LIVRO PUBLICADO

LIVRO: CONCEITOS E PESQUISAS EM CLÍNICA MÉDICA

OPEN ACCESS PEER-REVIEWED BOOK 

CONCEITOS E PESQUISAS EM CLÍNICA MÉDICA

RESEARCH AND CONCEPTS IN CLINICAL MEDICINE

 2024 Editora Science / Brazil Science Publisher

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 Pág.1
OSTEOARTRITE
OSTEOARTHRITIS
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.01
Laura Moreira Gomes
Ellen Keller Alves de Almeida
Luma Correia Rocha
Raphaela Marques Moreira

CAPÍTULO 2 Pág.15
SÍNDROME DO OVÁRIO POLICÍSTICO
POLYCYSTIC OVARY SYNDROME
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.02
Emanuel Braga Barbosa
Joseph Ferraz Pereira
Talysson Almeida Rodrigues
Victória Martins Fonseca Barbosa

CAPÍTULO 3 Pág.31
DIABETES MELLITUS TIPO 2
TYPE 2 DIABETES MELLITUS
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.03
Joyce de Oliveira Ribeiro
Karina Borges Chaves
Lara Gomes Silva
Luciana Cristina de Assis Diniz

CAPÍTULO 4 Pág.44
DOENÇA CELÍACA
CEALIC DISEASE
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.04
Ana Julia de Almeida Eller
Ester Rocha Natal
Laura Argôlo Lima
Manuela Martinho Proba

CAPÍTULO 5 Pág.56
GLAUCOMA
GLAUCOMA
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.05
Guilherme Magalhães Corrêa
Vitória Luiza Temponi
Tiago Moreno de Souza
Filipe Garcia Moreira

CAPÍTULO 6 Pág.66
HIPERTENSÃO ARTERIAL NOS IDOSOS
ARTERIAL HYPERTENSION IN THE ELDERLY
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.06
Alexandre Gaião Chaves Rebelo
Brenda Camargo Gonçalves
Victor Martins Quintana
Willian Fernando de Paula Ribeiro

CAPÍTULO 7 Pág.77
INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO
URINARY TRACT INFECTION
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.07
Gabriela Mariano Ramos
Camila Campos Santos
Lyvia Maria Lopes Sena
Tayna Neiva Vieira

CAPÍTULO 8 Pág.91
OTITE MÉDIA
OTITIS MEDIA
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.08
Gabriela Melo Morais
Lucas Scherrer Ulhôa
Sarah Martins Damasceno Ribeiro
Yasmin Mourão Coelho

CAPÍTULO 9 Pág.105
ORDEM DOS IXODIDAS E SUAS INTERAÇÕES CLÍNICAS
ORDER OF IXODIDS AND THEIR CLINICAL INTERACTIONS
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.09
Thiago Cavalcante Ribeiro
André Fernandes Mesquita
Fernanda Cruz Oliveira Barros
Marco Antônio de Souza Breunig

CAPÍTULO 10 Pág.116
PROCESSO INFLAMATÓRIO NO PACIENTE EM DIÁLISE
INFLAMMATORY PROCESS IN DIALYSIS PATIENTS
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.10
Camila De Aguiar Lima Fernandes
David Ge Paulo
Lucas Ferreira Alves

CAPÍTULO 11 Pág.125
PUBLIQUE COM A SCIENCE EM FLUXO CONTÍNUO
PUBLISH WITH SCIENCE IN CONTINUOUS FLOW
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.11
AUTORES
AUTORES
AUTORES

CAPÍTULO 12 Pág.127
PUBLIQUE COM A SCIENCE EM FLUXO CONTÍNUO
PUBLISH WITH SCIENCE IN CONTINUOUS FLOW
DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.12
AUTORES
AUTORES
AUTORES

SOBRE OS ORGANIZADORES DO LIVRO DADOS CNPQ: Pág.129

 

PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO

Este livro é um testemunho do avanço incessante da pesquisa em clínica médica, um campo essencial que une ciência, prática e inovação para aprimorar a saúde humana. As páginas que se seguem são uma coletânea de estudos e investigações que representam o esforço coletivo de pesquisadores dedicados a explorar e resolver as complexas questões de saúde que afetam a sociedade contemporânea.

A pesquisa clínica é o alicerce sobre o qual se constrói o conhecimento médico. É por meio dela que novas terapias são desenvolvidas, métodos diagnósticos são aprimorados e estratégias de prevenção são criadas. Os trabalhos apresentados neste volume abrangem uma vasta gama de tópicos, refletindo a diversidade e a profundidade das investigações realizadas na área médica. Desde a descoberta de novos biomarcadores para doenças crônicas até a inovação em técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, cada capítulo oferece insights valiosos e contribuições significativas para a prática clínica.

Os autores desta coletânea são profissionais e acadêmicos que dedicaram suas carreiras à busca incessante por respostas às perguntas mais urgentes da medicina. Suas pesquisas são caracterizadas pelo rigor metodológico, pela busca pela excelência e pelo compromisso com a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Eles nos lembram que a ciência médica é um campo em constante evolução, onde cada descoberta abre portas para novas possibilidades e desafios.

Esperamos que este livro inspire outros profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes a continuar explorando e expandindo os horizontes do conhecimento médico. Que ele sirva como uma fonte de referência e motivação, demonstrando que, através da colaboração e da dedicação, é possível alcançar avanços notáveis que beneficiam toda a humanidade.

Agradecemos a todos os que contribuíram para esta obra, e desejamos aos leitores uma jornada enriquecedora e esclarecedora através das páginas que seguem. Que este volume seja uma celebração do espírito investigativo e um incentivo contínuo para a busca pela excelência em clínica médica.

HOW CITE THIS BOOK:

NLM Citation

Santos ILVL, Silva CRC, editor. Conceitos e Pesquisas em Clínica Médica. 1st ed. Campina Grande (PB): Editora Science; 2024.

APA Citation

Santos, I. L. V. L. & Silva, C. R. C. (Eds.). (2024). Conceitos e Pesquisas em Clínica Médica. (1st ed.). Editora Science.

ABNT Brazilian Citation NBR 6023:2018

SANTOS, I. L. V. L.; SILVA, C. R. C. Conceitos e Pesquisas em Clínica Médica. 1. ed. Campina Grande: Editora Science, 2024.

WHERE ACCESS THIS BOOK:

www.editorascience.com.br/

SOBRE OS ORGANIZADORES DO LIVRO DADOS CNPQ:

Prof. Dr. Igor Luiz Vieira de Lima Santos

Possui Graduação em Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (2003) e Mestrado em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2006). Doutor em Biotecnologia pela RENORBIO (Rede Nordeste de Biotecnologia (2013), Área de Concentração Biotecnologia em Saúde atuando principalmente com pesquisa relacionada a genética do câncer de mama. Participou como Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial Nível 3 de relevantes projetos tais como: Projeto Genoma Anopheles darlingi (de 02/2008 a 02/2009); e Isolamento de genes de interesse biotecnológico para a agricultura (de 08/2009 a 12/2009). Atualmente é Professor Adjunto III da Universidade Federal de Campina Grande-UFCG, do Centro de Educação e Saúde onde é Líder do Grupo de Pesquisa BASE (Biotecnologia Aplicada à Saúde e Educação) e colaborador em ensino e pesquisa da UFRPE, UFRN e EMBRAPA-CNPA. Tem experiência nas diversas áreas da Genética, Fisiologia Molecular, Microbiologia e Bioquímica com ênfase em Genética Molecular e de Microrganismos, Plantas e Animais, Biologia Molecular e Biotecnologia Industrial. Atua em projetos versando principalmente sobre os seguintes temas: Metagenômica, Carcinogênese, Monitoramento Ambiental e Genética Molecular, Marcadores Moleculares Genéticos, Polimorfismos Genéticos, Bioinformática, Biodegradação, Biotecnologia Industrial e Aplicada, Sequenciamento de DNA, Nutrigenômica, Farmacogenômica, Genética na Enfermagem e Educação.

Pós-Dra. Carliane Rebeca Coelho da Silva

Possui Graduação em Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco apresentando monografia na área de genética com enfoque em transgenia. Mestrado em Melhoramento Genético de Plantas pela Universidade Federal do Rural de Pernambuco com dissertação na área de melhoramento genético com enfoque em técnicas de imunodetecção. Doutora em Biotecnologia pela RENORBIO (Rede Nordeste de Biotecnologia, Área de Concentração Biotecnologia em Agropecuária) atuando principalmente com tema relacionado a transgenia de plantas. Pós-doutorado em Biotecnologia com concentração na área de Biotecnologia em Agropecuária. Atua com linhas de pesquisa focalizadas nas áreas de defesa de plantas contra estresses bióticos e abióticos, com suporte de ferramentas biotecnológicas e do melhoramento genético. Tem experiência na área de Engenharia Genética, com ênfase em isolamento de genes, expressão em plantas, melhoramento genético de plantas via transgenia, marcadores moleculares e com práticas de transformação de plantas via "ovary drip". Tem experiência na área de genética molecular, com ênfase nos estudos de transcritos, expressão diferencial e expressão gênica Integra uma equipe com pesquisadores de diferentes instituições como Embrapa Algodão, UFRPE, UEPB e UFPB, participando de diversos projetos com enfoque no melhoramento de plantas.

Câmara Brasileira do Livro

ISBN: 978-65-01-16020-7

DOI CROSSREF

https://doi.org/10.56001/24.9786501160207

CAPÍTULOS PUBLICADOS

CAPÍTULO 1

OSTEOARTRITE

OSTEOARTHRITIS

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.01

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Laura Moreira Gomes

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG https://lattes.cnpq.br/0349131422224777

Ellen Keller Alves de Almeida

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG https://lattes.cnpq.br/2396018553398190

Luma Correia Rocha

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG https://lattes.cnpq.br/4340147783811485

Raphaela Marques Moreira

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG https://lattes.cnpq.br/6812691971804255

 

 

 

Resumo

Introdução: A osteoartrite (OA) é a doença reumática mais prevalente no mundo. Caracterizada por degeneração cartilaginosa com comprometimento e adelgaçamento articular, podendo ser progressiva e limitante. Provoca sintomas como artralgia, rigidez, instabilidade e edema de articulações, além de fraqueza muscular ao redor das estruturas afetadas. Está estreitamente relacionada ao envelhecimento, bem como a outros fatores incluindo lesão articular e obesidade. Em casos crônicos, a OA pode causar desgaste ósseo, deformidade articular e redução da capacidade funcional. Metodologia: Revisão bibliográfica de artigos científicos extraídos da base de dados PubMed e Scielo e livro-texto de reumatologia. Objetivo: Abordar principais aspectos envolvidos na patologia da osteoartrite. Resultados: A OA afeta principalmente mulheres maiores de 65 anos, com tendência de desenvolver forma mais grave da doença. Existem fatores de risco que contribuem para sua gênese, incluindo idade, peso, predisposição genética, obesidade, estresse mecânico e trauma. O principal sintoma da OA e o que leva os pacientes a procurarem atendimento é a dor intensa, que piora ao movimento. Apresenta-se como rigidez matinal de duração menor que uma hora, sem sinais flogísticos francos. Quanto ao tratamento, podemos dividi-lo em farmacológico e não farmacológico, que objetiva aliviar sintomas, reduzindo a incapacidade funcional e retardando a progressão da doença. Conclusão: Acerca disso, é possível prevenir o surgimento e/ou agravamento da OA, com exercícios para fortalecimento muscular e flexibilidade das articulações, manter peso adequado, evitar tabagismo e etilismo. Portanto, conclui-se que a patologia reumatológica de maior prevalência pode ser evitada apenas adquirindo estilo de vida saudável.

Palavras-chave: Osteoartrite, doença reumatológica, degeneração cartilaginosa, deformidades articulares, artralgia.

Abstract

Introduction: Osteoarthritis (OA) is the most prevalent rheumatic disease in the world. It’s defined by cartilage degeneration with joint impairment and thinning, which can be progressive and limiting. It induces symptoms such as arthralgia, joint stiffness, instability and edema, besides muscle weakness around the affected structures. It’s strictly related with aging, but can also be associated with other factors, including joint injury and obesity. In cases of chronic courses, the OA is capable of producing bone degeneration, joint deformity and reduction of functional capacity. Methodology: Bibliographic review of scientific articles retrieved from PubMed and Scielo databases and textbook on the topic of rheumatology. Objective: Approach the main aspects involved in the pathology of osteoarthritis. Results: OA affects mostly women over the age of 65 years, and have a tendency to develop the most severe form of the disease. There are some factors that contribute to its genesis, including age, weight, genetic susceptibility, obesity, mechanical stress and joint trauma. The main symptom of OA and what takes the patient to look out to seek care is the severe pain that worsens with movement. It’s presented as a morning stiffness that lasts less than one hour, without frank inflammatory signs. Regarding treatment, it can be divided into pharmacological and non-pharmacological, aiming for symptom reliefing, reducing the functional incapacity and delaying disease progression. Conclusion: About that, it’s possible to avoid the onset of disease, through regular physical exercise aiming muscle strengthening and joint flexibility, keep a proper weight, avoid smoking and alcohol consumption. Therefore, it’s concluded that the world’s most prevalent rheumatological pathology can be avoided if the person acquires a healthy lifestyle.

Keywords: Osteoarthritis, rheumatological disease, cartilage degeneration, joint deformity, arthralgia.

 

 

Introdução

A osteoartrite é a doença reumática com comprometimento articular e manifestação sintomática mais prevalente entre indivíduos maiores de 65 anos. É uma patologia crônica degenerativa que provoca danos diretos à cartilagem, podendo ser progressiva, limitante e causar grande impacto na qualidade de vida dos portadores. Ela é caracterizada pela deterioração focal ou total da cartilagem, provocando perda da elasticidade e da capacidade de resistência da articulação. Pode ser definida como uma insuficiência qualitativa e quantitativa do tecido cartilaginoso articular associada às alterações típicas do osso subcondral.

No passado, acreditava-se que a OA era unicamente provocada pelo processo natural do envelhecimento, sem perspectivas de tratamento, e era conhecida como Osteoartrose. Contudo, nos dias atuais, com o avanço dos estudos na medicina e nas técnicas de biologia molecular, evidenciou-se que há uma diferença considerável entre a cartilagem do idoso e a do indivíduo com a doença. Portanto, pode-se afirmar que além do desgaste cartilaginoso, a inflamação é um outro componente importante na gênese dessa doença.

Epidemiologia Osteoartrite

A osteoartrite é uma das principais causas de incapacidade funcional e pode impactar negativamente no bem-estar físico e mental das pessoas. No Brasil, a osteoartrite acomete cerca de 16% da população. Há estreita associação entre idade avançada, obesidade e aumento das taxas de osteoartrite de joelho. Cerca de 85% da população geral apresenta evidências radiográficas compatíveis com OA por volta dos 65 anos de idade, sendo duas vezes mais comuns em mulheres em comparação aos

homens. Elas são mais afetadas e tendem a desenvolver forma mais grave da doença, possivelmente associada aos hábitos corporais ou à predisposição genética. Quanto à etnia, pode ter alterações em relação aos grupos diversos, porém essa variação parece ser mais relacionada a diferenças ocupacionais e até mesmo culturais entre as diversas raças.

A predisposição genética envolve principalmente as formas nodais de osteoartrite de mãos e algumas de OA primária generalizada. Aproximadamente 30-65% do risco de osteoartrite é determinado geneticamente.

Pode-se considerar o impacto socioeconômico da osteoartrite como muito alto, sendo responsável por mais de 90% das indicações de artroplastia do quadril e joelho, além de ser um grande componente facilitador para a evasão laboral.

Etiopatogenia

A respeito do aspecto fisiopatológico da OA, tem-se o envolvimento de múltiplos fatores, tais como idade, genética, traumas prévios, ocupacionais, estresse repetitivos e obesidade. O processo de alteração patológica à nível celular provocado pela osteoartrite é ocasionado pela alteração na função do condrócito. Assim, ele libera enzimas proteolíticas em maior quantidade que degradam as moléculas do condrócito e provocam adelgaçamento cartilaginoso com deterioração na capacidade mecânica. Essas anormalidades concomitantemente ao estresse químico pelos mediadores inflamatórios, e mecânicos pela perda da elasticidade e tensão, aumentam a pressão intracartilaginosa, promovendo maior deterioração articular e surgimento de erosões ósseas

Fatores De Risco

Idade, sexo, predisposição genética (principalmente na forma de mãos e joelhos), obesidade, estresse mecânico, trauma articular, doenças congênitas/desenvolvimento de osso e articulação, afecção articular inflamatória precedente e doenças endócrino-metabólicas configuram fatores que aumentam as chances do desenvolvimento da oesteoartrite.

Lesão articular associada a esforço, dano a menisco, trauma prévio, lesão ligamentar, malformações como displasia do quadril são fatores mecânicos que podem favorecer o desencadeamento de OA.

As mudanças no ambiente articular com o envelhecimento, têm efeito combinado sobre a articulação, tornando-a vulnerável ao desenvolvimento de OA. Além disso, a sobrecarga causada por excesso de peso, seja pelo fator mecânico, que impõe mais desgaste às estruturas articulares, ou por mediadores inflamatórios, como adipocinas, produzidas no tecido adiposo, que potencializam a inflamação local.

Imagem 1 – Relação entre fatores de risco para osteoartrite.

 

Fonte: Reumatologia- Diagnóstico e Tratamento, 5ª edição pp. 259-272

Manifestações Clínicas

Na osteoartrite, normalmente, há acometimento mono ou oligoarticular e, as manifestações variam para cada articulação. Os sintomas são instalados de maneira insidiosa e, comumente, o que leva o paciente a procurar atendimento médico é a dor intensa.

Dor

A dor na osteoartrite é de caráter mecânico, que piora com o movimento e melhora com o repouso. É associada à piora da qualidade de vida, com fadiga, sono não reparador e alterações de humor.

Pacientes relatam piora da dor e aumento da rigidez, principalmente quando há alterações de temperatura e de pressão no ambiente.

Os mecanismos fisiológicos da dor se relacionam com a estrutura anatômica acometida, que ao ser identificada, auxilia na proposta terapêutica. Dessa forma, anormalidades na cartilagem, meniscos e no líquido sinovial podem cursar indiretamente com dor.

Lesão Da Cartilagem Articular

A perda da integridade estrutural, alteração da mecânica fisiológica e a liberação de mediadores inflamatórios, devido à lesão da cartilagem articular, causam indiretamente a dor. A lesão cursa com superfícies irregulares, que darão origem a um quadro de crepitação. 

Substâncias são liberadas da cartilagem lesada para a cavidade sinovial, entre elas o colágeno, proteoglicanos, cristais, enzimas proteolíticas e citocinas, que irão deflagrar uma resposta inflamatória sinovial, porém de forma branda.

O líquido sinovial pode causar distensão da cápsula articular, que eventualmente acarreta compressão de vasos sanguíneos sinoviais e estímulo de barorreceptores.

Rigidez

A rigidez matinal, que acontece após a inatividade da articulação dura, frequentemente, um tempo menor do que 30 minutos e é caracterizada pelo inchaço e lentificação mecânica da articulação acometida.

Sinais Radiológicos

Tríade: redução do espaço articular, esclerose óssea subcondral e presença de osteófitos.

A esclerose do osso subcondral é resultado do processo de reação às agressões sucessivas no tecido ósseo. A redução do espaço articular medial causa varismo (desalinhamento articular para a lateral) e a redução do espaço lateral cursa com valgismo (desalinhamento articular para direção medial) 

Joelhos

A OA do joelho, também chamada de gonartrose, é a localização periférica mais comum, predominante entre 50 e 60 anos, sendo mais frequente no sexo feminino. Desalinhamentos da articulação, como joelho valgo e varo, são frequentemente responsáveis pelas formas secundárias.

Inicia de forma insidiosa, com dor na área do joelho de aumento progressivo. Os sintomas variam conforme gravidade das lesões: a dor, a princípio, aparece quando a articulação é utilizada mais intensamente. À medida que o processo se agrava, ela surge após pequenos esforços e até mesmo em repouso, tendo como apresentação característica quadro de dor ao início do movimento, com melhora após algumas repetições. Quando presentes, os derrames são geralmente frios à palpação.

Ao exame físico pode-se detectar aumento de volume da articulação, atrofia de quadríceps, dor à palpação das interlinhas articulares e à mobilização da patela, que pode estar parcial ou totalmente bloqueada. A crepitação palpável à flexão-extensão é um dos sinais mais característicos. Osteófitos marginais, corpos livres intrasinoviais ou corpos móveis, podem ser palpáveis.

Mãos

A osteoartrite de mãos pode acometer as articulações interfalangianas distais, com a presença de nódulos de Heberden, ou as proximais, com os nódulos de Bouchard. Ou ainda, em forma de rizartrose, quando acometem a trapeziometacarpal.

Os de Heberden raramente são únicos e acometem principalmente mulheres na 5ª década de vida, apenas quando têm origem traumática. Já os de Bouchard são desenvolvidos lentamente, raramente precedem os de interfalangianas distais (Heberden), e quando presentes, podem levar a dificuldades funcionais, por acometer as articulações interfalangianas proximais e provocar intenso quadro álgico.

O acometimento das mãos na OA caracteriza-se por ser de evolução lenta, com hipertrofia óssea lateral e dorsal, tendo início comumente no segundo e no quinto dedo. 

Pés

Pacientes portadores de OA de pés são acometidos, com frequência, com dor na primeira articulação metatarsofalangeana, que piora com o movimento. Comumente, apresentam desvio lateral do hálux, denominado hálux valgo, popularmente: joanete.

Diagnóstico

No diagnóstico da osteoartrite (OA), as radiografias convencionais permitem identificar as alterações características da doença em suas diferentes fases evolutivas. As técnicas de imagem mais avançadas, como ressonância magnética e ultrassonografia, podem ser úteis para fazer diagnóstico diferencial e identificar precocemente lesões cartilaginosas, a radiografia é essencial para determinar a extensão, gravidade e progressão da OA, bem como para classificar candidatos à cirurgia.

Imagem 2- Relação entre mecanismos patológicos e radiográficos da OA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Reumatologia – Diagnóstico e Tratamento, 5ª edição.

Não existem exames laboratoriais específicos para OA. Portanto, sua utilidade é voltada para excluir diagnósticos diferenciais. Além disso, não há marcadores biológicos específicos suficientes para identificar componentes da matriz cartilaginosa em urina, líquido sinovial ou sangue que, teoricamente, esse achado precoce revelaria sua degradação. Entretanto, o líquido sinovial pode mostrar algumas evidências da doença mesmo sendo classicamente determinado como não inflamatório, como a presença de componentes da matriz cartilaginosa e cristais.

Na classificação do American College of Rheumatology, foram estabelecidos diferentes critérios de classificação para OA de diferentes articulações, o que destaca a natureza diferenciada da doença de acordo com a localização articular.

É importante ressaltar que a dor é fundamental para o diagnóstico de OA, ou seja, pacientes com apenas alterações radiográficas não podem ser diagnosticados como portadores da doença.

Diagnósticos diferenciais

Artrite reumatóide, artrite psoriásica, artrite séptica, lúpus eritematoso sistêmico, gota, espondiloartropatias e artrite idiopática juvenil são entidades que podem entrar como diagnóstico diferencial de OA.

Tratamento

O tratamento ideal para os pacientes envolve uma combinação das modalidades não farmacológica e farmacológica, individualizadas conforme o quadro e as preferências do paciente. O passo inicial é o reconhecimento dos fatores desencadeantes e agravantes presentes em cada caso, além de identificar adequadamente as estruturas

articulares e periarticulares envolvidas e que efetivamente tenham participação nos sintomas.

Os objetivos básicos do tratamento da OA são: alívio dos sintomas, recuperação funcional, retardo ou bloqueio da evolução da doença e regeneração dos tecidos lesados. É relevante inteirar-se de que, na maioria dos pacientes, uma única modalidade terapêutica pode não oferecer uma resposta clínica adequada.

Tratamentos não farmacológicos
  • Educação do paciente

É uma etapa fundamental e que não deve ser menosprezada, pois os pacientes com OA que vão a tratamento estão, frequentemente, deprimidos e podem apresentar melhora pela atenção recebida, com o encorajamento e a informação de que sua doença, apesar de não ter cura, pode ser convenientemente controlada.

É importante salientar que a evolução da OA é lenta e com longos períodos assintomáticos, permitindo vida de razoável ou boa qualidade.

Deve ser esclarecido sobre as características da doença e salientar que ela prejudica a capacidade funcional. Assim, a intervenção terapêutica trará considerável melhora da qualidade de vida, quando acatada e feita com sucesso. Para isso, faz-se necessário motivar e envolver o paciente no seu tratamento, uma vez que ele é o principal agente no seu programa de reabilitação.

A prática de atividades esportivas deve ser estimulada, porém, sob orientação de um profissional habilitado. Devem ser orientados quanto ao uso de rampas e escadas e, com relação à ergonomia do trabalho doméstico e/ou profissional.

  • Exercícios e repouso

Um programa equilibrado de exercícios é benéfico e essencial para a prevenção e a manutenção da integridade articular. Tem o objetivo de reduzir a dor, aumentar ou manter a amplitude do movimento articular e força muscular, melhorar a mobilidade e a atividade física, bem como reduzir as limitações às atividades cotidianas. 

O repouso pode ser necessário em períodos de piora, mas raramente tem de ser absoluto: deve ser intercalado com as atividades habituais do paciente e dosado em função da gravidade do acometimento da articulação comprometida, sendo particularmente útil para as articulações que suportam carga. Se for exagerado, pode contribuir para o dano articular e muscular.

Os programas de exercícios devem ser individualizados e progressivos e incluir tratamento manual, como exercícios de alongamento e de mobilização dos tecidos moles, voltados para a manutenção ou melhora da amplitude do movimento. Isso junto a exercícios voltados para a melhora da performance muscular em termos de dimensão e força.

Durante os episódios dolorosos, devem ser propostos exercícios isométricos, tais como a contração do quadríceps ou exercícios realizados em uma posição sem carga ou em posições parcialmente sem carga. Durante os períodos sem dor, o programa de exercícios pode incluir alongamento e exercícios para a performance muscular. 

  • Perda de peso

A obesidade apresenta nítida relação tanto no aparecimento quanto na evolução da OA, de modo que se torna fundamental o peso do paciente chegar ao nível mais próximo possível do ideal, pois a redução de carga atenua a instabilidade articular. 

A perda de peso está recomendada para todos os pacientes com OA sintomática nos membros inferiores que estejam com sobrepeso. Em virtude da frequente presença de comorbidades vasculares e de situações metabólicas como hipertensão, diabetes melito e doença arterial coronariana, a redução do peso é importante não apenas para os pacientes com OA como também para a saúde e o bem-estar gerais.

