LIVRO PUBLICADO

LIVRO: NUTRIÇÃO CLÍNICA METABÓLICA E ESPORTIVA

OPEN ACCESS PEER-REVIEWED BOOK 

NUTRIÇÃO CLÍNICA METABÓLICA E ESPORTIVA

CLINICAL METABOLIC AND SPORTIVE NUTRITION

 2022 Editora Science / Brazil Science Publisher

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 Pág.1
ASPECTOS CLÍNICOS DA ALERGIA ALIMENTAR
CLINICAL ASPECTS OF FOOD ALLERGY
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.01
Sophya Bezerra Silva Rocha
Vitória Bittencourt de Carvalho
Marcos Reis Gonçalves

CAPÍTULO 2 Pág.20
FENO-GREGO (TRIAGONELLA FOENUM-GRAECUM): A PEQUENA GRANDE PLANTA E SEUS BENEFÍCIOS NA PREVENÇÃO DE DOENÇAS E PROMOÇÃO DA SAÚDE
FENUGREEK (TRIAGONELLA FOENUM-GRAECUM): THE SMALL BIG PLANT AND ITS BENEFITS IN DISEASE PREVENTION AND HEALTH PROMOTION
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.02
Ana Gabriela do Rêgo Leite
Amanda Geovana Pereira de Araújo
Tainá Oliveira de Araújo
Silvânia Narielly Araújo Lima
Anne Wirginne de Lima Rodrigues
Igor Luiz Vieira de Lima Santos

CAPÍTULO 3 Pág.32
AVALIAÇÃO E ADAPTAÇÃO DA ESTRUTURA FÍSICA DE UM BANCO DE ALIMENTOS: CAMINHOS PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
EVALUATING AND ADAPTING THE PHYSICAL STRUCTURE OF A FOOD BANK: PATHS TO FOOD SECURITY
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.03
Natalia Tenuta Kuchenbecker do Amaral
Maria Jesus Barreto Cruz
Thais Pereira Barros
Jéssica de Paula Rodrigues Dias
Marcos Paulo Bento Andrade
Larissa Andrade Ramos
Thaís Souza Caetano
Sandy Nunes de Matos
Guilherme Ferreira Duarte
Julia Queiroz de Oliveira

CAPÍTULO 4 Pág.55
A PERCEPÇÃO DA IMAGEM CORPORAL EM JOVENS: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
PERCEPTION OF BODY IMAGE IN YOUNG PEOPLE: A LITERATURE REVIEW
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.04
João Vitor Dal Ponte Zatt
Ignacio Salonia Goldmann
Rafael Kornalewski de Oliveira
Luiza Aguirre Susin

CAPÍTULO 5 Pág.61
PUBLIQUE COM A SCIENCE EM FLUXO CONTÍNUO
PUBLISH WITH SCIENCE IN CONTINUOUS FLOW
DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.05
AUTORES
AUTORES
AUTORES

SOBRE OS ORGANIZADORES DO LIVRO DADOS CNPQ: Pág.62

PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO

 A ciência nutricional está presente nos mais diversos estudos, processos, tecnologias e cotidiano. A nutrição faz parte do nosso dia a dia e muito do que somos é em grande parte responsabilidade da nutrição que temos acesso. A importância da nutrição ganhou força no último século e até hoje tem direcionado comportamentos da sociedade.

Apesar da nova visibilidade dada para a nutrição dietética muitas são as áreas que envolvem o conhecimento nutricional e dentre elas podemos citar a nutrição clínica, nutrição metabólica e a nutrição esportiva cada uma com suas particularidades e influências em ramos específicos.

Esperamos que os leitores aproveitem os conhecimentos científicos aqui transmitidos com respaldo e qualidade e usufruam dos trabalhos disponíveis gratuitamente e na íntegra para aumentar o seu grau de aprofundamento nesta área tão complexa e desafiadora que é a ciência nutricional.

Boa Leitura. Os Organizadores

HOW CITE THIS BOOK:

NLM Citation

Parisotto, G, Santos ILVL, editor. Nutrição clínica metabólica e esportiva. 1st ed. Campina Grande (PB): Editora Science; 2022.

APA Citation

Parisotto, G. & Santos, I. L. V. L. (Eds.). (2022). Nutrição clínica metabólica e esportiva (1st ed.). Editora Science.

ABNT Brazilian Citation NBR 6023:2018

PARISOTTO, G.; SANTOS, I. L. V. L. Nutrição clínica metabólica e esportiva. 1. ed. Campina Grande: Editora Science, 2022.

WHERE ACCESS THIS BOOK:

www.editorascience.com.br/livros/

https://sites.google.com/view/editorascience/E-Books

Prof. MSc. Gabriel Parisotto

Prof. Dr. Igor Luiz Vieira de Lima Santos

CBL: Câmara Brasileira do Livro

ISBN: 978-65-00-48619-3

CAPÍTULOS PUBLICADOS

CAPÍTULO 1

Aspectos clínicos da alergia alimentar

Clinical aspects of food allergy

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.01

Submetido em: 15/06/2022

Revisado em: 21/06/2022

Publicado em: 11/07/2022

 

Sophya Bezerra Silva Rocha

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina, Alagoas-AL

http://lattes.cnpq.br/1026296304066506

Vitória Bittencourt de Carvalho

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina, Alagoas-AL

http://lattes.cnpq.br/1732483163512853

Marcos Reis Gonçalves

Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina, Alagoas-AL

http://lattes.cnpq.br/4022596341270962

 

 

Resumo

A alergia alimentar é uma resposta de hipersensibilidade desencadeada pela ingestão e/ou contato com alimentos.  Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos podem ser mediados ou não mediados por IgE, variando assim a clínica de acordo com cada mecanismo. No geral, a sintomatologia ocorre por manifestações cutâneas, gastrointestinais e respiratórias. Em alguns casos reações de maior gravidade acometem os pacientes ocasionando nos quadros de anafilaxia. A alergia alimentar é frequentemente diagnosticada sem a presença de um médico, pois as consequências surgem geralmente após o consumo de um determinado alimento. Existem muitos exames para o diagnóstico, principalmente quando a alergia é mediada por IgE, são eles: exames laboratoriais, teste cutâneo, RAST, teste de provocação, etc. O principal tratamento é baseado na dieta de exclusão, sendo muito importante a orientação de um profissional da saúde para a educação do paciente e também dos seus familiares.

Palavras-chave: Alergia alimentar. Hipersensibilidade Alimentar. Alérgenos.  

Abstract

Food allergy is a hypersensitivity response triggered by ingestion and/or contact with food. The pathophysiological mechanisms can be either immunoglobulin E (IgE) or non-IgE mediated, and then the clinic can vary according to each mechanism. In general, the symptomatology occurs by cutaneous, gastrointestinal and respiratory manifestations. In some cases, more severe reactions affect patients, resulting in anaphylaxis. Food allergy is frequently diagnosed without a medical opinion, as the consequences usually appear after the consumption of a specific food. There are many diagnostic tests, especially when the allergy is mediated by IgE, which are: laboratory tests, skin prick test, RAST, oral provocation test, etc. The main treatment is based on the elimination diet, being very important the guidance from a health professional for the education of the patient and also of their families.

Keywords: Food Hypersensitivity. Food Allergy. Allergen.

 

Introdução

            A alergia alimentar, considerada um problema de saúde pública, é definida como uma resposta imunológica anômala decorrente da ingestão e/ou contato com alimentos (SOLÉ et al., 2018). O termo alergia alimentar, no entanto, é frequentemente utilizado de maneira errônea, sendo confundido com as diferentes reações adversas a alimentos. Nesse cenário, é importante compreender corretamente a definição de alergia alimentar, uma vez que existem implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas que diferem de acordo com cada caso. Assim, esclarece-se que a alergia alimentar é apenas uma parte dos tipos de reações adversas a alimentos sendo reação adversa a denominação para qualquer resposta anormal do organismo causada pela ingestão de um alimento (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013).

            As reações adversas a alimentos podem ser classificadas de acordo com os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, sendo assim separadas em imunológicas ou não-imunológicas. As reações não-imunológicas dependem, por exemplo, da substância ingerida, como ocorre nas reações tóxicas que contam com fatores inerentes ao alimento. Nesse caso, a ingestão de toxinas produzidas na deterioração de alimentos se apresentaria como uma reação não-imunológica, afetando qualquer indivíduo que ingerir o alimento em quantidade suficiente para produzir sintomas (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018). Em conjunto, as reações não-imunológicas também podem ser desencadeadas pela reação fisiológica anormal à ingestão de alimentos ou aditivos alimentares, de natureza não imune como em anormalidades metabólicas ou reações a substâncias farmacológicas contidas em alimentos. O exemplo mais conhecido é a intolerância por má absorção de lactose (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

            Já nas reações adversas com mecanismos imunológicos encontra-se a alergia alimentar, que pode ser mediada por anticorpos IgE ou não, resultando em uma diversidade de manifestações clínicas. Dentre esses mecanismos a fisiopatologia mais comum envolve a imunoglobulina E (IgE), caracterizada por rápida instalação e um quadro clínico de urticária, broncoespasmo e eventualmente anafilaxia. Por sua vez, as reações imunológicas não mediadas por IgE possuem início mais insidioso quando comparado ao IgE, se estabelecendo mais tardiamente com o intervalo de horas ou até mesmo dias, o que dificulta o diagnóstico da alergia alimentar (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

Epidemiologia

            A real prevalência de reações alimentares adversas varia, uma vez que depende de fatores como definições de alergia, populações de estudo, metodologias, variação geográfica, idades, exposições alimentares e outros influenciam nas estimativas da população estudada. Estudos recentes sugerem que a prevalência estimada de reações adversas a alimentos é de 12 a 20% em adultos. Entretanto, quando se considera apenas a prevalência das reações imunomediadas, ou seja, de alergia alimentar, a estimativa cai para aproximadamente 6 a 8% das crianças menores de 5 anos, e 3,5 a 4% da população geral (MARTINS et al., 2013; DE SENA et al., 2018).

            Os dados epidemiológicos existentes no Brasil sobre a prevalência de alergia alimentar são escassos e limitados a determinados grupos populacionais, tornando difícil o reconhecimento do real cenário da alergia no país. Apesar dos vieses, os estudos e pesquisas publicados no Brasil também apontam o crescente número de alergias alimentares, sendo nitidamente percebido por especialistas da área (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

Etiologia

            Sendo a alergia alimentar uma reação adversa decorrente da exposição a determinados alimentos, pode-se definir que a etiologia da reação irá depender do alérgeno provocador das reações. Assim, considera-se como alérgeno qualquer substância com capacidade de estimular uma resposta de hipersensibilidade e provocar o quadro alérgico. Os alérgenos envolvidos são, geralmente, macromoléculas proteicas ou glicoproteínas hidrossolúveis de peso molecular entre 10.000 e 60.000 dáltons (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; SOLÉ et al., 2018).

            São considerados bons alérgenos alimentares aqueles que são termoestáveis e resistentes à proteólise. A alergenicidade do alimento pode variar durante etapas como o processamento do alimento ou durante a digestão, uma vez que nesses momentos pode ocorrer alteração das características dos alérgenos, influenciando no aumento ou diminuição do seu potencial alérgico. O aquecimento, por exemplo, provoca a desnaturação da proteína reduzindo seu tamanho e, geralmente, também diminuição do efeito alérgico (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; SOLÉ et al., 2018).

            As proteínas alergênicas de muitos alimentos têm sido identificadas, isoladas, sequenciadas e clonadas. Dentre as proteínas alergênicas já conhecidas tem-se a parvalbumina (alérgeno M), o principal alérgeno do bacalhau e a ovoalbumina, ovomucóide e conalbumina nos ovos de galinha. A maior parte dos indivíduos alérgicos ao leite apresentam reações causadas por mais de uma proteína, sendo β-lactoglobulina a mais importante delas (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

            Na teoria qualquer alimento pode ser a causa de alergia alimentar, mas, na prática, um pequeno número de alimentos é responsável pela maioria das reações alérgicas induzidas por estes. Cerca de 80% dos quadros de alergia alimentar são provocados pela ingestão de leite de vaca, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes e crustáceos. Deve-se destacar, contudo, que novos alérgenos têm sido descritos, tendo sido observado aumento nas reações alérgicas a frutas e a sementes, como kiwi e gergelim, e alguns deles bastante regionais, como a mandioca (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018). Na faixa etária pediátrica os principais casos estão relacionados ao leite de vaca, ovo, soja, amendoim, peixe, frutos do mar e trigo (GRUMACH, 2009).

            A indução das reações alérgicas pode ocorrer através de três vias: pelo consumo do alimento ou o contato direto com a pele e/ou o trato respiratório; pela reatividade cruzada, com sensibilização e produção de IgE específico previamente ao contato com o alimento; e por fim, pela reatividade cruzada pela sensibilização e produção de IgE no estímulo de um alérgeno inalável (ex. polens, látex) e ingestão do alimento (SOLÉ et al., 2018).

Fisiopatologia

            Diferentes fatores podem contribuir para o desenvolvimento das alergias alimentares com destaque para: características do alérgeno alimentar, refletindo seu potencial alergênico, e as características do indivíduo, representadas pela predisposição ao desenvolvimento de hipersensibilidade e quebra dos mecanismos de defesa do trato gastrointestinal (GRUMACH, 2009).

            Grande parte dos alérgenos que são absorvidos não causam sintomas, uma vez que pode ocorrer o desenvolvimento do fenômeno de tolerância a estas proteínas estranhas. Os mecanismos pelos quais essa tolerância se desenvolve não estão bem elucidados, parecendo depender de vários fatores, entre eles: deleção clonal, anergia clonal ou supressão ativa. Já em indivíduos suscetíveis, uma quebra dos processos de tolerância pode resultar na hipersensibilidade aos alimentos ingeridos, sendo encontrados todos os tipos de reações de hipersensibilidade.

            Casos de alergia alimentar possuem sua fisiopatologia separadas de acordo com o mecanismo envolvido, sendo possível ocorrer o mecanismo IgE mediado, não IgE mediado ou os dois podem estar envolvidos simultaneamente (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013). Desse modo, classificam-se as reações de hipersensibilidade em:

  • Mediadas por IgE

            As reações de hipersensibilidade mediadas por IgE ocorrem a partir da sensibilização do sistema imunológico a partir de alérgenos alimentares, propiciando a formação de anticorpos específicos da classe IgE, que se fixam a receptores de mastócitos e basófilos. A intensidade da resposta a partir desse momento dependerá da predisposição dos pacientes, sendo que a falha no desenvolvimento ou a quebra do mecanismo de tolerância oral resulta em produção excessiva de anticorpos IgE específicos para determinados alimentos. Após a sensibilização com formação da IgE específica, nos próximos contatos com o alérgeno, este anticorpo se unirá a IgE que se ligou aos mastócitos e basófilos, promovendo a liberação de mediadores vasoativos como histaminas, os metabólitos do ácido araquidônico (prostaglandinas e leucotrienos) e citocinas Th2, que induzem às manifestações clínicas de hipersensibilidade imediata.

