento, manejo da dor e intervenções psicológicas como a psicoterapia. Doury-Panchout e coautores (2015), acrescentam ainda que o controle terapêutico da cinesiofobia, quando incluído em um programa de gestão de reabilitação, poderá encorajar o paciente a pensar de forma diferente sobre a dor, e com isso, alterar padrões de comportamento.

  • Avaliação de Indivíduos com Dor Femoropatelar

Muito se discute sobre a importância da avaliação clínica para diversas disfunções existentes atualmente, e como essa avaliação pode definir um diagnóstico e até mesmo um tratamento.  A partir deste pressuposto, na disfunção femoropatelar não é diferente, onde a avaliação de diversos aspectos forma uma correlação entre os fatores. A literatura apresenta informações fragmentadas em diversos periódicos, com relação aos fatores necessários para uma avaliação com excelência. Em síntese, para que haja uma avaliação completa e que possa ser referência para estudantes e profissionais, é necessário abranger fatores como a história de vida atual e pregressa, características físicas e emocionais, exame físico, exames complementares, cinesiologia e biomecânica do movimento.

A história de vida atual e pregressa é um aspecto importante a ser discutido, pois através de fatores como a faixa etária, que atualmente abrange um público-alvo diversificado, incluindo predominantemente adolescentes e jovens adultos, com recorrência no público feminino (SMITH, et al, 2018). Ademais, a função exercida no ambiente laboral pode gerar uma carga demasiada no tecido articular, gerando resultados negativos para o trabalhador, que além do esforço repetitivo que acaba gerando uma sobrecarga dinâmica, o indivíduo sofre uma sobrecarga estática que ocorre com a presença de uma contração muscular por períodos prolongados, com o intuito de manutenção postural (SANTOS, 2019).

Outro fator importante a ser avaliado são as alterações hormonais preexistentes em todos os estágios da vida do indivíduo, principalmente em mulheres jovens, que acabam sendo o grupo mais afetado na determinada disfunção. Além disso, o nível de inatividade física pode afetar de maneira significativa todos os aspectos anteriores e ainda colaborar para o aumento da sintomatologia possivelmente existente . Portanto, a orientação de prática regular de atividade física é importante para que haja um controle dos índices de doenças crônicas, com o intuito preventivo quando realizadas ainda na população jovem (MATSUDO, et al, 2001).

Atrelado a isso, alguns aspectos físicos e emocionais podem contribuir para o aumento da sobrecarga articular e intensidade da dor, como a presença de altos índices de massa corporal, onde o aumento da massa adiposa é diretamente proporcional ao consumo exacerbado de ácidos graxos, que acabam gerando uma inflamação sistêmica e uma possível resistência à insulina e à leptina. Em níveis mais elevados, essas moléculas de leptina assumem características inflamatórias e agem na cartilagem articular, desencadeando o processo inflamatório e alterando a homeostase desse tecido com consequente degeneração (CINTRA, 2014).

Abrangendo a mesma temática, os aspectos emocionais são relevantes para a presença e agravo dos sintomas, onde a possibilidade de existência de depressão, ansiedade, cinesiofobia e catastrofização da dor podem estar associadas a persistência da dor crônica e a impossibilidade de realização de determinados movimentos que provocam maiores índices de dor, contribuindo automaticamente  para a inatividade do indivíduo, gerando um ciclo sem fim de dor e imobilidade.  (MACLACHLAN,2017). Questões psicossociais podem ser avaliadas por meio do Questionário de Catastrofização da Dor e Escala Tampa de Cinesiofobia.

Em relação ao exame físico, existem aspectos a serem avaliados e mensurados, para que seja possível elucidar os motivos que estão gerando essa hiperalgesia articular. Um fator importante a ser avaliado é a força e potência de determinados grupos musculares que são responsáveis pela sustentação e estabilização do quadril e consequentemente do joelho. Um exemplo seria a avaliação do músculo quadríceps, pois caso não haja capacidade suficiente para a realização das atividades pretendidas, poderá resultar em um desalinhamento ou uma mudança na trajetória patelar por consequência de uma fraqueza muscular excêntrica  nos movimentos de  abdução  e  rotação  externa  do  quadril, que por consequência  da insuficiência muscular realiza os movimentos contrários de adução e rotação interna do quadril durante a realização dos movimentos funcionais do indivíduo, consequentemente reduzindo a área de contato femoropatelar e causando um estresse na determinada articulação (POWERS, et al., 2017).  A mensuração da capacidade de força do quadríceps relatada anteriormente pode ser realizada através de uma avaliação isocinética, que se caracteriza como o padrão ouro para a determinada atividade, como mostra a imagem abaixo:

 

 

Figura 1: Posicionamento da voluntária para avaliação da dinamométrica dos flexores e extensores de joelho

Outro fator apresentado posteriormente, é a relação do encurtamento muscular com a DFP, onde através de referências anteriores os indivíduos que obtinham a disfunção também apresentavam encurtamento, principalmente do músculo isquiotibial, sendo necessário avaliá-lo e alongá-lo através da extensão de joelho. Pois, através de alguns estudos disponíveis, o alongamento tem apresentado resultados positivos de melhora da flexibilidade, redução do ângulo Q e redução da dor articular, sendo necessários mais estudos para que seja possível afirmar a relevância da técnica para a melhora da disfunção femoropatelar (CABRAL,2007)

Outro aspecto apresentado na literatura é em relação ao ângulo do quadríceps (ângulo Q) formado pela intersecção de duas linhas direcionais, uma linha que se estende do centro da cabeça do fêmur até o centro da patela e outra linha que se estende do centro da patela até a espinha tibial anterior. O ângulo Q, é uma medida crucial na biomecânica do membro inferior humano, onde durante flexão do joelho, o ângulo Q aumenta, à medida que a patela se move para baixo em relação à tíbia. Sendo a determinada demarcação fundamental na avaliação da função do joelho, na identificação de desalinhamentos e no diagnóstico de condições patológicas, como no caso da disfunção femoropatelar (ALMEIDA, 2016).

Além de todos os fatores anteriormente citados, a avaliação da disfunção femoropatelar ainda conta com a aplicação de questionários clínicos para o norteamento da patologia e tratamento, onde o questionário mais utilizado e com maior confiabilidade atualmente, consiste no questionário AKPS, que tem o intuito de avaliar os sintomas subjetivos e as limitações funcionais existentes em indivíduos com DFP em suas atividades de vida diária. Composto por 13 perguntas, o escore total deste método avaliativo tem variação de 0 a 100 pontos, onde cem representa a inexistência de dores ou presença de limitações funcionais, um score com valor menor que 82 pontos pode representar uma tendência ao desenvolvimento de desordens femoropatelares e zero significa a ocorrência de dor constantemente e diversas limitações de funcionalidade (AQUINO, et al., 2011, GIRARDI, 2022).

Para complementar a avaliação é importante que o profissional seja crítico na aplicação de testes funcionais para que seja possível elucidar a presença da disfunção. Na literatura já existente, são apresentados variados tipos de testes funcionais, onde até os dias atuais não é possível comprovar a eficácia integral dos mesmos. Sendo eles, o teste de sentar e levantar da cadeira de maneira unipodal, o teste de descida do degrau, de salto anterior e de salto lateral.

Figura 2: Testes funcionais: levantar da cadeira unipodal (A), descida do degrau (B), salto anterior (C) e salto lateral (D).

Em contrapartida, um teste frequentemente aplicado e que apresenta grande confiabilidade e é realizado de maneira simples e sem custo, é o teste de agachamento livre com ambos os pés apoiados no chão e sem nenhum apoio, onde o paciente com disfunção femoropatelar comumente apresentará dor os desconfortos na região acometida (WILLY, 2019).

Portanto, a avaliação da disfunção femoropatelar abrange diversos aspectos que ainda estão sendo estudados e testados para que se alcance o melhor protocolo para a análise.

  • Tratamento da Dor Femoropatelar

            A literatura recomenda que o tratamento para dor femoropatelar é conversador e deve envolver terapias combinadas para melhorar a dor e a função a médio e longo prazo. Os exercícios para fortalecimento da musculatura devem dar ênfase nos músculos do quadril (abdutores, extensores e rotadores laterais) e joelho (flexores e extensores) são a principal recomendação de tratamento para essa população (WILLY, 2019).