  • Órteses

As órteses são usadas principalmente para melhorar os sintomas, porém podem ajudar a corrigir forças biomecânicas anormais operando através da articulação. A utilização de bengalas depende de um período de 2 meses de adaptação. Ela reduz em até 60% a carga do membro afetado. A altura correta da bengala é a que permite um ângulo de 20 a 30° entre o antebraço e o braço.

Tratamento farmacológico

O tratamento sempre deve ter uma abordagem multifatorial, pois cada vez é mais claro que a prescrição medicamentosa isolada não é suficiente para o controle ideal da doença.

O tratamento medicamentoso da OA apoia-se basicamente em:

  • Fármacos sintomáticos de curta duração (analgésicos, anti-inflamatórios não hormonais (AINH) e analgésicos opioides).
  • Fármacos de ação lenta na OA: incluem os fármacos sintomáticos de ação lenta e os fármacos com potencial modificador do curso da doença.
  • Sintomáticos de curta duração

Recomenda-se o uso do paracetamol como o fármaco inicial na terapia de pacientes com dor média-moderada, na dose de 1,5 a 3 g/dia. Entretanto, seu uso deve ser cuidadoso, pois pode acarretar dano hepático e sua eficácia é baixa.

No meio médico, recomenda-se dipirona na dose de 1.000 a 1.500 mg/tomada. Opcionalmente, podem-se utilizar analgésicos opioides, mas com cuidado em razão dos efeitos adversos, especialmente obstipação e sedação excessiva, potencializando risco de quedas, principalmente dada a faixa etária dos pacientes com OA.

Os AINH têm seu uso justificado pela presença de algum grau de inflamação no processo artrósico. Em relação aos inibidores específicos da ciclo-oxigenase 2 (COX-2), existe uma clara vantagem destes em relação aos efeitos gastrointestinais, com eficácia similar. Sua indicação seria prioritária, portanto, nos casos com maior risco de eventos adversos no trato intestinal alto (idade < 65 anos, presença de comorbidades, uso de corticosteroide oral, história de úlcera péptica e/ou sangramento alto e uso de anticoagulantes). Uma alternativa ao uso de inibidores específicos da COX-2 seria a prescrição de um AINH não seletivo associado a gastroprotetores, como os inibidores de bomba de prótons.

A colchicina pode ser utilizada como tratamento coadjuvante, sobretudo nos casos que apresentem crises dolorosas episódicas. 

  • Fármacos de ação lenta

Nesse grupo, incluem-se a diacereína, o sulfato de glicosamina, o sulfato de condroitina, os extratos não saponificados de soja e abacate, o hialuronato e a cloroquina.

A glicosamina demonstrou ter potencial modificador de doença. O sulfato de glicosamina deve ser ingerido em tomada única diária de 1.500 mg, sendo bastante seguro, porém acarretando, em alguns pacientes, uma aceleração do trânsito intestinal e flatulência.

O sulfato de condroitina também integra os proteoglicanos e é um polissacarídeo composto, entre outros, por glicosaminas. Destaca-se a inibição da síntese de IL-1 e efeitos anabólicos sobre a matriz cartilaginosa.

A diacereína e seu metabólito reína inibem IL-1 por reduzir a quantidade de receptores dessa interleucina (IL-1R) nos condrócitos, reduzindo a síntese de metaloproteases e elevando a produção de colágeno e proteoglicanos.

Os extratos não saponificados de soja e abacate são compostos de um terço de óleo de abacate e dois terços de óleo de soja; inibem a IL-1 e estimulam a síntese de colágeno.

Quanto à cloroquina, sua eficácia sintomática foi sugerida inicialmente para o tratamento da OA erosiva das mãos.

  • Medicação intra-articular

A aplicação intra-articular de ácido hialurônico tem eficácia no tratamento da osteoartrite, dentre as suas ações, destaca-se o efeito estimulador na produção de ácido hialurônico pela própria articulação. Foi aprovado o uso para pacientes com OA sintomática de joelho que não tenham respondido a medidas não farmacológicas e a analgésicos. São feitas de 3 a 5 aplicações intra-articulares semanais, de acordo com o peso molecular do produto utilizado.

As infiltrações com corticosteroide são justificadas na literatura como um procedimento de grande valia nos casos de persistência de sintomas, principalmente se com exuberância de fenômenos inflamatórios. O hexacetonido de triancinolona é o corticosteroide mais utilizado, em razão de seu maior tempo de permanência restrita à articulação infiltrada. Seu efeito é de aproximadamente 3 meses.

Tratamento Cirúrgico

Indicada para pacientes com falha do tratamento conservador, com dor prolongada permanente, que desenvolveram deformidades fixas ou perda da função articular, osteoartrite com grau II e III com comprometimento progressivo da independência das atividades diárias devem ser referidos para o ortopedista, que fará a indicação do tratamento cirúrgico. As cirurgias indicadas são: desbridamento artroscópico, osteotomias e artroplastias.

  • Osteotomias:

As osteotomias visam a corrigir o desalinhamento articular e evitar a concentração de carga. São feitos dois tipos de osteotomias:

Profilática: indicada precocemente em pacientes sintomáticos e ainda sem alterações radiográficas para a correção dos desvios de eixos articulares. Terapêutica: indicada em casos sintomáticos e com alterações radiográficas. É feita para modificar o eixo de alinhamento do membro afetado e deslocar a carga para outra região da superfície articular.

  • Artroplastia:

As artroplastias totais devem ser reservadas para estágios mais avançados da doença e pacientes mais idosos, tendo em vista a durabilidade das próteses, e as artrodeses só devem cogitadas em casos excepcionais

  • Desbridamento artroscópico:

São indicações precisas para correção das lesões parciais de meniscos, labrum e retirada de corpos livres intra-articulares da mesma forma que para as osteoartroses de quadril.

Prognóstico

O prognóstico da osteoartrite varia conforme articulação acometida, mas nota-se que a doença tem uma evolução lenta, propiciando uma prevenção razoavelmente satisfatória para a maioria dos casos. As localizações em joelhos e quadris são as de maior potencial para perdas funcionais, por influenciarem diretamente na locomoção do paciente, mas o arsenal terapêutico atual possibilita uma atuação favorável mesmo nessas circunstâncias, tornando o prognóstico mais favorável e permitindo que os pacientes portadores de OA recuperem sua qualidade de vida.

Conclusão

Portanto, conclui-se que apesar da osteoartrite ser uma doença que ocorre principalmente associada ao envelhecimento, o diagnóstico precoce junto a um acompanhamento adequado possibilita um bom prognóstico. Para isso, é preciso de uma abordagem multidisciplinar, visto que além do médico, há necessidade de acompanhamento com educador físico, nutricionista e fisioterapeuta, se necessário.

Assim, o médico deve saber identificar os fatores de risco para o desenvolvimento da doença, bem como suas manifestações iniciais, como a dor de caráter mecânico e rigidez matinal que dura menos de uma hora. Além disso, examinar cautelosamente as principais articulações e realizar exame radiológico para avaliar o comprometimento articular, quando necessário.

Por fim, como tratamento, deve-se associar medidas farmacológicas e não farmacológicas, de forma individualizada conforme o quadro do paciente. A etapa fundamental é a educação do paciente sobre a evolução da OA e estimular a prática de atividades físicas e de um estilo de vida mais saudável. Com isso, pode-se evitar a ocorrência da doença e/ou complicações provocadas pela osteoartrite.

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CAPÍTULO 2

SÍNDROME DO OVÁRIO POLICÍSTICO

POLYCYSTIC OVARY SYNDROME

 

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.02

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Emanuel Braga Barbosa

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador

Valadares-MG

https://lattes.cnpq.br/2294267554701864

Joseph Ferraz Pereira

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador

Valadares-MG

https://orcid.org/0009-0002-1010-0809

Talysson Almeida Rodrigues

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador

Valadares-MG

http://lattes.cnpq.br/3729502274599574

Victória Martins Fonseca Barbosa

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador

Valadares-MG

http://lattes.cnpq.br/1522850543485871

 

 

 

Resumo

Introdução: A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é uma importante causa de infertilidade feminina, sendo caracterizada por hiperandrogenismo, disfunção ovariana e ovulatória, além da associação com a resistência à insulina. Objetivo: Apresentar os principais dados sobre a SOP, a fim de orientar o estudo de profissionais da saúde e de acadêmicos de medicina. Metodologia: Revisão bibliográfica de livros-texto de Ginecologia e Obstetrícia e artigos científicos acerca do assunto. Resultados: A SOP possui uma relação com fatores hereditários e com fatores hormonais e se manifesta com sinais e sintomas, como alterações menstruais, disfunção ovulatória, infertilidade, complicações gestacionais, neoplasia endometrial, resistência insulínica, sobrepeso, síndrome metabólica, hiperandrogenismo, disfunção endotelial e problemas psicossociais. O diagnóstico envolve diversos critérios, tendo o de Rotterdam como o principal. O tratamento deve ser individual, de acordo com os sinais e sintomas, podendo ser não farmacológico (mudanças de hábitos de vida), farmacológico e, em alguns casos, cirúrgico. Conclusão: A SOP possui um alto impacto na vida das mulheres acometidas, o que pode gerar consequências físicas e emocionais. Assim, é necessário que ocorra um diagnóstico precoce, com o intuito de reduzir os impactos, como exemplo, os fatores de risco para doenças cardiovasculares e para Diabetes Mellitus tipo 2. Logo, torna-se indispensável um amplo conhecimento dos profissionais para identificar a patologia e para educar as pacientes quanto à síndrome.

Palavras-chave: Síndrome do Ovário Policístico. Hiperandrogenismo. Cistos Ovarianos.

Abstract

Introduction: Polycystic Ovary Syndrome (PCOS) is an important cause of female infertility, characterized by hyperandrogenism, ovarian and ovulatory dysfunction, in addition to its association with insulin resistance. Objective: To present the main data on PCOS, in order to guide the study of health professionals and medical students. Methodology: Bibliographic review of Gynecology and Obstetrics textbooks and scientific articles on the subject. Results: PCOS has a relationship with hereditary factors and hormonal factors and manifests itself with signs and symptoms, such as menstrual changes, ovulatory dysfunction, infertility, gestational complications, endometrial neoplasia, insulin resistance, overweight, metabolic syndrome, hyperandrogenism, endothelial dysfunction and psychosocial problems. The diagnosis involves several criteria, with Rotterdam as the main one. Treatment must be individual, according to the signs and symptoms, and may be non-pharmacological (changes in lifestyle habits), pharmacological and, in some cases, surgical. Conclusion: PCOS has a high impact on the lives of affected women, which can generate physical and emotional consequences. Therefore, it is necessary for an early diagnosis to occur, in order to reduce the impacts, for example, the risk factors for cardiovascular diseases and type 2 Diabetes Mellitus. Therefore, a broad knowledge of professionals is essential to identify the pathology and to educate patients about the syndrome.

Keywords: Polycystic Ovary Syndrome. Hyperandrogenism. Ovarian Cysts.

 

 

Introdução

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é considerada como uma das causas mais prevalentes de endocrinopatias ginecológicas. As características mais importantes dessa doença são o hiperandrogenismo, a disfunção ovulatória com ciclos menstruais irregulares, além da aparência policística típica dos ovários à ultrassonografia transvaginal (USTV). Concomitantemente, observa-se uma forte associação da SOP com distúrbios metabólicos, sobretudo pela alta resistência à insulina presentes nas mulheres com essa comorbidade.

Epidemiologia

No que se refere à epidemiologia, a prevalência da SOP varia e depende dos critérios diagnósticos utilizados e da população estudada para sua definição epidemiológica. Entretanto, a prevalência desse distúrbio endócrino está compreendida na faixa de 6 a 20% das mulheres. Os principais critérios diagnósticos empregados são o National Institutes of Health (NIH), os critérios de Rotterdam, os critérios Androgen Excess-Polycystic Ovarian Syndrome Society (AE-PCOS Society), além dos critérios conjuntos da Australian National Health and Medical Research Council of Australia (NHMRC), American Society for Reproductive Medicine (ASRM) e European Society for Human Reproduction and Embriology (ESHRE), de 2018, sendo o mais recente. Dos critérios supracitados, o mais consolidado e aplicado no diagnóstico são os critérios de Rotterdan, que define SOP pela presença de pelo menos dois dos três seguintes critérios: alterações nos ciclos menstruais com oligo ou amenorréia, hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial, além de morfologia ovariana à USTV. Consequentemente, por essa grande variedade de critérios diagnósticos, não há um consenso estabelecido referente ao diagnóstico da SOP e consequentemente em sua epidemiologia exata, o que se dá também pela sua alta complexidade fisiopatológica.

Fisiopatologia

A SOP se constitui como um distúrbio endócrino que possui uma complexa interação de fatores genéticos e endócrinos em sua fisiopatologia. A patogênese dessa síndrome pode ser imaginada e compreendida mediante uma hipótese “two-hit”, que se traduz como “dois golpes”. Segundo essa hipótese, para o surgimento dessa comorbidade, há a necessidade da predisposição genética intrínseca do indivíduo ou um histórico familiar da doença na família, ambos exemplificando o “primeiro golpe”, que se manifesta plenamente quando há a presença de um fator provocativo, leia-se como fatores metabólicos e ambientais, determinando o “segundo golpe”, que pode ser demonstrado pela obesidade, estado em que há alta resistência à insulina e uma hiperinsulinemia compensatória associada. Outros fatores provocativos seriam a ausência de atividade física e de uma dieta equilibrada. Todas essas interações resultam em um padrão de herança autossômico dominante em que há uma penetrância variável, sendo a herdabilidade da SOP estimada em mais de 70%, mediante estudos em irmãs gêmeas idênticas.

Uma vez desencadeada quaisquer alterações que impliquem o início da gênese da SOP, há a ocorrência de um ciclo vicioso de manifestações que perpetuam a doença.

Objetivando uma melhor compreensão da fisiopatologia da SOP, dividiremos em tópicos didáticos que contemplem a influência dos fatores genéticos e hormonais.

Figura 1: Fatores envolvidos na fisiopatologia da SOP.

Fonte: Síndrome dos ovários policísticos. 3a ed. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2023. 140p. (Série Orientações e Recomendações FEBRASGO, n.1, Comissão Nacional de Ginecologia Endócrina).

Fatores genéticos

Como supracitado anteriormente, a base genética da SOP é de herança autossômica dominante e com penetrância variável. Sabe-se que há alterações cromossômicas em vários genes, principalmente genes responsáveis pela síntese de receptores de insulina, que no contexto desse distúrbio estão diminuídos, o que explica em parte a resistência à insulina característica associada à doença.

Além disso, a SOP materna é um fator de risco para o desenvolvimento da doença, sendo que, aproximadamente 25% das mulheres com SOP possuem mãe com a mesma doença.

Além do mais, as concentrações séricas de hormônios andrógenos, exemplificados pela testosterona, assim como as concentrações séricas de proteínas carreadoras de androgênios, também são de caráter hereditário nas mulheres. Cerca de metade das irmãs de mulheres com SOP possuem um nível sérico de testosterona elevado. Apesar disso, apenas metade destas irmãs com hiperandrogenismo apresentam irregularidade menstrual característica da SOP, enquanto a outra metade é assintomática.

Dessa forma, isso corrobora com o conceito de que um grau modesto de hiperandrogenemia não é capaz de ocasionar disfunção ovariana sem a presença de outro fator precipitante.

Fatores hormonais

Inicialmente, no que se refere aos fatores hormonais envolvidos na fisiopatologia da SOP, uma alteração neuroendócrina bem descrita é o aumento da secreção pulsátil do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), que resulta na produção preferencial do hormônio luteinizante (LH), devido à hiperatividade na produção de androgênios pelas células da teca, em detrimento da síntese do hormônio folículo estimulante (FSH). Consequentemente, daí decorre a proporção LH:FSH aumentada e acima de 2 em 60% dos pacientes com SOP. Acredita-se que a baixa concentração de FSH aconteça devido à inibição endógena, sobretudo por elevadas concentrações do hormônio antimulleriano (HAM) em mulheres com SOP. Ademais, sabe-se que pelo desbalanço entre as concentrações de LH e FSH, não ocorrerá a conversão proporcional do androgênio produzido pelas células da teca, que é predominantemente a testosterona, em estradiol, justificando o hiperandrogenismo típico da SOP.

Além disso, nas mulheres com SOP os ovários são os principais responsáveis pela síntese e secreção de androgênio, culminando no hiperandrogenismo. Esse fato se justifica pela desregulação do gene de uma enzima responsável pela formação de androgênio, enzima essa denominada citocromo P450 17-alfa.

Além do mais, a insulina, hormônio catabólico, exerce um papel significativo, tanto de forma direta, quanto indireta, no estabelecimento do hiperandrogenismo característico dessa síndrome. Em consonância com o LH, a insulina estimula a síntese de androgênios pelas células da teca, além de também inibir a produção pelo fígado das globulinas carreadoras de hormônios sexuais. Dessa forma, a concentração de androgênios circulantes não aumenta apenas pela síntese elevada, mas também pelos androgênios que circulam livre ao plasma, devido à inibição hepática das proteínas carreadoras.

Manifestação Clínica

A Síndrome do Ovário Policístico possui como manifestações clínicas um conjunto de sinais e sintomas que podem se apresentar de formas variadas e que serão descritos a seguir.

Alteração Menstrual

Pode se manifestar como amenorréia ou oligomenorréia, definidas como ausência de menstruação durante três meses consecutivos (ou mais) e menos de oito períodos menstruais em um ano, respectivamente. Isso ocorre devido a níveis elevados de androgênios em mulheres com SOP e/ou queda da produção de progesterona por ausência de ovulação.

Disfunção Ovulatória

A disfunção ovulatória acontece concomitantemente com a alteração menstrual, se expressando com anovulação ou oligovulação, detectados de acordo com o ciclo menstrual. Vale ressaltar que, em algumas mulheres, a oligovulação pode ocorrer com um ciclo menstrual aparentemente normal (eumenorreia) ou com um ciclo menstrual igual ou inferior a 21 dias (polimenorreia). Ademais, as pacientes em amenorreia na SOP podem apresentar sangramento imprevisível e intenso, devido a instabilidade do endométrio espessado, que ocorre pela intensa atividade mitocondrial constante, por elevados níveis de estrogênio e baixos níveis de progesterona.

Infertilidade

É uma queixa frequente entre mulheres acometidas pela SOP, bem como a subfertilidade, sendo a síndrome a principal causa de infertilidade secundária à anovulação.

Complicações na Gestação e Perdas Gestacionais

Muitas mulheres recorrem à fertilização in vitro ou medicamentos indutores de ovulação devido a dificuldades para engravidar, aumentando o risco de gravidez gemelar e suas complicações maternas e neonatais, além de que mulheres com SOP apresentam risco aumentado em duas ou três vezes de diabetes gestacional, nascimento prematuro, hipertensão arterial induzida pela gravidez e mortalidade perinatal. Apesar da sua etiologia desconhecida, alguns autores acreditam ainda que as perdas gestacionais podem estar ligadas a resistência insulínica.

Neoplasia Endometrial

Mulheres com SOP podem apresentar risco aumentado para hiperplasia, neoplasia e câncer endometrial, e isso pode ser explicado devido a estimulação crônica do estrogênio sem o antagonismo da progesterona no endométrio, a anovulação crônica, o hiperandrogenismo e a hiperinsulinemia.

Hiperandrogenismo

O hiperandrogenismo pode se manifestar clinicamente como hirsutismo, acne e/ou alopecia androgênica. O hirsutismo é o principal e mais fidedigno sinal clínico. Já a acne isolada não é um sinal confiável de excesso de androgênios. A alopecia androgênica, em mulheres, é menos comum na SOP e deve ser feito uma avaliação para outras doenças graves.

Hirsutismo

É definido como presença de pelos terminais, em padrão masculino, escuros e ásperos (figura 2). Pode ser explicado pelo excesso de testosterona no folículo piloso que é convertida em di-hidrotestosterona (DHT), pela 5alfa-redutase. Ambos levam a conversão irreversível de pelos finos, curtos e não pigmentados, em pelos ásperos e escuros, sendo a DHT mais eficaz que a testosterona. As áreas que geralmente são acometidas incluem lábio superior, queixo, costeletas, tórax e linha alba na parte inferior do abdome. Sua quantificação pode ser feita pelo Sistema de Pontuação de Ferriman-Gallwey modificado.

 

Figura 2: Presença de hirsutismo nas fotografias. A. Hirsutismo facial. B. Distribuição de pelos – padrão masculino.

Fonte: HOFFMAN, Barbara L. et al. Ginecologia de Williams. 2. ed. Porto Alegre: Amgh Editora Ltda, 2014.

O Sistema de Pontuação de Ferriman-Gallwey foi desenvolvido em 1961 e modificado em 1981 e tem como definição, após modificação, avaliação da distribuição anormal de pelos em nove áreas do corpo e pontuadas de 0 a 4 (figura 3). Uma pontuação igual ou superior a 4-6 é definida como hirsutismo por muitos pesquisadores. Entretanto, o uso desse sistema de pontuação é melhor utilizado para o controle do tratamento, visto que uma definição precisa e padronizada para diferenciar crescimento terminal anormal de pelos corporais ou faciais e hirsutismo se torna distante devido às diferenças raciais, étnicas e diferenças genéticas na sensibilidade de androgênios nos tecidos-alvos e a atividade da 5alfa-redutase, não sendo muito utilizado na prática clínica.

Figura 3: Sistema de Pontuação de Ferriman-Gallwey modificado.

Fonte: AZZIZ, Ricardo. Polycystic Ovary Syndrome. Obstetrics & Gynecology, [S.L.], v. 132, n. 2, p. 321-336, ago. 2018. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health).

Resistência Insulínica

Já é reconhecido que existe uma relação entre resistência insulínica, hiperandrogenismo e SOP, porém ainda não bem caracterizado. A resistência insulínica não é restrita às pacientes obesas com SOP e, apesar da obesidade ser um fator agravante, está presente também em mulheres magras. Um importante marcador cutâneo para resistência à insulina é a acantose nigricans, uma doença de pele caracterizada por manchas escuras, espessas e aveludadas, em regiões de flexão, como pescoço, axilas, região inguinal e dobra inferior dos seios. Isso se dá pela hiperinsulinemia causada pela resistência insulínica, que promove a proliferação de queratinócitos e fibroblastos dérmicos. A hiperinsulinemia como resultado da resistência insulínica pode levar ao diabetes mellitus tipo 2.

Obesidade

Devido aos altos níveis de insulina, a deposição de gordura se dá ao redor do abdome (adiposidade central), refletindo no aumento do IMC e no aumento da proporção cintura e quadril, que indica um padrão andróide de obesidade, sendo um fator de risco independente para doenças cardiovasculares, além de ser preditivo de resistência insulínica. A obesidade ainda pode estar relacionada com a apneia obstrutiva do sono em pacientes com SOP.

Síndrome Metabólica

Está associada a um risco aumentado de desenvolver doenças cardiovasculares e se caracteriza pela presença de resistência insulínica, obesidade, dislipidemia aterogênica e hipertensão arterial.

Disfunção Endotelial

Nas pacientes com SOP, a disfunção endotelial se dá pela resistência à insulina, hiperinsulinemia e inflamação subaguda crônica, sendo a disfunção endotelial o evento inicial para aterosclerose.

Saúde Mental

Podem apresentar diversos problemas psicossociais relacionados com imagem corporal negativa, baixa autoestima, redução da qualidade de vida, ansiedade e depressão.

Diagnóstico

É sabido que mulheres em idade reprodutiva com ciclo menstrual irregular ou que apresentem sintomas de hiperandrogenismo, como acne, hirsutismo e queda de cabelo, associado a possível sobrepeso são passíveis de suspeita de Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP). Para o diagnóstico, utiliza-se critérios, sendo o Critério de Rotterdam o mais utilizado – inclusive para mulheres pós menopausa.

Quadro 1 – Critérios Diagnósticos

Critério de Rotterdam (2/3 obrigatórios)

Oligo e/ou anovulação

Sinais clínicos e/ou bioquímicos de hiperandrogenismo

Ovários policísticos por ultrassom

*OBS = Excluir patologias que mimetizam a SOP.

Fonte: Adaptado UpToDate, 2024.

Mulheres com ciclo irregular e sintomas de hiperandrogenismo podem ser diagnosticadas com SOP apenas pela história clínica e exame físico. Contudo, o diagnóstico só será confirmado por meio de critérios de exclusão de diagnósticos diferenciais que tendem a causar confusão com a patologia.

Já os critérios do Instituto Nacional de Saúde (NIH), de 1990, e os critérios da Sociedade do Excesso de Androgênio (AES-SOP), de 2008, como sendo outros critérios de grande importância para prática clínica, vide tabelas:

Quadro 2 – Outros Critérios Diagnósticos.

NIH 1990 (3/3 obrigatórios)

Anormalidade da menstruação devido a oligo ou a anovulação

Sinais clínicos e/ou bioquímicos de hiperandrogenismo

Exclusão de outras doenças, ex: NCCAH e tumores secretores de andrógenos

 

 

*NCCAH = Hiperplasia adrenal congênita não clássica.

Fonte: Adaptado UpToDate, 2024.

Quadro 3 – Outros Critérios Diagnósticos

Definição AES 2008 (3/3 obrigatórios)

Sinais clínicos e/ou bioquímicos de hiperandrogenismo

Disfunção ovariana – oligo/anovulação e/ou ovários policísticos na ultrassonografia

Exclusão de outros excessos androgênicos ou distúrbios ovulatórios

Fonte: Adaptado UpToDate, 2024.

Como diagnóstico diferencial, pode-se citar:

  • Hiperplasia Adrenal Congênita Não Clássica (NCCAH);
  • Patologias da tireoide;
  • Hiperprolactinemia;
  • Tumores ovarianos e adrenais secretores de andrógenos;
  • Hipertecose ovariana;
  • Síndrome de Cushing;
Prognósticos

Ao confirmar o diagnóstico de SOP, deve-se avaliar a paciente como um todo, sobretudo na parte metabólica, visto a extrema relação entre sobrepeso, resistência à insulina e síndrome do ovário policístico, ou seja, ocorre síndrome metabólica com possível aumento de Diabetes Mellitus tipo 2, doenças coronarianas e dislipidemias nessas pacientes. Além disso, deve-se atentar aos transtornos de humor, esteatose hepática, apneia do sono e avaliação ovulatória.