            São exemplos de manifestações mais comuns reações cutâneas, gastrointestinais, respiratórias e reações sistêmicas. O tempo médio entre a ingestão do alimento e o começo destas reações geralmente varia entre minutos ou até 2 horas (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

  • Reações não mediadas por IgE

            As manifestações não mediadas por IgE são caracterizadas por uma resposta de hipersensibilidade mediada por células de apresentação não imediata. Geralmente manifestam-se com sintomas gastrointestinais, sendo diagnosticadas pela boa resposta à eliminação do alérgeno da dieta, apesar da necessidade de biópsia em algumas doenças. Embora pareçam ser mediadas por linfócitos T, ainda existem muitos pontos a serem estudados para melhor compreensão das reações não mediadas. Evidências sugerem que estas reações sejam mediadas por células (reações de hipersensibilidade tipo IV). Embora raras, reações de hipersensibilidades tipos II e III também já foram descritas (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

  • Reações mistas (mediadas por IgE e hipersensibilidade celular)

            Por fim, há o grupo no qual estão incluídas as manifestações decorrentes de mecanismos mediados por IgE associados à hipersensibilidade celular, na qual ocorre participação de linfócitos T e de citocinas pró-inflamatórias. Os exemplos dos quadros clínicos deste grupo são: esofagite, gastrite e gastrenterite eosinofílica, a dermatite atópica e a asma (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

Manifestações Clínicas

            As manifestações clínicas da alergia alimentar podem ser decorrentes do acometimento de diferentes órgãos e sistemas, sendo o trato gastrointestinal, a pele e o sistema respiratório os mais frequentemente acometidos (GRUMACH, 2009).

  • Cutânea

            As manifestações cutâneas são as mais comuns nos quadros de alergia alimentar, ocorrendo principalmente nas reações de hipersensibilidade IgE mediadas. Entre os sinais e sintomas cutâneos de hipersensibilidade alimentar, destacam-se a urticária e angioedema, que ocorrem geralmente até 2 horas após a ingestão ou contato com o alimento. A dermatite atópica, contudo, também é um sintoma que deve ser levado em consideração, uma vez que vários autores têm identificado a alergia alimentar em até 30% dos pacientes com dermatite atópica, sendo essencial uma história alimentar cuidadosa nestes pacientes (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

                Na urticária decorrente da alergia alimentar há a formação de lesões na pele oriundas do extravasamento de líquidos de pequenos vasos ou de capilares à derme superficial. A partir do extravasamento há formação de pápulas eritematosas bem delimitadas na pele, de contornos geográficos com halo central e, em geral, acompanhadas de intenso prurido. No angioedema ocorre um processo semelhante, diferindo apenas por acometer porções mais profundas da pele. Além desses sintomas o paciente pode apresentar urticária de contato, sendo bastante descrita na alergia alimentar e reconhecida pela formação da pápula no exato local ou bem próximo do contato do alimento com a pele (SOLÉ et al., 2018).

            As reações alérgicas podem culminar em graves quadros como a anafilaxia, nessas situações a urticária pode aparecer como um sintoma inicial, estando presente em cerca de 90% dos pacientes que desenvolvem esta reação. Embora seja incomum, a ausência de sintomas cutâneos não exclui a hipótese de um alimento estar induzindo anafilaxia (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

  • Gastrointestinais

            As manifestações gastrointestinais também são comuns nos quadros de alergia alimentar, mas estão em segundo lugar na prevalência quando comparadas às reações dermatológicas. O quadro clínico pode ocorrer por sintomas isolados ou a combinação de: náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia. Apesar desses serem os mais comuns, os pacientes podem apresentar sintomas variados na dependência dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos: mediados por IgE ou não mediados por IgE, ocorrendo desde quadros de vômitos recorrentes e dor abdominal até quadros dramáticos, que resultam em hospitalização por grave enterocolite (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

            Uma das formas de apresentação das manifestações gastrointestinais na alergia alimentar é a hipersensibilidade gastrintestinal imediata (ou anafilaxia gastrintestinal). O quadro clínico é formado por náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia que aparecem em minutos ou até duas horas após a ingestão do alérgeno. Na pediatria, principalmente em crianças com menor idade, o vômito imediato nem sempre é a principal manifestação.

            No entanto, como dito anteriormente, há diferentes formas de manifestações que podem acontecer, dentre elas, têm-se a síndrome da alergia oral que acomete basicamente a orofaringe. Os alimentos mais relacionados a essa síndrome são legumes e vegetais frescos, especialmente em adultos. Na faixa etária pediátrica o leite de vaca e o ovo são os principais alimentos desencadeantes. A síndrome da alergia oral é uma reação alérgica que simula a alergia de contato e é precedida por sensibilização da via respiratória a polens que contêm proteínas homólogas às encontradas em determinadas frutas (banana, cereja, kiwi, maçã, nozes, pera), castanhas e vegetais (aipo, batata e cenoura). Espera-se o aparecimento dos sintomas logo após a exposição ao alérgeno com manifestações que incluem edema, hiperemia, prurido e angioedema dos lábios, língua, palato e faringe. As manifestações clínicas são breves e raramente ocorre disfagia, náuseas e dor abdominal, edema de glote e anafilaxia (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

            Outras formas de apresentação dos sintomas gastrointestinais são a esofagite e gastroenterite eosinofilica que podem ter mecanismo lgE mediado, não lgE mediado ou ambos e são caracterizadas pela infiltração da parede do esôfago, estômago ou intestino por eosinófilos, e frequentemente, eosinofilia periférica. A esofagite eosinofílica é uma enfermidade crônica na qual os sintomas são semelhantes aos da doença do refluxo gastroesofágico, diferindo destes pela ausência de resposta ao tratamento convencional. Sua incidência parece estar aumentando nos últimos anos com crianças e adultos. Essa realidade, contudo, não pode ser verificada no Brasil, pois apesar de algumas séries de casos publicadas, não há taxa de prevalência oficial. Os alimentos mais envolvidos são leite, ovo, soja e trigo (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

  • Respiratórias

            Os sintomas respiratórios, mesmo sendo frequentemente associados a alergia alimentar, são incomuns como manifestação isolada, especialmente na pediatria. De maneira geral, os sintomas respiratórios são acompanhados por sintomas cutâneos ou gastrointestinais e quando presentes em quadros de alergia alimentar indicam manifestação mais grave, e geralmente fazem parte do quadro clínico de anafilaxia (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

            Como manifestação isolada a inalação direta do alérgeno alimentar pelo trato respiratório pode gerar quadros raros de asma ou rinite, induzidos por alimento. Os sintomas incluem coriza, prurido nasal, broncoespasmo e edema da laringe. O diagnóstico de alergia alimentar como a causa dessas manifestações é difícil de ser estabelecido interferindo na real prevalência desse quadro (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

  • Anafilaxia

            As reações anafiláticas representam aquelas de maior gravidade em pacientes com alergia alimentar, sendo os alimentos uma causa importante de anafilaxia ao lado das drogas e picadas de insetos. A anafilaxia induzida por alimentos é uma forma de hipersensibilidade mediada pela IgE, com manifestações súbitas de sintomas e representa um quadro emergencial com risco de morte. Os pacientes podem apresentar simultaneamente manifestações cutâneas, respiratórias, gastrointestinais e cardiovasculares, como hipotensão, síncope, arritmias e choque (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

            Qualquer alimento tem o potencial para induzir uma reação anafilática, no entanto os mais frequentes são leite de vaca, ovo, camarão, peixe, amendoim e nozes. Reações mais graves têm sido associadas com ingestão de amendoim, peixe e frutos do mar, sendo que na faixa etária pediátrica, deve-se também lembrar do leite de vaca e ovo (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; SOLÉ et al., 2018).

            Os sintomas iniciais podem ocorrer imediatamente após a ingestão do alimento, com manifestações na pele por prurido e edema da mucosa oral e lábios. Além disso, há o envolvimento gastrointestinal com dor abdominal, acompanhada de náuseas e vômitos. As manifestações respiratórias são as principais presentes no choque anafilático, podendo ocorrer: sensação de garganta “fechando”, disfonia, tosse seca irritativa, edema de glote e de laringe, dispneia, sensação de aperto torácico, sibilos generalizados, crises de espirros, lacrimejamento e congestão nasal intensa (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

            Além disso, o envolvimento do sistema cardiovascular é responsável pelos sinais e sintomas de síncope, dor torácica, arritmia, hipotensão e choque. Por fim, pode ocorrer participação do sistema nervoso com manifestações como cefaleia, confusão mental, sonolência, convulsões, incontinência, perda de consciência e coma (SOLÉ et al., 2018).

            Os óbitos por alergia alimentar são relatados na literatura através da descrição de pacientes com algumas características em comum, como o fato de serem asmáticos, apresentarem níveis elevados de IgE e não terem recebido adrenalina nos primeiros 30 minutos de sintomatologia clínica (GRUMACH, 2009).

            Existe um caso específico de anafilaxia que ocorre induzida por alimento dependente de exercício. Essa é uma síndrome em que os sintomas somente ocorrem se determinado alimento for ingerido 2 a 6 horas antes do exercício físico. O alimento isolado ou o exercício físico sem a ingestão do alimento não causam anafilaxia nestes pacientes. Possíveis mecanismos apontados para explicar este fato são modificações do fluxo sanguíneo do intestino, aumento da absorção de alérgenos alimentares e aumento da liberação espontânea de histamina por mastócitos (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013).

  • Outras

            Outras manifestações clínicas têm sido relacionadas à alergia alimentar, porém ainda carecem de comprovação científica, entre elas manifestações renais e acometimento articular são apontadas como possibilidades. Além delas, doenças inflamatórias intestinais têm sido atribuídas à alergia alimentar (doença de Crohn e colite ulcerativa). Em todos esses casos há necessidade de maior comprovação que firme o diagnóstico de alergia alimentar (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

Abordagem Diagnóstica

            A alergia alimentar é por muitas vezes diagnosticada pela própria população, sem necessidade de um médico. Isso acontece pois os sintomas geralmente aparecem logo após o consumo de determinado alimento, sendo inevitável a dedução de causa-consequência (SOLÉ et al., 2018).

            A anamnese é de fundamental importância para entender a alergia do paciente, pois a suspeita diagnóstica vai se basear na lembrança dos sintomas e manifestações causadas pelo alimento. A história clínica deve ser detalhada em busca de todos os dados que ajudem a caracterizar elementos que levem ao diagnóstico de AA (SOLÉ et al., 2018). É importante lembrar que os principais alimentos responsáveis pelas alergias se resumem em ovo, leite, peixe, amendoim, soja e trigo (GRUMACH, 2009).

            Alguns sintomas podem ser supervalorizados pelos pacientes, então o profissional deve manter cautela e ceticismo durante a consulta. Modificar a nutrição do paciente é algo que pode alterar toda a vida dele, por isso deve-se atentar aos diagnósticos errados que podem levar os pacientes a desnutrição e o subdiagnóstico que pode causar sofrimento prolongado e desnecessário ou até graves manifestações como a anafilaxia (GRUMACH, 2009).

            A avaliação do provável mecanismo de AA será decisiva na escolha de exames e condutas a serem realizados (SOLÉ et al., 2018). O principal trabalho do profissional é determinar se o que foi apresentado pelo paciente é realmente uma reação adversa ao alimento e se essa reação é ou não imunológica, e se for imunológica deve-se pesquisar também se ela é mediada ou não por IgE (GRUMACH, 2009). Para que o diagnóstico da AA seja realizado, devem ser feitas quatro pesquisas fundamentais: Anamnese; Exame Físico; Provas Diagnósticas e Provas Dietéticas (SOLÉ et al., 2018).

            As provas diagnósticas incluem vários testes que estão disponíveis, tais como: cutâneo, RAST, de exclusão de alimentos suspeitos, controle de alimento duplo-cego. Pode-se lançar mão de outros testes comprovados, mas não amplamente utilizados por serem invasivos, que são: endoscopia com ou sem biópsia intestinal, estudo da permeabilidade intestinal e no caso de doença celíaca, a medida de anticorpos IgG antigliadina é usada (DE ANGELIS, 2015).

  • Exames Laboratoriais

            Os exames laboratoriais são limitados quando a alergia induzida pelo alimento não é mediada por IgE, mas alguns podem apresentar anormalidades facilitando a suspeita diagnóstica de AA. O exame deve ser realizado enquanto o paciente estiver exposto ao alimento (GRUMACH, 2009) e caso alguma alteração seja identificada deve ser repetido durante a dieta de exclusão.

  • Hemograma

            A Alergia alimentar pode trazer algumas complicações associadas como a anemia devido a má absorção de ferro e devido a lesões intestinais, então apesar de não servir de teste diagnóstico o hemograma deve ser realizado para que principalmente as reservas de ferro sejam analisadas. Outro achado importante é a eosinofilia que pode ser encontrada em pacientes com doenças gastrintestinais (MANTI et al., 2017).

  • Exames Relacionados com Quadro Clínico Mediado por IgE

IgE Específica in vitro (RAST)

            O RAST é um exame realizado com uma amostra de sangue do paciente, onde se observa a presença de IgE específica aos principais antígenos alimentares. Então só tem utilidade em pacientes com alergia mediada por IgE (SOLÉ et al., 2018).

            Esse exame se mostra menos sensível do que o prick-test, mas em algumas situações específicas ele é a escolha para o auxílio no diagnóstico de AA quando sua positividade atinge um alto grau, pois em baixos graus (fracamente positivo) tem pouco valor. Além disso, não é muito utilizado devido ao seu alto custo (GRUMACH, 2009).

            Ele é uma boa opção para pacientes que apresentam reações graves mesmo que seja minimamente apresentada ao antígeno (GRUMACH, 2009). O RAST é um bom indicador para o alimento que provoca a reação, então serve como orientação para o teste de provocação duplo cego placebo controlado (TPDCPC). Em resumo, utiliza-se RAST para os pacientes que são IgE positivos e o teste cutâneo (prick-test) para todos (SOLÉ et al., 2018).

Teste Cutâneo

            Esse teste deve ser aplicado em todos os pacientes com suspeita de alergia alimentar mediada por IgE (GRUMACH, 2009). Ele é uma ótima escolha para identificação do antígeno e se mostra muito importante para o paciente, pois um teste negativo dificilmente causará reação caso esse alimento seja introduzido à dieta, (SOLÉ et al., 2018) já um teste positivo sugere a possibilidade de AA que deve ser posteriormente confirmada ou não com o teste de provocação que será detalhado mais à frente (GRUMACH, 2009).

            É realizado através da aplicação do alérgeno por via intradérmica ou com o uso de adesivo na pele, sendo menos sensível, mas mais seguro pois a aplicação intradérmica pode induzir uma reação sistêmica. Utiliza-se a histamina como controle positivo e solução salina como controle negativo e extratos padronizados seguindo as normas nacionais como alérgenos (SOLÉ et al., 2018). É indispensável que os extratos usados neste teste sejam de boa qualidade (GRUMACH, 2009).

            Devido a essa exposição ao alérgeno, o indivíduo apresentará reação local, como edema e eritema, devido aos anticorpos circulantes. O teste é positivo quando a pápula formada tiver no mínimo 3mm de diâmetro, ou três vezes maior que o controle negativo (SOLÉ et al., 2018).

Alguns extratos padronizados não são suficientes para realizar o teste devido ao processamento industrial que pode tornar esse extrato hipoalergênico devido a degradação das proteínas. No caso de uma história clínica característica e teste negativo, deve-se realizar um novo teste chamado “prick to prick”, onde se repete o processo com o alimento in natura, levando partículas diretamente para a pele do paciente (GRUMACH, 2009).

            Não há restrição de idade para a realização desse teste (FRANCO et al., 2017), mas é claro que quanto mais nova a criança for menos exposta a vários alimentos ela será, impossibilitando assim a formação de anticorpos (SOLÉ et al., 2018).

Dieta de exclusão

            A dieta de exclusão além de uma prova diagnóstica, é também terapêutica (MANTI et al., 2017). Após realizar uma anamnese detalhada, suspender o alimento é a primeira medida a ser tomada com o paciente com suspeita de AA (GRUMACH, 2009). Essa medida é totalmente dependente do paciente, então ele deve manter fora de sua dieta todos os alimentos que contém o antígeno.