            O uso de bandagem na articulação do joelho pode ser aplicado com o objetivo de melhorar a cinemática da articulação femoropatelar e reduzir o estresse nessa articulação durante uma atividade funcional, como por exemplo, o agachamento (COWAN, et al., 2002). Porém, a melhora dos sintomas proporcionado pelo uso da bandagem é apenas a curto prazo e deve ser utilizada em combinação com a terapia por exercícios (WILLY, 2019). Além disso, as órteses para redução da hiperpronação do pé também podem ser utilizadas para melhor resultado apenas a curto prazo (MOLGAARD, et al., 2018).

            Em relação à terapia manual, recomenda-se a mobilização patelar para pessoas com DFP com objetivo de melhorar a mobilidade local e reduzir a tensão muscular, desde que associado a terapia com exercícios (WILLY, et al., 2019).

            Outro fator importante que deve ser levado em consideração na abordagem clínica de pessoas com DFP é a educação do paciente. Deve-se abordar a importância do gerenciamento de carga na articulação, controle de peso corporal quando apropriado, importância da adesão ao tratamento que envolve exercícios resistidos e cinesiofobia, quando presente (WILLY, et al., 2019).

 

Considerações Finais

            A dor femoropatelar é uma condição clínica comum, principalmente em mulheres e está relacionada à presença de fatores de risco clínicos e biomecânicos.           A avaliação do paciente deve abordar desde a história atual e aspectos físicos e psicossociais que podem estar envolvidos no surgimento e na recorrência da dor femoropatelar. Quanto ao tratamento dessa disfunção, sugere-se a terapia combinada sendo as principais ferramentas de tratamento o exercício físico e a educação do paciente.

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CAPÍTULO 14

FIBRILAÇÃO ATRIAL: ABORDAGENS EPIDEMIOLÓGICAS, TERAPÊUTICAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

ATRIAL FIBRILLATION: EPIDEMIOLOGICAL APPROACHES, THERAPEUTICS AND CLINICAL MANIFESTATIONS

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500533422.14

Submetido em: 02/05/2024

Revisado em: 12/05/2024

Publicado em: 16/05/2024

 

José Leandro Ribeiro de Souza

Faculdade Nova Esperança, Departamento de Farmácia, João Pessoa-PB

http://lattes.cnpq.br/5716079308205270

Larissa Maria Ribeiro de Souza

Centro Universitário Estácio do Recife, Departamento de Farmácia, Recife-PE

http://lattes.cnpq.br/1107844944857851

Rayssa Kely Silva de Souza

Faculdade Nova Esperança, Departamento de Fisioterapia, João Pessoa-PB

http://lattes.cnpq.br/9689072963672376

Claudia Cavalcante Dias

Faculdade Nova Esperança, Departamento de Enfermagem, João Pessoa-PB

http://lattes.cnpq.br/6971297466430798

Ellen Vitória Barbosa da Silva

Faculdade Nova Esperança, Departamento de Fisioterapia, João Pessoa-PB

http://lattes.cnpq.br/8463612529218449

Rafaela Figueirêdo Fernandes Soares

Faculdade Nova Esperança, Departamento de Enfermagem, João Pessoa-PB

http://lattes.cnpq.br/3227762220274284

 

 

 

 

Resumo

A fibrilação atrial (FA) é uma patologia que afeta mais de 175 milhões de indivíduos mundialmente e está diretamente correlacionada com o elevado número de mortes e o surgimento de novas doenças, por exemplo o acidente vascular encefálico. O objetivo desta pesquisa é descrever sobre as manifestações clínicas da FA, além de trazer abordagens epidemiológicas, farmacoterapêuticas. A FA é uma patologia que apresenta elevados índices de incidência e prevalência na população mundial. A FA não demonstra sintomas, ela se caracteriza por ser assintomática; entretanto em alguns casos o indivíduo pode se deparar com algumas manifestações clínicas como:  taquicardia, falta de ar, cansaço e tontura. A pesquisa foi realizada através de uma revisão de literatura exploratória de trabalhos publicados nos últimos anos com intervalo de 2020 até 2024, podendo ser escolhidos estudos científicos anteriores dependendo da importância do conteúdo e da quantidade de trabalhos encontrados equivalentes ao tema. O exame que vai detectar é o ECG, ele vai demonstrar modificações no ritmo cardíaco onde ocorrerá: ausência da onda P, os espaços RR aparecerão desproporcionais e ausência de dinamismo atrial ordenado. O intervalo de tempo mínimo dos traçados para diagnóstico de FA é de 30 segundos, no ECG de 12 derivações e dependendo do estado clínico do indivíduo pode ser requisitado exames laboratoriais para identificação de fatores de riscos. A identificação da doença precocemente, o combate aos fatores de riscos, tratamento farmacológico individualizado, eliminação do sedentarismo e acompanhamento contínuo são de extrema importância para melhorar os parâmetros clínicos e combatê-la eficientemente.