Exames
  1. Testosterona total sérica: Valor esperado 45 a 60 ng/dL, se >150ng/dL deve-se fazer rastreios para causas mais graves de hiperandrogenismo.
  2. Testosterona livre: A medição de testosterona livre não é recomendada, devido aos ensaios não serem confiáveis.
  3. Globulina de ligação de hormônios livres sexuais (SHBG): Nota-se que um SHBG exageradamente baixo é fator de risco para um fenótipo mais grave.
  4. Sulfato de desidroepiandrosterona (DHEAS): Medir em hiperandrogenismo grave.
  5. 17-Hidroxiprogesterona sérica: Sugerimos medir no período matinal na fase folicular inicial em todas as mulheres com possível SOP para descartar hiperplasia adrenal congênita não clássica (NCCAH) devido à deficiência de 21-hidroxilase. Caso a mulher não tenha ciclo, pode ser sorteado um dia ao acaso.
  6. Testes para descartar causas de oligomenorreia: Gonadotrofina coriônica humana (hCG), prolactina, hormônio estimulador da tireóide (TSH), hormônio folículo-estimulante (FSH),
  7. Ultrassonografia Transvaginal (USTV): Prefere-se a abordagem transvaginal que transabdominal. Nem todas as mulheres com SOP irão precisar do USTV. Salienta-se que é importante observar o número e o tamanho dos folículos e não dos cistos para diagnóstico ultrassonográfico. Reitera-se que, caso não haja características clínicas da SOP não é necessária uma avaliação de imagem, pois as alterações podem ser um achado inespecífico.

Observação: Mulheres que já estão em tratamento, por exemplo, as que estão em uso de anticoncepcionais e metformina, a orientação é que se faça uma pausa de 4 a 6 semanas para realização dos exames.

Tratamento

O tratamento deve ser individualizado frente as queixas e manifestações. Ao que se refere a regulação dos ciclos menstruais, a primeira medida a ser orientada é a Mudança de Estilo de Vida (MEV), incentivando a perda de, pelo menos, 5% do peso, uma vez que a perda de tecido adiposo diminui a produção de andrógenos, hormônios esses relacionados a função ovariana, promovendo melhor regulação ovariana e melhor prognóstico para futuras gestações, além de melhor perfil metabólico e redução da resistência periférica a insulina. Deve-se orientar também a redução de consumo de carboidratos simples que influenciam diretamente na ação da insulina. Quando esse tipo de alimento é constante, estimula-se os receptores estrogênios presentes nos ovários, sendo assim aparecem os sintomas indesejáveis. Outro meio para o auxílio na regulação menstrual é o uso de Anticoncepcionais Hormonais Combinados (AHCO), uma vez que diminuem a secreção de androgênios, que provém da atividade da adrenal e dos ovários, através da supressão do LH pelo componente progestínico, além do componente estrogênico aumentar a produção hepática de globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG), o que diminui a biodisponibilidade da testosterona. Outro aspecto positivo é o efeito antagonista da progesterona sobre a parte proliferativa do endométrio, diminuindo risco de hiperplasia de endométrio e câncer de endométrio. Progesterona isolada também pode ser usada continuamente. É importante saber que o DIU de levonorgestrel ajuda quanto a menstruação e proteção do endométrio, mas não possui ação sistêmica, logo não trata SOP. Quanto ao hiperandrogenismo, além do efeito dos Anticoncepcionais Hormonais Combinados (AHCO) sobre a produção hepática de globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG), pode-se usar outras opções que interferem na produção de androgênios, como: Finasterida (inibidor da 5-alfa-redutase, que converte a testosterona em di-hidrotestosterona), Espironolactona (efeito antiandrogênio, diminuindo a produção de testosterona e inibe a 5-alfa-redutase do folículo capilar). O uso da Espironolactona deve ser evitado na gestação (feminilização do feto masculino), e deve haver cautela quanto ao potássio, devido ao antagonismo quanto a aldosterona. Podem ser oferecidos tratamentos estéticos quanto aos efeitos do hiperandrogenismo, como depilações e laser devido ao hirsutismo (aumento do volume de pelos). Referente a fertilidade, a própria perda de peso pode levar a melhora dos ciclos ovulatórios e aumento das taxas de gestação. Mas podem ser usados métodos para induzir a ovulação, como o citrato de clomifeno (realiza modulação (bloqueio) seletiva do receptor de estrogênio no hipotálamo responsável por identificar o feedback negativo dos estrogênios endógenos sobre a secreção de GnRH) que é considerado de baixa complexidade. As doses habitualmente utilizadas variam de 2,5mg a 7,5mg ao dia por 05 dias, devendo ser feito acompanhamento com USG e orientação para o melhor dia para ter relações. O medicamento pode levar a gestação múltipla e hiperestímulo ovariano, o que leva ao aumento do volume ovariano e perda de líquido do espaço intra para o extravascular devido ao aumento da permeabilidade vascular (o que pode levar a suspeitas como hemoconcentração, ascite, derrame pleural, fenômenos tromboembólicos e insuficiência renal). A indução também pode ser feita com antiandrogênicos, gonadotrofinas e inibidores da aromatase. Podem ser avaliadas técnicas de alta complexidade como fertilização in vitro (levando em conta que SOP pode gerar síndrome do hiperestímulo). Uma modalidade cirúrgica de tratamento cada vez menos utilizada é o Drilling Ovariano, consistindo em uma cauterização laparoscópica do ovário com eletrodo monopolar. Tal procedimento pode aumentar as taxas de gestação e ovulação, além de auxiliar na diminuição dos androgênios ovarianos. É necessária a avalição e tratamento da resistência insulínica, podendo ser utilizada como tratamento a Metformina 500mg VO após o jantar ou dividir a dose em até 3 vezes ao dia em caso de Metformina de liberação rápida. (Figura 4)

Figura 4: Fluxograma de tratamento da Síndrome do Ovário Policístico.

Fonte: Ministério da Saúde. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas: Síndrome dos ovários policísticos. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.

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CAPÍTULO 3

DIABETES MELLITUS TIPO 2

TYPE 2 DIABETES MELLITUS

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.03

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Joyce de Oliveira Ribeiro

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

https://lattes.cnpq.br/6473227712789793

Karina Borges Chaves

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

https://lattes.cnpq.br/8390907869876332

Lara Gomes Silva

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

http://lattes.cnpq.br/0880420512573300

Luciana Cristina de Assis Diniz

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

https://lattes.cnpq.br/8202560048900868

 

 

 

Resumo

Introdução: O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma síndrome metabólica na qual os níveis de glicemia estão elevados e podem levar a complicações sistêmicas, exigindo mudanças nos hábitos de vida e no uso de medicamentos. Metodologia: Revisão bibliográfica de artigos científicos, utilizando bases de dados como Scientific Electronic Library Online (Scielo), PubMed e Sociedade Brasileira de Diabetes. Objetivo: Este artigo tem como objetivo analisar a importância do diagnóstico precoce da DM2 e as abordagens não farmacológica e farmacológica de seu tratamento. Resultados: A DM 2 tem uma alta prevalência, o que favorece o aumento da morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares. Diversos fatores de risco contribuem para o seu desenvolvimento, incluindo componentes genéticos e estilo de vida. Os sintomas clássicos da DM 2 são polidipsia, polifagia, poliúria e perda de peso, contudo, na maioria das vezes são tardios. O tratamento envolve terapia medicamentosa e não medicamentosa prescrita de forma individualizada de acordo com as necessidades e especificidades de cada paciente. Conclusão: A diabetes mellitus tipo 2 é uma doença crônica, crescente que está afetando a população, tornando-se um sério problema de Saúde Pública. Realizar o diagnóstico precoce e incentivar a adesão ao tratamento farmacológico e não farmacológico é essencial para aumentar a sobrevida desses pacientes. É necessário que seja feito uma abordagem individualizada e baseada em evidência para se obter os melhores resultados no manejo clínico.

Palavras-chave: Diabetes mellitus tipo 2. Diagnóstico precoce. Saúde pública.  Tratamento.

Abstract:

Introduction: Type 2 diabetes mellitus (DM2) is a metabolic syndrome in which blood  glucose levels are elevated and can lead to systemic complications, requiring changes in  lifestyle habits and medication use. Methodology: Bibliographic review of scientific  articles, using databases such as Scientific Electronic Library Online (Scielo), PubMed  and Sociedade Brasileira de Diabetes. Objective: This article aims to analyze the  importance of early diagnosis of DM2 and the non-pharmacological and pharmacological  approaches to its treatment. Results: DM 2 has a high prevalence, which favors an  increase in morbidity and mortality from cardiovascular diseases. Several risk factors  contribute to its development, including genetic components and lifestyle. The classic  symptoms of DM 2 are polydipsia, polyphagia, polyuria and weight loss, however, most  of the time they are delayed. Treatment involves drug and non-drug therapy prescribed  individually according to the needs and specificities of each patient. Conclusion: Type 2  diabetes mellitus is a chronic, growing disease that is affecting the population, becoming  a serious public health problem. Carrying out early diagnosis and encouraging adherence  to pharmacological and non-pharmacological treatment is essential to increase the  survival of these patients. An individualized and evidence-based approach is necessary to  obtain the best results in clinical management.

Keywords: Type 2 diabetes mellitus. Early diagnosis. Public health. Treatment.

 

 

 

Introdução

O Diabetes Mellitus é uma síndrome multifatorial, decorrente de fatores genéticos, sociais e econômicos. Tal patologia é ocasionada por distúrbios na secreção de insulina, a qual promove incapacidade da mesma de exercer adequadamente suas funções, sendo  assim, desencadeia resistência insulínica e propicia hiperglicemia crônica. 

Os portadores de DM2 constantemente, apresentam fatores de risco, como predisposição genética, sedentarismo, má alimentação, obesidade, idade avançada, tabagismo e hipertensão arterial. Ademais, os sintomas clínicos podem levar a complicações graves, tais como distúrbios micro e macro-vasculares e neuropatias, resultando em cegueira, insuficiência renal, pé diabético e amputação de membros. 

Devido a interação de vários fatores como sucateamento do sistema de saúde, ausência de conhecimento da população geral sobre DM2, manejo clínico de DM2 inadequado entre os profissionais de saúde, juntamente com portadores assintomáticos devido progressão lenta da doença, a DM pode permanecer não diagnosticada por vários anos, propiciando o desenvolvimento de suas complicações. Decorrente disso, ocasiona uma elevada utilização dos recursos de saúde, levando ao aumento de hospitalizações, cuidados prolongados e perda de produtividade no trabalho o que contribui para um ônus financeiro substancial nos sistemas de saúde e na economia em geral, não se limitando apenas à saúde individual do paciente.

Para obter êxito nas metas glicêmicas, são necessárias estratégias eficazes de prevenção, detecção precoce e controle do diabetes. Portanto, é necessário orientar o paciente a obter um estilo de vida saudável, esclarecendo-o sobre o consumo de determinados alimentos, bem como estimular a realização de atividade física. Em sincronia, devem ser ministradas palestras em âmbito educacional voltadas para esclarecimento da população de crianças, adolescentes e adultos jovens, a fim de informatizar a população geral sobre a doença e prevenir futuros casos.

Epidemiologia 

O Brasil se encontra em 4º lugar no mundo de pessoas com DM, com estimativa de 12,5 milhões de pessoas afetadas por tal patologia, tendo projeções alarmantes para o futuro. Sendo assim, foi observado uma tendência ascendente para o ano de 2045, a qual irá somatizar cerca de 31,8 milhões de pessoas com diabetes (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2019-2020).

Dessa forma, é importante ressaltar que o diabetes é um problema de saúde bastante relevante a ser enfrentado,uma vez que acomete diversas pessoas no mundo e  tem complicações de alta gravidade. Consoante a isso, nos países desenvolvidos as faixas etárias mais avançadas são as mais acometidas, visto que há um aumento da expectativa de vida, já nos países em desenvolvimento, pessoas de todas as faixas etárias são acometidas.

Fisiopatologia

A glicose, obtida dos alimentos ricos em carboidratos que consumimos, é um açúcar essencial que age como principal fonte de energia para as células do corpo humano, portanto, é necessário mantê-la em níveis ideias no sangue.

O pâncreas desempenha um papel crucial de manter o controle glicêmico, visto que sua composição é formada por ilhotas pancreáticas, as quais possuem vários tipos de células, mas que, no entanto, é válido destacar as células betas pancreáticas. Essas são responsáveis pela produção do hormônio insulina, o qual é liberado na corrente sanguínea quando ocorre o aumento da glicemia após uma refeição. Somado a isso, a insulina facilita a entrada de glicose nas células do corpo humano, sinalizando para que transportadores de glicose sejam inseridos na membrana celular. Isso permite que a glicose seja transportada para dentro das células, onde pode ser utilizada como energia ou armazenada para uso futuro.

O “Octeto de DeFronzo” é um conjunto de oito fatores fisiopatológicos fundamentais no desenvolvimento e progressão da diabetes tipo 2, identificados pelo Dr.  Ralph DeFronzo. Esses fatores oferecem insights importantes sobre a resistência à insulina e a hiperglicemia associada à doença, orientando estratégias de tratamento.  

Os fatores incluem:

Resistência à insulina: Este é o pilar central do “octeto”, marcado pela inabilidade das células do organismo em responder adequadamente aos sinais da insulina, comprometendo a entrada de glicose nas células.

Secreção inadequada de insulina: O pâncreas reduz sua capacidade de produzir e liberar insulina em resposta aos níveis elevados de glicose no sangue. Produção inadequada de GLP-1: A produção deficiente do hormônio intestinal GLP-1, que estimula a produção de insulina e inibe a produção de glucagon, leva a um desequilíbrio hormonal que afeta a regulação glicêmica.

Aumento da lipólise: Normalmente, a insulina inibe a lipólise, reduzindo a liberação de ácidos graxos livres na corrente sanguínea. No entanto, na resistência à insulina, os adipócitos se tornam menos sensíveis aos sinais da insulina, resultando em uma maior lipólise, ou seja, mais ácidos graxos são liberados na corrente sanguínea. Excreção renal aumentada de glicose: Na diabetes tipo 2, os rins podem perder a capacidade de reabsorver toda a glicose filtrada, levando à excreção aumentada de glicose na urina. Em estágios avançados, isso pode levar à nefropatia diabética, exacerbando ainda mais a excreção renal de glicose.

Neurotransmissão central: O sistema nervoso central influencia na regulação dos níveis de glicose no sangue. Alterações na atividade do hipotálamo, afetando a sensibilidade à insulina e o controle do apetite, podem contribuir para a hiperglicemia na diabetes tipo 2.

Produção hepática excessiva de glicose: O fígado aumenta a liberação de glicose na corrente sanguínea, contribuindo para a hiperglicemia devido à resistência à insulina  hepática.

Produção excessiva de glucagon: As células alfa pancreáticas aumentam a secreção de glucagon, o que eleva os níveis de glicose no sangue mesmo quando esses já estão altos.

A compreensão desses componentes do “Octeto de DeFronzo” é essencial para o desenvolvimento de abordagens mais eficazes no tratamento e manejo da diabetes tipo 2.  

Fatores De Risco

Em relação aos fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 (DM2), podemos dividi-los em dois grupos: não modificáveis e modificáveis.

Não Modificáveis:

Idade: O risco tende a aumentar com o avançar da idade, sendo mais prevalente em adultos mais velhos.

História Familiar: A presença de diabetes tipo 2 entre parentes de primeiro grau aumenta a probabilidade de desenvolvimento da condição.  

Etnia: alguns grupos étnicos apresentam maior predisposição.

Modificáveis:

Obesidade ou sobrepeso

Estilo de vida sedentário

Dieta não saudável

Hipertensão arterial

Dislipidemia

Tabagismo

Histórico de glicemia alterada em jejum ou pré-diabetes.

Esses fatores podem agir isoladamente ou juntos, aumentando a probabilidade de DM2.

Diagnóstico

Os sintomas clássicos de Diabetes Mellitus são queixas de polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso, sendo fatores indicativos e relevantes que levam o médico a  suspeitar de DM, sendo prudente iniciar a investigação com exames laboratoriais para  que seja possível chegar ao diagnóstico. Contudo, levando em consideração que na maioria das vezes a doença é assintomática ou oligossintomática por longo período, é imprescindível que haja um rastreamento nas consultas de rotina por meio de exames capazes de dosar a glicemia do paciente quando há presença de fatores de risco como obesidade e história familiar. Se a investigação laboratorial for normal, sugere-se repetição do rastreamento em intervalos de 3 anos ou mais frequentemente, se indicado.  Já na presença de pré-diabetes, recomenda-se reavaliação anual com a implementação da mudança de estilo de vida com atividades físicas regulares e reeducação alimentar  

O período em que existe permanência da hiperglicemia sem o tratamento adequado é extremamente prejudicial à saúde, levando a complicações como retinopatia diabética, nefropatia diabética, neuropatia diabética, problemas cardiovasculares, entre outros. Sendo assim, o diagnóstico de Diabetes Mellitus deve ser feito de forma precoce para que não haja graves repercussões para a saúde do paciente.

A fim de chegar ao diagnóstico, é necessário associar a clínica aos exames laboratoriais. Existem 3 exames, os quais são amplamente utilizados para o diagnóstico de DM, sendo a Glicemia Venosa em Jejum, Hemoglobina Glicada e TOTG (Teste Oral de Tolerância à Glicose):  

  1. O exame de glicemia em jejum é realizado em laboratório por meio da coleta de sangue venoso após um jejum de no mínimo 8 horas. Sendo os valores interpretados como normais quando abaixo de 100 mg/dL, pré-diabetes quando maior ou igual a 100 mg/dL e menor que 126 mg/dL e diabetes mellitus valores iguais ou superiores a 126 mg/dL.
  2. Um outro exame muito utilizado no diagnóstico de DM é a hemoglobina glicada. Nos pacientes com diabetes, especialmente aqueles com glicemia persistentemente elevada, o excesso de glicose leva à glicação da hemoglobina. Isso

significa que as moléculas de glicose se ligam à hemoglobina, formando um complexo chamado hemoglobina glicada, o qual é capaz de revelar a média da glicemia nos últimos 3 meses, não sendo necessário fazer jejum no dia do exame.

Os resultados são interpretados da seguinte forma: Valores menores de 5.7 % são considerados normais, maiores ou iguais a 5.7 % ou menores que 6.5 % pré- diabetes e maiores que 6.5 % diabete mellitus.

  1. O TOTG (Teste Oral de Tolerância à Glicose) é um exame que avalia a capacidade da pessoa de metabolizar o açúcar e manter os níveis de glicose adequados após uma sobrecarga, por isso padronizou-se a ingestão de 75 gramas de glicose pura pelo paciente no laboratório e a medição da quantidade de glicose que está presente no sangue 2 horas após a ingestão. É um exame com alta sensibilidade e com baixos índices de erros, realizado inclusive em grávidas entre as 24° e 32° semanas de gestação para avaliar a possibilidade de diabetes gestacional.

O resultado indica que o TOTG menor de 140 mg/dL está normal, igual ou maior que 140 mg/dL e menor que 200 mg/dL é pré-diabetes e valores maiores ou igual a 200 mg/dL é DM.

Para que haja confirmação do diagnóstico de DM é necessário que haja dois exames alterados. Logo, se der alteração em um dos exames deve-se repeti-lo ou utilizar uma outra opção dentre os 3 tipos de exames para fazer a confirmação. Uma outra maneira de fechar o diagnóstico de DM é se a qualquer momento a glicemia estiver maior ou igual a 200 mg/dL, independentemente do estado alimentar, associado a sintomas típicos da DM.

Na história natural do DM, as alterações fisiopatológicas são identificadas muitos anos antes do diagnóstico da doença, o que justifica a denominação pré-diabetes, visto que é uma condição na qual os valores glicêmicos estão acima dos valores de referência, mas ainda abaixo dos valores diagnósticos de DM. Nesse estágio a resistência insulínica está presente e a ausência de combate aos fatores de risco modificáveis contribui para evolução e manifestação da doença clínica e complicações.

Os valores de normalidade para os respectivos exames, bem como os critérios diagnósticos para pré-diabetes e DM mais aceitos e adotados pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), encontram-se descritos no quadro 1.

 

 

Quadro 1 – Critérios laboratoriais para diagnóstico de normoglicemia, pré-diabetes e DM.

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Tratamento

Em crescimento em todo o mundo, a Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) tem um impacto importante na qualidade de vida dos pacientes comprometidos, sobrecarregando os sistemas de saúde. O tratamento certo da DM 2 é extremamente importante, visto que a doença está associada a complicações como visto anteriormente.

O capítulo abordará tanto intervenções não farmacológicas quanto terapias farmacológicas, visto que para o sucesso do mesmo é necessário uma combinação e comprometimento com ambos. As terapias não farmacológicas consistem na adoção de uma dieta alimentar que restabeleça o peso adequado e possibilite uma alimentação que seja saudável e balanceada. Assim, estará relacionada com as quantidades de nutrientes essenciais, e com a regularidade com que é feito um exercício físico aeróbico regular (como caminhadas de cerca de 30 minutos, durante cinco dias na semana). A mudança na dieta e exercício desempenha um papel imprescindível no controle glicêmico e na qualidade de vida dos pacientes com DM2.

O excesso de peso, quando associado a obesidade visceral, muitas vezes presente no diagnóstico da DM2, faz com que haja uma diminuição da sensibilidade dos tecidos dependentes de insulina, tais como músculos, tecido adiposo e fígado. As mudanças nos hábitos de vida fazem com que perdas, mesmo que consideradas pequenas, mas que

mantidas ao longo do tempo, sejam de extrema importância no tratamento da diabetes tipo 2, e devem ser contínuas durante todo o processo terapêutico.

Quando se realiza o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2, o médico além de orientar mudanças no hábito de vida como descrito acima, costuma recomendar um agente antidiabético que é oral. A escolha baseia-se em: mecanismo de resistência à insulina, múltiplos transtornos metabólicos como disglicemia, dislipidemia e inflamação vascular, falência progressiva da célula beta e repercussões micro e macro vasculares que acompanham a história natural de DM2.

Logo, as terapias farmacológicas incluem medicamentos como as insulinas de liberação lenta, como a Glargina e Degluteca, e as insulinas rápidas e ultrarrápidas, como a regular, LisPro, e Glusina. Existem, também, a metformina, inibidores de cotransportador de sódio-glicose 2 (SGLT2) e agonista do receptor de peptídeo semelhante ao glucagon 1(GLP-1), que tem crescido devido aos benefícios cardiovasculares e na redução da glicose.

A Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda que níveis de HbA1c fiquem mantidos em valores baixos, sem aumentar o risco de hipoglicemias, principalmente em pacientes com Doença Cardiovascular e em uso de insulina. Assim, é indicado o uso dos antidiabéticos quando os níveis glicêmicos achados em jejum e/ ou pós-prandial estão acima dos indicados para o diagnóstico de diabetes.

Os agentes antidiabéticos orais são medicamentos que diminuem a glicemia, a fim preservá-la em níveis normais (em jejum < 100 mg/dL e pós-prandial < 140 mg/dL). Nesse contexto, eles podem ser divididos em: : os que promovem a secreção pancreática de insulina (sulfonilureias e glinidas); os que diminuem a velocidade de absorção de glicídios (inibidores das alfa glucosidases); os que reduzem a produção hepática de glicose (biguanidas); e/ou os que aumentam o uso periférica de glicose (glitazonas); aqueles que exercem efeito incretínico mediado pelos hormônios GLP-1 (peptídio semelhante ao glucagon 1, glucagon-like peptide-1) e GIP (peptídeo inibidor gástrico, gastric inhibitory polypeptide), considerados peptídios insulinotrópicos dependentes de glicose.

O medicamento de primeira escolha para uso contínuo por via oral em indivíduos com diabetes tipo II é a metformina (Glifage), uma biguanida que reduz a liberação hepática de glicose e aumenta sua captação nos tecidos periféricos, sendo capaz de diminuir a glicemia.

Fármacos que aumentam a secreção de insulina quando a glicemia está alta são chamados de incretinomiméticos. O efeito incretínico é o responsável pela redução de glicemia verificada após a ingestão oral de glicose. Os fármacos desse grupo possuem ação semelhante com a do GLP-1, miméticos exenatida e análogos liraglutida, lixisenatida, dulaglutida e semaglutida. Ainda tem os inibidores da enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4) gliptinas. Quando a enzima DPP-4 é bloqueada, ela reduz a degradação de GLP-1, liberando insulina, reduzindo a velocidade de esvaziamento gástrico e impedem a secreção de glucagon.

Existem medicamentos que inibem o contratransporte sódio/glicose 2 (SGLT2) nos túbulos proximais renais. Estes fármacos reduzem a glicemia pela inibição da reabsorção de glicose nos rins, causando glicosúria. Assim, a glicemia é controlada independentemente da secreção e da ação da insulina. Com menor risco de hipoglicemia, essa ação favorece a perda de peso.

Os tipos de insulina disponíveis para tratamento do diabetes mellitus estão citados na Tabela 1, assim como sua farmacocinética.

Tabela 1: antidiabéticos orais e injetáveis não insulínicos.  

Fonte: https://www.rmmg.org/artigo/detalhes/2051

 

A escolha das mediações deve ser individualizada, considerando as características do paciente e as metas de tratamento. Compreender as opções terapêuticas disponíveis e a necessidade de estratégias eficazes é fundamental para obter o controle glicêmico adequado, tendo assim uma melhora na qualidade de vida dos pacientes com DM2. 

Acompanhamento

O controle glicêmico em pacientes com diabetes deve ser individualizado de acordo com a situação clínica. Os parâmetros de avaliação indicados são a hemoglobina glicada (HbA1c) e as glicemias capilares nos períodos de jejum, pré-prandial, 2 horas após as refeições e ao deitar-se. Recentemente, com o advento da monitorização contínua de glicose (CGM), foi possível incorporar novos parâmetros altamente eficientes como o tempo no alvo (TIR – Time in Range), o tempo em hipoglicemia, o coeficiente de variação e a glicemia média estimada.

Os níveis de HbA1c próximos à 7% correspondem a glicemias médias diárias de aproximadamente 154 mg/dL, variando de 122 a 184 mg/dl, sendo o exame considerado referência para a meta de controle do diabetes. O ideal é combinar a HbA1c com medidas de glicemia capilar e/ou dados de sensores de monitorização de glicose intersticial (CGM) para um melhor controle.

As metas de controle glicêmico são descritas em cinco situações clínicas, considerando se o paciente é uma criança, um adulto ou um idoso, visto que a idade do paciente deve ser levada em consideração devido a diferentes limiares de hipoglicemia.

O quadro 2 resume as metas individualizadas, consideradas adequadas para cada situação clínica, recomendadas pela SBD.

Quadro 2 – Metas de controle glicêmico.

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Embora seja um desafio, conseguir manter a meta glicêmica é imprescindível para a saúde e bem-estar das pessoas com diabetes, visto que além de prevenir complicações, também minimiza os sintomas.