            Depois de um tempo sem manifestações alérgicas o alimento deve ser introduzido, com o teste de provocação que será detalhado mais à frente. Quando os sintomas permanecem mesmo após o alimento ter sido excluído da dieta, a possibilidade de AA é afastada (GRUMACH, 2009).

Teste de Provocação

            Esse teste pode ser realizado de 3 formas: Aberta, quando o paciente e o médico estão cientes da ingestão do alimento; simples cego, quando apenas o médico tem conhecimento da ingesta; duplo-cego, tanto o médico quanto o paciente não sabem da ingestão do alimento suspeito (GRUMACH, 2009).

            O teste aberto é o mais utilizado devido a facilidade e praticidade do seu processo. Após duas semanas da dieta de exclusão do alimento suspeito esse deve ser reintroduzido. Caso os sintomas não retornem à possibilidade de AA é afastada, mas caso os sintomas retornem o teste deve ser reproduzido (retirando e inserindo) o alimento duas ou três vezes para finalmente fechar o diagnóstico de AA no paciente.

            O TPDCPC é considerado padrão-ouro no diagnóstico de AA (GRUMACH, 2009). Algumas literaturas defendem que ele pode ser realizado em consultório, mas por questões de segurança é realizado com o paciente internado em ambiente hospitalar. O paciente deve excluir da dieta o alimento suspeito de 1 a 2 semanas da realização do teste duplo cego no caso de alergia mediada por IgE e mais tempo caso seja não mediada para que melhore a sensibilidade do exame. Além disso, medicamentos como anti-histamínicos e broncodilatadores também devem ser suspensos (SOLÉ et al., 2018). Esse teste é muito complexo e pouco utilizado na prática, sendo mais realizado o teste simples cego que apesar de menos específico, é mais aplicável.

                A internação deve durar dois dias, visto que reações mediadas por IgE apresentam rápida resposta clínica, se apresentando entre poucos minutos até 4 horas. Mas na minoria das vezes (15%), o paciente pode apresentar uma reação tardia 24 horas após o início do teste, não sendo possível definir um momento exato do teste por conta da aleatoriedade, pois trata-se de um teste duplo-cego (SOLÉ et al., 2018).

            Deve ser introduzido um acesso venoso com um cateter heparinizado para que eventuais reações sejam controladas. Medicações de emergência devem estar disponíveis com doses pré-determinadas (GRUMACH, 2009), pois 15% dos pacientes podem evoluir com hipotensão ou outros sintomas (SOLÉ et al., 2018).

  • Principais Diagnósticos Diferenciais

Tabela 1 – Diagnóstico diferencial das reações adversas a alimentos.

DOENÇAS GASTRINTESTINAIS (VÔMITOS E/OU DIARREIA)

Anomalia estrutural

Refluxo gastroesofágico

Hérnia hiatal

Estenose pilórica

Doença de Hirschsprung

Fístula traqueoesofágica

Deficiências enzimáticas (primárias e secundárias)

Deficiência de dissacaridases (lactase, sacarase isomaltase)

Galactosemia

Fenilcetonúria

Doença celíaca

Doenças inflamatórias intestinais Colites indeterminadas

Alterações vasculares

Insuficiência pancreática (fibrose cística, síndrome Shwachman-Diamond)

Doença da vesícula biliar

Úlcera péptica Malignidade

CONTAMINANTES E ADITIVOS

Flavorizantes e conservantes

Metabissulfito de sódio

Glutamato monossódico

Nitritos/nitratos

Corantes

Tartrazina, outros azocorantes e vermelho carmin

Toxinas bacterianas (Clostridium botulinum, Staphylococcus aureus)

Fúngicas (aflatoxinas, ergotamina)

Doenças associadas a produtos do mar

Envenenamento pela histamina do peixe (atum, cavala)

Envenenamento pela ciguatera (garoupa, barracuda)

Saxitoxina (mariscos)

Agentes infecciosos Contaminantes acidentais

Bactérias (Salmonella, Shigella, E. coli, C. difficile, Yersinia, Campylobacter) Parasitas (Ameba, Giardia, Strongyloides, Trichinella, Anisakis simplex)

Vírus (hepatite, rotavírus, enterovírus, CMV)

Antígenos de fungos

Contaminantes acidentais

Metais pesados (níquel, cobre)

Pesticidas

Antibióticos (amoxicilina, clindamicina)

AGENTES FARMACOLÓGICOS

Cafeína (café, refrigerantes)

Teobromina (chocolate, chá)

Histamina (peixes, chucrute)

Triptamina (tomate, ameixa)

Serotonina (banana, tomate)

Tiramina (queijos, arenque em conserva)

Solanina (batatas)

Álcool

REAÇÕES PSICOLÓGICAS

Fonte: Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar, 2007.

Tratamento

            O tratamento da AA tem como principal alvo evitar sintomas e piora clínica do paciente, sem esquecer de manter uma dieta favorável e balanceada para que a pessoa consiga seu pleno desenvolvimento e não desenvolva prejuízos nutricionais (SOLÉ et al., 2018).

  • Tratamento não farmacológico

            O único tratamento eficaz e adequado é a retirada do alérgeno da dieta do indivíduo, mas, apesar de simples, não é um trabalho fácil. Deve-se atentar ao risco de maus hábitos alimentares e desnutrição que são ocasionados muitas vezes por dietas restritivas, principalmente quando muitos alimentos são removidos. O antígeno, ou traços dele, pode estar oculto em uma gama de alimentos (GRUMACH, 2009), então é importante a identificação deste alérgeno para que só o necessário seja retirado, manter a função nutricional desse paciente, sem dietas muito restritivas e desnecessárias (SOLÉ et al., 2018).

            Em relação aos lactentes que são alérgicos, devem ser mantidos em aleitamento materno exclusivo e a mãe deve excluir da sua alimentação o alérgeno envolvido, independente se a alergia for mediada por IgE ou não, e ainda deve ser recomendada a suplementação de cálcio e vitamina D. Caso essa criança não esteja em amamentação, deve-se primeiramente encorajar a mãe a amamentar e se não for possível, a criança deve ser alimentada com fórmulas sem a proteína complexa do leite da vaca, podendo ser extensamente hidrolisadas, com aminoácidos livres (caso a criança ainda apresente reações às extensamente hidrolisadas) ou com proteína de soja isolada caso a criança não tenha manifestações intestinais e tenha mais de 6 meses de idade (SOLÉ et al., 2018).

            As fórmulas além de caras, são de paladar ruim, então devem ser usadas em pacientes que não toleram o leite de soja, se tornando a primeira opção em casos de alergia ao leite animal (GRUMACH, 2009). As Secretarias de Saúde são obrigadas a fornecer as fórmulas, mas infelizmente isso só é realizado mediante imposição judicial. O pedido médico deve estar bem embasado e o tratamento claro e definido para que não haja intercorrências judiciais. 

            Um grande desafio para os pacientes é que os alimentos podem aparecer de maneira discreta nos rótulos e não ser reconhecido por quem vai consumir, por exemplo: o leite pode aparecer como caseína, soro, sabor caramelo; o ovo pode aparecer como albumina etc. Por isso, o médico tem papel fundamental na orientação do paciente e de sua família (SOLÉ et al., 2018), explicando como os alimentos podem aparecer, quais cuidados deve-se tomar e dar o apoio necessário para que essa família entenda o problema do paciente, sendo sua rede de apoio.

            Um acompanhamento multidisciplinar é de extrema importância para o indivíduo, pois numa mudança dietética além de dificuldades nutricionais o paciente também encontrará obstáculos psicológicos para enfrentar (SOLÉ et al., 2018).

            Outro problema é quando a retirada de múltiplos alimentos é necessária, pois a alergia está relacionada a vários antígenos. Além disso, existem as chamadas reações cruzadas caso haja o consumo de um alimento da mesma família (com estruturas biológicas semelhantes) (GRUMACH, 2009), por possuírem proteínas homólogas. A descoberta antecipada da possibilidade de reação cruzada é difícil, pois o TPDCPC mesmo sendo positivo para alimentos da mesma família pode não induzir resposta clínica (GRUMACH, 2009).

            O tratamento dura por pelo menos seis meses, pois é o tempo para que a dessensibilização imune ocorra, mas não existe um tempo limite, variando a cada indivíduo. Após o tratamento, o alimento deve ser reintroduzido com muito cuidado, sendo necessário ambiente hospitalar caso tenha previamente induzido uma reação aguda mediada por IgE. A tolerância clínica não é possível em caso de alergia a alguns alimentos como: amendoim, nozes e frutos do mar, que geralmente persistem durante toda a vida (SOLÉ et al., 2018).

            Para que o profissional da saúde tenha condições plenas de orientar a família, é importante que eles façam registros diários das refeições incluindo final de semana e caso haja algum sintoma anote o horário para que seja mais fiel a relação causa- consequência (SOLÉ et al., 2018).

  • Tratamento farmacológico

            Uma das classes usadas no tratamento da ingestão acidental do alérgeno são os anti-histamínicos, pois apresentam boa resposta em caso de alergia oral, dermatológica ou de vias aéreas, aliviando os sintomas (SOLÉ et al., 2018). Entretanto, algumas literaturas apontam que essa classe pode mascarar os sintomas gastrintestinais e cutâneos (GRUMACH, 2009), além de ter baixa eficácia e efeitos colaterais importantes como sonolência principalmente. Também são utilizadas inalações com broncodilatadores em pacientes com sintomas respiratórios (SOLÉ et al., 2018). Outra classe amplamente utilizada são os corticoides orais (GRUMACH, 2009), que são eficazes em doenças mediadas por IgE de forma geral.

                Vale lembrar que os anti-histamínicos e corticoides só devem ser utilizados para tratar as crises de ingestão acidental do alimento, pois não são administradas para tratamento contínuo devido aos seus efeitos colaterais.

                Por fim, novas estratégias com imunoterapia vêm sendo estudadas. Ela consiste na modificação de epítopos antigênicos (a parte que se liga ao IgE), levando a dessensibilização do indivíduo, livrando-o de uma reação sistêmica grave (GRUMACH, 2009).

            O uso de anticorpos anti-IgE também leva a diminuição dos IgE circulantes, levando a diminuição das reações e dos sintomas (GRUMACH, 2009). Essas terapias mais complexas são realizadas em pacientes que têm altos níveis de IgE e são refratários aos tratamentos convencionais.

Prevenção

            A principal estratégia de prevenção é o aleitamento materno exclusivo por seis meses, mas quando ela não é possível pode-se adotar medidas citadas anteriormente (GRUMACH, 2009). Ainda não existem evidências de que as fórmulas hidrolisadas ajudam como medida preventiva para o desenvolvimento de AA (BOYLE et al., 2016).

            Além disso, não existe relação entre o adiamento da introdução do leite de vaca e a diminuição do aparecimento da AA (SOLÉ et al., 2018). Em uma criança com risco de desenvolver alergia alimentar, a mãe pode lançar mão da estratégia de retirar de sua dieta as proteínas dos principais alimentos causadores (DE ANGELIS,2015). Em resumo o aleitamento materno exclusivo associado a uma dieta hipoalergênica é a melhor estratégia a ser tomada como prevenção da AA.

Considerações Finais

            Não é raro encontrar uma pessoa afetada com algum tipo de alergia alimentar, pois aproximadamente 2% da população a possui (DE ANGELIS, 2015). Então os pacientes suspeitos devem receber um diagnóstico de maneira adequada para que não cause prejuízos a eles. Isso será possível através de uma história bem colhida e exames específicos para cada caso. O teste de provocação duplo-cego é o padrão ouro no diagnóstico da AA. O tratamento definitivo é a dieta de exclusão que deve ser orientada de forma clara e minuciosa pelo médico e o paciente deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar caso seja possível. A dieta deve ser seguida de forma rigorosa e deve-se atentar a possibilidade de reações cruzadas e em alguns casos, medicamentos podem ser utilizados para conter as crises. A única maneira de evitar reações alérgicas é estabelecendo uma relação médico-paciente para que haja troca de informações que necessariamente devem ser seguidas e adaptadas conforme a necessidade do paciente.

Referências Bibliográficas

GRUMACH, Anete Sevciovic. Alergia e imunologia na infância e na adolescência. In: Alergia e imunologia na infância e na adolescência. 2009. p. 897-897.

BOYLE, Robert J. et al. Hydrolysed formula and risk of allergic or autoimmune disease: systematic review and meta-analysis. bmj, v. 352, 2016.

DE ANGELIS, Rebeca Carlota. Alergias alimentares: tentando entender por que existem pessoas sensíveis a determinados alimentos. In: Alergias alimentares: tentando entender por que existem pessoas sensíveis a determinados alimentos. 2005. p. [142]-[142].

MARTINS, Milton de Arruda et al. Clínica Médica Vol. 7- Alergia e Imunologia Clínica, Doenças da Pele, Doenças Infecciosas 2013.

FRANCO, A. Keller et al. Body mass index and skin reactivity to histamine and Dermatophagoides pteronyssinus in children and adolescents followed in a pediatric allergy service. European Annals Of Allergy And Clinical Immunology, 2017.

MANTI, Sara et al. A systematic review of food protein–induced enterocolitis syndrome from the last 40 years. Annals of Allergy, Asthma & Immunology, v. 118, n. 4, p. 411-418, 2017.

DE SENNA, Simone Nabuco et al. Achados epidemiológicos de alergia alimentar em crianças brasileiras: análise de 234 testes de provocação duplo-cego placebo-controlado (TPDCPCs). Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia, v. 2, n. 3, p. 344-350, 2018.

SOLÉ, Dirceu et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018-Parte 1-Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia, v. 2, n. 1, p. 7-38, 2018.

SOLÉ, Dirceu et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018-Parte 2-Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia, v. 2, n. 1, p. 39-82, 2018.

 

CAPÍTULO 2

Feno-Grego (Triagonella foenum-graecum): A Pequena Grande Planta e Seus Benefícios na Prevenção de Doenças e Promoção Da Saúde

FENUGreek (Triagonella foenum-graecum): The Small Big Plant and its BEnefits in Disease Prevention and HeaLth Promotion

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.02

Submetido em: 27/06/2022

Revisado em: 30/06/2022

Publicado em: 03/07/2022

 

Ana Gabriela do Rêgo Leite

Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação e Saúde, Cuité-PB

http://lattes.cnpq.br/9165366829565854

Amanda Geovana Pereira de Araújo

Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação e Saúde, Cuité-PB

http://lattes.cnpq.br/3946322725458190

Tainá Oliveira de Araújo

Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação e Saúde, Cuité-PB

http://lattes.cnpq.br/8031037065925876

Silvânia Narielly Araújo Lima

Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação e Saúde, Cuité-PB

http://lattes.cnpq.br/4848390450941924

Anne Wirginne de Lima Rodrigues

Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação e Saúde, Cuité-PB

http://lattes.cnpq.br/0355598894423144

Igor Luiz Vieira de Lima Santos

Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Educação e Saúde, Cuité-PB

http://lattes.cnpq.br/6976858979875527

 

 

 

Resumo

As plantas habitam nosso planeta por milhões anos, suas propriedades medicinais perpassam gerações sendo amplamente utilizadas no tratamento de diversas doenças e condições, inclusive como alternativa a fármacos sintéticos. Entre as mais conhecidas está o feno-grego (Triagonella foenum-graecum), devido aos seus efeitos apresentarem eficácia terapêutica em práticas medicinais e nutricionais no tratamento de diversas patologias relatadas em estudos clínicos. O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre as propriedades e benefícios do feno-grego na prevenção de doenças e promoção a saúde. Buscando compreender os fatores associados ao uso desta PANC no tratamento de patologias, com ênfase nos idosos, além de ressaltar a importância do profissional nutricionista nos cuidados e orientações nutricionais sobre alimentação associada ao uso de fitoterápicos. A metodologia baseou-se em uma pesquisa bibliográfica de artigos científicos versando sobre o tema de forma abrangente, realizada em plataformas de busca nacionais e internacionais, periódicos, e dados governamentais de entidades organizacionais de saúde, concentrada nas plataformas de pesquisas: PubMed, NCBI, Scielo e Google Acadêmico, afim de reforçar as ideias expostas. Os resultados obtidos mostram que o uso do feno-grego como via de tratamento de doenças crônicas e hormonais está em ascendência especialmente pela população idosa mais simpatizante deste fitoterápico. Em conclusão, verificou-se um potencial terapêutico na melhoria da qualidade de vida dos idosos e no tratamento das doenças crônicas hormonais.