Palavras-Chave: Fibrilação Atrial, Cardiologia, Insuficiência Cardíaca.

Abstract

Atrial fibrillation (AF) is a pathology that affects more than 175 million individuals worldwide and directly correlated with the high number of deaths and the emergence of new diseases, such stroke. The objective of this research is to describe the clinical manifestations of AF, in addition to bringing epidemiological and pharmacotherapeutic approaches. AF is a pathology that has high incidence and prevalence rates in the world population. AF does not show symptoms, it is characterized by being asymptomatic; However, in some cases, the individual may be faced with some clinical manifestations such as: tachycardia, shortness  breath, fatigue and dizziness. The research was carried out through an exploratory literature review of works published in recent years with an interval from 2020 to 2024, and previous scientific studies may be chosen depending on the importance of the content and the number of works found equivalent to the theme. The test that will detect it is the ECG, it will demonstrate changes in the heart rhythm where it will occur: absence of the P wave, the RR spaces will appear disproportionate and absence of ordered atrial dynamism. The minimum time interval of the tracings for the diagnosis of AF is 30 seconds, in the 12-lead ECG and, depending on the clinical status of the individual, laboratory tests may be requested to identify risk factors. Early identification of the disease, combating risk factors, individualized pharmacological treatment, elimination of sedentary lifestyle and continuous monitoring are extremely important to improve clinical parameters and combat it efficiently.

Keywords: Atrial Fibrillation. Cardiology. Heart Failure

 

 

Introdução

A fibrilação atrial (FA) é uma patologia que afeta mais de 175 milhões de indivíduos mundialmente e está diretamente correlacionada com o elevado número de mortes e o surgimento de novas doenças, por exemplo o acidente vascular encefálico (AVE). Devido a sua característica de atingir um grande número de pessoas, fica evidenciada a extrema necessidade de pesquisas científicas visando o tratamento e garantido uma melhor qualidade de vida para os doentes (ALONSO; ALMUWAQQAT; CHAMBERLAIN, 2020; JOGLAR et al., 2023). 

Diante do acompanhamento terapêutico e do avanço dos estudos clínicos, é observada as seguintes análises: redução da hospitalização, diminuição da mortalidade e da probabilidade de desenvolver AVE, prevenção de fatores de risco como hipertensão arterial sistêmica (HAS) e melhor qualidade de vida (ALONSO; ALMUWAQQAT; CHAMBERLAIN, 2020; JOGLAR et al., 2023)

Comumente, a FA não demonstra sintomas no enfermo, ela se caracteriza por ser assintomática; entretanto em alguns casos o indivíduo pode se deparar com algumas manifestações clínicas como:  taquicardia, falta de ar, cansaço e tontura (HINDRICKS et al. 2020; HU; DIANG; YA, 2023). Diante disso, a sua detecção clínica deve ser cautelosa através da realização do exame eletrocardiograma (ECG), que vai identificar a falta da onda P e apresentará intervalos RR de formas irregulares atrelada a exclusão de circuitos elétricos atrial coordenados (HINDRICKS et al., 2020; HU; DIANG; YA, 2023).

Identificado o acometimento da FA, caso os indivíduos estejam apresentando sintomas, é importante iniciar o tratamento farmacológico para controle de tais manifestações e análise da probabilidade de desenvolver AVE para sua possível prevenção. O anticoagulante oral (ACO): varfarina, os anticoagulantes orais diretos (DOAC): rivaroxabana e apixabana e os antiagregantes plaquetários (AP): AAS e Clopidogrel são bastante utilizados na prevenção do AVE (HINDRICKS et al., 2020; HU; DIANG; YA, 2023). No controle da frequência cardíaca (FC) a estratégia medicamentosa se dá pelos bloqueadores dos canais de cálcio (veralapil e diltiazem), betabloqueadores e antiarrítmicos (HINDRICKS et al., 2020; HU; DIANG; YA, 2023).