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CAPÍTULO 4

DOENÇA CELÍACA

CEALIC DISEASE

 

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.04

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Ana Julia de Almeida Eller 

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/3396108737594665

Ester Rocha Natal 

 Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/6665849094320648

Laura Argôlo Lima 

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG https://lattes.cnpq.br/9542088861748754

Manuela Martinho Proba 

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/0769639150707833

 

 

 

Resumo

Introdução: Distúrbios gastrointestinais são um grupo de patologias representadas por uma diversidade de sinais e sintomas que interferem na vida dos pacientes de modo significativo. Nesse contexto, a doença celíaca (DC) caracteriza-se como uma desordem glúten-dependente, em virtude da resposta inadequada e exacerbada do sistema imunológico. Objetivo: O artigo tem como objetivo abordar a epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e métodos terapêuticos da doença celíaca. Metodologia: Revisão bibliográfica de artigos científicos e livros acadêmicos, utilizando as palavras-chave abaixo. Resultados: A DC é de caráter autoimune e causa repercussões locais e sistêmicas nos indivíduos com predisposição genética, associados a fatores imunológicos e ambientais. Pelo aumento da incidência tanto em homens quanto em mulheres, atualmente é considerada uma questão de saúde pública. Conclusão: Diante do exposto, destacou-se os principais aspectos da doença, permitindo uma compreensão ampla das manifestações clínicas e laboratoriais, a fim de realizar o diagnóstico e tratamento precoces.

Palavras-chave: Doença celíaca. Autoimune. Glúten. Dieta isenta de glúten. Diagnóstico de doença celíaca. 

Abstract:

Introduction: Gastrointestinal disorders are a group of pathologies characterized by a  variety of signs and symptoms that significantly interfere with patients’ lives. In this  context, celiac disease (CD) is characterized as a gluten-dependent disorder due to the  inadequate and exacerbated response of the immune system. Objective: The article aims  to address the epidemiology, etiology, pathophysiology, clinical manifestations,  diagnosis, and therapeutic methods of celiac disease. Methodology: Literature review of  scientific articles and academic books, using the keywords below. Results: CD is an  autoimmune condition causing local and systemic repercussions in individuals with  genetic predisposition, associated with immunological and environmental factors. Due to  the increasing incidence in both men and women, it is currently considered a public health  issue. Conclusion: Given the above, the main aspects of the disease were highlighted,  allowing a comprehensive understanding of clinical and laboratory manifestations, in  order to facilitate early diagnosis and treatment.

Keywords: Celiac disease. Autoimmune. Gluten. Gluten-free diet. Diagnosis of celiac  disease.

 

 

 

Introdução

O glúten é uma associação de duas proteínas: gliadina e glutenina, conhecidas como prolaminas. As prolaminas, possuem aminoácidos, prolina e glutamina. Esses aminoácidos são responsáveis por fazer o glúten ter digestão dificultada no intestino delgado, em consequência da quantidade de oligopeptídeos, derivados da quebra de proteínas durante a digestão no trato gastrointestinal.

Dessa maneira, os oligopeptídeos são reconhecidos pelo sistema imunológico como substâncias estranhas, deflagrando uma série de atividades, que resultam em respostas mais graves, como a doença celíaca.

A característica comum dos pacientes com essa patologia, é a presença de sintomas clínicos que dependem do glúten, associado à detecção de autoanticorpos específicos no sangue, o antiendomísio e antitransglutaminas, além da identificação de haplótipos hla-dq2 e dq8 e, hla e não hla. É observado que esses pacientes apresentam graus de danos intestinais, variando de infiltração linfocitária até atrofia das vilosidades.

Dessa maneira, a DC caracteriza-se como uma intolerância crônica e deflagrada pelo sistema imunológico.

As manifestações clínicas da DC, podem envolver outros sistemas e órgãos além do gastrointestinal como, sistema nervoso e reprodutor, pele, ossos, fígado, alterações endócrinas e hematológicas. É conhecido também a forma assintomática da doença.

Epidemiologia

A DC afeta aproximadamente 1% da população mundial, a prevalência entre mulheres e homens é variável, sendo 1:3. Alterações clínicas graves podem ocorrer durante a gravidez ou durante puerpério em até 17% das pacientes. Além disso, houve um aumento de casos nas últimas 5 décadas.

O aumento da incidência da doença celíaca pode ser entendido pelo maior acesso e melhorias dos testes diagnósticos. Pesquisas que analisaram apenas resultados positivos de testes sorológicos tendem a mostrar um predomínio superior em comparação com aquelas que exigem uma biópsia positiva para confirmar o diagnóstico. Entretanto, foi notado um aumento da incidência em todas as idades, causados por fatores ambientais.

Etiologia

É desencadeada por fatores ambientais, genéticos e imunológicos.

  1. Fatores Ambientais

Tem-se a exposição ao glúten como principal fator ambiental para o desenvolvimento da doença celíaca. Isso se dá pelo fato de os pacientes com essa doença possuírem uma hipersensibilidade à uma proteína componente do glúten, chamada gliadina, que ao entrar em contato com o organismo desencadeia uma resposta imune anormal e exacerbada na mucosa do intestino delgado. Essa proteína também age como fator mantenedor dessas alterações caso haja exposição contínua. Apesar de ser o mais importante, esse não é o único responsável por auxiliar no desenvolvimento e manutenção dessa doença, outros fatores ambientais também podem estar envolvidos, como por exemplo o uso indiscriminado de antibióticos, infecções gastrointestinais e mudança da flora bacteriana.

 

  1. Fatores Genéticos

É uma doença com grande influência genética, tendo uma relação mais forte e bem estabelecida com o gene HLA do cromossomo 6p21. 90-95% dos pacientes com essa doença são portadores de HLA-DQ2, e os 5-10% que não possuem esse gene, expressam o HLA-DQ8. Porém apenas a presença desses alelos não é suficiente para a manifestação da doença, o envolvimento de outros fatores é necessário. Possui característica poligênica, o que explica sua variedade de estágios e as diferenças nos sintomas. Tem-se também os linfócitos intraepiteliais (LIE) como marcadores genéticos, sendo observado presença significativa de receptores gama/delta nessas células, que não são expressos em indivíduos sadios, auxiliando na manutenção da integridade epitelial ao eliminar células infectadas, transformadas ou danificadas. Pacientes celíacos não tratados também possuem LIE expressando receptores alfa/beta, que são principalmente do tipo CD8+. No entanto, o número de receptores se normaliza em pacientes que aderem à dieta isenta de glúten.

  1. Fatores Imunológicos

Os sistemas imunológicos inato e adaptativo desempenham um papel importante no processo de danos à mucosa intestinal, envolvendo tanto componentes humorais quanto celulares. Durante a inflamação ou lesão, as células liberam a enzima transglutaminase tecidual (tTG), que facilita a ligação cruzada de certas proteínas na matriz extracelular, contribuindo para a estabilidade do tecido conjuntivo. Na DC, essa enzima foi encontrada em todas as camadas da parede do intestino delgado, com maior concentração na submucosa. Através de uma reação de desaminação, a tTG converte a glutamina em resíduos de ácido glutâmico, que possuem carga negativa, resultando na formação de epítopos imunoestimuladores altamente potentes, que possuem uma afinidade maior pela fenda de ligação da molécula HLA-DQ2 (ou HLA-DQ8) na superfície das células apresentadoras de antígenos. Isso leva a uma ativação intensa dos clones de linfocitos TCD4 específicos para o glúten, induzindo assim a reação autoimune da doença celíaca. Moléculas HLA classe I não clássicas (MICA) no epitélio intestinal servem de ligante para o receptor das células NK, linfócitos T-gama delta e linfócitos T citotóxicos CD8. MICA epitelial e a produção epitelial de IL-15 levam à ativação de NK nos LIEs. A ativação das células T CD4+ gluten-específicos estimulada pelos epítopos estabelece uma resposta:

Th1: liberam fator de necrose tumoral (TNF- alfa) e interferon-gama (IFN-gama) que provocam a destruição da mucosa e consequentemente atrofia vilositária e hiperplasia de criptas.

Th2: estimulam a ativação e expansão clonal de células B, levando à produção de autoanticorpos dirigidos contra o glúten (gliadina) e a tTG.

A maneira como os peptídeos imunogênicos do glúten alcança a lâmina própria a partir do lúmen intestinal ainda é motivo de debate. Algumas evidências sugerem que isso pode ocorrer através de uma via paracelular, devido a falhas nas junções apertadas entre as células epiteliais, bem como por mecanismos de transcitose, especialmente em regiões inflamadas da mucosa. Mais recentemente, foi proposta a possibilidade de os anticorpos IgA e IgG anti-glúten e anti-TG2 estarem envolvidos, ligando-se aos peptídeos e facilitando seu transporte através das células epiteliais do lúmen para a lâmina própria, podendo amplificar a resposta imunológica dos linfócitos T CD4 + específicos para o glúten. No entanto, ainda há muitos detalhes a serem esclarecidos.

Fisiopatologia

A doença celíaca compromete principalmente o intestino delgado proximal, prejudicando a absorção de diversos nutrientes. A intensidade da má absorção e as manifestações clínicas, que variam desde sintomas isolados até uma desnutrição geral, são proporcionais a lesão da mucosa e a extensão do segmento intestinal acometido. Possui como gatilho as proteínas do glúten e cereais relacionados, além da presença dos alelos HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 e a produção de autoanticorpos circulantes contra a tTG. O impacto inicial do glúten ocorre no intestino delgado, causando modificações nas junções firmes intercelulares. Isso resulta em um aumento da permeabilidade intestinal, permitindo que os peptídeos entrem na lâmina própria. Como resultado, há uma ativação predominante dos LIE e das células do epitélio intestinal. O principal antígeno que desencadeia essa reação é o peptídeo alfa-2-gliadina p31-43. Esse peptídeo estimula as células epiteliais e os macrófagos/células dendríticas a secretar IL-15, que promove a expansão dos LIE e os processos de destruição das células epiteliais, resultando em danos na mucosa intestinal e alteração da especificidade da barreira, facilitando a entrada de peptídeos. A tTG é o autoantígeno-alvo e desempenha um papel significativo no processo fisiopatológico. As células T responsivas ao glúten estão presentes na lâmina própria de pacientes com doença celíaca, desencadeando a resposta imune adaptativa ao reconhecer o peptídeo e estimulando à produção de citocinas pró-inflamatórias, como o IFN-gama e o TNF-alfa. Os peptídeos de gliadina que ultrapassaram a barreira epitelial são apresentados às células T por meio da ligação às moléculas HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 na superfície das células. Essa enteropatia ocorre de forma progressiva em 3 fases:

Infiltrativa: aumento do número de linfócitos intraepiteliais (LIE). Hiperplásica: marcada pela hipertrofia das criptas.

Destrutiva: atrofia progressiva das vilosidades, resultando eventualmente no achatamento da mucosa.

Fatores De Risco

História familiar positiva em parente de primeiro grau é considerado o principal fator de risco para o desenvolvimento da doença celíaca, mostrando a importância do rastreamento em todos os familiares dos pacientes. A genotipagem para HLA-DQ2 e HLA-DQ8 tem se mostrado cada vez mais clinicamente relevante, por possuir um valor preditivo negativo próximo de 100%, ou seja, a ausência desses alelos torna altamente improvável o diagnóstico e o desenvolvimento da doença. Outros fatores também estão ligados à manifestação da doença celíaca, como: diabetes tipo 1, anemia ferropriva, osteoporose, doença tireoidiana autoimune, Síndrome de Turner, Síndrome de Down e Deficiência de Imunoglobulina A.

Quadro Clínico

O quadro clínico na DC varia muito, dependendo da gravidade e extensão das lesões e da idade do paciente. É possível encontrar desde sinais e sintomas de má absorção de apenas um nutriente (anemia, por exemplo) ou pandisabsorção, com repercussões graves à nutrição do indivíduo.

Manifestações Gerais

As manifestações mais comuns são anorexia, cansaço, emagrecimento, fraqueza, hiperfagia, mal-estar, baixa estatura, construção delgada, desgaste físico, febrícula, hipotensão. Não descartar DC se houver obesidade.

  • Manifestações digestivas:

Algumas das manifestações digestivas são: constipação, dor abdominal, aftas, peristalse visível, dispepsia, náuseas, vômitos, flatulência, distensão abdominal, diarreia, constipação, abdome escavado ou globoso, aftas, aumento de ruídos hidroaéreos, alças intestinais palpáveis e fezes gordurosas.

  • Manifestações extraintestinais:
  • Músculo esqueléticas: artrite, deformidades ósseas, raquitismo, artralgia, dor óssea, miopatia proximal, alterações da marcha, osteomalácia, fraturas.
  • Gineco-obstétricas: atraso na menarca, amenorreia secundária, aumento no número de abortos, diminuição da fertilidade, menopausa precoce, oligospermia, diminuição dos caracteres sexuais secundários, diminuição do sêmen, hipogonadismo.
  • Endocrinológicas: deficiência de vitamina D, baixa estatura, atraso de desenvolvimento sexual.
  • Neuropsiquiátricas: ansiedade, irritabilidade, choro fácil, depressão, ataxia, neuropatia periférica, cefaleia, tentativa de suicídio, degeneração cérebro espinhal.
  • Dermatite herpetiforme: as lesões podem aparecer antes do diagnóstico ou durante a evolução.
Diagnóstico

O processo de diagnóstico da doença celíaca é iniciado pela histórica clínica de sinais e sintomas e confirmado por meio de exames de sangue específicos, pela dosagem de anticorpos e biópsia do intestino delgado.

Para diagnóstico de doença celíaca, os exames iniciais são os testes sorológicos, com alta sensibilidade e especificidade.

É importante que os exames sorológicos de anticorpos sejam feitos com o paciente ingerindo glúten, para não apresentar falso-negativos.

  • Exames sorológicos

1- Anticorpos antigliadina (AGA)

Anteriormente, os anticorpos antigliadina (AGA) eram amplamente utilizados nos testes de diagnóstico da doença celíaca. No entanto, sua utilidade tem sido questionada devido à alta correlação com falso positivo. Isso acontece, devido a presença dos anticorpos AGA em várias outras condições médicas, como doenças autoimunes, alergias alimentares, infecções, parasitoses intestinais e até em pessoas saudáveis.

Atualmente, sabe-se que os anticorpos AGA podem ser mais úteis até os 18 meses de vida, pois os padrões de resposta imunológica são diferentes dos adultos. No entanto, mesmo em crianças, a presença de AGA não é definitiva para o diagnóstico de doença celíaca.

2- Anticorpos antiendomísio (EMA)

O EmA IgA é um marcador específico para a doença celíaca e está diretamente ligado à gravidade da lesão na mucosa. Isso acontece, pois, os anticorpos EMA atacam e danificam o tecido endomisial do intestino delgado, evoluindo para atrofia das vilosidades intestinais e interferindo na absorção adequada de nutrientes.

O EmA IgA é um exame de alta especificidade para doença celíaca e proficiente não somente na detecção da doença ativa, como também na sua forma silenciosa. Juntamente com outros testes sorológicos, como os anticorpos anti-transglutaminase (IgA-TTG) e anticorpos anti-gliadina (AGA). É excelente para diagnóstico, monitorização da alimentação, rastreamento de familiares de celíacos, acompanhamento e prognóstico.

3- Anticorpos antitransglutaminase (TTG)

Os anticorpos antitransglutaminase tecidual (anti-tTG) são detectados por ELISA e possuem papel importante na atividade de resposta imune ao glúten, agindo como um substrato para a gliadina, uma proteína encontrada no trigo que desencadeia a reação autoimune na DC. A tTG pode ser considerada o principal alvo dos anticorpos no contexto da doença, pois é reconhecida como um antígeno, desencadeando uma resposta autoimune que leva à destruição do tecido endomisial no intestino delgado.

A depender do material comercial utilizado, cada laboratório fornece os valores considerados normais ou alterados. A desvantagem é que ele não é específico para doença celíaca, podendo positivar em outras comorbidades sistêmicas ou próprias do TGI, onde encontra-se tecido lesado.

É importante ressaltar que os anticorpos anti-tTG podem ser detectados mesmo em pacientes que estão seguindo uma dieta livre de glúten, uma vez que a produção desses

anticorpos pode persistir por algum tempo após a exclusão do glúten da dieta. No entanto, a redução dos níveis de anticorpos ao longo do tempo pode ser um indicador de melhora na condição intestinal em pacientes com doença celíaca que aderem a uma dieta sem glúten.

O EmA e a anti-tTG se correlacionam bem, mas o EmA é ainda mais sensível em pacientes com baixos níveis de anticorpos.

  • Exames radiológicos

Em celíacos graves, as alterações encontradas nos exames radiológicos podem ser discretas ou confundidas com patologias que também causam lesão em mucosa intestinal, apresentando entre elas, os mesmos sinais. Outrossim, cerca de 12% dos celíacos não apresentam alterações nos exames de trânsito intestinal. Portanto, o exame radiológico é benéfico, principalmente, para diagnósticos diferenciais e para descartar ou identificar neoplasias.

O exame de idade óssea deve ser feito no momento do diagnóstico, independentemente da idade do paciente, para avaliar a necessidade da reposição de cálcio e vitamina D. Além disso, a densitometria proporciona um melhor prognóstico em caso de osteopenia ou osteoporose em adolescentes celíacos.

Por fim, na densitometria, pode ser evidenciado idade óssea atrasada em crianças e adolescentes. Sendo útil para diagnóstico, acompanhamento e bom prognóstico.

  • Exames de imagem

Na suspeita de linfoma ou tumor presente no intestino, são indicados a enterotomografia ou enterorressonância.

  • Endoscopia digestiva alta

A endoscopia com biópsia é frequentemente utilizada como parte do processo de diagnóstico da doença celíaca e é considerada o padrão ouro para confirmar o diagnóstico. Ela permite que os médicos examinem visualmente o intestino delgado em busca de sinais de danos e obtenham amostras de tecido para análise microscópica em busca de alterações características associadas à doença celíaca, como atrofia das vilosidades intestinais.

Entende-se como aspectos sugestivos de DC à endoscopia: perda das pregas de Kerkring no duodeno descendente, granulosidade, padrão mosaico, pregas mais

espessadas e proeminentes, concêntricas e vasos sanguíneos visíveis. Além disso, perda ou redução na proeminência das pregas duodenais em aproximadamente 70% dos portadores de DC.

  • Análise histopatológica

Durante o exame da endoscopia digestiva alta, é realizada a biópsia do intestino delgado. O resultado é dado pelo sistema de classificação de Marsh, uma forma de avaliar as alterações no intestino delgado que são características da doença celíaca.

Na atualidade, sabe-se que há celíacos que não apresentam alterações em mucosa intestinal à histologia, mas possuem anticorpos positivos e aumento do número de linfócitos não mitóticos glúten dependentes. Diante dos pacientes com alta sensibilidade ao glúten e biópsia normal, orienta-se a revisão de exames.

Em caso de forte suspeita clínica, a realização das biópsias duodenais independe dos resultados da sorologia.

Classificação de Marsh:

  • Tipo 0 (Normal): Nenhuma alteração significativa é observada nas biópsias do intestino delgado. Não há evidências de danos às vilosidades intestinais.
  • Tipo 1 (Infiltrativo): Infiltrado inflamatório intraepitelial. Aumento de células inflamatórias dentro do revestimento do intestino delgado, mas as vilosidades ainda estão intactas. Resposta inicial ao glúten. Não correlaciona a sintomas do TGI ou má absorção.
  • Tipo 2 (Hiperplásico): Além do infiltrado inflamatório, há hiperplasia das criptas intestinais. As células na base das criptas estão se multiplicando em resposta ao dano causado pelo glúten.
  • Tipo 3a (Destrutivo): Neste estágio, além do infiltrado inflamatório e hiperplasia das criptas, há também atrofia parcial das vilosidades intestinais. As vilosidades começam a ficar mais curtas e podem parecer achatadas.
  • Tipo 3b (Destrutivo): Similar ao tipo 3a, mas com atrofia mais pronunciada das vilosidades.
  • Tipo 3c (Destrutivo): Neste estágio, além do infiltrado inflamatório, hiperplasia das criptas e atrofia das vilosidades, também há hipoplasia das criptas, o que significa que as criptas estão se tornando menos numerosas.
  • Tipo 4 (Hipoplásico): esta lesão é descrita nos casos de refratariedade à dieta isenta de glúten, nos quais a mucosa apresenta intensa hipoplasia de criptas, além da redução das vilosidades.
  • Diagnósticos diferenciais

Patologias que cursam com má absorção e diarreia crônica devem ser investigadas para melhor esclarecimento e conduta. Em caso de sintomas como distensão abdominal e constipação, o diagnóstico diferencial será feito com o megacólon congênito.

São alguns dos diagnósticos diferenciais na pediatria: fibrose cística, alergia alimentar, desnutrição primária, diarreia persistente, desmame precoce e introdução de alimentos industrializados.

Em pacientes adolescentes, adultos ou idosos, deve-se pensar em estas e com outras causas de má absorção intestinal, como doença de Whipple, deficiência imunológica comum variável, gastroenterocolopatia eosinofílica, doença de Crohn, síndrome da imunodeficiência adquirida, linfomas.

Além disso, outras patologias cursam com atrofia vilosa do duodeno, alteração essa vista na endoscopia. São elas: enteropatia na síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), enteropatia autoimune, imunodeficiência variável comum, espru colagenoso, Doença de Crohn, enteropatia induzida por droga, enteropatia eosinofílica, enterite infecciosa e desnutrição.

Na atualidade, diferenciar a DC das outras doenças glúten relacionadas, como a sensibilidade ao glúten não celíaca, alergia ao trigo, glúten ataxia e dermatite herpetiforme é de fato a maior dificuldade entre os especialistas.

Tratamento

O tratamento tem como finalidade eliminar as alterações fisiopatológicas intestinais, favorecer a absorção dos nutrientes, recuperar o estado nutricional do paciente, normalizar o trânsito intestinal, além de melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

O único tratamento é a dieta isenta de glúten durante a vida toda.

Recomendações, segundo ACG: Pacientes com DC devem aderir à DIG (dieta isenta de glúten) por toda a vida. Evitar todos os produtos que contenham trigo, centeio e cevada (aveia no Brasil).

Pacientes com DC devem ser encaminhados a nutricionista com conhecimento da enfermidade para receber orientação nutricional e educação à DIG.

Pacientes recém-diagnosticados devem ser submetidos a exames e tratamento para deficiências de micronutrientes (principalmente ferro, ácido fólico, vitamina D e vitamina B12).

  • Medicamentos

Inicialmente, usam-se medicamentos para correção de carências, enfatizando ao paciente e à família que o verdadeiro tratamento da DC é dietético, sem glúten, permanentemente.

Ácido fólico, compostos polivitamínicos, vitamina K, vitamina B12 são utilizados quando necessário; ferro por via oral ou parenteral em casos mais graves.

  • Tratamento cirúrgico

Só é indicado caso ocorra perfuração, o que é raro. Além disso, pode ser indicado em casos de neoplasias ou linfomas, dependendo da localização e estágio de evolução.

Referências

DANI, Renato; FRICH PASSOS, Maria do Carmo. Gastroentereologia. Essencial.  Guanabara Koogan; 4ª edição, 2011.

SANDS, Bruce. Gastroenterologia: Mount Sinai Expert Guides. Rio de Janeiro:  Thieme RevinterPublicaçõesLtda, 2018.

SILVA, Tatiana Sudbrack da Gama; FURLANETTO, Tania Weber. Diagnóstico de  doença celíaca em adultos. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 56, p. 122-126,  2010.

UTIYAMA, Shirley Ramos da Rosa; REASON, Iara José Taborda de Messias; KOTZE,  Lorete Maria da Silva. Aspectos genéticos e imunopatogênicos da doença celíaca: visão  atual. Arquivos de Gastroenterologia, v. 41, p. 121-128, 2004.

ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de Gastroentereologia: Da  Graduação a Pós-Graduação. Editora Atheneu; 2ª edição, 2016.

CAPÍTULO 5

GLAUCOMA

GLAUCOMA

 

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.05

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Guilherme Magalhães Corrêa

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/6048992729365459

Vitória Luiza Temponi

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/5565571178173423

Tiago Moreno de Souza

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/9189151389344113

Filipe Garcia Moreira

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Professor Departamento de Medicina, Governador Valadares-MG

http://lattes.cnpq.br/4870421776763057

 

 

Resumo

Introdução: Glaucoma é a maior causa de cegueira irreversível no mundo e se caracteriza pela lesão de fibras nervosas da retina e nervo óptico, sendo um assunto importante na clínica médica. Objetivo: Discorrer sobre epidemiologia, fatores de risco, clínica, diagnóstico e tratamento do glaucoma, enfatizando o papel do médico generalista na abordagem da doença. Metodologia: Revisão bibliográfica de livros-texto de oftalmologia e artigos científicos sobre o tema. Resultados: O glaucoma possui forte relação com predisposição genética e tem como principal fator de risco o aumento da pressão intraocular. Em fases iniciais, geralmente é assintomático, mas pode haver fotofobia, redução do campo visual periférico, hiperemia, dor ocular. As principais formas clínicas são: glaucoma primário de ângulo aberto, de ângulo fechado e glaucoma neovascular. O diagnóstico envolve desde a medida da acuidade visual até exames específicos, como tonometria, gonioscopia e retinografia. O tratamento pode ser farmacológico, com colírios que atuam na drenagem e/ou produção de humor aquoso, ou cirúrgico, em casos mais graves. Conclusão: O glaucoma é uma doença ocular extremamente frequente e que acarreta consequências irreversíveis, exigindo rápida identificação e conduta apropriada. Logo, é indispensável a atuação do clínico geral para prevenção e educação em saúde da população.

Palavras-chave: Glaucoma. Médico generalista. Clínica Médica. Oftalmologia.  Educação em Saúde.

Abstract:

Introduction: Glaucoma is the largest cause of irreversible blindness in the world and  is characterized by damage to nerve fibers in the retina and optic nerve, being an  important issue in clinical medicine. Objective: Discuss the epidemiology, risk factors,  clinic, diagnosis and treatment of glaucoma, emphasizing the role of the general  practitioner in approaching the disease. Methodology: Bibliographic review of  ophthalmology textbooks and scientific articles on the topic. Results: Glaucoma is  strongly related to genetic predisposition and its main risk factor is increased intraocular  pressure. In the initial stages, it is generally asymptomatic, but there may be  photophobia, reduction of the peripheral visual field, hyperemia, and eye pain. The main  clinical forms are: primary open-angle glaucoma, closed-angle glaucoma and  neovascular glaucoma. Diagnosis involves everything from measuring visual acuity to  specific tests, such as tonometry, gonioscopy and retinography. Treatment can be  pharmacological, with eye drops that act to drain and/or produce aqueous humor, or  surgical, in more serious cases. Conclusion: Glaucoma is an extremely common eye  disease that leads to irreversible consequences, requiring rapid identification and  appropriate management. Therefore, the role of the general practitioner in prevention  and health education for the population is essential.