Palavras-chave: Trigonella foenum-graecum, Fitoterapia, Feno-grego, cuidados nutricionais, Nutrição geriátrica.

Abstract

Plants inhabit our planet for millions of years, their medicinal properties span generations being widely used in the treatment of various diseases and conditions, including as an alternative to synthetic drugs. Among the best known is fenugreek (Triagonella foenum-graecum), due to its therapeutic efficacy in medicinal and nutritional practices in the treatment of several pathologies reported in clinical studies. The present work aims to discuss the properties and benefits of fenugreek in disease prevention and health promotion. Seeking to understand the factors associated with the use of this PANC in the treatment of pathologies, with emphasis on the elderly, in addition to emphasizing the importance of the professional nutritionist in the care and nutritional guidelines on food associated with the use of herbal medicines. The methodology was based on a bibliographic search of scientific articles dealing with the subject in a comprehensive way, carried out on national and international search platforms, journals, and government data from organizational health entities, concentrated on research platforms: PubMed, NCBI, Scielo and Google Scholar, in order to reinforce the exposed ideas. The results obtained show that the use of fenugreek as a way of treating chronic and hormonal diseases is on the rise, especially among the elderly population that is more sympathetic to this herbal medicine. In conclusion, there was a therapeutic potential in improving the quality of life of the elderly and in the treatment of chronic hormonal diseases.

Keywords: Trigonella foenum-graecum, Phytotherapy, Fenugreek, nutritional care, Geriatric nutrition.

 

 

 
Introdução

            A alergia alimentar, considerada um problema de saúde pública, é definida como uma resposta imunológica anômala decorrente da ingestão e/ou contato com alimentos (SOLÉ et al., 2018). O termo alergia alimentar, no entanto, é frequentemente utilizado de maneira errônea, sendo confundido com as diferentes reações adversas a alimentos. Nesse cenário, é importante compreender corretamente a definição de alergia alimentar, uma vez que existem implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas que diferem de acordo com cada caso. Assim, esclarece-se que a alergia alimentar é apenas uma parte dos tipos de reações adversas a alimentos sendo reação adversa a denominação para qualquer resposta anormal do organismo causada pela ingestão de um alimento (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013).

            As reações adversas a alimentos podem ser classificadas de acordo com os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, sendo assim separadas em imunológicas ou não-imunológicas. As reações não-imunológicas dependem, por exemplo, da substância ingerida, como ocorre nas reações tóxicas que contam com fatores inerentes ao alimento. Nesse caso, a ingestão de toxinas produzidas na deterioração de alimentos se apresentaria como uma reação não-imunológica, afetando qualquer indivíduo que ingerir o alimento em quantidade suficiente para produzir sintomas (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018). Em conjunto, as reações não-imunológicas também podem ser desencadeadas pela reação fisiológica anormal à ingestão de alimentos ou aditivos alimentares, de natureza não imune como em anormalidades metabólicas ou reações a substâncias farmacológicas contidas em alimentos. O exemplo mais conhecido é a intolerância por má absorção de lactose (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

            Já nas reações adversas com mecanismos imunológicos encontra-se a alergia alimentar, que pode ser mediada por anticorpos IgE ou não, resultando em uma diversidade de manifestações clínicas. Dentre esses mecanismos a fisiopatologia mais comum envolve a imunoglobulina E (IgE), caracterizada por rápida instalação e um quadro clínico de urticária, broncoespasmo e eventualmente anafilaxia. Por sua vez, as reações imunológicas não mediadas por IgE possuem início mais insidioso quando comparado ao IgE, se estabelecendo mais tardiamente com o intervalo de horas ou até mesmo dias, o que dificulta o diagnóstico da alergia alimentar (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

Epidemiologia

            A real prevalência de reações alimentares adversas varia, uma vez que depende de fatores como definições de alergia, populações de estudo, metodologias, variação geográfica, idades, exposições alimentares e outros influenciam nas estimativas da população estudada. Estudos recentes sugerem que a prevalência estimada de reações adversas a alimentos é de 12 a 20% em adultos. Entretanto, quando se considera apenas a prevalência das reações imunomediadas, ou seja, de alergia alimentar, a estimativa cai para aproximadamente 6 a 8% das crianças menores de 5 anos, e 3,5 a 4% da população geral (MARTINS et al., 2013; DE SENA et al., 2018).

            Os dados epidemiológicos existentes no Brasil sobre a prevalência de alergia alimentar são escassos e limitados a determinados grupos populacionais, tornando difícil o reconhecimento do real cenário da alergia no país. Apesar dos vieses, os estudos e pesquisas publicados no Brasil também apontam o crescente número de alergias alimentares, sendo nitidamente percebido por especialistas da área (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

Etiologia

            Sendo a alergia alimentar uma reação adversa decorrente da exposição a determinados alimentos, pode-se definir que a etiologia da reação irá depender do alérgeno provocador das reações. Assim, considera-se como alérgeno qualquer substância com capacidade de estimular uma resposta de hipersensibilidade e provocar o quadro alérgico. Os alérgenos envolvidos são, geralmente, macromoléculas proteicas ou glicoproteínas hidrossolúveis de peso molecular entre 10.000 e 60.000 dáltons (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; SOLÉ et al., 2018).

            São considerados bons alérgenos alimentares aqueles que são termoestáveis e resistentes à proteólise. A alergenicidade do alimento pode variar durante etapas como o processamento do alimento ou durante a digestão, uma vez que nesses momentos pode ocorrer alteração das características dos alérgenos, influenciando no aumento ou diminuição do seu potencial alérgico. O aquecimento, por exemplo, provoca a desnaturação da proteína reduzindo seu tamanho e, geralmente, também diminuição do efeito alérgico (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; SOLÉ et al., 2018).

            As proteínas alergênicas de muitos alimentos têm sido identificadas, isoladas, sequenciadas e clonadas. Dentre as proteínas alergênicas já conhecidas tem-se a parvalbumina (alérgeno M), o principal alérgeno do bacalhau e a ovoalbumina, ovomucóide e conalbumina nos ovos de galinha. A maior parte dos indivíduos alérgicos ao leite apresentam reações causadas por mais de uma proteína, sendo β-lactoglobulina a mais importante delas (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

            Na teoria qualquer alimento pode ser a causa de alergia alimentar, mas, na prática, um pequeno número de alimentos é responsável pela maioria das reações alérgicas induzidas por estes. Cerca de 80% dos quadros de alergia alimentar são provocados pela ingestão de leite de vaca, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes e crustáceos. Deve-se destacar, contudo, que novos alérgenos têm sido descritos, tendo sido observado aumento nas reações alérgicas a frutas e a sementes, como kiwi e gergelim, e alguns deles bastante regionais, como a mandioca (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018). Na faixa etária pediátrica os principais casos estão relacionados ao leite de vaca, ovo, soja, amendoim, peixe, frutos do mar e trigo (GRUMACH, 2009).

            A indução das reações alérgicas pode ocorrer através de três vias: pelo consumo do alimento ou o contato direto com a pele e/ou o trato respiratório; pela reatividade cruzada, com sensibilização e produção de IgE específico previamente ao contato com o alimento; e por fim, pela reatividade cruzada pela sensibilização e produção de IgE no estímulo de um alérgeno inalável (ex. polens, látex) e ingestão do alimento (SOLÉ et al., 2018).

Fisiopatologia

            Diferentes fatores podem contribuir para o desenvolvimento das alergias alimentares com destaque para: características do alérgeno alimentar, refletindo seu potencial alergênico, e as características do indivíduo, representadas pela predisposição ao desenvolvimento de hipersensibilidade e quebra dos mecanismos de defesa do trato gastrointestinal (GRUMACH, 2009).

            Grande parte dos alérgenos que são absorvidos não causam sintomas, uma vez que pode ocorrer o desenvolvimento do fenômeno de tolerância a estas proteínas estranhas. Os mecanismos pelos quais essa tolerância se desenvolve não estão bem elucidados, parecendo depender de vários fatores, entre eles: deleção clonal, anergia clonal ou supressão ativa. Já em indivíduos suscetíveis, uma quebra dos processos de tolerância pode resultar na hipersensibilidade aos alimentos ingeridos, sendo encontrados todos os tipos de reações de hipersensibilidade.

            Casos de alergia alimentar possuem sua fisiopatologia separadas de acordo com o mecanismo envolvido, sendo possível ocorrer o mecanismo IgE mediado, não IgE mediado ou os dois podem estar envolvidos simultaneamente (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013). Desse modo, classificam-se as reações de hipersensibilidade em:

  • Mediadas por IgE

            As reações de hipersensibilidade mediadas por IgE ocorrem a partir da sensibilização do sistema imunológico a partir de alérgenos alimentares, propiciando a formação de anticorpos específicos da classe IgE, que se fixam a receptores de mastócitos e basófilos. A intensidade da resposta a partir desse momento dependerá da predisposição dos pacientes, sendo que a falha no desenvolvimento ou a quebra do mecanismo de tolerância oral resulta em produção excessiva de anticorpos IgE específicos para determinados alimentos. Após a sensibilização com formação da IgE específica, nos próximos contatos com o alérgeno, este anticorpo se unirá a IgE que se ligou aos mastócitos e basófilos, promovendo a liberação de mediadores vasoativos como histaminas, os metabólitos do ácido araquidônico (prostaglandinas e leucotrienos) e citocinas Th2, que induzem às manifestações clínicas de hipersensibilidade imediata.

            São exemplos de manifestações mais comuns reações cutâneas, gastrointestinais, respiratórias e reações sistêmicas. O tempo médio entre a ingestão do alimento e o começo destas reações geralmente varia entre minutos ou até 2 horas (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

  • Reações não mediadas por IgE

            As manifestações não mediadas por IgE são caracterizadas por uma resposta de hipersensibilidade mediada por células de apresentação não imediata. Geralmente manifestam-se com sintomas gastrointestinais, sendo diagnosticadas pela boa resposta à eliminação do alérgeno da dieta, apesar da necessidade de biópsia em algumas doenças. Embora pareçam ser mediadas por linfócitos T, ainda existem muitos pontos a serem estudados para melhor compreensão das reações não mediadas. Evidências sugerem que estas reações sejam mediadas por células (reações de hipersensibilidade tipo IV). Embora raras, reações de hipersensibilidades tipos II e III também já foram descritas (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

  • Reações mistas (mediadas por IgE e hipersensibilidade celular)

            Por fim, há o grupo no qual estão incluídas as manifestações decorrentes de mecanismos mediados por IgE associados à hipersensibilidade celular, na qual ocorre participação de linfócitos T e de citocinas pró-inflamatórias. Os exemplos dos quadros clínicos deste grupo são: esofagite, gastrite e gastrenterite eosinofílica, a dermatite atópica e a asma (DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013).

Manifestações Clínicas

            As manifestações clínicas da alergia alimentar podem ser decorrentes do acometimento de diferentes órgãos e sistemas, sendo o trato gastrointestinal, a pele e o sistema respiratório os mais frequentemente acometidos (GRUMACH, 2009).

  • Cutânea

            As manifestações cutâneas são as mais comuns nos quadros de alergia alimentar, ocorrendo principalmente nas reações de hipersensibilidade IgE mediadas. Entre os sinais e sintomas cutâneos de hipersensibilidade alimentar, destacam-se a urticária e angioedema, que ocorrem geralmente até 2 horas após a ingestão ou contato com o alimento. A dermatite atópica, contudo, também é um sintoma que deve ser levado em consideração, uma vez que vários autores têm identificado a alergia alimentar em até 30% dos pacientes com dermatite atópica, sendo essencial uma história alimentar cuidadosa nestes pacientes (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

                Na urticária decorrente da alergia alimentar há a formação de lesões na pele oriundas do extravasamento de líquidos de pequenos vasos ou de capilares à derme superficial. A partir do extravasamento há formação de pápulas eritematosas bem delimitadas na pele, de contornos geográficos com halo central e, em geral, acompanhadas de intenso prurido. No angioedema ocorre um processo semelhante, diferindo apenas por acometer porções mais profundas da pele. Além desses sintomas o paciente pode apresentar urticária de contato, sendo bastante descrita na alergia alimentar e reconhecida pela formação da pápula no exato local ou bem próximo do contato do alimento com a pele (SOLÉ et al., 2018).

            As reações alérgicas podem culminar em graves quadros como a anafilaxia, nessas situações a urticária pode aparecer como um sintoma inicial, estando presente em cerca de 90% dos pacientes que desenvolvem esta reação. Embora seja incomum, a ausência de sintomas cutâneos não exclui a hipótese de um alimento estar induzindo anafilaxia (MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

  • Gastrointestinais

            As manifestações gastrointestinais também são comuns nos quadros de alergia alimentar, mas estão em segundo lugar na prevalência quando comparadas às reações dermatológicas. O quadro clínico pode ocorrer por sintomas isolados ou a combinação de: náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia. Apesar desses serem os mais comuns, os pacientes podem apresentar sintomas variados na dependência dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos: mediados por IgE ou não mediados por IgE, ocorrendo desde quadros de vômitos recorrentes e dor abdominal até quadros dramáticos, que resultam em hospitalização por grave enterocolite (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

            Uma das formas de apresentação das manifestações gastrointestinais na alergia alimentar é a hipersensibilidade gastrintestinal imediata (ou anafilaxia gastrintestinal). O quadro clínico é formado por náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia que aparecem em minutos ou até duas horas após a ingestão do alérgeno. Na pediatria, principalmente em crianças com menor idade, o vômito imediato nem sempre é a principal manifestação.