O objetivo desta pesquisa é descrever sobre as manifestações clínicas da fibrilação atrial (FA), além de trazer abordagens epidemiológicas, farmacoterapêuticas.

Metodologia

A pesquisa foi realizada através de uma revisão de literatura exploratória de trabalhos publicados nos últimos anos – com intervalo de 2020 até 2024, podendo ser escolhidos estudos científicos anteriores dependendo da importância do conteúdo e da quantidade de trabalhos encontrados equivalentes ao tema. Foram pesquisados 15 artigos científicos. A pesquisa dos materiais de auxílio do estudo foi feita na base de dados online do Google Acadêmico (Scholar Google), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), e PubMed (U.S National Library of Medicine and National Institutes of Health). As palavras utilizadas foram: Fibrilação Atrial, Cardiologia, Insuficiência Cardíaca. Foram excluídas as bibliografias que não estavam alinhadas com o tema central da pesquisa e que foram publicadas antes do ano de 2019.

 

Figura 1:  Fluxograma dos estudos escolhidos:

Descritores em Ciências da Saúde (DeCS)

Termos: Fibrilação Atrial, Cardiologia e Insuficiência Cardíaca (português); Atrial Fibrillation. Cardiology. Heart Failure (inglês);

 

Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)

 

6 estudos

Excluindo estudos indexados em mais de uma base de dados

(3 estudos)

 

09 publicações selecionadas

Excluindo estudos de acordo com os critérios de exclusão e seleção

(6 Estudos)

6 estudos

6 estudos

Google Acadêmico

Google Acadêmico

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resultados e Discussão

Quadro 1: Caracterização dos artigos selecionados (n=9).

Autor

Título

Periódico

Ano

1

Alonso et al.

 Mortality in atrial fibrillation. Is it changing?

Trends Cardiovasc Med

2021

2

Andersen et al.

Atrial fibrillation-a complex polygenetic disease.

European Journal of Human Genetics

2021

3

Hindricks et al.

ESC Guidelines for the diagnosis and management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS): The Task Force for the diagnosis and management of atrial fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC) Developed with the special contribution of the European Heart Rhythm Association (EHRA) of the ESC.

European Heart Journal

2021

4

Hu et al.

Atrial fibrillation: mechanism and clinical management

Chinese Medical Journal

2023

5

Anon et al.

Correction to: 2023 ACC/AHA/ACCP/HRS Guideline for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines.

Circulation

2023

6

Keteyian et al.

Exercise Testing and Exercise Rehabilitation for Patients With Atrial Fibrillation.

Journal of Cardiopulmonary Rehabilitation and Prevention

2019

7

Ma et al.

Left atrial fibrosis in atrial fibrillation: Mechanisms, clinical evaluation and management.

Journal of Cellular and Molecular Medicine

2021

8

Sagris et al.

Atrial Fibrillation: Pathogenesis, Predisposing Factors, and Genetics.

International Journal of Molecular Sciencs

2021

9

Saleh et al.

Atrial fibrillation: a contemporary update

Clinical Medicine (London, England)

2023

Fonte: Autores, 2024.

  • Aspectos Epidemiológicos

A FA é uma patologia que apresenta elevados índices de incidência e prevalência na população mundial, isso significa que proporcionalmente 1 a cada 3 pessoas irão sofrer desta morbidade em alguma etapa da vida, sendo os idosos os mais acometidos (ALONSO; ALMUWAQQAT; CHAMBERLAIN, 2020; ANDERSEN; ANDREASEN; OLESEN, 2020; JOGLAR, J. A. et al., 2023). O índice de mortalidade é maior entre os portadores da doença em comparação com os que não possuem. No ano de 2020 a taxa de incidência (casos novos) no planeta chegou há 50 milhões de portadores, os principais grupos de risco foram os idosos, isso se deve pelo aumento da expectativa de vida da população, os hipertensos e portadores de doenças cardiovasculares (ALONSO; ALMUWAQQAT; CHAMBERLAIN, 2020; ANDERSEN; ANDREASEN; OLESEN, 2020; JOGLAR, J. A. et al., 2023).