Keywords: Glaucoma. General Practioners. Clinical Medicina. Ophthalmology. Health Education.

 

 

Introdução

O glaucoma é um conjunto de condições oculares que compartilham a característica de lesar progressivamente a camada de fibras nervosas da retina e o nervo óptico, levando a defeitos no campo visual. Essa patologia está muitas vezes associada a pressão intraocular (PIO) elevada, que é o fator de risco mais importante, mas não define a doença por si só. Quando isso acontece, é caracterizado pela dificuldade de drenagem do humor vítreo (o líquido que preenche a córnea), provocando a lesão se persistir. Os danos causados pelo glaucoma, embora sejam preveníveis, geralmente são permanentes, assim, todos os tipos de glaucoma se não forem tratados e controlados podem levar à perda total da visão. Por isso, o glaucoma é considerado a maior causa de cegueira irreversível no mundo, mas com o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, é possível controlar a doença e evitar a perda de visão.

Epidemiologia E Fatores De Risco

Compreender a epidemiologia e os fatores de risco para o desenvolvimento do glaucoma é crucial para que o médico generalista possa desenvolver estratégias eficazes de prevenção, diagnóstico e tratamento, visto que ele representa um grande desafio à saúde ocular global. Os casos de glaucoma ocorrem em sua maioria devido a predisposição genética para ter a doença, advinda de um histórico familiar de glaucoma. Também, podem acontecer por causas secundárias, devido a traumas oculares, além dos portadores de doenças autoimunes e vasculares que exigem uso crônico de determinadas medicações, como os corticóides, que podem elevar a PIO. O aumento da PIO é o principal fator de risco associado ao glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), o tipo mais comum, que afeta 2 a 3% das pessoas acima dos 40 anos, sendo que 50% delas podem estar sem diagnóstico. É também o tipo mais prevalente em brancos, hispânico/latinos e negros. Os negros, contudo, apresentam maior percentual dentre as diferentes etnias, sendo sua cor de pele também um fator de risco relevante para a doença. Já o de ângulo fechado (GAF) afeta principalmente indivíduos de origem asiática e representa até metade dos casos de glaucoma globalmente. Outro fator de risco importante é a presença de alta miopia, o que leva esses pacientes a terem maior probabilidade de desenvolver o GPAA, e de hipermetropia, levando ao GAF.

Sinais E Sintomas

A patologia costuma ser assintomática nos casos iniciais, podendo demorar meses ou até anos para apresentar alguns sintomas, sendo que os primeiros aparecem quando a doença já está bem desenvolvida. Alguns dos sintomas que o paciente pode se queixar são: dores nos olhos e na cabeça; hiperemia; surgimento de contornos nos objetos; diminuição do campo de visão periférico; fotofobia.

Apesar de possuir diferentes tipos e manifestações, o glaucoma tem um quadro clínico semelhante na maioria dos casos, com o aumento da PIO (acima de 21mmHg). À fundoscopia, há o aumento da escavação e atrofia do nervo óptico, bem como perdas campimétricas características no exame de campo visual de confrontação. Contudo, há situações em que um ou até mesmo todos esses sinais podem estar ausentes, não sendo obrigatórios a presença desses sinais juntos para determinar a doença. Sendo assim, é importante o estudo dos tipos de glaucoma de forma individual para melhor conhecimento e identificação da patologia.

Tipos De Glaucoma E Suas Correlações Clínicas

O glaucoma pode ser classificado quanto a etiologia (primário ou secundário), quanto a evolução clínica (agudo ou crônico) e quanto ao aspecto anatômico do seio camerular (aberto ou fechado). Neste capítulo, vamos focar em 3 tipos muito importantes para a prática clínica do médico generalista: o glaucoma primário de ângulo aberto, o glaucoma primário de ângulo fechado e o glaucoma neovascular (um tipo de glaucoma secundário).

Glaucoma Primário De Ângulo Aberto (GPAA)
  • DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

O glaucoma primário de ângulo aberto é o tipo mais comum da doença e é definido como uma doença, geralmente bilateral, que se desenvolve geralmente na vida adulta e pode causar lesões irreversíveis para o indivíduo. A patologia tem como características:

  • Pressão intraocular > 21 mmHg;
  • Ângulo da câmara anterior aberto;
  • Lesão do nervo óptico;
  • Perda característica do campo visual (perda inicialmente periférica)

Como fatores de risco para doença destacam-se: Idade avançada, histórico familiar, diabetes, raça (mais comum e grave em pacientes negros), uso de pílula anticoncepcional, doença vascular documentada (hipertensão arterial sistêmica e doença cardiovascular documentada) e o principal que é o aumento/assimetria da pressão intraocular

  • FISIOPATOLOGIA

A fisiopatologia da doença se deve ao aumento da produção do humor aquoso pelo corpo ciliar ou à redução de seu escoamento do segmento anterior do olho pelo seio camerular. Por algum fator indeterminado, há o aumento da resistência ao fluxo de saída do humor aquoso através da malha trabecular, havendo, consequentemente, aumento da pressão intraocular. Com isso, alguns mecanismos de lesão podem ocorrer, como lesão direta das fibras nervosas da retina na cabeça do nervo óptico e lesão por falta de oxigênio devido à compressão dos vasos sanguíneos que nutrem a cabeça do nervo óptico – ambos os processos podem ocorrer concomitantemente, levando a danos e perdas de visão.

  • DIAGNÓSTICO

Além de uma anamnese incluindo sintomas visuais, história familiar de glaucoma, história médica pregressa, medicações de uso contínuo, alergias, dentre outros, os principais métodos de diagnóstico incluem:

1) Para o médico não especialista

  • Medição da acuidade visual – provavelmente estará normal, exceto no glaucoma avançado.
  • Avaliação de pupilas – excluir defeito da pupila aferente relativo. ● Avaliação pelo campo visual de confrontação
  • Busca por informações sobre acidentes domésticos, como queda e traumas em região da cabeça em situações pouco comuns
  • Pressão bimanual digital

2) Para o médico especialista

  • Tonometria e Curva tensional corrigidas pela paquimetria: medem a pressão intraocular do paciente.
  • Gonioscopia: a principal importância desse exame é a avaliação e classificação dos tipos de glaucoma, permitindo excluir glaucoma secundário

e avaliar a abertura do ângulo camerular. Por exemplo, cita-se a Classificação de Shaffer que gradua a abertura do ângulo iridocorneano, variando de 0 (ângulo fechado) a 4 (ângulo mais aberto). Essa melhor definição possibilitada pelo exame permite um melhor direcionamento da conduta e tratamento dos pacientes.

  • Exame do disco óptico (Mapeamento de retina): avaliar as alterações glaucomatosas do nervo óptico, como aumento da escavação, vaso em baioneta.
  • Campimetria Visual: constitui-se como o principal exame para detecção de dano funcional do glaucoma e permite acompanhar sua progressão. O objetivo é definir se os campos periféricos e centrais estão normais, além de verificar alterações em pontos da visão. Mesmo com o extenso uso da perimetria computadorizada no diagnóstico e acompanhamento da doença, a perimetria manual ainda se mostra importante e eficaz em diversos contextos da clínica médica.
  • Tomografia de Coerência Óptica: O exame avalia com precisão parâmetros do nervo óptico, como tamanho, escavação, anel neuroretiniano, camada de fibras nervosas, relação do tamanho da escavação em relação ao disco óptico .
  • Retinografia: destaca-se sua importância da avaliação do nervo óptico e da escavação, sua coloração e relação Escavação/Disco óptico.
  • TRATAMENTO

O principal objetivo do tratamento é a redução da pressão intraocular, buscando frear os danos e impedir a progressão da doença. Inicialmente são utilizados medicamentos como colírios. Os principais são:

1) Betabloqueadores: atuam no mecanismo ciliar, diminuindo a produção de humor aquoso e, consequentemente, a PIO. Podem afetar sistema cardiovascular e respiratório, devendo ser evitados em pacientes com asma, DPOC e cardiopatias.

  • Exemplo: Timolol (muito utilizado como primeira escolha), levobunolol, betaxolol.

2) Análogos de prostaglandinas – aumentam a drenagem do humor aquoso através da via úveo-escleral. Como efeitos adversos, pode haver alterações estéticas na íris e cílios;

  • Exemplo: Latanoprosta (reduz a produção do humor aquoso e aumenta seu escoamento pela malha trabecular), travoprosta, tafluprosta.

3) Inibidores da anidrase carbônica – diminuem a produção de humor aquoso através da inibição enzimática e aumentam o escoamento do humor aquoso pela malha trabecular. Como efeitos colaterais, tem-se fadiga, alterações do paladar, distúrbios hidroeletrolíticos (sistêmicos), exantema (tópicos). A dorzolamida é o principal colírio representante da classe, na qual há um importante representante de medicação oral: a Acetazolamida, que é contraindicada a pacientes renais crônicos;

  • Exemplo: dorzolamida (tópico, principal colírio representante da classe), e acetazolamida (sistêmico, contraindicada a pacientes renais crônicos).

4) Procedimentos cirúrgicos também são empregados como trabeculoplastia a laser em casos iniciais e cirurgias incisionais em casos graves.

Glaucoma De Ângulo Fechado (GAF)

O glaucoma de ângulo fechado é uma forma menos comum, porém igualmente importante, principalmente devido a sua rápida progressão e alto risco de perda visual.

  • DEFINIÇÃO, SINTOMAS E FATORES DE RISCO

O glaucoma de ângulo fechado apresenta-se como uma condição aguda ou crônica, com a forma aguda apresentando sintomas como intensa dor ocular, halos visuais, visão embaçada e náuseas.

A ectoscopia do bulbo ocular, das pálpebras e conjuntivas possibilitam a suspeita e o diagnóstico de diferentes tipos de glaucoma, sejam eles primários ou secundários. Por exemplo, a presença de hiperemia conjuntival, pupilas pouco fotorreagentes e intenso lacrimejamento, associado a uma clínica de intensa dor ocular, turvação visual, halos coloridos na visão e cefaleia reforçam o diagnóstico de GAF.

Atenção especial deve ser proporcionada a esse tipo de paciente, pois ele pode se apresentar em uma unidade de atendimento, com hiperemia ocular e fotofobia previamente aos sintomas citados anteriormente e ter assim confundido erroneamente seu diagnóstico confundido com quadro de conjuntivite. Por isso, é importante o médico assistente buscar fatores de risco detalhados do quadro.

Fatores de risco incluem:

  • Idade – Geralmente ocorre a partir dos 60 anos.
  • Gênero – Mais comum em mulheres
  • Raça – Indivíduos do extremo Oriente e Índia apresentam maior prevalência da doença, segundo estudos.
  • História familiar.
  • Defeitos de refração – Mais comum em pacientes hipermétropes de alto grau
  • Uso de medicações – Hidroxicloroquina em pacientes reumatológicos por exemplo
  • Catarata madura
  • FISIOPATOLOGIA

Há uma diminuição/fechamento súbito ou gradual do ângulo do seio camerular, dificultando a drenagem do humor aquoso e, consequentemente, aumentando a pressão intraocular. Esse aumento tende a gerar danos às estruturas oculares, as quais são comprimidas e são lesadas direta e indiretamente de forma aguda. A PIO encontra-se muito alta em pacientes com glaucoma de ângulo fechado (geralmente >40mmHg)

  • DIAGNÓSTICO

Além da anamnese, que vai identificar os fatores predisponentes para a doença, os sinais e sintomas também devem ser compreendidos (apesar de grande parte dos pacientes serem assintomáticos). Como sintomas cita-se: hiperemia conjuntival, câmara anterior rasa (íris vem para frente), edema de córnea, dor intensa, PIO acima de 30 mmHg, sem melhora aos analgésicos, além de diminuição da acuidade de visual. Para realizar o diagnóstico, pode-se dividir a patologia de acordo com a gravidade/início das manifestações.

  • Agudo: avaliação da pressão intraocular (PIO) e sintomas clínicos. • Crônico: exame de gonioscopia.
  • TRATAMENTO

No tratamento do glaucoma agudo são utilizados medicamentos como pilocarpina, timolol e brimonidina. Pode lançar mão também de acetazolamida via oral e medicamentos osmóticos sistêmicos, para promover a redução da pressão intraocular). Em casos mais graves, a iridectomia periférica a laser é uma boa opção. Já no glaucoma crônico, o tratamento é semelhante ao do GPAA, sendo necessária orientação do especialista.

Observação: A doença é uma emergência oftalmológica que necessita de intervenção imediata a fim de evitar danos irreversíveis à visão. O generalista então,

deve reconhecer de prontidão os sintomas, métodos diagnósticos e o tratamento, evitando, dessa forma, a piora do paciente.

Em um quadro agudo em um setor de emergência, pode ser utilizado como primeira medida, acetazolamida 250 mg via oral e 250 ml de manitol EV em uma hora

Glaucoma Neovascular
  • DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

O glaucoma neovascular é caracterizado pelo crescimento de novos vasos sanguíneos anômalos na íris, câmara anterior e ângulo da câmara anterior. Esses neovasos podem interferir no fluxo de saída do humor aquoso, aumentando a pressão intraocular e levando ao desenvolvimento de glaucoma. Embora relativamente raro, o glaucoma neovascular deve ser precocemente identificado, pois a PIO elevada pode trazer danos irreversíveis ao nervo óptico.

  • ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

As causas mais comuns de GNV são retinopatia diabética, oclusão de veia central da retina e síndrome ocular isquêmica. Causas menos comuns são oclusão de artéria central da retina, tumores oculares e radiação.

Essas condições estão intimamente ligadas à isquemia retiniana e/ou ao aumento da expressão de fatores de crescimento vascular. Esses neovasos são frágeis e propensos ao sangramento, obstruindo a drenagem do humor aquoso e levando a um consequente aumento da pressão intraocular.

Observação: Avaliar o paciente diabético mal controlado em sua consulta de rotina e garantir o intercâmbio de informações com o especialista é primordial para evitar a progressão da doença, pois independente da atuação do especialista, o GNV somente será controlado se o diabetes for corretamente abordado.

  • DIAGNÓSTICO

Na fase inicial da doença, a identificação de neovasos é difícil, sendo necessário suspeitar da ocorrência em pacientes com retinopatia diabética, ou seja, em pacientes com mais de 10 anos de diagnóstico do diabetes, insulinodependentes ou que já tiveram um órgão alvo comprometido. A gonioscopia é fundamental, pois determina o diagnóstico e o estadiamento, além de definir a conduta no GNV.

  • TRATAMENTO

O tratamento, além de buscar controlar a pressão intraocular, também visa reduzir a neovascularização que ocorre na doença.

Primeiramente, o diabetes precisa estar em controle adequado. Esse é o passo mais importante para o controle da nosologia. Agentes anti-VEFG, podem ser utilizados para reduzir a formação de novos vasos, estabilizando a condição. Além disso, métodos cirúrgicos a laser também podem ser empregados, levando a regressão dos neovasos e a melhora do fluxo de saída do humor aquoso. Em casos refratários, a cirurgia filtrante também se torna uma opção.

Observação: O prognóstico do glaucoma neovascular é ruim, haja vista que é decorrente do descontrole crônico de diabéticos em que lesões de órgãos alvos já foram relatados. Evitar o estabelecimento da doença em pacientes diabéticos é a principal medida por meio da identificação dos fatores de risco, controle da doença e atuação conjunta do médico assistente junto ao especialista.

Conclusão

Portanto, pode-se concluir que apesar de o glaucoma ser uma doença complexa, o diagnóstico precoce e encaminhamento ao especialista possibilitam um manejo eficaz da doença. Para isso, o papel do médico generalista é fundamental, visto que ele está na linha de frente do cuidado.

Assim, ele deve saber identificar os principais fatores de risco, como a história familiar positiva e idade, e realizar exames básicos de triagem, como a campimetria manual e a tensão bidigital. O médico deve estar familiarizado com os principais sinais e sintomas, como a perda de campo visual, halos ao redor dos objetos e dor ocular, o que permitirá a identificação de possíveis casos de glaucoma e um rápido encaminhamento ao oftalmologista, que fará a aferição da pressão intraocular e o mapeamento da retina para modificações do nervo óptico, e iniciará o tratamento. Além disso, durante o seguimento é imprescindível que o generalista saiba avaliar o uso correto das medicações pelo paciente.

Por fim, o tempo é essencial para definir o prognóstico do glaucoma e, para isso, a atuação do médico generalista é muito importante na luta contra essa doença, cabendo a ele conscientizar a população sobre a relevância do cuidado com a saúde ocular.

Referências

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DANTAS, Adalmir Morterá. Essencial em oftalmologia. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Cultura Médica: Guanabara Koogan, 2011.

MOYSÉS, N. A., SOUZA, E. C. de., & OMI, C. A. (2011). Importância da perimetria manual cinética na avaliação de pacientes com glaucoma avançado.  Revista Brasileira De Oftalmologia, 70(1), 32–36. https://doi.org/10.1590/S0034- 72802011000100007. Acesso em: 26 de abril de 2024.

LAURETTI CR, LAURETTI FILHO A. Glaucomas. Medicina (Ribeirão Preto) [Internet]. 30º de março de 1997 [citado 17º de abril de 2024];30(1):56-65. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/813. Acesso em: 26 de abril de 2024.

TANURI, F. D., CARVALHO, P. R. G. P. de, SANTOS, L. G. S. dos, FERNANDES, A. C. S., & SANTO, V. A. do. (2023). Glaucoma: Diagnóstico, Tratamento e Manejo: Um estudo das estratégias de diagnóstico precoce, tratamento médico e cirúrgico e cuidados a longo prazo para pacientes com  glaucoma. Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, 5(5), 1423–1439. https://doi.org/10.36557/2674-8169.2023v5n5p1423-1439. Acesso em: 26 de abril de  2024.

 

CAPÍTULO 6

HIPERTENSÃO ARTERIAL NOS IDOSOS

ARTERIAL HYPERTENSION IN THE ELDERLY

 

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.06

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Alexandre Gaião Chaves Rebelo

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

Brenda Camargo Gonçalves

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

Victor Martins Quintana

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

Willian Fernando de Paula Ribeiro

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG

 

 

 

Resumo

O envelhecimento populacional crescente e o aumento da expectativa de vida trazem desafios para a saúde pública, incluindo a maior prevalência de hipertensão arterial (HA) em idosos. A HA é uma condição multifatorial que pode levar a complicações graves se não controlada. Este estudo visa analisar a fisiopatologia, avaliação clínica, diagnóstico, tratamento e complicações da HA em idosos. Foi realizada uma pesquisa em artigos científicos e livros sobre o tema, buscando compreender as particularidades da HA nessa população. A HA em idosos apresenta características específicas relacionadas ao envelhecimento, como a rigidez vascular e alterações cardíacas. O diagnóstico requer avaliação clínica completa e monitorização da pressão arterial. O tratamento envolve modificações no estilo de vida e terapia medicamentosa individualizada, visando reduzir os riscos de complicações como doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. É crucial a atenção à saúde do idoso hipertenso para garantir qualidade de vida e longevidade.

Palavras-chave: hipertensão; idoso; pressão arterial; doenças cardiovasculares.

Abstract

The growing aging population and increased life expectancy present challenges for public health, including the higher prevalence of arterial hypertension (AH) among the elderly. AH is a multifactorial condition that can lead to severe complications if left uncontrolled. This study aims to analyze the pathophysiology, clinical evaluation, diagnosis, treatment, and complications of AH in the elderly population. A comprehensive review of scientific articles and books was conducted to understand the specific characteristics of AH within this age group. AH in the elderly exhibits distinct features related to aging, such as vascular stiffness and cardiac alterations. Accurate diagnosis rquires thorough clinical evaluation and blood pressure monitoring. Treatment involves lifestyle modifications and individualized drug therapy, aiming to reduce the risks of complications like cardiovascular and cerebrovascular diseases. Focused attention on the health of elderly individuals with hypertension is crucial to ensure quality of life and longevity.

Keywords: hypertension; aged; arterial pressure; cardiovascular diseases.

 

 

 

Introdução

O envelhecimento populacional é um fenômeno irreversível e natural que gera repercussões diretas no sistema de saúde pública brasileiro e mundial. Processos paralelos como diminuição da taxa de fecundidade e natalidade, constante aumento da expectativa de vida, adaptação ao avanço científico-tecnológico e o acesso ao serviço de saúde são fatores que contribuem diretamente para o aumento no número de idosos.

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma doença multifatorial, de início silencioso, que é definida por níveis sustentados de pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 90 mmHg. Impactando milhões de vidas, a HAS contribui para o surgimento de comorbidades e causa diversas repercussões sistêmicas, especialmente em idosos.

A velhice gera alterações cotidianas que, pontualmente, acometem a autonomia do idoso, principalmente quando o processo é acompanhado de alguma condição patológica. Com o aumento da expectativa de vida e o consequente envelhecimento populacional, a prevalência da HAS aumenta, tornando-se uma preocupação crescente para a saúde pública. A falta de controle da hipertensão pode ter consequências graves para a saúde dos idosos, aumentando significativamente o risco de doenças cardiovasculares, insuficiência renal e demais complicações.

Epidemiologia

Com o aumento populacional esperado, estima-se que o número de adultos na faixa etária de 60 a 79 anos aumentará de 760 milhões em 2015 para 1,64 bilhão em 2050. Tal aumento significa uma alteração de 10,4% para 17% da população mundial nessa faixa etária. Já na população com mais de 80 anos, espera-se um aumento de 126,6 milhões em 2015 para 430,3 milhões em 2050, uma alteração de 1,7% para 4,4% da população mundial.

No Brasil, estima-se que a população acima de 85 anos atingirá o número de 16 milhões de pessoas nesse grupo etário no ano de 2050. A hipertensão arterial (HA) é uma das principais comorbidades que atingem essa faixa etária e é um fator determinante na morbimortalidade dessa população. Cerca de 60% da população acima de 60 anos já apresenta o quadro de hipertensão arterial.

O risco de eventos cardiovasculares isquêmicos fatais dobra a cada aumento de 20 mmHg a partir da pressão de 115 mmHg e o risco de um evento cardiovascular de alto risco em pacientes com mais de 85 anos é de aproximadamente 4% anualmente. Estima-se que o número de eventos de alto risco cardiovascular aumentem juntamente com o envelhecimento populacional, em adultos com idade ≥ 80 anos irá aumentar de 4 milhões em 2015 para 13,8 milhões em 2050.

Estima-se que a HA atinja cerca de 22% de toda população brasileira acima de 20 anos e é responsável por cerca de 80% dos casos de acidente vascular cerebral (AVC), 60% dos casos de infarto agudo do miocárdio (IAM), 40% dos casos de aposentadoria precoce e consiste em um gasto cerca de 475 milhões por ano, com aproximadamente 1,1 milhões de internações.

A identificação de vários fatores de risco para hipertensão arterial, tais como: a hereditariedade, a idade, o gênero, o grupo étnico, o nível de escolaridade, o status socioeconômico, a obesidade, o etilismo, o tabagismo e o uso de anticoncepcionais orais, colaboraram para os avanços na epidemiologia cardiovascular e, consequentemente, nas medidas preventivas e terapêuticas dos altos índices pressóricos, que abarcam os tratamentos farmacológicos e não-farmacológicos.

Fisiopatologia

A fisiopatologia da hipertensão arterial no idoso tem uma complexidade maior, pois se manifesta por fatores que podem ser desde origem genética à comportamental, os quais repercutem em diversas áreas do corpo, seja de maneira reversível ou irreversível. Tais alterações fisiológicas podem não estar diretamente relacionadas à origem cardiovascular do paciente, mas causam uma diferença no seu funcionamento, manifestando uma das doenças mais comuns e estudadas mundialmente, a hipertensão arterial crônica.

Com o avanço da idade, o nosso corpo tende a diminuir sua capacidade de complacência vascular, sendo um fator relevante nesse caso a calcificação das artérias, provocando pontos de aterosclerose disseminados por todo o corpo. Tal manifestação gera rigidez vascular, fazendo com que seus mecanismos de redução e aumento de calibre sejam limitados, provocando uma resistência e propiciando um aumento de pressão arterial (PA) para vencer essa rigidez, além de diminuir o potencial de ação do mecanismo de ação dos receptores beta adrenérgicos, os quais exercem papel na vasodilatação dos vasos e aumento da perfusão tecidual em áreas que estejam com demanda. Esse mecanismo de adaptação a estímulos que nosso organismo tem é fundamental para situações de maior esforço físico, porém, com sua ação reduzida, aumentará os riscos de problemas cardiovasculares, até mesmo casos graves como IAM, insuficiência cardíaca crônica (ICC), AVC, entre outros, mas de maneiras crônica, é mais comum de se observar a HAS, a qual se encontra comumente associada a esse quadro.

Como um dos conceitos mais bem aceitos para explicar tal fenômeno da hipertensão arterial, temos o surgimento do coração senil, que nada mais é do que o envelhecimento do músculo cardíaco, manifestando alterações em sua conformação fisiológica, característica pelo surgimento de fibroses, diminuição de cardiomiócitos e diminuição da resposta ao estímulo excitatório, reduzindo a capacidade de contração cardíaca, caracterizando como uma insuficiência cardíaca. Tal fenômeno pode ser explicado por diversos fatores, mas um bem conhecido é por meio da teoria de Hayflick, a qual na década de 60 estudou a senescência celular, observando que com a diminuição dos telômeros das células após sua divisão, se tornava cada vez menor o número de multiplicação que a célula formava e as características morfológicas da qual já não era tão íntegra e bem formada como a da matriz. Desse modo, como em todo o corpo humano, o coração chega a um limite de replicação celular, não tendo mais a produção necessária para dispor as demandas fisiológicas impostas pelo organismo, limitando-se a certas ações que demandam um esforço maior, mas tendo como forma de recompensar isso o mecanismo que aumenta o tamanho das células cardíacas, acarretando problemas de hipertrofia ventricular e limitações no mecanismo de contração.

 Avaliação Clínica
  • Anamnese:

A avaliação clínica do paciente idoso deve ser uma abordagem rigorosa começando pela anamnese e exame físico completos, atentando-se às possíveis alterações de qualquer sistema do corpo. A hipertensão na maioria das vezes se apresenta assintomática, mas pode cursar com cefaleia, tontura e palpitações. Devido às múltiplas doenças comuns em idosos, com sintomatologias semelhantes, pode haver confusão e mascaramento da hipertensão, dificultando o diagnóstico e conduta.