            No entanto, como dito anteriormente, há diferentes formas de manifestações que podem acontecer, dentre elas, têm-se a síndrome da alergia oral que acomete basicamente a orofaringe. Os alimentos mais relacionados a essa síndrome são legumes e vegetais frescos, especialmente em adultos. Na faixa etária pediátrica o leite de vaca e o ovo são os principais alimentos desencadeantes. A síndrome da alergia oral é uma reação alérgica que simula a alergia de contato e é precedida por sensibilização da via respiratória a polens que contêm proteínas homólogas às encontradas em determinadas frutas (banana, cereja, kiwi, maçã, nozes, pera), castanhas e vegetais (aipo, batata e cenoura). Espera-se o aparecimento dos sintomas logo após a exposição ao alérgeno com manifestações que incluem edema, hiperemia, prurido e angioedema dos lábios, língua, palato e faringe. As manifestações clínicas são breves e raramente ocorre disfagia, náuseas e dor abdominal, edema de glote e anafilaxia (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

            Outras formas de apresentação dos sintomas gastrointestinais são a esofagite e gastroenterite eosinofilica que podem ter mecanismo lgE mediado, não lgE mediado ou ambos e são caracterizadas pela infiltração da parede do esôfago, estômago ou intestino por eosinófilos, e frequentemente, eosinofilia periférica. A esofagite eosinofílica é uma enfermidade crônica na qual os sintomas são semelhantes aos da doença do refluxo gastroesofágico, diferindo destes pela ausência de resposta ao tratamento convencional. Sua incidência parece estar aumentando nos últimos anos com crianças e adultos. Essa realidade, contudo, não pode ser verificada no Brasil, pois apesar de algumas séries de casos publicadas, não há taxa de prevalência oficial. Os alimentos mais envolvidos são leite, ovo, soja e trigo (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

  • Respiratórias

            Os sintomas respiratórios, mesmo sendo frequentemente associados a alergia alimentar, são incomuns como manifestação isolada, especialmente na pediatria. De maneira geral, os sintomas respiratórios são acompanhados por sintomas cutâneos ou gastrointestinais e quando presentes em quadros de alergia alimentar indicam manifestação mais grave, e geralmente fazem parte do quadro clínico de anafilaxia (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

            Como manifestação isolada a inalação direta do alérgeno alimentar pelo trato respiratório pode gerar quadros raros de asma ou rinite, induzidos por alimento. Os sintomas incluem coriza, prurido nasal, broncoespasmo e edema da laringe. O diagnóstico de alergia alimentar como a causa dessas manifestações é difícil de ser estabelecido interferindo na real prevalência desse quadro (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

  • Anafilaxia

            As reações anafiláticas representam aquelas de maior gravidade em pacientes com alergia alimentar, sendo os alimentos uma causa importante de anafilaxia ao lado das drogas e picadas de insetos. A anafilaxia induzida por alimentos é uma forma de hipersensibilidade mediada pela IgE, com manifestações súbitas de sintomas e representa um quadro emergencial com risco de morte. Os pacientes podem apresentar simultaneamente manifestações cutâneas, respiratórias, gastrointestinais e cardiovasculares, como hipotensão, síncope, arritmias e choque (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

            Qualquer alimento tem o potencial para induzir uma reação anafilática, no entanto os mais frequentes são leite de vaca, ovo, camarão, peixe, amendoim e nozes. Reações mais graves têm sido associadas com ingestão de amendoim, peixe e frutos do mar, sendo que na faixa etária pediátrica, deve-se também lembrar do leite de vaca e ovo (GRUMACH, 2009; DE ANGELIS, 2015; SOLÉ et al., 2018).

            Os sintomas iniciais podem ocorrer imediatamente após a ingestão do alimento, com manifestações na pele por prurido e edema da mucosa oral e lábios. Além disso, há o envolvimento gastrointestinal com dor abdominal, acompanhada de náuseas e vômitos. As manifestações respiratórias são as principais presentes no choque anafilático, podendo ocorrer: sensação de garganta “fechando”, disfonia, tosse seca irritativa, edema de glote e de laringe, dispneia, sensação de aperto torácico, sibilos generalizados, crises de espirros, lacrimejamento e congestão nasal intensa (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013; SOLÉ et al., 2018).

            Além disso, o envolvimento do sistema cardiovascular é responsável pelos sinais e sintomas de síncope, dor torácica, arritmia, hipotensão e choque. Por fim, pode ocorrer participação do sistema nervoso com manifestações como cefaleia, confusão mental, sonolência, convulsões, incontinência, perda de consciência e coma (SOLÉ et al., 2018).

            Os óbitos por alergia alimentar são relatados na literatura através da descrição de pacientes com algumas características em comum, como o fato de serem asmáticos, apresentarem níveis elevados de IgE e não terem recebido adrenalina nos primeiros 30 minutos de sintomatologia clínica (GRUMACH, 2009).

            Existe um caso específico de anafilaxia que ocorre induzida por alimento dependente de exercício. Essa é uma síndrome em que os sintomas somente ocorrem se determinado alimento for ingerido 2 a 6 horas antes do exercício físico. O alimento isolado ou o exercício físico sem a ingestão do alimento não causam anafilaxia nestes pacientes. Possíveis mecanismos apontados para explicar este fato são modificações do fluxo sanguíneo do intestino, aumento da absorção de alérgenos alimentares e aumento da liberação espontânea de histamina por mastócitos (GRUMACH, 2009; MARTINS et al., 2013).

  • Outras

            Outras manifestações clínicas têm sido relacionadas à alergia alimentar, porém ainda carecem de comprovação científica, entre elas manifestações renais e acometimento articular são apontadas como possibilidades. Além delas, doenças inflamatórias intestinais têm sido atribuídas à alergia alimentar (doença de Crohn e colite ulcerativa). Em todos esses casos há necessidade de maior comprovação que firme o diagnóstico de alergia alimentar (GRUMACH, 2009; SOLÉ et al., 2018).

Abordagem Diagnóstica

            A alergia alimentar é por muitas vezes diagnosticada pela própria população, sem necessidade de um médico. Isso acontece pois os sintomas geralmente aparecem logo após o consumo de determinado alimento, sendo inevitável a dedução de causa-consequência (SOLÉ et al., 2018).

            A anamnese é de fundamental importância para entender a alergia do paciente, pois a suspeita diagnóstica vai se basear na lembrança dos sintomas e manifestações causadas pelo alimento. A história clínica deve ser detalhada em busca de todos os dados que ajudem a caracterizar elementos que levem ao diagnóstico de AA (SOLÉ et al., 2018). É importante lembrar que os principais alimentos responsáveis pelas alergias se resumem em ovo, leite, peixe, amendoim, soja e trigo (GRUMACH, 2009).

            Alguns sintomas podem ser supervalorizados pelos pacientes, então o profissional deve manter cautela e ceticismo durante a consulta. Modificar a nutrição do paciente é algo que pode alterar toda a vida dele, por isso deve-se atentar aos diagnósticos errados que podem levar os pacientes a desnutrição e o subdiagnóstico que pode causar sofrimento prolongado e desnecessário ou até graves manifestações como a anafilaxia (GRUMACH, 2009).

            A avaliação do provável mecanismo de AA será decisiva na escolha de exames e condutas a serem realizados (SOLÉ et al., 2018). O principal trabalho do profissional é determinar se o que foi apresentado pelo paciente é realmente uma reação adversa ao alimento e se essa reação é ou não imunológica, e se for imunológica deve-se pesquisar também se ela é mediada ou não por IgE (GRUMACH, 2009). Para que o diagnóstico da AA seja realizado, devem ser feitas quatro pesquisas fundamentais: Anamnese; Exame Físico; Provas Diagnósticas e Provas Dietéticas (SOLÉ et al., 2018).

            As provas diagnósticas incluem vários testes que estão disponíveis, tais como: cutâneo, RAST, de exclusão de alimentos suspeitos, controle de alimento duplo-cego. Pode-se lançar mão de outros testes comprovados, mas não amplamente utilizados por serem invasivos, que são: endoscopia com ou sem biópsia intestinal, estudo da permeabilidade intestinal e no caso de doença celíaca, a medida de anticorpos IgG antigliadina é usada (DE ANGELIS, 2015).

  • Exames Laboratoriais

            Os exames laboratoriais são limitados quando a alergia induzida pelo alimento não é mediada por IgE, mas alguns podem apresentar anormalidades facilitando a suspeita diagnóstica de AA. O exame deve ser realizado enquanto o paciente estiver exposto ao alimento (GRUMACH, 2009) e caso alguma alteração seja identificada deve ser repetido durante a dieta de exclusão.

  • Hemograma

            A Alergia alimentar pode trazer algumas complicações associadas como a anemia devido a má absorção de ferro e devido a lesões intestinais, então apesar de não servir de teste diagnóstico o hemograma deve ser realizado para que principalmente as reservas de ferro sejam analisadas. Outro achado importante é a eosinofilia que pode ser encontrada em pacientes com doenças gastrintestinais (MANTI et al., 2017).

  • Exames Relacionados com Quadro Clínico Mediado por IgE

IgE Específica in vitro (RAST)

            O RAST é um exame realizado com uma amostra de sangue do paciente, onde se observa a presença de IgE específica aos principais antígenos alimentares. Então só tem utilidade em pacientes com alergia mediada por IgE (SOLÉ et al., 2018).

            Esse exame se mostra menos sensível do que o prick-test, mas em algumas situações específicas ele é a escolha para o auxílio no diagnóstico de AA quando sua positividade atinge um alto grau, pois em baixos graus (fracamente positivo) tem pouco valor. Além disso, não é muito utilizado devido ao seu alto custo (GRUMACH, 2009).

            Ele é uma boa opção para pacientes que apresentam reações graves mesmo que seja minimamente apresentada ao antígeno (GRUMACH, 2009). O RAST é um bom indicador para o alimento que provoca a reação, então serve como orientação para o teste de provocação duplo cego placebo controlado (TPDCPC). Em resumo, utiliza-se RAST para os pacientes que são IgE positivos e o teste cutâneo (prick-test) para todos (SOLÉ et al., 2018).

Teste Cutâneo

            Esse teste deve ser aplicado em todos os pacientes com suspeita de alergia alimentar mediada por IgE (GRUMACH, 2009). Ele é uma ótima escolha para identificação do antígeno e se mostra muito importante para o paciente, pois um teste negativo dificilmente causará reação caso esse alimento seja introduzido à dieta, (SOLÉ et al., 2018) já um teste positivo sugere a possibilidade de AA que deve ser posteriormente confirmada ou não com o teste de provocação que será detalhado mais à frente (GRUMACH, 2009).

            É realizado através da aplicação do alérgeno por via intradérmica ou com o uso de adesivo na pele, sendo menos sensível, mas mais seguro pois a aplicação intradérmica pode induzir uma reação sistêmica. Utiliza-se a histamina como controle positivo e solução salina como controle negativo e extratos padronizados seguindo as normas nacionais como alérgenos (SOLÉ et al., 2018). É indispensável que os extratos usados neste teste sejam de boa qualidade (GRUMACH, 2009).

            Devido a essa exposição ao alérgeno, o indivíduo apresentará reação local, como edema e eritema, devido aos anticorpos circulantes. O teste é positivo quando a pápula formada tiver no mínimo 3mm de diâmetro, ou três vezes maior que o controle negativo (SOLÉ et al., 2018).

Alguns extratos padronizados não são suficientes para realizar o teste devido ao processamento industrial que pode tornar esse extrato hipoalergênico devido a degradação das proteínas. No caso de uma história clínica característica e teste negativo, deve-se realizar um novo teste chamado “prick to prick”, onde se repete o processo com o alimento in natura, levando partículas diretamente para a pele do paciente (GRUMACH, 2009).

            Não há restrição de idade para a realização desse teste (FRANCO et al., 2017), mas é claro que quanto mais nova a criança for menos exposta a vários alimentos ela será, impossibilitando assim a formação de anticorpos (SOLÉ et al., 2018).

Dieta de exclusão

            A dieta de exclusão além de uma prova diagnóstica, é também terapêutica (MANTI et al., 2017). Após realizar uma anamnese detalhada, suspender o alimento é a primeira medida a ser tomada com o paciente com suspeita de AA (GRUMACH, 2009). Essa medida é totalmente dependente do paciente, então ele deve manter fora de sua dieta todos os alimentos que contém o antígeno.

            Depois de um tempo sem manifestações alérgicas o alimento deve ser introduzido, com o teste de provocação que será detalhado mais à frente. Quando os sintomas permanecem mesmo após o alimento ter sido excluído da dieta, a possibilidade de AA é afastada (GRUMACH, 2009).

Teste de Provocação

            Esse teste pode ser realizado de 3 formas: Aberta, quando o paciente e o médico estão cientes da ingestão do alimento; simples cego, quando apenas o médico tem conhecimento da ingesta; duplo-cego, tanto o médico quanto o paciente não sabem da ingestão do alimento suspeito (GRUMACH, 2009).

            O teste aberto é o mais utilizado devido a facilidade e praticidade do seu processo. Após duas semanas da dieta de exclusão do alimento suspeito esse deve ser reintroduzido. Caso os sintomas não retornem à possibilidade de AA é afastada, mas caso os sintomas retornem o teste deve ser reproduzido (retirando e inserindo) o alimento duas ou três vezes para finalmente fechar o diagnóstico de AA no paciente.

            O TPDCPC é considerado padrão-ouro no diagnóstico de AA (GRUMACH, 2009). Algumas literaturas defendem que ele pode ser realizado em consultório, mas por questões de segurança é realizado com o paciente internado em ambiente hospitalar. O paciente deve excluir da dieta o alimento suspeito de 1 a 2 semanas da realização do teste duplo cego no caso de alergia mediada por IgE e mais tempo caso seja não mediada para que melhore a sensibilidade do exame. Além disso, medicamentos como anti-histamínicos e broncodilatadores também devem ser suspensos (SOLÉ et al., 2018). Esse teste é muito complexo e pouco utilizado na prática, sendo mais realizado o teste simples cego que apesar de menos específico, é mais aplicável.

                A internação deve durar dois dias, visto que reações mediadas por IgE apresentam rápida resposta clínica, se apresentando entre poucos minutos até 4 horas. Mas na minoria das vezes (15%), o paciente pode apresentar uma reação tardia 24 horas após o início do teste, não sendo possível definir um momento exato do teste por conta da aleatoriedade, pois trata-se de um teste duplo-cego (SOLÉ et al., 2018).

            Deve ser introduzido um acesso venoso com um cateter heparinizado para que eventuais reações sejam controladas. Medicações de emergência devem estar disponíveis com doses pré-determinadas (GRUMACH, 2009), pois 15% dos pacientes podem evoluir com hipotensão ou outros sintomas (SOLÉ et al., 2018).

  • Principais Diagnósticos Diferenciais

Tabela 1 – Diagnóstico diferencial das reações adversas a alimentos.

DOENÇAS GASTRINTESTINAIS (VÔMITOS E/OU DIARREIA)

Anomalia estrutural

Refluxo gastroesofágico

Hérnia hiatal

Estenose pilórica

Doença de Hirschsprung

Fístula traqueoesofágica

Deficiências enzimáticas (primárias e secundárias)

Deficiência de dissacaridases (lactase, sacarase isomaltase)

Galactosemia

Fenilcetonúria

Doença celíaca

Doenças inflamatórias intestinais Colites indeterminadas

Alterações vasculares

Insuficiência pancreática (fibrose cística, síndrome Shwachman-Diamond)

Doença da vesícula biliar

Úlcera péptica Malignidade

CONTAMINANTES E ADITIVOS

Flavorizantes e conservantes

Metabissulfito de sódio

Glutamato monossódico

Nitritos/nitratos

Corantes

Tartrazina, outros azocorantes e vermelho carmin

Toxinas bacterianas (Clostridium botulinum, Staphylococcus aureus)

Fúngicas (aflatoxinas, ergotamina)

Doenças associadas a produtos do mar

Envenenamento pela histamina do peixe (atum, cavala)

Envenenamento pela ciguatera (garoupa, barracuda)

Saxitoxina (mariscos)

Agentes infecciosos Contaminantes acidentais

Bactérias (Salmonella, Shigella, E. coli, C. difficile, Yersinia, Campylobacter) Parasitas (Ameba, Giardia, Strongyloides, Trichinella, Anisakis simplex)

Vírus (hepatite, rotavírus, enterovírus, CMV)

Antígenos de fungos

Contaminantes acidentais

Metais pesados (níquel, cobre)

Pesticidas

Antibióticos (amoxicilina, clindamicina)

AGENTES FARMACOLÓGICOS

Cafeína (café, refrigerantes)

Teobromina (chocolate, chá)

Histamina (peixes, chucrute)

Triptamina (tomate, ameixa)

Serotonina (banana, tomate)

Tiramina (queijos, arenque em conserva)

Solanina (batatas)

Álcool

REAÇÕES PSICOLÓGICAS

Fonte: Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar, 2007.