A incidência epidemiológica da FA é maior em indivíduos idosos maior de 80 anos de idade, registrando valores entre 12 e 15%. Na américa do norte a estimativa é que 13 milhões de novos portadores sejam diagnosticados entre os anos de 2015 e 2030, fazendo com que a prevalência da disfunção cardíaca atingisse 13 milhões de pessoas até 2030. Não houve diferença em relação ao índice de mortes em comparação de homens e mulheres e o principal fator no controle da taxa de mortalidade foi a estratégia medicamentosa para a prevenção de AVE e de doenças crônicas, em especial a HAS e a obesidade (ALONSO; ALMUWAQQAT; CHAMBERLAIN, 2020; SAGRIS et al., 2021; JOGLAR et al., 2023).

  • Manifestações Clínicas

Os pacientes com FA em sua grande maioria não apresentam sintomas, são assintomáticos. Entretanto, alguns indivíduos podem apresentar manifestações limitantes que vai direcionar a abordagem terapêutica. De acordo com a European Heart Rhythm Association (EHRA), a classificação das manifestações clínicas se dá por escala de limitações das atividades diárias do enfermo (HINDRICKS et al, 2020). Os principais sintomas são inespecíficos e podemos citar: aumento no número de batimentos cardíacos por minuto (BPM), falta de ar, cansaço e tontura. Frequentemente a associação sintomática é feita após a realização do ECG e do controle dos BPM (HINDRICKS et al., 2020).

É importante dizer que a obesidade, além da HAS é um fator de risco que merece atenção, visto que, pacientes com FA que reduziram o peso corporal conseguiram obter menores riscos de complicações, reduzindo os sintomas limitantes e melhoraram a qualidade de vida (KETEYIAN et al., 2019; MA; CHEN; MA, 2021; HU; DING; YAO, 2023). É necessário informar que as mulheres que possuem FA tiveram uma maior presença de aparecimento dos sintomas limitantes (KETEYIAN et al., 2019; MA; CHEN; MA, 2021; HU; DING; YAO, 2023).

  • Diagnóstico

A confirmação da FA é complexa, tendo em vista que a maioria dos acometidos não apresentam sintomas e os que apresentam, são sintomas limitantes e inespecíficos, isso faz com que seja dificultada a identificação da doença (HINDRICKS et al., 2020; JOGLAR et al., 2023). O exame que vai detectar é o ECG, ele vai demonstrar modificações no ritmo cardíaco onde ocorrerá: ausência da onda P, os espaços RR aparecerão desproporcionais e ausência de dinamismo atrial ordenado (HINDRICKS et al. 2020; JOGLAR et al., 2023).

 

Figura 2: Fibrilação Atrial no ECG

 Fonte: Centro de treinamento e simulação de emergências médicas, 2019.

 

O intervalo de tempo mínimo dos traçados para diagnóstico de FA é de 30 segundos, no ECG de 12 derivações e dependendo do estado clínico do indivíduo pode ser requisitado exames laboratoriais para identificação de fatores de riscos (HINDRICKS et al., 2020; JOGLAR et al., 2023).  A confirmação da doença é feita pela equipe médica após a realização e análise do ECG (SALEH; HALDAR, 2023; JOGLAR et al., 2023).

  • Tratamento

A estratégia terapêutica da FA esta enfatizada no combate aos sintomas limitantes naqueles pacientes que apresentaram manifestações clínicas, em diminuir a probabilidade de desenvolver AVE e complicações relacionadas as comorbidades e fatores de riscos de maneira única para cada paciente (HU; DING; YAO, 2023; JOGLAR et al., 2023; SALEH; HALDAR, 2023).  Os enfermos são classificados através do score CHA2DS2-VASc, se o resultado for acima de 2 em pacientes do gênero masculino e 3 para o gênero feminino, é iniciada a terapia farmacológica com os anticoagulantes orais paciente (HU; DING; YAO, 2023; JOGLAR et al., 2023; SALEH; HALDAR, 2023). A varfarina e os DOACs são os fármacos de primeira escolha porque apresentaram baixo índice de sangramento e melhor perfil farmacoterapêutico. O anticoagulante varfarina é utilizada apenas nos pacientes que fizeram implantes de válvulas cardíacas mecânicas paciente (HU; DING; YAO, 2023; JOGLAR et al., 2023; SALEH; HALDAR, 2023).