As informações colhidas na história do paciente direcionarão as possíveis hipóteses diagnósticas, iniciando pela queixa atual, em que sintomas como cefaleia, fraqueza, cegueira transitória, claudicação, dor torácica e dispneia podem levar à suspeição de lesão de órgãos alvo. Tornando-se essencial questionamentos sobre a vida pregressa, identificando possíveis fatores de risco como: histórico de comorbidades e o tempo de diagnóstico para realizar a estratificação de risco cardiovascular, incluindo diabetes mellitus, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, gota e disfunção sexual; todos os medicamentos em uso incluindo os fitoterápicos, que podem ser uma causa da variação da pressão arterial, como os anti-inflamatórios não esteroidais, corticoides e erva-de-são-joão; estilo de vida incluindo a alimentação rica em sódio e gorduras, tabagismo, etilismo e sedentarismo. Além disso, é imprescindível verificar antecedentes familiares de doenças como hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes e entre outras e relacionar com possíveis riscos do paciente.

  • Exame Físico:

O exame físico deve conter uma abordagem integral do idoso, verificando todos os sistemas, em especial o cardíaco. Iniciando o aparelho cardiovascular na inspeção em busca de alterações torácicas, abaulamentos, cicatrizes ou retrações. Junto a isso deve ser feita a palpação dos pulsos arteriais periféricos em busca de encontrar variações de amplitude dos pulsos, verificar tempo de enchimento capilar e realizar a ausculta cardíaca. Na ausculta cardíaca pode se encontrar bolhas extras, como terceira bulha que pode sugerir dilatação do ventrículo esquerdo (VE) e uma quarta bulha denotando dificuldade de enchimento de VE e também sopros, comumente de valvas mitral e aórtica. Além da ausculta cardíaca, a ausculta de aorta abdominal, carótida e lojas renais são realizadas à procura de sopro e diminuição de amplitude.

Para embasar o diagnóstico da hipertensão deve ser feita aferição pressão arterial de maneira correta, feita depois de um descanso de pelo menos 5 minutos, sem consumo de álcool, tabaco ou cafeína por pelo menos uma hora, com o paciente sentado, utilizando um manguito de tamanho compatível ao nível cardíaco, com 3 aferições de intervalo mínimo de 5 minutos entre elas. Cabe aos profissionais observarem se o idoso se encontra nervoso ou ansioso, condições essas que podem alterar o valor da PA e subordinar um falso diagnóstico, para esses casos sugere-se utilizar a medida residencial de pressão arterial (MRPA) ou a monitorização ambulatorial da PA de 24 horas (MAPA), em que o paciente será avaliado em situações habituais de sua rotina, verificando a possibilidade da hipertensão do jaleco branco e da hipertensão mascarada.

Ademais, em idosos é de suma importância avaliar hipotensão postural ou ortostática, especialmente naqueles já em tratamento com hipotensores, devido ao risco de queda. Dessa forma, é realizada a aferição sentada e depois de 1 minuto em posição ortostática e repetida após 3 minutos novamente em ortostase. Se queda de 20 mmHg na pressão sistólica e/ou 10 mmHg na diastólica dentro desses 3 minutos, caracteriza- se a hipotensão postural.

  • Exames complementares:

Para a avaliação inicial do idoso alguns exames são essenciais como: Hemograma completo, painel metabólico e renal, perfil lipídico, glicose, hormônio estimulante da tireoide (TSH), exame de urina (EAS) e um eletrocardiograma. Outros exames podem ser solicitados de acordo com os achados clínicos, analisando também possíveis lesões de órgãos-alvo direcionados pelos sinais e sintomas do idoso.

Complicações

Os idosos hipertensos desenvolvem maiores riscos absolutos para doenças cardiovasculares e cerebrovasculares e apresentam maior chance de evoluírem para outras comorbidades. As lesões de órgão-alvo como insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio, arritmias, fibrilação atrial, comprometimento cognitivo, insuficiência renal, demência vascular, acidente vascular encefálico, entre outras, podem ser complicações decorrentes da hipertensão arterial sustentada e sem tratamento adequado. Assim, demonstra se a importância do diagnóstico e do tratamento certeiros da hipertensão, a fim de evitar todas essas desordens funcionais.

Diagnóstico

Como método diagnóstico, devemos não apenas usar uma medida como referencial para afirmar que o paciente possui uma hipertensão, mas sim o acompanhamento em 3 consultas diferentes com a pressão elevada, descartando possibilidades que possam gerar erro, como a síndrome do jaleco branco, a qual pode predispor um pico hipertensivo apenas por ansiedade ao ver a equipe médica. Há também alterações metabólicas no idoso que podem confundir o diagnóstico, como em casos de medições em momentos de jejum, as quais devem ser evitadas e devem ser realizadas após o desjejum, além de medir em pé e sentado, para ver se há alterações significativas durante a postura do paciente. Nesses casos, devemos reduzir ao máximo as chances de manifestação dessas intercorrências, auxiliando o paciente a ter um diagnóstico mais preciso. Afastando essa possibilidade, pedimos ao paciente para sentar-se e apoiar um braço de cada vez no equipamento na altura do coração, mas devendo saber antes se o mesmo fez o consumo de algum tipo de comida, bebida ou medicamento que possa alterar o resultado da medição. Com tudo certo, a hipertensão arterial se manifestará caso tenha um achado de pressão sistólica acima de 140 mmHg ou diastólica acima de 90 mmHg.  Com a confirmação da doença, classificamos ela em estágios, os quais graduam em gravidade e probabilidade de trazer riscos relevantes à saúde do indivíduo. No primeiro momento temos a pré-hipertensão, a qual classificamos como um risco de desenvolver a hipertensão de fato, mas que ainda não se inicia o uso de medicamentos, apenas a mudança de hábitos de vida, como dieta, atividades físicas e bem-estar psíquico. Logo após, iniciamos os estágios já com o diagnóstico da HAS, subdividindo-os em classificações que vão do 1 ao 3, sendo o último o mais agravante e em muitos casos, devendo ser tratado urgentemente na unidade de saúde, mas todos com sua devida relevância, caso haja a presença de alguma comorbidade.

PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial diastólica

*Tratamento determinado pelo maior nível pressórico

Tratamento

Os benefícios do tratamento da hipertensão arterial a longo prazo na população idosa vêm sendo avaliados e documentados no decorrer das décadas, especialmente a partir de 1950, e a postura da medicina junto ao tratamento mudou intensamente com o avanço dos estudos. Partindo, na metade dos anos 1980, do pressuposto que seria desnecessário o tratamento da hipertensão arterial ou mesmo que seria perigoso a redução isolada da pressão sistólica, para, no decorrer da década de 1990, a comprovação dos benefícios desse tratamento independente dos fatores pessoais como idade, sexo e raça, como o aumento de 30 a 40% na sobrevida dos pacientes que foram acompanhados ao longo de 5 anos.

A partir da década de 1980 surgiram estudos como o European Working Party on Hypertension in the Elderly – EWPHE (Amery, 1985) e o Coope-Warrender Study (Coope e Warrender, 1986), demonstrando em ambos o aumento da sobrevida dos pacientes que haviam recebido tratamento medicamentoso e, no último, uma redução dos acidentes vasculares encefálicos.

Posteriormente a esses estudos, diversos outros demonstraram quedas no número de eventos cardiovasculares fatais e não fatais como o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular encefálico, eventos coronarianos, entre outros. Isso ocorreu devido aos tratamentos medicamentosos em monoterapia ou pela associação de medicamentos como diuréticos, betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio, inibidores da enzima conversora de angiotensina, entre outros. Além disso, foi observada a importância da mudança do estilo de vida sendo baseada por exemplo na redução da ingesta de sódio ou na perda ponderal.

Ao atentar-se para tais publicações científicas, carregadas com uma diversidade populacional relativa à idade, sexo, raça, entre outros fatores, ficou evidente que a decisão terapêutica deve se basear nos níveis pressóricos, nos fatores de risco cardiovasculares e em lesões de órgão-alvo. Assim, com os conhecimentos reunidos, recomenda-se a redução de valores de PAS para abaixo dos 150 mmHg em pacientes idosos com PAS acima de 160 mmHg, podendo alcançar níveis inferiores a 140 mmHg em pacientes com menos de 80 anos, desde que estejam bem fisicamente e que esse tratamento seja bem tolerado. Porém, em idosos acima dos 80 anos, é seguro adotar meta de PAS menor que 150 mmHg.

Ademais, as decisões terapêuticas são divididas em duas vertentes, o tratamento medicamentoso com as modificações no estilo de vida (MEV) do paciente, e o tratamento medicamentoso. O MEV deve ser estimulado em todos os pacientes hipertensos ou com PA limítrofe, podendo em hipertensos em estágio 1 com baixo risco, ser a única modalidade a ser implementada em até 6 meses. Como medidas para o MEV, as principais são redução ponderal, de ingesta de sódio e bebidas alcoólicas, aumento da ingesta de potássio e a prática de exercício físico regular. Além disso, há alguns medicamentos que são muito utilizados pela população idosa que precisa ser atentamente avaliado pois podem causar um aumento da PA como efeito secundário ou adverso, como os anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), antidepressivos tricíclicos, anti-histamínicos, descongestionantes nasais, corticoides, entre outros. É de suma importância que a família ou os cuidadores dos pacientes idosos estejam empenhados a ajudar e se envolver nesse tratamento para que haja uma maior adesão por parte do idoso que geralmente é resistente às mudanças de rotina e estilo de vida.

Por sua vez, o tratamento medicamentoso, ao contrário do MEV, deve ser totalmente individualizado, bem tolerado pelo paciente, efetivo pela via oral (preferencialmente) e com o menor número de tomadas diárias possível, além de ser iniciado com pequenas doses e aguardado um período mínimo de 4 semanas para o incremento da dose ou associação com outro(s) medicamentos (exceto em situações adversas), e por fim, mas não menos importante, ser levado em conta as condições socioeconômicas do paciente.

Atualmente o tratamento medicamentoso se baseia em seis classes diferentes de fármacos, os diuréticos, betabloqueadores (BB), antagonistas dos canais de cálcio (BCC), inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), antagonistas dos receptores da angiotensina II (BRA), inibidores diretos da renina. Há também a combinação de algumas dessas classes de fármacos para aliar os efeitos e seus benefícios.

Os diuréticos mais recomendados no tratamento anti-hipertensivo são os tiazídicos, causando a depleção do volume intravascular e repercutindo na redução da resistência vascular periférica (RVP). Entretanto, em alguns casos podem ser utilizados diuréticos de alça, como ICC e em pacientes renais. No caso desses últimos pacientes citados, para um clearance de creatinina abaixo de 30 ml/h, é contraindicado o uso de diuréticos tiazídicos, e em pacientes sem doenças renais é recomendado não passar da dose de 25 mg/dia, podendo ter efeitos indesejados como hipopotassemia, hipomagnesemia e hiperuricemia.

Outra classe utilizada para tratamento de HA são os betabloqueadores frequentemente associados aos diuréticos. Entretanto o mecanismo anti-hipertensivo conhecido está ligado a redução do débito cardíaco e da secreção de renina, com readaptação de barorreceptores e diminuição das catecolaminas. Portanto, medicamentos mais seletivos e menos lipossolúveis são preferíveis.

Já os BCCs realizam a redução da RVP por meio da diminuição da concentração de cálcio nas células musculares lisas dos vasos sanguíneos, podendo ser usados em monoterapia ou associados a outros fármacos. É preferível o uso de BCCs de longa duração pelo aumento do risco de AVE e IAM tendo também outros efeitos colaterais como cefaleia, lipotimia e edema periférico. Como exemplos desses medicamentos temos o verapamil, o diltiazem e os diidropiridínicos como o nifedipino e o anlodipino.

Outras três classes muito utilizadas são os IECA, os BRA e os inibidores diretos da renina, que agem diretamente no sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAA), devendo ser utilizados em monoterapia ou associados a classes medicamentosa cuja ação não esteja ligada ao sistema RAA.

Considerações Finais

A hipertensão arterial nos idosos é um dos principais fatores de risco cardiovascular e um dos motivos de eventos cardiovasculares fatais e não fatais. Portanto, sempre que a PAS tenha valor acima de 160 mmHg, deve ser instituído o tratamento, inicialmente, a depender do quadro, com o MEV, e posteriormente, ou em conjunto, com o uso de medicamentos em monoterapia ou em associação, para atuar no descontrole pressórico. É importantíssimo individualizar o tratamento considerando as condições socioeconômicas, as comorbidades, a tolerância ao fármaco e a adesão da família ou dos cuidadores para o incentivo ao tratamento.

Cada medicamento deve ser analisado quanto ao uso e efeito adverso, assim como nos seus benefícios para o controle da PA e de outras possíveis comorbidades que o idoso possa ter, como diabetes, sendo interessante o uso dos IECA por exemplo.

Há grandes desafios a serem superados para que haja ampla adesão e entendimento sobre o tratamento da HA por meio dos pacientes, como a transição de uma vida sedentária para a prática regular de atividade física adequada para a idade, a nova rotina com horários bem definidos para a tomada da medicação, a prescrição de fármacos que sejam acessíveis a cada faixa socioeconômica, a disponibilidade de fármacos apropriados para cada indivíduo na rede pública, entre outros diversos fatores que contribuem para que não se consigam resultados ainda mais expressivos. Entretanto, com o surgimento de novas tecnologias e maneiras de conscientização da população justamente com a inclusão do público idoso nessa temática, tem sido de grande valia.

Referências

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3 – EGAN, B. M. et al. Managing hypertension in older adults. Current hypertension reports, v. 26, n. 4, p. 157–167, 2024.

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9 – ZAITUNE, M. P. DO A. et al. Hipertensão arterial em idosos: prevalência, fatores associados e práticas de controle no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cadernos de saúde pública, v. 22, n. 2, p. 285–294, 2006.

CAPÍTULO 7

INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO

URINARY TRACT INFECTION

 

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.07

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Gabriela Mariano Ramos

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG https://lattes.cnpq.br/6939373803199758

Camila Campos Santos

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/6270190953027168

Lyvia Maria Lopes Sena

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/697259943534875527

Tayna Neiva Vieira

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares-MG http://lattes.cnpq.br/7786415662598529

 

 

Resumo

Introdução: As infecções do trato urinário (ITUs) são comuns e variam em gravidade, afetando desde a uretra até os rins. Elas representam um desafio clínico significativo, com uma ampla gama de manifestações clínicas. Metodologia: Revisão bibliográfica de artigos científicos, livros-texto e diretrizes utilizando os descritores abaixo. Objetivo: Este artigo tem como objetivo abordar a epidemiologia, fatores de risco, sintomas e tratamento das ITUs, com ênfase nas manifestações clínicas mais comuns, como cistite e pielonefrite. Resultados: As ITUs têm uma distribuição ampla, afetando pessoas de todas as idades e gêneros, com uma prevalência maior entre as mulheres. Diversos fatores de risco contribuem para o seu desenvolvimento, incluindo sexo feminino, atividade sexual, obstruções urinárias e condições médicas. Os sintomas das ITUs variam de acordo com a localização e gravidade da infecção, podendo incluir disúria, urgência miccional, dor abdominal e febre. O tratamento envolve antibioticoterapia, com duração e escolha do antibiótico dependendo do tipo e gravidade da infecção. Conclusão: As ITUs representam um problema significativo de saúde pública, afetando uma parcela considerável da população global. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são essenciais para prevenir complicações e promover a recuperação dos pacientes. Uma abordagem individualizada e baseada em evidências é fundamental para o manejo eficaz das ITUs.

Palavras-Chave: infecção do trato urinário, uropatógenos, pielonefrite, dor abdominal, Escherichia coli.

Introduction: Urinary tract infections are common and differ in severity, affecting from the urethra to the kidneys. They represent a significant clinical challenge, with a wide range of clinical symptoms. Methodology: Bibliographic review of scientific articles, textbooks and guidelines using the descriptors below. Objective: This article aims to address the epidemiology, risk factors, symptoms and treatment of UTIs, with emphasis on the most common clinical symptoms, such as cystitis and pyelonephritis. Results: UTIs have a wide distribution, affecting people of all ages and genders, with a higher prevalence among women. Several risk factors contribute to its development, including female sex, sexual activity, urinary obstruction, and medical conditions. The symptoms of UTIs alter depending on the location and severity of the infection, and may include dysuria, urinary urgency, abdominal pain, and fever. Treatment involves antibiotic therapy, with duration and choice of antibiotic depending on the type and severity of the infection. Conclusion: UTIs represent a serious public health problem, affecting a significant quota of the global population. Early diagnosis and proper treatment are essential to prevent complications and promote patient recovery. An individualized, evidence-based approach is crucial to the effective management of ITUs.

Palavras-Chave: urinary tract infection, uropathogens, pyelonephritis, abdominal pain, Escherichia coli.

 

 

Introdução

As infecções do trato urinário (ITUs) constituem uma das patologias mais prevalentes no âmbito do sistema urinário, afetando desde a uretra até os rins. Determinadas pela existência de microrganismos patogênicos no trato urinário, frequentemente acompanhada por sinais e sintomas inflamatórios. As ITUs podem se apresentar de variadas formas, desde casos leves que se resolvem espontaneamente até infecções sérias que demandam atenção médica imediata. O espectro de manifestações inclui bacteriúria assintomática, cistite, pielonefrite, prostatite, uretrite e abscesso renal. Neste capítulo, abordaremos em detalhes as três primeiras, devido à sua relevância clínica.

Definição

As ITUs surgem quando microrganismos patogênicos colonizam e se proliferam no trato urinário, provocando uma resposta inflamatória. Embora diversos agentes etiológicos possam estar implicados, bactérias são as principais causadoras da patologia, sendo Escherichia coli a mais comumente identificada.

Epidemiologia

No que tange à epidemiologia, as infecções do trato urinário demonstram uma distribuição ampla, afetando indivíduos de todas as faixas etárias e gêneros. Contudo, observa-se uma maior prevalência entre o sexo feminino, com estimativas indicando que aproximadamente 50% das mulheres experimentarão pelo menos um episódio de ITU ao longo da vida. Ademais, certos grupos populacionais apresentam maior suscetibilidade ao desenvolvimento de ITUs, incluindo idosos, crianças na primeira infância e indivíduos com comorbidades. Diante desta perspectiva, as ITUs configuram um problema significativo de saúde pública, impactando uma parcela considerável da população global.

Fatores de risco e sintomas

Diversos fatores predispõem ao desenvolvimento de ITUs, destacando-se: o sexo feminino, atividade sexual, utilização de dispositivos médicos como cateteres urinários, obstruções no trato urinário e condições médicas que comprometem o sistema imunológico. Adicionado a isso, certos hábitos comportamentais, como retenção urinária prolongada e higiene inadequada da região perineal, também podem contribuir para a ocorrência de tal patologia.

O quadro clínico das ITUs é variável, dependendo da localização anatômica da infecção e sua gravidade. Entre os sintomas mais frequentes, destacam-se: disúria, urgência miccional, polaciúria, dor suprapúbica e alterações no aspecto da urina, como

turvação e odor fétido. Em casos mais graves, pode haver febre, calafrios e dor lombar, sugerindo possível comprometimento renal.

Infecção do trato urinário simples

Situação também conhecida como ITU não complicada, consiste em uma condição comum que afeta indivíduos sem fatores de risco adicionais para complicações. Caracteriza-se por uma infecção aguda e autolimitada das vias urinárias inferiores, geralmente causada pela ascensão de bactérias patogênicas da uretra para a bexiga. A Escherichia coli mostra-se o patógeno mais frequentemente implicado, embora outros microrganismos também possam estar envolvidos, como a Klebsiella pneumoniae e Staphylococcus saprophyticus.

Os pacientes com ITU simples geralmente apresentam sintomas como disúria, urgência miccional, polaciúria, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga, alterações no aspecto da urina e hematúria em casos mais graves. O tratamento envolve um curso de antibióticos de curto prazo para erradicar a infecção bacteriana, juntamente com medidas de suporte como hidratação adequada, visando promover a eliminação de bactérias através da micção e medicação sintomática para alívio da dor e desconforto, como analgésicos e antiespasmódicos para urgência miccional.

Infecção do trato urinário complicada

Circunstância também designada como complicada, representa um desafio clínico significativo, afetando indivíduos com fatores de risco ou condições médicas subjacentes que aumentam a probabilidade de complicações e recorrências. Ao contrário da ITU simples, o espectro de patógenos envolvidos na ITU complicada é mais amplo, incluindo bactérias resistentes a antibióticos e devido a isso essa condição requer uma abordagem diagnóstica e terapêutica mais abrangente devido à sua natureza complexa e potencialmente grave.

Os pacientes podem manifestar sintomas similares aos da ITU simples, porém com maior gravidade e persistência, além do risco de complicações como pielonefrite, sepse e infecções recorrentes. O tratamento da ITU complicada exige uma abordagem mais abrangente, com terapia antimicrobiana prolongada e direcionada, além da investigação e manejo de fatores predisponentes. Portanto a distinção entre ITU simples e complicada mostra-se crucial, visto que influencia diretamente nas estratégias de diagnóstico e tratamento, objetivando manejo eficaz e individualizado para o paciente.

Cistite

A cistite, uma das manifestações mais comuns de infecção do trato urinário, caracteriza-se pela inflamação da mucosa da bexiga, decorrente da invasão bacteriana. Predominantemente observada em mulheres devido a fatores anatômicos que favorecem a colonização bacteriana da uretra e sua subsequente ascensão para a bexiga, a cistite gera uma série de sintomas incômodos, impactando no bem-estar do paciente. Sua etiologia está frequentemente associada à presença de bactérias, com destaque para a Escherichia coli, que coloniza a região perineal e ascende pela uretra até a bexiga. Outros microrganismos, como Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e Staphylococcus saprophyticus, também podem desempenhar um papel na patogênese desta condição.

As manifestações da cistite consistem em: disúria, urgência miccional, polaciúria, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga, alterações no aspecto da urina, apresentando-se turva ou com odor forte e hematúria, sendo raramente associada a sintomas sistêmicos como febre e calafrios.

Pielonefrite

A pielonefrite, uma infecção grave do trato urinário que atinge os rins, caracteriza-se pela inflamação do tecido renal e da pelve renal. Exige atenção médica especializada, pois pode resultar em complicações sérias se não for tratada de forma eficaz. A pielonefrite pode se manifestar como uma infecção aguda, com início repentino e sintomas intensos, ou como uma infecção crônica, que se desenvolve gradualmente ao longo do tempo

A maior parte das ocorrências de pielonefrite resulta da ascensão de bactérias do trato urinário inferior, como a bexiga, até os rins. A Escherichia coli permanece como o agente etiológico mais comum, embora outras bactérias, como Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e Enterococcus spp., também possam estar implicadas. Fatores que aumentam a suscetibilidade à pielonefrite incluem obstrução do trato urinário, cateterismo vesical, refluxo vesicoureteral e anomalias congênitas. Tipicamente se apresenta com dor lombar unilateral ou bilateral, febre alta, calafrios, náuseas e vômitos. Sintomas urinários, como disúria, urgência miccional e hematúria, também podem estar presentes. Em casos graves, a pielonefrite pode evoluir para sepse, choque séptico e comprometimento da função renal, necessitando de intervenção médica imediata.

Bacteriúria assintomática

A bacteriúria assintomática consiste na presença de 100.000 col/ml de uropatógenos em uma amostra de urina colhida de paciente sem qualquer sintoma urinário, como disúria, polaciúria e urgência – realizada por meio do jato médio em exames de rotina. Sendo confirmada em mulheres com 2 uroculturas consecutivas, coletadas idealmente com intervalo de 2 semanas, com isolamento do mesmo organismo ≥ 10⁵ UFC/mL. E em homens, 1 urocultura com isolamento do mesmo organismo ≥ 10⁵ UFC/mL. Além disso, pode-se definir em meio de urina coletada pelo cateterismo uretral, apresenta 1 urocultura com isolamento do mesmo organismo ≥ 10⁵ UFC/mL.

Patogênese

Devemos considerar como ponto de partida na patogênese as vias pelas quais as bactérias podem acessar. Temos, então, a via ascendente, hematogênica e linfática. A via hematogênica é preferencialmente colonizada por bactérias Stafilococcus aureus e espécies de candidas. Já a via ascendente, que se dá da uretra ao rim, é a principal via promotora de infecções bacterianas em mulheres, pelo acesso facilitado através do comprimento da uretra feminina, permitindo a colonização pela bactéria Escherichia coli, está sendo um considerado um dos principais uropatógenos responsáveis por infecções urinárias.

Assim, a patogênese da infecção do trato urinário (ITU) se fundamenta na interação entre a bactéria causadora da infecção e as características do epitélio urinário. A colonização periuretral e a virulência da bactéria desempenham um papel crucial no desenvolvimento e recorrência da ITU, destacando sua relevância clínica. Necessariamente, para que a infecção ocorra é preciso que seja um uropatógeno, ou seja, com capacidade de colonizar células uroepiteliais. Uropatógenos são frequentemente associados às enterobactérias originárias da microbiota fecal, que habitam regiões como o períneo, a vagina, a área periuretral e a uretra distal. Portanto, o início de uma infecção urinária pode ocorrer pela colonização exterior do sistema urinário, e pela via ascendente as bactérias chegam a bexiga e/ou rim.

Fatores do hospedeiro e fatores patogênicos:

Em todos os casos de infecção urinária, que têm como agente causador um microorganismo uropatogênico, há um fator comum: a capacidade de se multiplicar na urina.

Fatores bacterianos: Adesinas, protectinas, sideróforos e toxinas, juntamente com substâncias naturais facilitadoras da colonização, desempenham papéis essenciais na infecção urinária. O processo tem início com a aderência, frequentemente mediada por fímbrias ou pili presentes em bactérias uropatogênicas gram-negativas. Além desses componentes, as enterobactérias possuem estruturas e substâncias como flagelos, cápsulas e lipopolissacarídeos, que conferem motilidade, resistência à fagocitose e antigenicidade.

Outros fatores incluem a hemolisina, que lisa hemácias, e a aerobactina, um quelante de ferro. Aqui estão exemplos de bactérias comuns e suas características:

  • Escherichia coli: Conhecida por sua capacidade de aderir às células uroepiteliais através de adesinas como os pili P e as fímbrias, além de produzir hemolisinas que causam lise celular e eritrocítica, desencadeando inflamação.
  • Proteus mirabilis: Utiliza a produção de urease como fator patogênico, metabolizando a ureia em dióxido de carbono e amônia, aumentando o pH da urina (alcalinidade) e tornando-a tóxica para o uroepitélio.

Além dos fatores patogênicos, é importante considerar a predisposição do indivíduo à infecção e os elementos que o cercam. Considera-se fatores do hospedeiro e fatores biológicos.