Tratamento

            O tratamento da AA tem como principal alvo evitar sintomas e piora clínica do paciente, sem esquecer de manter uma dieta favorável e balanceada para que a pessoa consiga seu pleno desenvolvimento e não desenvolva prejuízos nutricionais (SOLÉ et al., 2018).

  • Tratamento não farmacológico

            O único tratamento eficaz e adequado é a retirada do alérgeno da dieta do indivíduo, mas, apesar de simples, não é um trabalho fácil. Deve-se atentar ao risco de maus hábitos alimentares e desnutrição que são ocasionados muitas vezes por dietas restritivas, principalmente quando muitos alimentos são removidos. O antígeno, ou traços dele, pode estar oculto em uma gama de alimentos (GRUMACH, 2009), então é importante a identificação deste alérgeno para que só o necessário seja retirado, manter a função nutricional desse paciente, sem dietas muito restritivas e desnecessárias (SOLÉ et al., 2018).

            Em relação aos lactentes que são alérgicos, devem ser mantidos em aleitamento materno exclusivo e a mãe deve excluir da sua alimentação o alérgeno envolvido, independente se a alergia for mediada por IgE ou não, e ainda deve ser recomendada a suplementação de cálcio e vitamina D. Caso essa criança não esteja em amamentação, deve-se primeiramente encorajar a mãe a amamentar e se não for possível, a criança deve ser alimentada com fórmulas sem a proteína complexa do leite da vaca, podendo ser extensamente hidrolisadas, com aminoácidos livres (caso a criança ainda apresente reações às extensamente hidrolisadas) ou com proteína de soja isolada caso a criança não tenha manifestações intestinais e tenha mais de 6 meses de idade (SOLÉ et al., 2018).

            As fórmulas além de caras, são de paladar ruim, então devem ser usadas em pacientes que não toleram o leite de soja, se tornando a primeira opção em casos de alergia ao leite animal (GRUMACH, 2009). As Secretarias de Saúde são obrigadas a fornecer as fórmulas, mas infelizmente isso só é realizado mediante imposição judicial. O pedido médico deve estar bem embasado e o tratamento claro e definido para que não haja intercorrências judiciais. 

            Um grande desafio para os pacientes é que os alimentos podem aparecer de maneira discreta nos rótulos e não ser reconhecido por quem vai consumir, por exemplo: o leite pode aparecer como caseína, soro, sabor caramelo; o ovo pode aparecer como albumina etc. Por isso, o médico tem papel fundamental na orientação do paciente e de sua família (SOLÉ et al., 2018), explicando como os alimentos podem aparecer, quais cuidados deve-se tomar e dar o apoio necessário para que essa família entenda o problema do paciente, sendo sua rede de apoio.

            Um acompanhamento multidisciplinar é de extrema importância para o indivíduo, pois numa mudança dietética além de dificuldades nutricionais o paciente também encontrará obstáculos psicológicos para enfrentar (SOLÉ et al., 2018).

            Outro problema é quando a retirada de múltiplos alimentos é necessária, pois a alergia está relacionada a vários antígenos. Além disso, existem as chamadas reações cruzadas caso haja o consumo de um alimento da mesma família (com estruturas biológicas semelhantes) (GRUMACH, 2009), por possuírem proteínas homólogas. A descoberta antecipada da possibilidade de reação cruzada é difícil, pois o TPDCPC mesmo sendo positivo para alimentos da mesma família pode não induzir resposta clínica (GRUMACH, 2009).

            O tratamento dura por pelo menos seis meses, pois é o tempo para que a dessensibilização imune ocorra, mas não existe um tempo limite, variando a cada indivíduo. Após o tratamento, o alimento deve ser reintroduzido com muito cuidado, sendo necessário ambiente hospitalar caso tenha previamente induzido uma reação aguda mediada por IgE. A tolerância clínica não é possível em caso de alergia a alguns alimentos como: amendoim, nozes e frutos do mar, que geralmente persistem durante toda a vida (SOLÉ et al., 2018).

            Para que o profissional da saúde tenha condições plenas de orientar a família, é importante que eles façam registros diários das refeições incluindo final de semana e caso haja algum sintoma anote o horário para que seja mais fiel a relação causa- consequência (SOLÉ et al., 2018).

  • Tratamento farmacológico

            Uma das classes usadas no tratamento da ingestão acidental do alérgeno são os anti-histamínicos, pois apresentam boa resposta em caso de alergia oral, dermatológica ou de vias aéreas, aliviando os sintomas (SOLÉ et al., 2018). Entretanto, algumas literaturas apontam que essa classe pode mascarar os sintomas gastrintestinais e cutâneos (GRUMACH, 2009), além de ter baixa eficácia e efeitos colaterais importantes como sonolência principalmente. Também são utilizadas inalações com broncodilatadores em pacientes com sintomas respiratórios (SOLÉ et al., 2018). Outra classe amplamente utilizada são os corticoides orais (GRUMACH, 2009), que são eficazes em doenças mediadas por IgE de forma geral.

                Vale lembrar que os anti-histamínicos e corticoides só devem ser utilizados para tratar as crises de ingestão acidental do alimento, pois não são administradas para tratamento contínuo devido aos seus efeitos colaterais.

                Por fim, novas estratégias com imunoterapia vêm sendo estudadas. Ela consiste na modificação de epítopos antigênicos (a parte que se liga ao IgE), levando a dessensibilização do indivíduo, livrando-o de uma reação sistêmica grave (GRUMACH, 2009).

            O uso de anticorpos anti-IgE também leva a diminuição dos IgE circulantes, levando a diminuição das reações e dos sintomas (GRUMACH, 2009). Essas terapias mais complexas são realizadas em pacientes que têm altos níveis de IgE e são refratários aos tratamentos convencionais.

Prevenção

            A principal estratégia de prevenção é o aleitamento materno exclusivo por seis meses, mas quando ela não é possível pode-se adotar medidas citadas anteriormente (GRUMACH, 2009). Ainda não existem evidências de que as fórmulas hidrolisadas ajudam como medida preventiva para o desenvolvimento de AA (BOYLE et al., 2016).

            Além disso, não existe relação entre o adiamento da introdução do leite de vaca e a diminuição do aparecimento da AA (SOLÉ et al., 2018). Em uma criança com risco de desenvolver alergia alimentar, a mãe pode lançar mão da estratégia de retirar de sua dieta as proteínas dos principais alimentos causadores (DE ANGELIS,2015). Em resumo o aleitamento materno exclusivo associado a uma dieta hipoalergênica é a melhor estratégia a ser tomada como prevenção da AA.

Considerações Finais

            Não é raro encontrar uma pessoa afetada com algum tipo de alergia alimentar, pois aproximadamente 2% da população a possui (DE ANGELIS, 2015). Então os pacientes suspeitos devem receber um diagnóstico de maneira adequada para que não cause prejuízos a eles. Isso será possível através de uma história bem colhida e exames específicos para cada caso. O teste de provocação duplo-cego é o padrão ouro no diagnóstico da AA. O tratamento definitivo é a dieta de exclusão que deve ser orientada de forma clara e minuciosa pelo médico e o paciente deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar caso seja possível. A dieta deve ser seguida de forma rigorosa e deve-se atentar a possibilidade de reações cruzadas e em alguns casos, medicamentos podem ser utilizados para conter as crises. A única maneira de evitar reações alérgicas é estabelecendo uma relação médico-paciente para que haja troca de informações que necessariamente devem ser seguidas e adaptadas conforme a necessidade do paciente.

Referências Bibliográficas

GRUMACH, Anete Sevciovic. Alergia e imunologia na infância e na adolescência. In: Alergia e imunologia na infância e na adolescência. 2009. p. 897-897.

BOYLE, Robert J. et al. Hydrolysed formula and risk of allergic or autoimmune disease: systematic review and meta-analysis. bmj, v. 352, 2016.

DE ANGELIS, Rebeca Carlota. Alergias alimentares: tentando entender por que existem pessoas sensíveis a determinados alimentos. In: Alergias alimentares: tentando entender por que existem pessoas sensíveis a determinados alimentos. 2005. p. [142]-[142].

MARTINS, Milton de Arruda et al. Clínica Médica Vol. 7- Alergia e Imunologia Clínica, Doenças da Pele, Doenças Infecciosas 2013.

FRANCO, A. Keller et al. Body mass index and skin reactivity to histamine and Dermatophagoides pteronyssinus in children and adolescents followed in a pediatric allergy service. European Annals Of Allergy And Clinical Immunology, 2017.

MANTI, Sara et al. A systematic review of food protein–induced enterocolitis syndrome from the last 40 years. Annals of Allergy, Asthma & Immunology, v. 118, n. 4, p. 411-418, 2017.

DE SENNA, Simone Nabuco et al. Achados epidemiológicos de alergia alimentar em crianças brasileiras: análise de 234 testes de provocação duplo-cego placebo-controlado (TPDCPCs). Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia, v. 2, n. 3, p. 344-350, 2018.

SOLÉ, Dirceu et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018-Parte 1-Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia, v. 2, n. 1, p. 7-38, 2018.

SOLÉ, Dirceu et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018-Parte 2-Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia, v. 2, n. 1, p. 39-82, 2018.

 

CAPÍTULO 3

AVALIAÇÃO E ADAPTAÇÃO DA ESTRUTURA FÍSICA DE UM BANCO DE ALIMENTOS: CAMINHOS PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

EVALUATING AND ADAPTING THE PHYSICAL STRUCTURE OF A FOOD BANK: PATHS TO FOOD SECURITY

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.03

Submetido em: 24/07/2023

Revisado em: 30/07/2023

Publicado em: 02/08/2023

 

Natalia Tenuta Kuchenbecker do Amaral

Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva

Instituto René Rachou – Fundação Oswaldo Cruz (IRR/Fiocruz Minas)

http://lattes.cnpq.br/6443769292778426

Maria Jesus Barreto Cruz

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

http://lattes.cnpq.br/7559091512055824

Thais Pereira Barros

Programa de Pós-graduação em Ciências da Nutrição

http://lattes.cnpq.br/8536053968349380

Jéssica de Paula Rodrigues Dias

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

http://lattes.cnpq.br/7325934334814987

Marcos Paulo Bento Andrade

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

https://lattes.cnpq.br/2327672346237662

Larissa Andrade Ramos

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

http://lattes.cnpq.br/3875813176188901

Thaís Souza Caetano

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

https://lattes.cnpq.br/8726299966873231

Sandy Nunes de Matos

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

https://lattes.cnpq.br/1430643861627166

Guilherme Ferreira Duarte

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

https://lattes.cnpq.br/9083181276472640

Julia Queiroz de Oliveira

Faculdade de Medicina do Mucuri

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

http://lattes.cnpq.br/0908362060503109

 

 

Resumo

Pela natureza de suas atividades, bancos de alimentos constituem Unidades de Alimentação e Nutrição. Portanto, para garantir instalações adequadas e funcionais, assegurando a operacionalização dentro das mais rígidas normas técnicas e de higiene, o planejamento físico-funcional da unidade é essencial. Foi realizado um estudo de caso em um banco de alimentos da região metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais), para avaliar a adequação da sua estrutura física. Partindo-se de um modelo ideal de estrutura física construído a partir da bibliografia especializada, foi realizada a análise da planta baixa do banco de alimentos e aplicado um checklist de 16 itens, projetados para avaliar as instalações e seu ambiente de entorno. Este checklist teve as seguintes opções de respostas para preenchimento: “Sim” – quando a unidade atender ao item observado, “Não” – quando o mesmo apresentar não conformidade e “Não se aplica” – quando o item correspondente não se aplicar à unidade. Para a análise da operação da unidade, foi elaborado um desenho do fluxo dos alimentos, desde sua entrada no banco de alimentos, seleção, acondicionamento, identificação, armazenamento e distribuição. Foi verificado que apenas 12,5% dos itens atendiam o preconizado no modelo, enquanto 68,75% de itens estavam em não conformidade e 18,75% não se aplicavam. Com base nos resultados foi sugerida uma nova planta baixa para o banco de alimentos, com vistas à sua completa adequação.

Palavras-Chave: Segurança Alimentar e Nutricional, Banco de Alimentos, Estrutura física, Checklist, Planta Baixa.

Abstract

By the nature of their activities, food banks are considered Food and Nutrition Units. Therefore,to ensure that such facilities are adequate and functional, operating within the strictest technical and hygiene standards, the physical-functional planning of the unit is an essential step. A case-study was carried out in a food bank from the Metropolitan Region of Belo Horizonte (Minas Gerais, Brazil), in order to assess the suitability of its physical structure. Based on an ideal model of physical structure for food bank elaborated from the technical literature, we analyzed the food bank’s floor plan and applied a checklist that consisted of 16 items, designed to evaluate the facility and surroundings. The checklist was completed with the following response options: “Yes” – when the unit’s item fits the model, “No” – when it does not fit the model and “Not applied” – when the corresponding item does not apply to the unit. For the analysis of the operation of the unit, we prepared a flow-chart of food within the food bank, from its entry selection, packaging, identification, to its storage and distribution. It was found that only 12.5% of the items met the requirements of the model, while 68.75% of the items were non-compliant and 18.75% were not applicable. Based on the analysis of the results we proposed a new floor plan for the food bank envisaging its full adequacy.

Keywords: Food Security, Food Bank, Physical structure, Checklist, Floor plan.

 

 

Introdução

            O direito humano à saúde e à alimentação está previsto na Constituição Federal Brasileira e é obrigação do Estado respeitar, proteger, promover e prover (BRASIL, 1988; 2010).

As políticas públicas sociais constituem um conjunto de ações governamentais que são desenvolvidas por meio de programas e projetos que devem propiciar a realização dos direitos humanos, garantindo condições de vida digna e equânime a todas as pessoas, indistintamente. De modo ainda mais concreto, podemos dizer que são as políticas que devem assegurar à população o exercício de sua cidadania. Dentre as principais políticas encontram-se aquelas voltadas à alimentação, educação, saúde, trabalho, habitação, assistência social, previdência social, justiça, segurança, agricultura, alimentação, saneamento e meio ambiente (CONTI, 2009).

No bojo das agendas nacionais relacionadas à garantia do direito humano à alimentação adequada, realizadas pelo atual Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), estão políticas, programas e ações que fazem parte das estratégias do Governo Federal para enfrentar o problema da fome e da exclusão social a partir da concepção de que estas questões precisam ser encaradas como prioridade de política nacional. Atualmente, 125,2 milhões de brasileiras e brasileiros vivem em insegurança alimentar, dos quais 33,1 milhões passam fome (PENSSAN, 2022).

Diversas são as ações desenvolvidas pelo MDS empenhadas a reverter esse cenário de insegurança alimentar e fome e, dentre elas, uma estratégica ação é o apoio à implantação e modernização de bancos de alimentos que, segundo definição dada pela Portaria nº 17, de 14 de abril de 2016, estes equipamentos são:

“Estruturas físicas e/ou logísticas que ofertam o serviço de captação e/ou recepção e distribuição gratuita de gêneros alimentícios oriundos de doações dos setores privados e/ou públicos e que são direcionados às instituições públicas ou privadas caracterizadas como prestadoras de serviço de assistência social, de proteção e defesa civil, unidades de ensino e de justiça, estabelecimentos de saúde e demais unidades de alimentação e nutrição (BRASIL, 2016).” 

Atualmente, no Brasil, os bancos de alimentos somam 217 unidades distribuídas em todo país, de acordo com o mais recente mapeamento. Divididos em quatro modalidades de gestão, dos 217 equipamentos mapeados, 93 são públicos, 89 da Rede Mesa Brasil Sesc, 26 das organizações da sociedade civil e nove estão implantados em Centrais de Abastecimento (Ceasas) (TENUTA et al., 2021).