Os indivíduos que são recomendados para iniciar a prevenção de AVE com os anticoagulantes orais serão analisados quanto as chances de desenvolver sangramento, através do score HAS-BLED. Porém, não significa dizer que obrigatoriamente os pacientes com alto valor do score são proibidos de utilizar os anticoagulantes, pois é necessário avaliar clinicamente cada indivíduo em relação a risco e benefícios (HU; DIANG; YA, 2023; SALEH; HALDAR, 2023).

Como manejo para equilíbrio dos batimentos cardíacos, é utilizado os medicamentos das seguintes classes: bloqueadores dos canais de cálcio (verapamil e diltiazem) e betabloqueadores. Eles diminuem a frequência rápida do ventrículo controlando a FA, é importante relatar que os enfermos com FA que necessitam de manejo dos BPM devem ser constantemente avaliados com o intuito de evitar bradicardias preservando a qualidade de vida. Os enfermos com FA persistente devem iniciar terapia farmacológica por no mínimo 3 semanas para evitar o desenvolvimento do AVE. (HU; DIANG; YA, 2023; SALEH; HALDAR, 2023).

­­Considerações Finais

A FA é uma disfunção clínica de bastante complexidade e presente em milhões de pessoas no mundo, ela exige cuidados integrados e individualizados de forma que garanta a adesão ao tratamento, evitando o desenvolvimento de AVE e melhorando a qualidade de vida. A identificação da doença precocemente, o combate aos fatores de riscos, tratamento farmacológico individualizado, eliminação do sedentarismo e acompanhamento contínuo são de extrema importância para melhorar os parâmetros clínicos e combatê-la eficientemente.

Referências

ALONSO, A.; ALMUWAQQAT, Z.; CHAMBERLAIN, A. Mortality in atrial fibrillation. Is it changing? Trends in Cardiovascular Medicine, out. 2020.

ANDERSEN, J. H.; ANDREASEN, L.; OLESEN, M. S. Atrial fibrillation—a complex polygenetic disease. European Journal of Human Genetics, v. 29, n. 7, p. 1051–1060, 5 dez. 2020.

HINDRICKS, G.; TATJANA, P.; NIKOLAOS, D.; ELENA, A.; JEROEN, B.; CARINA, B.; GIUSEPPE, .; MANUEL, C.; GHEORGHE, A.; POLYCHRONIS, D.; LAURENT, F.; GERASIMONS, F.; JONATHAN, K.; MARK, M.; DEIRDRE, L.; JEAN, P.; MADDALENA, L.; GREGORY, L.; FAUSTO, P.; NEIL, T.; MARCO, V.; ISABELLE, V.; BART, V.; CAROLINE, L.; 2020 ESC Guidelines for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation Developed in Collaboration with the European Association of Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). European Heart Journal, v. 42, n. 5, 29 ago. 2020.

HU, Z.; DING, L.; YAO, Y. Atrial fibrillation: mechanism and clinical management. Chinese Medical Journal, v. 136, n. 22, p. 2668–2676, 1 nov. 2023.

JOGLAR, J.; MINA, K.; ANASTASIA, L.; EMELIA, J.; ANITA, D.; KRISTEN, K.; 2023 ACC/AHA/ACCP/HRS Guideline for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation, 30 nov. 2023.

KETEYIAN, S.; JONATHAN, K.; BRITTANY, F.; QUINN, P.; Exercise Testing and Exercise Rehabilitation for Patients With Atrial Fibrillation. Journal of cardiopulmonary rehabilitation and prevention, v. 39, n. 2, p. 65–72, 2019.

MA, J.; CHEN, Q.; MA, S. Left atrial fibrosis in atrial fibrillation: Mechanisms, clinical evaluation and management. Journal of Cellular and Molecular Medicine, v. 25, n. 6, p. 2764–2775, 11 fev. 2021.

SAGRIS, M.; VARDAS, P.; PANAGIOTIS, T.; ALEXIOS, A.; EVANGELOS, O.; Atrial Fibrillation: Pathogenesis, Predisposing Factors, and Genetics. International Journal of Molecular Sciences, v. 23, n. 1, p. 6, 21 dez. 2021.

SALEH, K.; HALDAR, S. Atrial fibrillation: a contemporary update. Clinical Medicine, v. 23, n. 5, p. 437–441, 1 set. 2023.

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