Fatores do hospedeiro: estão relacionados a comportamentos como início precoce e maior atividade sexual, uso de espermicidas, uso inadequado ou prolongado de antibióticos e uso de duchas e roupas íntimas. Homens tendem a ter fatores protetores como uma uretra mais longa, maior fluxo urinário e ação antibacteriana da próstata. Fatores gerais, como disfunção miccional com esvaziamento incompleto, constipação intestinal e qualquer condição que cause estase urinária, devem ser considerados em todas as faixas etárias. Além de traumatismos locais e o uso de cateter de demora, em ambiente hospitalar.

Fatores biológicos: também desempenham um papel importante. Elementos antimicrobianos presentes na urina e na mucosa vesical, como IgA secretora, pH ácido e concentração de ureia, ajudam a prevenir a proliferação bacteriana. Por outro lado, anormalidades metabólicas e hormonais, como gravidez, diabetes mellitus e diminuição

dos níveis de estrogênio em mulheres idosas, aumentam a suscetibilidade à infecção urinária.

Suscetibilidade das mulheres as infecções do Trato urinário

Deve-se ressaltar a predominância das infecções do trato urinário no grupo feminino, isso ocorre devido a dois principais fatores, a anatomia da mulher e possíveis alterações na flora vaginal. Acerca da anatomia podemos abordar o tamanho da uretra feminina ser menor que a masculina, e também sobre a região perineal apresentar maior proximidade entre o ânus e o aparelho geniturinário, o que propicia mais infecções do trato baixo por ascendência anatômica. Dessa forma, também se faz necessário analisar a flora vaginal como precursora de uma ITU, pois dela pode ser proveniente o microrganismo que irá se alojar em regiões indevidas.

Quadro clínico

A avaliação clínica em infecção urinária é de extrema importância, pois permite não apenas confirmar o diagnóstico, mas também determinar a gravidade da infecção, identificar possíveis complicações e orientar o tratamento adequado. A anamnese de uma ITU pode contar com questionamentos em relação a:

  • Sintomatologia geral: Náuseas, vômitos, febre, calafrios/abalos musculares.
  • Sintomatologia específica: relacionadas aos hábitos urinários e frequência de micção, turbidez da urina e/ou avermelhada, dor irradiada para fossa ilíaca e região suprapúbica.
  • Sintomatologia atípica: alteração do estado mental, agitação psicomotora ou hipotensão.
  • Hábitos urinários e frequência de micção: disúria, polaciúria, urgência miccional, nictúria, enurese noturna, incontinência, alterações no jato urinário.
  • Fatores de risco: sexo feminino, gestação, DM, idade avançada, anormalidades

no trato urinário, imunossupressão, rotina de higiene pessoal, alterações de próstata, uso de espermicidas e sabonetes íntimos, história prévia de ITU, atividade sexual, uso de cateterismo vesical e medicamentos em uso, como tambem uso de ATB prévio.

Ao exame físico cabe avaliar primariamente os sinais vitais: FC, PA e FR, além de sinais sistêmicos como a febre. Vale avaliar desde os aspectos nutricionais e do desenvolvimento neuropsicomotor até detalhado exame do abdome.

Ao exame abdominal, pode observar:

  • Dor lombar localizada ou irradiada; dor em flancos.
  • Sinais de irritação peritoneal.
  • Sensibilidade abdominal.
  • Dor a palpação da região suprapúbica.
  • Sinal de giordano, se positivo, pode indicar pielonefrite.
Diagnóstico

O diagnóstico de infecções de trato urinário é clínico-laboratorial, incluindo anamnese e exame físico detalhados.

Na anamnese é importante pesquisar, além da sintomatologia específica da ITU, o padrão miccional, o hábito intestinal, a característica do jato urinário, os sintomas gerais associados e a atividade sexual em adolescentes. Quanto ao exame físico, que deve ser completo, com ênfase na palpação de lojas renais e no achado de bexiga palpável.

No que tange ao quesito laboratorial, vê-se uma necessidade atual de exames de cultura microbiológica e antibiograma se possível para confirmação diagnóstica devido há um aumento da resistência bacteriana nas comunidades. A confirmação microbiológica e o teste de sensibilidade ajudam no descalonamento oral de antibióticos e eventual alta hospitalar.

A triagem para o diagnóstico da ITU pode ser feita por meio do exame EAS (Elementos Anormais e Sedimentoscopia), que é composto pelos exames físico, químico e microscópico. O exame físico avalia cor, aspecto e depósito. A análise química, automatizada ou manual, é realizada através da fita reativa por comparação com a sua escala de cores, fazendo uma avaliação qualitativa. Pode qualificar a densidade, pH, proteína, glicose, corpos cetônicos, bilirrubina, urobilinogênio, sangue, nitrito e esterase leucocitária.

Alterações no EAS podem ser indicativas de ITU principalmente quando presente piúria (acima de 10 por campo), bacteriúria, hematúria, urease positiva (indicativa de Proteus e algumas cepas enterocócicas). Essas fitas reagentes são essenciais no diagnóstico de casos suspeitos de ITU, porque a negatividade de nitrito e

leucócito são critérios importantes no auxílio diagnóstico de ITU. Deve-se avaliar o nitrito cautelosamente, pois apenas enterobactérias são capazes de reduzir nitrato a nitrito a partir de um determinado tempo em contato com a urina.

E por último é realizada a centrifugação da amostra para avaliação microscópica, a partir do sedimento urinário, faz-se a contagem de: hemácias, leucócitos, células tubulares, células epiteliais, cilindros, filamentos de muco e cristais.

Na microscopia, a leucocitúria é importante quando a contagem for superior a 10.000 leucócitos/mL, mas somente sua presença não faz o diagnóstico de ITU, pois esta elevação pode estar relacionada com causas não infecciosas. Ainda sobre a avaliação laboratorial, outras questões podem ser avaliadas para confirmação de ITU:

  • Leucócitos ou piócitos (piúria) são muito sugestivos de infecção do trato urinário. Considera-se piúria a presença de 5 ou mais leucócitos por campo microscópico sob grande aumento (400x), sendo que na maioria dos episódios de ITU estão presentes campos repletos. O valor preditivo de piúria varia entre 40 e 80%;
  • O teste da esterase leucocitária na fita reativa detecta mais de cinco leucócitos por campo de grande aumento;
  • Teste da conversão do nitrato em nitrito detecta, indiretamente, bactérias Gram-negativas na urina. Na bacterioscopia pelo Gram, uma ou mais bactérias Gram-negativas correlacionam-se fortemente com urocultura positiva. Apresenta sensibilidade de 94%, especificidade de 92% e valor preditivo de 85% quando associada à piúria.

Atualmente, a confirmação diagnóstica é feita através da urocultura com antibiograma, os quais são os exames padrão ouro para confirmação de infecção do trato urinário alto ou baixo. Nos pacientes com controle miccional, o jato médio é o modo ideal de coleta, com intervalo mínimo de duas horas após a última micção (imagem 1).

Em casos de que a coleta suscite dúvidas ou em situações contraindicadas como dermatite perineal, vulvovaginite, balanopostites e em algumas malformações genitais há indicação de punção suprapúbica, um método invasivo e seguro em substituição do jato médio. Em paciente sem controle miccional pode-se considerar para métodos de coleta o saco coletor, a cateterização vesical e aspiração suprapúbica.

Imagem 1: Interpretação de urocultura no diagnóstico de ITU.

Fonte: Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 2): S20-S30.

Em relação a bacteriúria assintomática, os parâmetros diagnósticos podem ser: cultura de coleta da urina com técnica antisséptica com mais de 100.000 UFC/ml em duas amostras consecutivas (essas devem ser enviadas ao laboratório no período de até 15 minutos, caso não seja, essa deve ser refrigerada a 4 graus celsius por até 24 horas) ou testes com tiras (dipstick), os quais detectam leucocitúria de maneira não específica, e para positivado, o teste aponta desenhos traçados.

A mesma figura também é observada no teste de nitrito – que representa outro fator diagnóstico, entretanto apresenta aspectos limitantes, como a presença de patógenos não produtores de nitrito e tempo insuficiente desde a última micção e obtenção da amostra. Para maior acurácia do diagnóstico, no momento da coleta deve-se prezar pela primeira amostra de urina do período da manhã ou aquela emitida após repouso miccional de no mínimo 3 horas, descartando o primeiro jato e sendo feita após devida higiene local (utilizar apenas água e sabão).

Pielonefrites

No exame físico pode-se ter o sinal semiológico Giordano (percussão dolorosa da região lombar do paciente, utilizando a borda hipotenar da mão para aplicar um estímulo moderado que normalmente não seria doloroso) positivado, indicando acometimento do parênquima renal. O sedimento urinário pode revelar leucocitúria, hematúria, proteinúria e nitritos, além de cilindrúria. A urocultura revela crescimento de 105 colônias/mL. O hemograma apresenta leucocitose e aumento da proteína C reativa. Exames de imagem, como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, podem ser utilizados para avaliar a extensão da infecção e identificar possíveis complicações.

Uretrites

São diagnosticadas pela coloração de gram da secreção ou esfregaço uretral, com presença de mais de 5 leucócitos por campo de grande aumento (x1000). Um teste de esterase leucocitária positivo ou mais de 10 leucócitos por campo de grande aumento (x400) no primeiro jato de urina é diagnóstico.

Tratamento

Os aspectos terapêuticos da infecção de trato urinário implicam em corroborar com o alívio dos sintomas, a erradicação do agente infeccioso e o reconhecimento dos pacientes de alto risco para desenvolver lesões no parênquima renal. o diagnóstico correto e o tratamento precoce são extremamente importantes na prevenção do dano renal.

Analgésicos e antitérmicos são empregados nas doses usuais. Em casos de disúria intensa, pode ser usado antiespasmódico. Nas crianças mais novas deve-se estar atento para a detecção precoce dos sinais e/ou sintomas de choque séptico ou hipovolêmico secundários a ITU. Nos casos de baixa aceitação por via oral ou nas desidratações, a reidratação deve ser instituída o mais breve possível, inicialmente por via oral e, se necessário, por via parenteral.

A antibioticoterapia necessita ser instituída imediatamente após a coleta da urina, de forma empírica, pois a demora no início do tratamento é considerado fator de risco para sepse ou lesão renal. A escolha inicial do antibiótico deverá se basear na prevalência conhecida dos agentes bacterianos. A bactéria que mais frequentemente causa infecção urinária é a E. coli, seguida das outras enterobactérias. Portanto, deve ser escolhido antibiótico de adequado espectro, que não seja nefrotóxico, de boa eliminação renal, e, se possível, de sabor palatável e administrado por via oral.

O tempo médio de duração do tratamento necessita de ser de 10 dias, tendo-se variação entre 7 e 14 dias.

Antibioticoterapia

Cistite aguda não complicada: Como primeira escolha para tratamento empírico, recomendam-se nitrofurantoína (50 a 100mg 8/8h por 5 dias) ou fosfomicina/ trometamol (3g DU).

  • Outras opções incluem cefuroxima (250 mg, de 12/12h, por 7 dias) ou amoxicilina/clavulanato (500/125 mg, de 8/8h, durante 7 dias). Em locais em que a resistência local é inferior a 20%, pode-se usar sulfametoxazol/trimetoprima (160/800 mg, de 12/12h, durante 3 dias).
  • Fluorquinolonas não são recomendadas como tratamento empírico. ● Em homens pode-se fazer tratamento de primeira escolha com sulfametoxazol/trimetoprima 160/800 mg por 7 dias.

Pielonefrite não complicada: Deve-se iniciar tratamento oral com fluoroquinolonas (ciprofloxacino 500 mg, de 12/12h, durante 7 dias, ou levofloxacino 750 mg/dia durante cinco dias).

  • Se houver necessidade de internação, recomenda-se usar esquema endovenoso com fluorquinolonas (ciprofloxacino 400 mg, 2x/dia, ou levofloxacino 750 mg/dia) ou, ainda, cefalosporina de terceira geração (ceftriaxona 2 g/dia).

Pielonefrite complicada: Requer tratamento hospitalar com fármacos endovenosos, como amoxicilina/aminoglicosídeo cefalosporina de terceira geração.

  • Como alternativas, incluem-se ceftolozano + tazobactam, imipenem-cilastatina, ceftazidima + avibactam, meropenem. O uso empírico de ciprofloxacino deve ser restrito a locais em que a resistência bacteriana seja inferior a 10%.

Bacteriúria assintomática: Na ausência de sinais e sintomas de infecções, e queixas relacionadas ao hábito urinário não há indicações de rastreamento e nem de tratamento. Entretanto existem algumas condições em que o tratamento assintomático é indicado, sendo elas: gravidez e necessidade cirúrgica ou instrumentação do trato urinário.

Atualmente tem-se indicação de antibioticoprofilaxia em casos de:

  • ITU recorrente: A profilaxia é determinada para as mulheres que sofrem de 2 ou mais ITUs sintomáticas em 6 meses ou 3 ou mais infecções em 12 meses. A escolha do antibiótico deve se basear nos padrões de susceptibilidade das cepas que causam infecções anteriores do trato urinário da paciente.
  • Gestação: Na ocorrência de dois ou mais episódios de infecção do trato urinário (ITU) na gestação, deve-se prescrever antibioticoprofilaxia. Para a profilaxia, os antibióticos mais utilizados são a nitrofurantoína (100mg), a ampicilina (500mg) ou a cefalexina (500mg) por via oral, com uma dose à noite, até duas semanas após o parto.
Conclusão

Pela ótica da relevante temática abordada, conclui-se que no quesito da escolha do método anticoncepcional o uso de diafragma, contraceptivos de barreira e espermicidas (mesmo preservativos masculinos contendo espermicidas) eleva o risco de ITU recorrente.

Sobre a terapia hormonal tópica a aplicação do estrogênio traz benefícios como redução do PH vaginal e menor potencial de colonização por enterobactérias, diminuindo a possibilidade de recorrências. Hábitos de higiene e micção precisam ser bem avaliados uma vez que estão diretamente relacionados com a redução do risco de contaminação,e isso inclui a micção pós coito e ingesta hídrica adequada. O uso de probióticos, especialmente contendo lactobacilos, foi estudado devido ao potencial desses agentes de manter um pH vaginal reduzido, diminuindo a adesividade dos uropatógenos, e de produzir peróxido de hidrogênio, que pode eliminar enterobactérias do meio vaginal.

Referências

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CAPÍTULO 8

OTITE MÉDIA

OTITIS MEDIA

 

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.08

Submetido em: 29/04/2024

Revisado em: 02/07/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Gabriela Melo Morais

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares- MG https://orcid.org/0009-0001-4483-4993

Lucas Scherrer Ulhôa

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares- MG https://orcid.org/0000-0003-4922-3064

Sarah Martins Damasceno Ribeiro

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares- MG http://lattes.cnpq.br/4601229966187087

Yasmin Mourão Coelho

Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Medicina, Governador Valadares- MG http://lattes.cnpq.br/7581822982973818

 

 

 

Resumo

Introdução: A Otite Média é definida como uma inflamação do ouvido médio de caráter agudo, subagudo ou crônico. Além disso, é uma doença de alta prevalência e morbidade na infância. Objetivo: Compilar e organizar as principais causas de otite média para o uso prático do clínico geral. Metodologia: Trata-se de uma revisão bibliográfica, utilizando a base de dados SciELO e os livros publicados pela ABORL-CCF. Resultados: A Otite Média pode ser dividida, para estudo aprofundado, em Otite Média Aguda, com Efusão, Crônica Colesteatomatosa e Crônica Não Colesteatomatosa. Cada uma tem suas particularidades de etiopatogenia, diagnóstico e tratamento, que devem ser elucidadas para a prática clínica. Conclusão: Apesar de muitos episódios serem autolimitados ou de fácil resolução, o conhecimento desse grupo de patologias é essencial, pois podem apresentar uma série de complicações, atraso no desenvolvimento infantil e até danos letais ao paciente.

Palavras-chave: otite média, tratamento, complicações.

Abstract

Introduction: Otitis Media is defined as an inflammation of the middle ear characterized as acute, subacute, or chronic. Furthermore, it’s a highly prevalent and incapacitating disease in infancy. Objective: Compile and organize the main causes of otitis media for practical use by the general practitioner. Methodology: It’s about a bibliographic review, using the database SciELO and the books published by ABORL-CCF. Results: The Otitis Media can be divided, for in-depth study, into Acute Otitis Media; with Effusion; Chronic with Cholesteatoma; and Chronic without Cholesteatoma. Each one has its particularities regarding etiopathogeny, diagnosis, and treatment, that must be elucidated for the clinical practice. Conclusion: Although a lot of episodes are self-limited or have an easy resolution, knowledge about this group of pathologies is essential because they can show a great many complications, like developmental delay in children and even death in some cases.

Keywords: otitis media, treatment, complications.

 

 

 

Introdução

            A Otite Média é um processo inflamatório, localizado de forma focal ou generalizada na orelha média, podendo ser infeccioso ou não. É a segunda patologia mais comum na infância, antecedida apenas das infecções respiratórias virais.

Dentre as estruturas da orelha média, as principais são a membrana timpânica (MT), cadeia ossicular e tuba auditiva (TA). As funções apresentadas por essas estruturas são, respectivamente: transmitir a onda sonora para a cadeia ossicular através da vibração, amplificar e conduzir a onda sonora ao ouvido interno e drenar secreções da orelha média e equalizar a pressão da mesma.

A otoscopia, exame essencial ao diagnóstico, a MT fisiológica é arredondada, com uma parte mais saliente. De cor perolada e transparente, apresenta região que reflete a luz, chamada de triângulo luminoso e permite visualizar elementos da cavidade timpânica como o cabo do martelo.

OTITE MÉDIA AGUDA E OTITE MÉDIA RECORRENTE
Introdução

A otite média aguda (OMA) configura o surgimento fugaz de sinais e sintomas inflamatórios na orelha média associado à efusão, seja devido a infecção viral ou bacteriana. Por ser um quadro prevalente, sobretudo na infância, é fundamental que obstáculos quanto à propedêutica e terapêutica sejam superados.

Entre os sinais de inflamação estão alterações da membrana timpânica (MT), como abaulamento, hiperemia, e perfuração aguda da MT com otorreia. Os sintomas incluem otalgia, febre e irritabilidade.

Epidemiologia

A maior parte das crianças cursam com ao menos um episódio de OMA na infância. Na maioria dos estudos, ocorrem picos de incidência da doença entre os primeiros 6 a 12 meses de idade. A incidência diminui proporcionalmente a faixa etária, sendo pouco frequente depois dos 7 anos. Nessa faixa etária, a recorrência de episódios também é comum.

Etiopatogenia

A OMA acomete mais lactentes e crianças pequenas. Tal contexto deve-se tanto a fatores anatômicos, quanto imunológicos desse grupo. Associado a isso, os episódios de OMA costumam ser de 3 a 4 dias subsequentes a uma infecção de vias aéreas superiores (IVAS).

Nesse sentido, a TA na criança, diferentemente do adulto, é mais curta, mais larga e mais horizontalizada. Ademais, o sistema imunológico na criança é imaturo, com a produção de imunoglobulinas próprias só se consolidando quando ela já está maior. Antes disso, ela só conta com as imunoglobulinas da mãe que são transmitidas durante a gravidez ou amamentação, que podem reduzir ao longo do tempo, não sendo eficazes o suficiente.

O desenvolvimento da OMA muitas vezes é uma consequência da infecção viral à mucosa do trato respiratório superior, uma vez que o vírus precede ou predispõe a infecção bacteriana simultânea. Os vírus mais comuns são: vírus sincicial respiratório, influenza e adenovírus. A distribuição dos casos entre agentes etiológicos é de cerca de 66% de coinfecção, 27% de infecção bacteriana e 4% de infecção viral. As bactérias mais frequentes são S. pneumoniae, H. influenzae e M. catarrhalis.

Existem situações que interferem nesses mecanismos, contribuindo ou mitigando o risco da doença. São exemplos:

  • Fatores ambientais:
  • Infecção das Vias Aéreas Superiores/Sazonalidade: A incidência de OMA aumenta no outono e inverno, acompanhando a incidência de IVAS.
  • Frequentar creche/ Irmãos: O maior número de episódios em crianças em creches e com irmãos mais velhos deve-se a maior exposição a IVAS virais.
  • Tabagismo passivo: quando os pais são fumantes, o risco relativo de crianças expostas ao tabaco terem recorrências é maior que o de crianças não expostas.
  • Uso de chupeta: A ação do uso de chupeta na OMA ainda não foi esclarecida. Provavelmente, a sucção da criança empurra as secreções nasofaríngeas para a orelha média.
  • Aleitamento materno exclusivo até os 6 meses: Fator protetor, reduzindo o risco de OMA.
  • Fatores do hospedeiro:
  • Idade: A maior incidência de OMA ocorre entre 6 e 12 meses de vida. O primeiro episódio antes dos 6 meses é um preditor de recorrência.
  • Imunocompetência: As crianças com otite média recorrente, bem como outras infecções recorrentes, podem apresentar defeitos no sistema imunológico.
  • Anormalidade Craniofacial: Fissura palatina, sobretudo não reparada, síndrome de Down ou outras anormalidades craniofaciais impactam a funcionalidade da TA.
  • Predisposição genética: A OMA é tão frequente que uma predisposição genética é improvável. Mas no caso de recorrências, pode haver um componente genético.
Diagnóstico

A otalgia, o sintoma mais específico da OMA, é de difícil avaliação no grupo mais acometido, sendo deduzida pelos sintomas gerais e manipulação do pavilhão auricular, já que as crianças só começam a referir dor a partir dos 2 anos. Apesar de ser muito frequente na OMA, a otalgia não é necessária para que o diagnóstico seja fechado, do mesmo modo que pode se manifestar em quadros que não sejam OMA.

A febre, que se manifesta em metade dos casos, não é indicador de infecção bacteriana. Irritabilidade, diminuição do apetite, vômitos, diarreia e fadiga podem estar presentes, mas não são critérios diagnósticos, porque podem ser em razão da IVAS anterior.

A otoscopia tem um grande papel no diagnóstico da OMA. A visualização do abaulamento da MT, o achado mais relevante, ocorre tanto pela produção de gases por bactéria, quanto pelo acúmulo de secreções. A coloração avermelhada é característica de infecção viral, porém deve-se atentar que a hiperemia da mucosa também pode ser causada pelo choro da criança ou febre. Enquanto isso, o aspecto amarelado ou esbranquiçado é indicativo de infecção bacteriana, produtora de secreção purulenta. Nível hidroaéreo é indício de reabsorção de secreção e fase resolutiva do quadro. Perda de translucidez e vascularização radial podem também estar presentes. A otorreia refere à drenagem da secreção e perfuração da MT.

Tratamento

Apesar de acelerar a resolução do quadro e evitar complicações, configurando um dos principais motivos de prescrição de antibióticos na faixa etária infantil, a antibioticoterapia não é indicada para todos os casos de OMA, devido ao risco de resistência bacteriana. De qualquer modo, a otalgia deve ser tratada, paracetamol e ibuprofeno são terapias de escolha.

Como a maioria dos episódios da doença cursam com resolução espontânea, as diretrizes têm recomendado o uso de antibióticos somente em situações selecionadas, a depender da gravidade da doença e da idade do paciente. Na presença de sinais e sintomas graves (otalgia e temperatura alta > 39 °C, há mais de 48 horas) é dado antibiótico a todos os maiores de seis meses. Já na ausência de sinais e sintomas graves, apenas crianças menores de 2 anos recebem a antibioticoterapia.

Nos casos que não se enquadram nesses critérios, pode ser feita a espera vigilante, um acompanhamento atento ao paciente durante as 48 ou 72h seguintes ao início dos sintomas, com a oferta da antibioticoterapia na ausência de melhora. Para realização dessa conduta é importante que os cuidadores sejam orientados e que seja garantido o retorno da criança ao serviço de saúde para monitorização.

Amoxicilina é o antibiótico de escolha, utilizado na OMA não severa, na ausência de alergia à droga ou intolerância à medicação oral e se a amoxicilina não tenha sido utilizada nos últimos 30 dias. Amoxicilina com clavulanato e ceftriaxona,

associada ou não à clindamicina também podem ser indicadas nas situações não abarcadas pela amoxacilina. A duração do tratamento varia de 5 a 10 dias a depender da idade e da gravidade.

Otite Média Aguda Recorrente

Dependendo da frequência que os episódios da OMA atinjam, é necessário alterar o manejo. A otite média aguda recorrente (OMAR) é determinada pela ocorrência de três ou mais episódios de OMA em 6 meses, ou quatro ou mais episódios em 12 meses. É essencial o registro adequado para confirmar melhora do quadro entre os episódios e ausência de efusão, além de certeza dos diagnósticos. Cerca de um quinto das crianças que tiveram OMA vão evoluir para OMAR.

A abordagem começa pela da educação da família e controle dos fatores de risco, e pode se provar efetiva, já que é uma doença característica da idade, que melhora com o crescimento da criança. Contudo, procedimentos cirúrgicos podem ser indicados e reduzem o uso de antibióticos. A timpanotomia com inserção de tubo de ventilação (TV) simula a função da TA, permitindo a entrada de ar na orelha média. A adenoidectomia beneficia crianças que já colocaram o TV e retornaram a ter OMA, ou que tenham outra indicação para essa cirurgia.

OTITE MÉDIA COM EFUSÃO
Introdução

A otite média com efusão (OME), também conhecida como otite média secretora, otite média catarral ou otite média serosa, é um quadro caracterizado por presença de fluido dentro da orelha média, com ausência de sinais e sintomas de uma infecção OMA, e na presença de uma membrana timpânica íntegra. Essa secreção pode ser de caráter mucóide, seroso, sanguinolento e/ou purulento, e confirmada por meio de exame físico ou exames complementares.

Pode-se classificar a OME em aguda (<3 semanas), subaguda (3 semanas a 3 meses) ou crônica (>3 meses). Na maioria dos quadros, apresenta resolução espontânea, mas se persiste ou recorre com frequência, pode ter impacto negativo no desenvolvimento da fala e no comportamento de uma criança.

Epidemiologia

A OME é muito comum, mas como é assintomática, pode passar despercebida, fazendo com que sua incidência e prevalência sejam difíceis de estabelecer com precisão. Dados indicam que aproximadamente 90% de crianças antes da idade escolar apresentam OME, sendo a maior frequência entre os 6 meses e 4 anos de idade. A média é de 4 episódios por ano. A maioria dos quadros resolvem espontaneamente em até 3 meses, mas há recorrências em mais de 30% dos casos.

Sabe-se que a prevalência aumenta em crianças com Síndrome de Down ou fenda palatina, em decorrência da disfunção fisiológica da trompa de Eustáquio e da imaturidade do sistema imune.