Os bancos de alimentos têm como objetivo arrecadar alimentos oriundos de perdas e desperdícios, por meio de articulação do maior número possível de unidades de comercialização, armazenagem e processamento de alimentos, visando o recebimento de doações de alimentos fora dos padrões de comercialização, mas sem nenhuma restrição de caráter sanitário (produtos inadequados para a comercialização, mas próprios para consumo humano). Os gêneros doados passam pelas etapas de: seleção, classificação, processamento (ou não), porcionamento e embalagem; e só então, estes alimentos são distribuídos gratuitamente para instituições assistenciais previamente cadastradas de forma a complementar as refeições diárias da população assistida. Para além das doações de alimentos, estas instituições também são beneficiárias de ações de educação alimentar e nutricional para o manuseio e aproveitamento mais adequado nas suas rotinas de produção de refeições (BRASIL, 2007a; TENUTA et al., 2021).

Neste contexto, os bancos de alimentos constituem uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) e, portanto, assumem um papel importante na qualidade da alimentação da população, devendo possuir um responsável técnico pelas suas atividades. Neste caso, em conformidade com a Lei nº 600, de 25 de fevereiro de 2018, deve ser o nutricionista, por tratar-se de profissional legalmente habilitado para a função, cuja participação na equipe é recomendada pelo MDS (CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS, 2018; BRASIL, 2020).

A UAN é considerada como uma unidade de trabalho ou órgão que desempenha atividades relacionadas à alimentação e à nutrição, abrangendo tanto o conceito de segurança alimentar, no que se refere ao alimento garantido, certeza de alimentação, quanto o de segurança de alimentos, alimento fora de perigo, seguro (POPOLIM, 2007).

Segundo Rego, Teixeira (2008), a UAN é considerada como uma unidade de trabalho ou órgão de uma empresa que desempenha atividades relacionadas à alimentação e nutrição. Ainda, segundo Abreu, Spinelli, Pinto (2007), a UAN é um conjunto de áreas com o objetivo de operacionalizar o provimento nutricional de coletividades. Consiste em um serviço organizado, compreendendo uma sequência e sucessão de atos destinados a fornecer refeições balanceadas dentro dos padrões dietéticos e higiênicos, visando assim, atender as necessidades nutricionais de seus clientes, de modo que se ajuste aos limites financeiros da instituição.

Podemos afirmar que o planejamento não é um ato que acaba na simples redação de um “Plano” ou na elaboração de um orçamento, mas sim um processo que necessita de uma conclusão. O planejamento como um sistema, merece estudo detalhado, desde a sua instalação, aquisição de equipamentos e organização dos diversos serviços que o integrarão como subsistemas (MEZOMO, 2002).

Desta forma, o planejamento físico das unidades de alimentação é fundamental para a adequação das instalações aos objetivos propostos. É por meio do planejamento que se pode garantir uma operacionalização conforme os padrões qualitativos desejados, do ponto de vista técnico e higiênico (TEIXEIRA et al., 2000).

Um planejamento físico respaldado no reconhecimento das características específicas do funcionamento das UAN, além da economia de movimentos e evidente racionalização das ações, poderá evitar fatores negativos de operacionalização, dentre os quais: interrupções no fluxo de operações, cruzamentos desnecessários de gêneros,  funcionários, má utilização dos equipamentos, equipamentos ociosos ou mal localizados, causando congestionamento na circulação e deficiência no sistema de ventilação (TEIXEIRA et al., 2000).

O planejamento da construção é realizado em diversas etapas sucessivas. São elas: Estabelecimento do plano diretor, que consiste no estudo detalhado de todos os dados referentes ao serviço de nutrição; Leiaute do serviço de alimentação (S.A.), por sua vez, esboçado por nutricionistas todo o serviço de alimentação, de acordo com os dados fornecidos pela equipe de planejamento, em seu plano diretor; Definição da planta física do S.A., na qual a planta deve ser elaborada, projetada por uma equipe composta de engenheiro, arquiteto e nutricionista, todos com experiência na área (MEZOMO, 2002).

Transpondo estas recomendações aos bancos de alimentos, é necessário que, durante seu planejamento, haja o reconhecimento das operações que serão realizadas, desde a recepção das doações até a distribuição final às instituições socioassistenciais beneficiárias. As etapas são, normalmente, sequenciais e seguem a seguinte lógica operacional: i) recepção de alimentos; ii) triagem; iii) higienização; iv) embalagem; v) armazenamento; vi) separação conforme instituições socioassistenciais beneficiárias; vii) expedição; viii) distribuição para as instituições (SAUERBRONN, 2008).

As principais referências para o planejamento físico pautado na qualidade higiênico-sanitária são as Resoluções publicadas pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que dispõem sobre o Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação, a saber a Resolução – RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002, e a Resolução – RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004 (BRASIL, 2002; 2004).

Nessa perspectiva, este estudo propõe verificar a adequação da estrutura física de um banco de alimentos, a partir da sua planta baixa atual, e apresentar uma proposta de estrutura física compatível às normativas sanitárias propostas pelas legislações vigentes.

Metodologia

O trabalho teve como lócus de análise um banco de alimentos localizado na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Para tanto, utilizou-se uma metodologia de análise qualitativa, com levantamento de dados primários.

Para análise da planta baixa do banco de alimentos, foi utilizada a planta baixa original empregada na realização do convênio firmado, em 2006, entre o município e o então Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Um instrumento de medição de qualidade, ou seja, checklist foi elaborado baseando-se no Anexo II da Resolução – RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002 (BRASIL, 2002), e no Roteiro de Implantação para Banco de Alimentos, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e adaptado à realidade de bancos de alimentos (BRASIL, 2007b).

O checklist elaborado foi utilizado para avaliação da estrutura predial observando os itens de ambiente, edificação e instalações. Constava de 16 itens com as seguintes opções de respostas para preenchimento: “Sim” – quando a unidade atendia ao item observado, “Não” – quando o mesmo apresentasse não conformidade, e “Não se aplica” (NA) – quando o item correspondente não se aplicava à unidade.

O checklist foi aplicado uma única vez, por um mesmo avaliador, visando a uniformidade dos dados e foi preenchido por meio de observações in loco.

Os resultados da aplicação foram avaliados e classificados em valores percentuais divididos em “Sim”, “Não” e “Não se aplica”.

A operacionalização foi observada por meio da elaboração de um desenho dos fluxos – fluxo de entrada de gêneros no banco de alimentos, fluxo do alimento selecionado a ser acondicionado, identificado e armazenado, e fluxo do alimento para distribuição. A partir do resultado do desenho, foi realizada uma análise de conformidade baseada na literatura.

A partir da análise da planta baixa do banco de alimentos e dos resultados do checklist, do resultado do desenho de fluxos do BA, foi sugerida uma planta baixa adequada para o banco de alimentos da região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

Resultados e Discussão

Os resultados obtidos apontaram 12,5% de atendimento dos itens avaliados, 68,75% de itens em não conformidade e 18,75% de itens que não se aplicavam. Neste caso, foi utilizado como critério para itens que não se aplicavam quando o ambiente descrito na planta baixa do banco de alimentos (Figura 1) não condizia com a realidade da utilização do espaço.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1. Planta do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, utilizada para convênio firmado, em 2006, entre o município e o então Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Arquivo do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

O setor de Recepção/Pré-Higienização dos alimentos recepcionados (Doca 1), definido por local de recebimento dos alimentos provenientes de doações, além da pré-higienização, pesagem e separação dos gêneros por categoria (perecíveis e não perecíveis), foi verificado em não conformidade, uma vez que não possui instalação elétrica, nem tão pouco pontos de água para pré-higienização. Trata-se de um local de difícil acesso por possuir degraus e não rampas. Não possui muro alto que protege as mercadorias da poluição e de outras sujidades, já que a Doca 1 se localiza ao lado da rua e de uma árvore. Desta forma, é uma área utilizada apenas para descarga dos alimentos (Figura 2).

Segundo Rego, Teixeira (2006), o recebimento de mercadorias deve ser feito na plataforma de descarga, que deverá situar-se em áreas externas do prédio, próximo à estocagem, e ser de fácil acesso aos fornecedores. A plataforma de descarga, onde os caminhões de entrega estacionam para a retirada dos gêneros, deve ser provida de rampas, visando facilitar o transporte das cargas, além de uma marquise para a proteção das mercadorias na hora da entrega.

Figura 2. Doca 1 do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Acervo pessoal.

O setor de Seleção/Triagem/Higienização é o local destinado à higienização e seleção rigorosa dos produtos próprios para consumo humano. Nele, ocorrem a higienização mais profunda dos gêneros e a separação por grupos de alimentos para evitar contaminação (BRASIL, 2007b). Este setor foi verificado em conformidade, pois, para tal atividade, utiliza-se o setor de Seleção Frutas/Verduras e setor de Processamento, como descrito na planta baixa atual, estando este de acordo com os parâmetros de adequação citados na literatura (Figura 3).

 

 

 

 

Figura 3. Setor de Seleção Frutas/Verduras do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

 

                                                                                           

                                              

 

 

 

 

 

Fonte: Acervo pessoal.

O setor de descarte, local para o destino do lixo dos produtos impróprios para o consumo, atividade realizada simultaneamente às atividades de recepção/pré-higienização e seleção/triagem, deve ser disposta de forma a facilitar o fluxo de saída do lixo dos ambientes de recepção/pré-higienização e seleção/triagem. Além disso, deve existir um acesso direto para a parte externa da edificação, por onde o lixo será retirado para a coleta (BRASIL, 2007b). Deve ser localizado em ponto que facilite a sua remoção, ser todo revestido de material lavável e dotado de esguicho de pressão com água fria e quente, para limpeza dos latões. Quando possível, este local deve ser substituído por unidade refrigerada, para retardar a proliferação de bactérias mesófilas, que contaminam o lixo, facilitando a sua putrefação e fermentação, e produzindo odores desagradáveis (TEIXEIRA et al., 2000). Foi verificado que este setor “Não se aplica”, uma vez que não há local destinado para este fim.

O setor de Processamento, local onde são realizadas atividades de transformação dos alimentos recebidos pelo banco de alimentos, tais como: desidratação; processamento mínimo; elaboração de doces, compotas e polpas de frutas; confecção de pães e bolos (BRASIL, 2007b), foi verificada em não conformidade. Este local não dispõe de instalação de gás para atividades de cocção, nem tomadas para instalar maquinários para o processamento dos alimentos. Desta forma, considerando que o tamanho do equipamento é pequeno em relação à demanda das atividades desenvolvidas, o setor em questão é utilizado para Seleção/Triagem/Higienização das mercadorias, como mostra a figura 4.

Figura 4. Setor de Processamento do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Acervo Pessoal.

O setor de Acondicionamento e Identificação é o local onde algumas atividades são realizadas, como: a retirada da embalagem original – se houver, ou se a embalagem externa estiver danificada ou com sujidades – a higienização, o recondicionamento em novas embalagens e a identificação dos produtos incluindo, além de outros dados, a data de validade. Ocorrem também as atividades de pesagem e acondicionamento em monoblocos ou prateleiras para o armazenamento (BRASIL, 2007b). A respeito deste setor, foi identificado que o item “Não se aplica”, já que não há uma área destinada para esta atividade.

O setor de Estocagem (área de armazenamento de alimentos não perecíveis), segundo Rego, Teixeira, 2006, é o local destinado à guarda de gêneros alimentícios, deve localizar-se junto à área de processamento, evitando o transporte de gêneros a longas distâncias, assim como circulação de pessoas estranhas à UAN. Também denominada de despensa seca, é utilizada para armazenamento de alimentos não perecíveis, ou seja, produtos em temperatura ambiente (BRASIL, 2007b). Tal item foi avaliado como não conforme, uma vez que, na planta baixa do banco de alimentos, este setor se localiza, teoricamente, no mesmo ambiente que a câmara fria, contudo, o espaço para acomodar os dois setores é insuficiente, ficando a área de armazenamento de alimentos não perecíveis localizado no setor de Seleção Frutas/Verduras (Figura 5).

Figura 5. Setor de Estocagem (não perecíveis) do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

 

                                                                                                                 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Acervo pessoal.

O setor de Estocagem (câmara fria) destina-se à estocagem de gêneros perecíveis em condições ideais de temperatura e umidade, ou seja, para armazenamento de produtos congelados e/ou refrigerados (TEIXEIRA et al., 2000). Tal setor foi verificado em não conformidade, pois o espaço foi reservado para instalar a câmara fria, contudo não possui o equipamento, disponibilizando o espaço para dar suporte ao armazenamento de não perecíveis (Figura 6).

Figura 6. Setor de Estocagem (Câmara fria) do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Acervo pessoal.

 O setor de Higienização e Armazenamento de Monoblocos é o local onde se armazenam os monoblocos após higienizá-los com esguichos de pressão. As atividades de higienização e armazenamento, embora possam ocorrer no mesmo ambiente, devem ser realizadas de forma separada, a fim de evitar a contaminação. Ou seja, deve haver a setorização destas atividades dentro do espaço destinado a elas (BRASIL, 2007b). Neste caso, o setor encontrou-se em não conformidade, pois o espaço destinado a tal atividade foi necessário disponibilizar aos manipuladores para o funcionamento da cozinha (figura 7) devido ao pequeno tamanho da copa, ficando o espaço da Doca 1 utilizado para tal operação.

 

 

 

 

 

 

Figura 7. Cozinha de funcionários do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 
  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Acervo Pessoal.

 O setor de Expedição é a área onde as doações de alimentos são distribuídas e os veículos das instituições beneficiárias são abastecidos. Não há necessidade de ser uma área confinada, porém, recomenda-se que exista um balcão de apoio (com altura entre 110 cm e 120 cm) para as atividades de controle da expedição (BRASIL, 2007). Item em não conformidade, pois, teoricamente, como mostra a planta do banco de alimentos, há uma parede que separa o Setor de Recepção do Setor de Expedição, contudo, como se pode ver na figura 2, não há essa parede, havendo fluxo cruzado dos alimentos recebidos com os alimentos doados. Também não há balcão de apoio para as atividades administrativas durante o atendimento.

O setor Administrativo (administração/coordenação) é o local onde se realizam as atividades administrativas do banco de alimentos, tais como o controle dos gêneros recepcionados e distribuídos, e o cadastro e a avaliação das instituições socioassistenciais. Neste, deve-se prever a sala da equipe de coordenação da unidade. Deve estar separado dos outros setores onde há fluxo de alimentos, embora deva existir acesso entre eles (BRASIL, 2007b). Segundo Rego, Teixeira (2006), deve ser situada em local que facilite a supervisão das operações de processamento. Ainda, segundo Mezomo (2002), deve ser localizado em ponto estratégico, com paredes de vidro, piso superior ao nível do restante da Unidade, para melhor visualização das atividades desenvolvidas nas áreas de trabalho. Tal item foi verificado em não conformidade, uma vez que, se localiza distante da área de produção, dificultando a visão do ambiente a ser supervisionado (Figura 8).

Figura 8. Setor administrativo do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Acervo Pessoal.

Os vestiários/sanitários de funcionários devem ser em uma área isolada, ou seja, não devem ter comunicação direta com os demais setores do banco de alimentos (TEIXEIRA et al., 2000). Devem localizar-se de tal forma a permitir que todos os funcionários tenham que, obrigatoriamente, passar por eles antes de ingressar na área de produção. Cada conjunto de vestiários e banheiros deve dispor de três áreas distintas: vestiários com armários individuais, boxes para banho e vasos sanitários (no caso do vestiário masculino também devem existir mictórios). As privadas devem ter o máximo de isolamento possível (TEIXEIRA et al., 2000). Devem ser previstos sanitários adaptados a portadores de necessidades e deficiências especiais, de acordo com a NBR 9050. Este item foi verificado em não conformidade, pois os vestiários femininos e masculinos não possuem espaço suficiente para armários individuais, no masculino não existem mictórios e não possuem sanitários adaptados para deficientes.

O depósito de material de limpeza deve ser uma sala fechada e, necessariamente, separada de todo o fluxo referente aos alimentos (armazenamento, manipulação e processamento) (BRASIL, 2007b). Este item encontrou-se em conformidade, estando nomeado na planta atual do banco de alimentos como Depósito Material de Consumo.

O setor de Capacitação/Cozinha Experimental é o ambiente destinado ao ensino, ensaio e experimentação de atividades relacionadas a questões alimentares e nutricionais, gastronômicas, de boas práticas de fabricação, saúde pública, dentre outros. Pode ser usado tanto para a capacitação dos próprios funcionários do banco de alimentos (ou de um outro público específico), como um espaço que permita a inserção da comunidade no processo de educação alimentar e nutricional (BRASIL, 2007b). Classificou-se o item como “Não se aplica”. As capacitações atualmente são realizadas na Doca 1 ou Doca 2, sempre quando não há produção.

Há na planta do banco de alimentos dois setores que não são utilizados, o setor de Secagem de Ervas (Estufa) e o setor de Seleção de Cereais. São utilizados para vestiário dos funcionários e setor para armazenamento de caixas plásticas, respectivamente.

Quanto à área externa, em não conformidade, foi verificado que não está livre de focos de poeira pelo fato do banco de alimentos se localizar ao lado de uma rua que possui grande fluxo de automóveis, além do acesso interno não ser pavimentado.

Quanto ao item acesso, este também se encontra em não conformidade, já que não é uma via exclusiva e direta, sendo comum a outras atividades, dividindo-se com o acesso à horta e à estufa de mudas.

No serviço de alimentação, o abastecimento e armazenamento, bem como as outras atividades da Unidade, geralmente, constituem um problema sério. Há necessidade de se disciplinar e equacionar essas operações, a fim de que sejam evitados cruzamentos indesejáveis e, muitas vezes, desastrosos. O estabelecimento de um fluxo poderá esclarecer e facilitar o desenvolvimento das diversas atividades do serviço (MEZOMO, 2002). Na unidade analisada, quanto ao fluxo, há interrupções e cruzamentos, como se pode perceber na figura 9

Figura 9. Esquema de fluxos do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Arquivo do Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.

­­Considerações Finais

            O estudo sobre a estrutura física de um Banco de Alimentos trouxe a percepção da dificuldade em encontrar bibliografia que aborde o planejamento de Unidades de Alimentação e Nutrição, principalmente quando se trata de aplicar as informações em equipamentos públicos.

Há também escassez de estudos sobre bancos de alimentos de maneira geral, reforçando a importância de aprofundamento de pesquisas na área da Segurança Alimentar e Nutricional.

A respeito do atual trabalho, após a análise do funcionamento do banco de alimentos da região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, foi constatado que a unidade opera com um grande fluxo de alimentos diariamente, e que todas as atividades, recepção de alimentos, triagem, higienização, embalagem, armazenamento, separação conforme instituições assistenciais beneficiadas, expedição e distribuição para as instituições ocorrem simultaneamente, dentro das condições que a estrutura física permite. Percebeu-se a ausência de setores imprescindíveis, como também sobreposição de atividades em um mesmo setor, além de um fluxo cruzado, dificultando o bom funcionamento e operacionalização das atividades.

De acordo com o checklist aplicado para verificar a estrutura física, dos 16 itens analisados, 68,75% deles foram avaliados em não conformidade, portanto, classificando a Unidade como reprovada, de acordo com a legislação. Sendo assim, para que a unidade tenha um bom funcionamento e operacionalização das atividades, é necessário um aperfeiçoamento da estrutura dos bancos de alimentos, visando a garantia das condições higiênico-sanitárias imprescindíveis a todas as etapas de processamento dos alimentos, como preconiza a Resolução – RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002.

Desta forma, torna-se essencial a adequação da planta baixa atual do banco de alimentos, incluindo reforma e construção de um anexo.

Baseando-se nisso, reforça-se a necessidade do acompanhamento de técnicos capacitados, tanto do município, quanto do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, para a elaboração e aprovação do projeto e acompanhamento da execução da obra.

  • Sugestões

No dimensionamento dos diferentes setores, devem ser levados em consideração tanto a adequada disposição dos equipamentos em seus respectivos ambientes, como a adequação à expectativa de recepção e distribuição de alimentos (BRASIL, 2007b).

Os espaços devem ser flexíveis, modulares e simples; as circulações e os fluxos (alimentos, funcionários, usuários e lixo) devem ser bem definidos; e os ambientes devem facilitar a supervisão e a integração (BRASIL, 2007b). Portanto, para a definição da planta baixa, foi utilizado o fluxograma sugerido pelo MDS, o Roteiro de Implantação para Banco de Alimentos, baseada, também, na Portaria no 1.428, de 26 de novembro de 1993 e na Resolução – RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002 (BRASIL, 1993; 2022).

Sendo assim, sugere-se uma nova planta baixa para o banco de alimentos, estando separados a Área de Produção (Figura 10), o Setor Administrativo (Figura 11) e o Setor Capacitação/Cozinha Experimental (Figuras 12).

Pautado na legislação em vigor, todos os ambientes foram redefinidos, observando a realidade atual e as alterações cabíveis a uma produção que vise as condições higiênico-sanitárias e as Boas Práticas de Fabricação.

Figura 10. Sugestão Planta baixa Banco de Alimentos – Área de Produção.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaboração Própria.

 

 

 

 

Figura 11. Sugestão de Planta Baixa para o Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais – Setor Administrativo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaboração Própria.

 

 

 

Figura 12. Sugestão de Planta Baixa para o Banco de Alimentos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais – Capacitação/Cozinha Experimental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaboração Própria.

Referências

ABREU, Edeli Simioni de; SPINELLI, Mônica Gloria Neumann; PINTO, Ana Maria de Souza. Gestão de Unidades de Alimentação e Nutrição: um modo de fazer. 2. ed. Ver e ampl. São Paulo: Metha, 2007. 318 p.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 23 fev. 2023.

BRASIL. Emenda Constitucional n°64, de 04 de fevereiro de 2010.  Altera o Art. 6º da Constituição Federal, para introduzir a alimentação como direito social. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/ emc64.htm. Acesso em: 27 de 09 de 2022.

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CAPÍTULO 4

A PERCEPÇÃO DA IMAGEM CORPORAL EM JOVENS: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

PERCEPTION OF BODY IMAGE IN YOUNG PEOPLE: A LITERATURE REVIEW

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/22.9786500486193.04

Submetido em: 15/11/2023

Revisado em: 23/11/2023

Publicado em: 27/11/2023

 

João Vitor Dal Ponte Zatt

Universidade Luterana do Brasil, Departamento de Medicina, Canoas-RS

http://lattes.cnpq.br/6777995707461568

Ignacio Salonia Goldmann

Universidade Luterana do Brasil, Departamento de Medicina, Canoas-RS

http://lattes.cnpq.br/2322993523266769

Rafael Kornalewski de Oliveira

Universidade Luterana do Brasil, Departamento de Medicina, Canoas-RS

Luiza Aguirre Susin

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre- RS

http://lattes.cnpq.br/7165691254501013

 

 

 

Resumo

A imagem corporal é definida como uma imagem do corpo formada na mente do indivíduo, ou seja, o modo como o indivíduo percebe o seu corpo, sendo esta construída desde a infância até a puberdade (Araujo, 2010). Gardner (1996) a define como “a figura mental que temos das medidas, dos contornos e da forma de nosso corpo e dos sentimentos concernentes a essas características e às partes do nosso corpo”.  Em termos técnicos, entende-se como distorção da imagem corporal a discrepância entre o índice de massa corporal (IMC) percebido e o real. Com isso, o presente trabalho teve como objetivo analisar estudos relacionados a presença de distorção da autopercepção da imagem corporal.

 

Palavras-Chave: corpo, autoimagem, sobrepeso, autopercepção

Abstract

Body image is defined as a mental representation of the body formed in the individual’s mind, meaning how the individual perceives their body. This perception is constructed from childhood to puberty (Araujo, 2010). Gardner (1996) defines it as “the mental picture we have of the measurements, contours, and shape of our body and the feelings concerning these characteristics and parts of our body.” In technical terms, body image distortion is understood as the discrepancy between the perceived and actual body mass index (BMI). Thus, this study aimed to analyze research related to the presence of distortion in self-perception of body image.

Keywords: body, self-image, overweight, self-perception

 

 

Introdução

A imagem corporal é um construto multidimensional que reflete a percepção subjetiva que os indivíduos têm de seus próprios corpos. Essa percepção é influenciada por uma variedade de fatores, incluindo padrões culturais, experiências pessoais e interações sociais, Secchi (2009). A compreensão da imagem corporal é essencial, pois está intrinsecamente ligada ao bem-estar psicológico e à saúde física. Sendo assim, a distorção da imagem corporal emerge como uma preocupação significativa no cenário contemporâneo, especialmente entre os jovens, influenciada por uma interseção complexa de fatores sociais, culturais e psicológicos, Silva (2019).

A definição abrangente de imagem corporal proposta por Cash (2002) destaca a natureza complexa dessa construção psicológica, que vai além da mera percepção visual do corpo. A imagem corporal não se limita à aparência física, mas incorpora atitudes, pensamentos e emoções em relação ao corpo, moldando assim a autoestima e a identidade do indivíduo. Essa perspectiva ampla fornece um ponto de partida essencial para compreender a distorção da imagem corporal.

A influência de fatores culturais e sociais na formação da imagem corporal é uma área de pesquisa substancial. Perloff (2014) destaca o papel das plataformas de mídia social na criação de padrões irrealistas de beleza e nas pressões sociais que contribuem para a insatisfação corporal, especialmente entre os jovens. Essas influências culturais, frequentemente idealizando corpos inatingíveis, podem contribuir para distorções na percepção do corpo, influenciando negativamente a autoimagem dos indivíduos.

Além disso, o período crucial da adolescência emerge como um estágio particularmente sensível para o desenvolvimento da imagem corporal. Smolak e Murnen (2011) exploram a relação entre imagem corporal e distúrbios alimentares durante esse período, ressaltando a importância de compreender e abordar essas questões durante o desenvolvimento psicossocial dos jovens.

A literatura destaca a diversidade de instrumentos utilizados para avaliar a distorção da imagem corporal, incluindo escalas psicométricas e abordagens qualitativas. A escolha desses métodos depende da natureza específica da pesquisa e dos objetivos do estudo.

Nessa perspectiva, este capítulo pretende estabelecer a base para uma análise mais profunda sobre a distorção da imagem corporal, destacando a complexidade do fenômeno e a necessidade de investigação contínua para desenvolver estratégias de intervenção eficazes.

Metodologia

Este estudo empregou uma abordagem abrangente de revisão descritiva bibliográfica, utilizando uma seleção de 10 artigos obtidos de importantes bases de dados eletrônicas, incluindo Pubmed, Medline e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). A inclusão de trabalhos publicados ocorreu de junho a agosto de 2023. A estratégia de busca incorporou o uso de descritores: “autoimagem”, “percepção corporal”, “imagem corporal”, para garantir a relevância e especificidade da literatura reunida foram excluídos trabalhos que traziam apenas resultados subjetivos e não se encaixavam com o objetivo deste estudo.

Resultados e Discussão

Moehlcke et al. (2018) em um estudo realizado com estudantes brasileiros entre 12 e 17 anos por meio de um questionário com informações sobre características sociodemográficas, níveis de atividade física, transtornos mentais comuns, autopercepção da imagem corporal e satisfação com o próprio peso, obtiveram um resultado de 66% de associação correta da propriocepção corporal de cada indivíduo ao seu real IMC e essa correta associação mostrou-se mais prevalente entre jovens de baixa renda. A prevalência de insatisfação com o próprio peso foi de 45% e foi mais evidenciada no sexo feminino.

Santana et al. (2013) através de um estudo transversal com amostra randomizada de 1494 estudantes entre 11 e 17 anos de escolas públicas de Salvador, Brasil, classificou a imagem corporal desses como satisfatória ou insatisfatória através de um questionário sobre sua forma física e hábitos alimentares. Foram, também, analisados dados como situação econômica e demográfica, medidas antropométricas e autopercepção corporal e consumo de bebidas diet e açucaradas. Após essas análises, a insatisfação com a imagem corporal apareceu em 19,5% dos adolescentes, com maior aparição dentre o sexo feminino. Independentemente do sexo a insatisfação com a imagem corporal foi muito evidente entre adolescentes com sobrepeso e obesos.

Solomon-Krakus et al. (2017) realizaram um estudo com jovens adolescentes do Canadá correlacionando discrepâncias entre a percepção corporal de cada jovem em relação às suas medidas corporais reais e à presença de sintomas de depressão no mesmo. Os participantes completaram autorrelatos de suas formas corporais reais, formas ideais e de sintomas de depressão sentidos. A equipe analisou discrepâncias entre a forma real e a forma ideal e os sintomas depressivos foram mais prevalentes entre os jovens que responderam que seu corpo real era maior que seu corpo ideal. Além disso, os sintomas foram mais evidentes quanto maior foi essa discrepância.

Araújo et al. (2010) através de 4452 entrevistas realizadas nos anos de 2004 e 2005 com adolescentes nascidos na cidade de Pelotas no ano de 1993 estabeleceu uma comparação entre o estado nutricional dos adolescentes e sua autopercepção de peso, dividindo os resultados em 3 grupos: subestimado, em concordância e superestimado. Esses resultados foram obtidos baseados em variáveis como sexo, cor de pele, status socioeconômico, prática de atividade física, hábitos alimentares, discriminação, dieta, sensação de bem-estar e opinião do adolescente sobre como seus pais viam a forma física desse. A concordância entre autopercepção corporal e estado nutricional real foi de 65%, sendo que a subestimação do peso ocorreu em 24,9% dos meninos e em 20,3% das meninas, enquanto a superestimação ocorreu em 15,8% das meninas e em 8,5% dos meninos.

­­Considerações Finais

Os sentimentos relacionados à autopercepção do peso refletem insatisfações e preocupações quanto as formas corporais, conduzindo o comportamento do indivíduo em relação aos seus hábitos. Essa distorção de imagem pode levar adolescentes e jovens a adotarem hábitos não saudáveis, com consequente ingesta inadequada de nutrientes, excesso de atividade física sem acompanhamento e risco aumentado para suicídio.

Em síntese, a revisão da literatura destaca a complexidade da imagem corporal como um fenômeno influenciado por fatores psicológicos, sociais e culturais ao longo do ciclo de vida. Enfatiza-se a importância de incluir avaliação de saúde mental em adolescentes que já relatam uma perceção errada sobre sua imagem corporal e também a necessidade de avaliações contínuas dos adolescentes em um geral para estabelecer quais níveis de insatisfação corporal são preocupantes e captar precocemente jovens em risco. A compreensão desses elementos é essencial para o desenvolvimento de intervenções eficazes e programas preventivos que promovam uma relação saudável e positiva com o corpo. Avanços contínuos na pesquisa são fundamentais para abordar lacunas existentes e aprimorar estratégias destinadas a cultivar uma imagem corporal mais saudável e inclusiva na sociedade.

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