Os custos de episódios diagnosticados de OME ultrapassam, nos Estado Unidos, U$ 4 bilhões, e ainda mais altos quando se leva em conta os custos indiretos devido a perda condutiva associada, impacto sobre o desenvolvimento infantil e baixo rendimento escolar.

Patogênese

A fisiopatologia da OME é multifatorial, mas há relação com a incapacidade da tuba auditiva de aliviar pressão negativa criada na cavidade timpânica. Se inicia com uma reação inflamatória capaz de produzir secreção, como uma OMA. Desse modo, os fatores de risco entre essas duas otites médias são os mesmos.

Fisiologicamente, após a inflamação ocorre batimento ciliar para criar uma pressão negativa a fim de drenar esse líquido. O movimento de bombeamento muscular da tuba auditiva, ainda tentando drenar esse líquido,continuaria aumentando a pressão negativa. Porém, como a tuba auditiva não consegue aliviar essa pressão gerada pela própria atividade de clearance, resulta na permanência do líquido dentro da fenda auditiva.

As IVAS promovem lesão em mucosa respiratória e disfunção da tuba auditiva. Além disso, indivíduos atópicos e com hipersensibilidade a aeroalérgenos, podem desenvolver edema e hipersecreção em mucosa das vias aéreas, corroborando ainda mais com a permanência da pressão negativa.

Ademais, há diferença da tuba auditiva comparando criança e adultos. Na criança, a tuba sendo mais curta e horizontalizada, predispõe ao acúmulo de secreções.

Essa secreção presente na OME, pode ser mucóide, se for constituída de exsudato provenientes das glândulas secretoras, ou serosa se formada por transudato, originado pelo aumento da permeabilidade capilar.

Diagnóstico

A suspeita clínica para OME vem de queixas como falta de atenção, dificuldade em acompanhar o dia a dia em volume normal, alteração comportamental e do desempenho escolar, atraso no desenvolvimento de fala ou linguagem e episódios de reagudização de otite média aguda (OMA), porém a queixa mais frequente é a sensação de “ouvido tampado”.

Na otoscopia, há visualização de bolhas ou nível hidroaéreo, membrana timpânica pode estar um pouco opaca ou retraída com horizontalização do cabo do martelo, e geralmente ocorre aumento da vascularização radial membrana. Já a impedanciometria é utilizada como exame complementar, confirmando casos em que há dúvidas na otoscopia. O achado é de perda auditiva do tipo condutiva com curva tipo B.

O padrão-ouro para OME é a miringotomia, em que será feito aspiração de secreção retrotimpânica. Ela deve ser solicitada em dúvida diagnóstica, mas é duplamente benéfica pois é possível junto com a confirmação diagnóstica, fazer a inserção de tubo de ventilação para o tratamento.

Tratamento

Em cerca de 90% dos casos há resolução espontânea em até 3 meses do início do quadro, porém há alta taxa de recorrência. Em uma conduta expectante, é necessário educar os responsáveis pela criança acerca do curso benigno, estimular mudanças de hábitos sejam fatores de risco e realizar otoscopia regularmente por 3 meses, além de orientar a evitar uso de anti-histamínicos e descongestionantes nasais, pois podem induzir efeitos colaterais.

Essa conduta não é indicada para crianças com atraso do desenvolvimento de fala, baixo nível educacional da mãe ou ambiente familiar da criança desfavorável. Assim, pode ser feita a associação de corticóide nasal e oral, pois podem causar uma resolução mais rápida da OME a curto prazo, mas a longo prazo, não há evidência de benefício.

Em caso de perda auditiva em níveis ≥ 40dB na audiometria, ou OME crônica com risco de danos irreversíveis na membrana timpânica, é recomendado tratamento cirúrgico, e o de escolha é a timpanotomia para inserção de tubo de ventilação.

OTITE MÉDIA CRÔNICA NÃO COLESTEATOMATOSA
Introdução

A otite média crônica (OMC) pode ser caracterizada pelo quadro clínico apresentado e há quanto tempo esse mesmo quadro se iniciou. Acerca do ponto de vista clínico, a doença apresenta perfuração persistente da membrana timpânica (MT) associada à otorreia, podendo haver exceções, como a OMC silenciosa e a OMC colesteatomatosa. Em relação ao tempo necessário para se definir uma OMC, 3 meses é o mínimo.

Então, com a definição usada previamente, poderá ser feita uma classificação mais aprofundada em duas patologias similares, porém distintas: otite média crônica não colesteatomatosa (OMCNC) – que será abordada neste tópico – e otite média crônica colesteatomatosa (OMCC).

Etiopatogenia

Dentre as causas mais estudadas para instalação da cronificação do processo inflamatório estão, as otites médias agudas supurativas subtratadas ou de repetição, as necrosantes, os traumas temporais e as infecções de vias aéreas superiores prolongadas.

Sendo assim, as otites médias supurativas e as necrosantes, bem como as infecções de vias aéreas superiores, prevalecem nas crianças e jovens, enquanto os traumas temporais prevalecem nos adultos de gênero masculino.

De maneira geral, a causa da OMCNC está intimamente ligada à perfuração da MT, atuando como um facilitador da contaminação do ouvido médio. Essas contaminações se dão por duas rotas, sendo uma interna, se iniciando na rinofaringe, passando pela tuba auditiva e chegando à orelha média e outra externa, havendo uma infecção direta por patógenos do meio externo chegando à orelha média.

Entretanto, ao analisar que as situações citadas acima não são comuns na prática clínica, há mais uma patogenia chamada “continuum”. Pensando nisso, é comum que as otites médias agudas e secretoras comuns possam evoluir para a cronificação caso não haja regressão espontânea.

Diagnóstico

O diagnóstico é principalmente clínico. Podem ser apresentados dois quadros da seguinte forma:

  1. Perfuração da MT associada à otorreia intermitente sem odor fétido com períodos de remissão superiores a 2 meses e exacerbação dos sintomas relacionada à penetração de água ou episódios de IVAS. Otalgia não é comum, exceto em reagudizações. A hipoacusia tem grau variável e em alguns casos haverá tontura e zumbido. À otoscopia é possível ver três tipos de perfurações: central, marginal ou ântero-superior
  2. Perfuração da MT associada a otorreia persistente com odor fétido e secreção, em geral, amarelo-esverdeada, podendo haver otalgia. A hipoacusia nesse caso será mais acentuada. À otoscopia é visualizada uma perfuração ampla e marginal da MT.
Tratamento

A terapia clínica associada às recomendações ao paciente pode ser suficiente para a remissão completa da doença.

Partindo desse ponto, a limpeza do conduto auditivo com algodões e aspirações repetidas, bem como, a prevenção do contato com fatores agudizantes e o uso de antibióticos tópicos é essencial. O uso de antibióticos sistêmicos é reservado para casos graves.

A escolha dos antibióticos é empírica, entretanto, as escolhas mais frequentes incluem os aminoglicosídeos ou o ciprofloxacino em casos resistentes ao tratamento inicial. Os agentes mais comuns na patogênese da doença são os bacilos gram negativos.

Acerca do tratamento cirúrgico, em casos de otorreia intermitente sem resolução clínica a timpanoplastia é a mais indicada. Porém, em casos de otorreia persistente é necessário a timpanomastoidectomia.

OTITE MÉDIA CRÔNICA COLESTEATOMATOSA
Introdução

O colesteatoma foi primariamente chamado dessa forma porque o fisiologista alemão Muller em 1838 o descreveu como um tumor composto por colesterol, em camadas e perolado.

Posteriormente, ficou esclarecido que os colesteatomas são formações císticas de inclusão epidérmica na orelha média (OM) ou na mastoide e são compostos por debris de descamação, principalmente queratina, devido ao epitélio escamoso estratificado queratinizado.

Os colesteatomas são classificados em congênitos e adquiridos. A Otite Média Crônica (OMC) Colesteatomatosa, em sua grande maioria dos casos, é decorrente de uma OMA ou OME.

Epidemiologia

É uma patologia relevante devido às sérias complicações possíveis e é relativamente frequente. A OMC Colesteatomatosa tem incidência maior em crianças e adultos jovens. No Brasil, por não ser uma doença de notificação obrigatória, não se tem informações suficientes para consolidar sua incidência.

Patogênese

Os colesteatomas congênitos originam-se de restos embrionários de tecido epitelial na OM, sem indícios de infecção prévia e de perfuração da membrana timpânica (MT). Localizam-se, principalmente, na cavidade timpânica, região tímpano-mastoidea, pirâmide petrosa, ângulo ponto cerebelar e forame jugular.

Já para o colesteatoma adquirido, há várias teorias aceitas para a sua formação:

  • Migratória: É a mais aceita entre os otologistas. Ocorre pela invasão epitelial e crescimento de pele do meato acústico externo (MAE) para a OM através da perfuração da MT, predisposta por processos inflamatório-infecciosos crônicos. A infecção favorece a migração epitelial por meio da destruição da mucosa da orelha média, impedindo o mecanismo de inibição por contato.
  • Implantação: Células epiteliais do MAE seriam implantadas na OM e poderiam multiplicar, em certas condições. Essa implantação pode ser por meio de corpo estranho, trauma ou iatrogenia (secundário à timpanoplastia ou à colocação de tubo de ventilação).
  • Hiperplasia basal: Formação de colesteatoma atical por meio de invasão de células epiteliais basais queratinizadas da parte flácida no espaço subepitelial e lâmina própria.
  • Metaplásica: Secundário à OME e OMAR. O epitélio respiratório modifica-se em escamoso estratificado queratinizado, ocorrendo pela presença de fatores inflamatórios.
Diagnóstico

A Otite Média Crônica Colesteatomatosa é diagnosticada, principalmente, através da clínica e da otoscopia.

O diagnóstico do colesteatoma congênito ocorre por volta dos 3-5 anos e a incidência é maior no sexo masculino. Em alguns casos, podem permanecer assintomáticos por anos, especialmente os de localização mais profunda.

A hipoacusia é o sintoma mais importante do tipo congênito e, muitas vezes, ela pode ser uma manifestação isolada. Dor e vertigem podem ocorrer, porém são menos prevalentes.

Na otoscopia, visualiza-se uma massa esbranquiçada na porção anterior da MT, próxima ao cabo do martelo. A membrana timpânica encontra-se íntegra, portanto, não há presença de otorreia.

Distintamente, o colesteatoma adquirido é diagnosticado entre 8 e 11 anos, nas crianças mais velhas. Durante a anamnese, os pais relatam que o filho apresenta otorreia e infecções frequentes.

No tipo adquirido, a otorreia é a principal manifestação encontrada. Geralmente, é purulenta, indolor, fétida e constante. Mesmo o colesteatoma sendo precedido por OMAR e OME na maioria dos casos, a otorréia não tem correlação com infecções, não apresentando fatores desencadeantes.

O segundo sintoma mais importante é a perda auditiva, principalmente condutiva. Além disso, podem estar presentes zumbido e vertigem. Na otoscopia, observa-se a otorreia associada a descamações perláceas. O aspecto clássico encontrado é a massa esbranquiçada sobreposta à MT, geralmente no quadrante anterossuperior. Além disso, nota-se uma destruição parcial da membrana timpânica.

Ademais, exames de imagem, como a Tomografia Computadorizada e a Ressonância Magnética, podem ser utilizados para avaliar a presença de colesteatoma no osso temporal.

Tratamento

O tratamento da Otite Média Crônica Colesteatomatosa é cirúrgico e objetiva a retirada da formação cística e a resolução da otorreia. A audiometria reflete uma perda auditiva condutiva progressiva e deve ser realizada antes e depois da cirurgia.

Previamente ao procedimento, utiliza-se antibioticoterapia tópica no intuito de diminuir ou até conter a otorreia. Se necessário, pode associar a antibiótico sistêmico. O procedimento pode ser por meio de duas técnicas, que possuem suas vantagens e desvantagens. A timpanomastoidectomia fechada tem sido mais recomendada para as crianças, pois possui uma preservação maior da audição, entretanto, a timpanomastoidectomia aberta há menor taxa de recidiva. Por fim, é importante manter um acompanhamento no pós-operatório, remover secreção ou cerume e aspirar o ouvido, a fim de não prejudicar a otoscopia, permitindo avaliar complicações precoces da cirurgia e possível recidiva do colesteatoma.

COMPLICAÇÕES DAS OTITES MÉDIAS

As complicações das otites médias, apesar de serem raras, apresentam uma alta taxa de morbimortalidade, principalmente as intracranianas, área de relação íntima com a orelha média. De todas, as otites médias crônicas colesteatomatosas são as de maior risco para complicações pelo seu potencial destrutivo e invasivo.

As complicações extracranianas são as mais comuns, e a mais frequente delas é o abscesso retroauricular, que apresenta como abaulamento que acarreta apagamento do sulco retroauricular e um deslocamento do pavilhão auricular, associado a febre, toxemia e dor intensa. O tratamento é antibioticoterapia venosa de amplo espectro, drenagem do abscesso e timpanotomia.

A paralisia facial periférica unilateral também é uma complicação, que pode ser explicada pela erosão óssea do canal, osteíte ou pela deiscência espontânea do canal do facial, e geralmente é progressiva. O tratamento consiste em antibioticoterapia com espectro para as bactérias mais comuns em OMA associado a corticoide em dose anti-inflamatória.

A complicação mais frequente associada a colesteatoma, é a fístula labiríntica. Apesar da confirmação diagnóstica só ser possível no intraoperatório pela observação direta, a suspeita deve surgir em um paciente com OMC somado a sintomas vertiginosos e perda auditiva neurossensorial.

A meningite é a complicação intracraniana mais comum, e geralmente é resultado de disseminação hematogênica de uma OMA. A instalação é rápida, apresentada pelo quadro de cefaleia intensa, fotofobia, vômitos, febre, letargia e sinais de irritação meníngea. A antibioticoterapia parenteral deve ser instituída assim que houver suspeita clínica, e em caso de OM crônica, associar com mastoidectomia.

O abscesso encefálico é a mais letal, geralmente complicação de OMC em adultos, e lobo temporal e cerebelo os mais acometidos. Inicialmente, o quadro é de encefalite, cefaleia, febre elevada e alterações da consciência. Com a expansão do abscesso, os sintomas são causados pela hipertensão e compressão intracraniana, ocasionando crises convulsivas e afasia. O diagnóstico é feito por meio de tomografia, e o tratamento inicial se baseia em antibioticoterapia endovenosa com metronidazol + penicilinas e/ou cefalosporinas de terceira geração, além de mastoidectomia com cirurgia para drenagem do abscesso.

Referências

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CAPÍTULO 9

ORDEM DOS IXODIDAS E SUAS INTERAÇÕES CLÍNICAS

ORDER OF IXODIDS AND THEIR CLINICAL INTERACTIONS

 

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.09

Submetido em: 18/09/2024

Revisado em: 30/09/2024

Publicado em: 08/10/2024

 

Thiago Cavalcante Ribeiro

Universidade do Rio Verde (UNIRV), Departamento de Medicina, Formosa-GO

http://lattes.cnpq.br/7241324474054388

André Fernandes Mesquita

Universidade do Rio Verde (UNIRV), Departamento de Medicina, Formosa-GO

http://lattes.cnpq.br/4996233150054579

Fernanda Cruz Oliveira Barros

Universidade do Rio Verde (UNIRV), Departamento de Medicina, Luziânia-GO

http://lattes.cnpq.br/3353035101184052 

Marco Antônio de Souza Breunig

Centro Universitário Estácio do Pantanal – FAPAN, Cáceres, MT

http://lattes.cnpq.br/4931602587915754

 

 

 

Introdução

A interação dos carrapatos na clínica é de extrema importância, pois esses parasitas podem transmitir diversas doenças ao homem e aos animais, causando sérios problemas de saúde. É, portanto, fundamental compreender a biologia, a ecologia e os principais tipos de carraças, bem como as doenças que podem transmitir. Este documento tem como objetivo fornecer informações relevantes sobre as interações dos carrapatos, com o objetivo de contribuir para o diagnóstico, tratamento e prevenção destas doenças.  A interação dos carrapatos na clínica é de grande importância devido à sua capacidade de transmitir doenças graves, como doença de Lyme, febre maculosa brasileira, erliquiose e anaplasmose. Além disso, a infestação de carrapatos em animais de criação pode causar perdas econômicas significativas. Compreender a importância desta interação é essencial para implementar estratégias eficazes de controle e prevenção para proteger a saúde humana e animal. Este trabalho abordará detalhadamente a importância das interações de carrapatos na clínica, fornecendo informações importantes para profissionais de saúde e veterinários.  A transmissão da doença por artrópodes foi identificada e demonstrada há muitos anos, no final do século XIX. Desde então, vem sendo estudada a importância dos carrapatos como vetores de doenças, tanto em humanos quanto em animais, pois esses animais podem transmitir protozoários, vírus, riquétsias, filárias e até espiroquetas. No Brasil existem muitos tipos de carrapatos que parasitam animais como: roedores, carnívoros, marsupiais e principalmente humanos. (NEVES et al, 2011; MASSARD; FONSECA, 2004).

Nesse sentido, são considerados importantes para a saúde pública e alguns sintomas causados ​​por infecções transmitidas por esses animais, através de mordidas, incluem: febre, dor de cabeça, mialgia, artralgia e até encefalite, febre hemorrágica ou aguda com alteração do sistema central. sistema nervoso. Os carrapatos identificados como importantes, tanto para a economia quanto para a saúde pública, são os artrópodes da classe Arachnida, da ordem Acari e das famílias Ixodidae e Argasidae. (NEVES et al, 2011; MASSARD; FONSECA, 2004).

Neste contexto, importa referir que a epidemiologia dos vírus cujos vetores são as carraças revela que estas doenças estão ligadas às atividades humanas profissionais ou recreativas, pelo que os mais afetados são aqueles que vivem no habitat natural dos ixodídeos. (NEVES et al, 2011).

Reações alérgicas

Picadas de carrapatos e substâncias liberadas durante a hematofagia podem causar reações alérgicas, como coceira, eritema e outros sintomas. Os sintomas clínicos surgem de mediadores pró-inflamatórios e vasoativas, bem como de citocinas liberadas por desgranulação maciça ou liberadas por basófilos e mastócitos. Classicamente, esta cascata é iniciada por uma reação de hipersensibilidade mediada pela imunoglobulina E (IgE). Os alérgenos entram no corpo de diversas maneiras: ingestão, inalação, parenteral ou por contato com a pele, no caso dos carrapatos será por picada. Na primeira exposição, uma pessoa sensível cria anticorpos IgE específicos para o antígeno apresentado. Os anticorpos IgE ligam-se aos receptores Fc com alta afinidade em basófilos e mastócitos. Juntamente com a crescente prevalência de alergias alimentares, têm sido propostos cada vez mais casos de anafilaxia causada por epítopos de hidratos de carbono, especialmente alfa-gal, para os quais as picadas de carraças são o principal sensibilizador. As respostas imunes típicas aos carboidratos são consideradas independentes das células T, enquanto a produção de anticorpos IgE envolve uma mudança de classe, que requer a participação das células T. A produção de anticorpos IgE resulta da sensibilização, cuja principal causa é a picada do carrapato Amblyomma americanum. Picadas de carrapato podem ser a fonte de IgE alfa-gal específica no sul, leste e centro dos Estados Unidos; também na Europa, Austrália e partes da Ásia. Tanto o número de indivíduos sensibilizados quanto o título de anticorpos IgE anti-alfa-gal foram impressionantes, mostrando um exemplo de resposta a um ectoparasita, causador de uma importante forma de alergia alimentar.

Agentes espoliadores sanguíneos

Os carrapatos pertencem ao grupo Arthropoda, subfilo Chelicerata, classe Arachnida, subclasse Acarina, ordem Ixodida e famílias Ixodidae e Argasidae. São agentes diretos de destruição do sangue determinados pela perda de nutrientes do organismo do hospedeiro.  Argasidae são carrapatos de corpo mole e de alimentação rápida que permanecem presos ao hospedeiro por um curto período de tempo, geralmente algumas horas ou menos, e Ixodidae são carrapatos de corpo duro que levam dias para completar sua alimentação e permanecem firmemente presos, geralmente a um único hospedeiro, durante a alimentação. Assim, para inserir a boca na lesão e se alimentar, os carrapatos cortam a pele do hospedeiro com suas quelíceras. Os dentes das quelíceras e do hipóstomo ficam voltados para a região posterior para evitar a retração do aparelho bucal. A grande ruptura dos vasos sanguíneos é característica de sua alimentação. Isso inocula a saliva na derme, formando um reservatório de abastecimento por onde o sangue circula e de onde é absorvido. Os ixodídeos secretam uma substância cimentante que forma um cone ao redor da boca, o que contribui para a estruturação do trato digestivo e sua fixação. Durante o período de fixação, os carrapatos alternam entre sugar sangue e inocular saliva com o fluido sanguíneo filtrado. Na prática, parte do material previamente ingerido (70%) é devolvido, o que leva à circulação de diversas substâncias entre ele e o hospedeiro.

Aspectos gerais

Os carrapatos são aracnídeos que sugam o sangue e os ectoparasitas dos vertebrados (principalmente mamíferos, aves e répteis) através do seu aparelho oral. Geralmente são ovais, apresentando formato esférico quando alimentados. Alguns são parasitas permanentes e outros são transitórios, vivendo determinados momentos do seu ciclo de vida no hospedeiro. Podem ser classificados nas famílias Nuttalliellidae, Ixodidae ou Argasidae, sendo que a primeira possui apenas uma espécie e as duas últimas cerca de 700 e 200 espécies respectivamente. Mais de 800 espécies são conhecidas no mundo, ocupando quase todos os continentes, exceto a Antártica, nos mais diversos ambientes: arbustos, madeiras, fendas, plantas, animais, etc. Alguns, pertencentes à família Ixodidae, possuem casca quitinosa resistente e são de maior interesse médico e veterinário, pelos danos que podem causar.

Transmissão

A ordem ixodídeo é transmitida diretamente pela picada do carrapato, que se alimenta de sangue. Poucos patógenos transmitidos por carrapatos são transmitidos dos ovos das fêmeas adultas para as larvas. Cada espécie de carrapato nesta ordem é capaz de transmitir múltiplos patógenos, que podem infectar múltiplas espécies, a menos que um único carrapato transmita múltiplos patógenos a um hospedeiro (geralmente mamíferos) durante a alimentação.  O hard tick se alimenta sumariamente, ou seja, alimenta-se inteiramente de  um único hospedeiro sem procurar um segundo hospedeiro. Essa forma de alimentação tem impacto significativo nos mecanismos de transmissão de doenças por carrapatos vetores. Depois de totalmente alimentado, levará semanas para passar para o próximo estágio do ciclo de vida. Existe um atraso entre o momento da fixação do carrapato e a transmissão do patógeno, por isso é aconselhável evitar tal transmissão, desde que o artrópode seja removido adequadamente.

Manifestações Clínicas

Podem ser classificadas em lesão primária (o carrapato adere à pele do hospedeiro, causa uma reação imediata e reação retardada) e lesões secundárias (não causadas pela picada, mas por infecções, bactérias, protozoários, riquétsias, transmitidas pelo organismo).

A paralisia por mordida é uma forma de doença aguda, cuja principal causa é a toxicidade da saliva do carrapato. Essa toxina reduzirá a acetilcolina, responsável pela transmissão neuromuscular. A paralisia resulta do diagnóstico por análise de carrapatos (o principal agente é a espécie Rhipicephalus).

Diagnóstico

Consiste em uma avaliação clínica precisa, coletando sintomas e informações como: exame de pele, podendo também ser identificado o carrapato, se vive ou esteve em locais onde há probabilidade de ter sido picado. Para confirmação, os exames laboratoriais mais recomendados para um diagnóstico específico são:

  • Reação de imunofluorescência indireta (RIFI): detecta a presença de anticorpos contra bactérias, com base em amostras de sangue.
  • Teste imuno-histoquímico: detecta bactérias em amostras de tecido retiradas de biópsias de feridas cutâneas.
  • Técnicas de biologia molecular – Reação em cadeia da polimerase (PCR): realizada a partir de amostras de sangue, biópsias de tecidos. Ele detecta o material genético das bactérias.
  • Isolamento de bactérias: O isolamento de bactérias é feito a partir do sangue (coágulo) ou de fragmentos de tecido (biópsia de pele e pulmão) ou órgãos (autópsia de pulmão, baço, fígado), além do carrapato retirado do paciente. As bactérias crescem em meio à cultura.

Os exames laboratoriais mais recomendados para um diagnóstico inespecífico e complementar são: Hemograma: procure alterações no padrão das células sanguíneas, como anemia, plaquetas baixas. Enzimas: Algumas enzimas do corpo podem estar elevadas, o que indica uma infecção.

Controle e manejo

Nos Estados Unidos, o controle de carrapatos em áreas de recreação tem sido conseguido através do manejo da vegetação (limpeza, poda) e aplicação de acaricidas. Este controle tem grande importância na pecuária, com diversos programas de manejo e mitigar os efeitos nocivos dos carrapatos. O controle da população de carrapatos e a prevenção de doenças transmitidas por carrapatos envolvem diversas estratégias, incluindo o uso de roupas adequadas, repelentes e inspeção corporal após atividades ao ar livre em áreas endêmicas. Além disso, está disponível vacinação contra algumas doenças transmitidas por carrapatos, como a encefalite viral transmitida por carraças, em regiões de risco.

As medidas de controle ambiental, tais como a remoção de habitats favoráveis ​​aos carrapatos e a gestão da vida selvagem, são também estratégias importantes para prevenir infestações. Para animais de estimação, o uso de coleiras e produtos acaricidas é amplamente recomendado para minimizar o risco de infecção e posterior transmissão de doenças.

 Os assassinos de carrapatos mais comuns são aqueles que são compostos piretróides, organofosforados ou produtos mistos destes e amidinas. Atualmente, é proibido o uso de produtos químicos clorados (BHC, DDT) para matar carrapatos. Existe uma necessidade urgente de desenvolver métodos alternativos de controle, tendo em conta: – Plasticidade genética dos carrapatos (resistência aos carrapatos) e efeitos nocivos dos resíduos de acaricidas nos produtos de origem animal e no ambiente; Vale destacar o avanço das vacinas “anti-tiques”, além dos ecdisteróides, que aceleram a atividade de eliminação.

As vacinas são feitas de proteínas das membranas celulares do trato gastrointestinal dos ixodídeos. Essa vacina provoca a morte dos carrapatos ao provocar o rompimento dos intestinos ao ingerir os animais vacinados.  É possível obter grande quantidade deste antígeno por recombinação genética, utilizando anticorpos monoclonais. Temos agora um antígeno recombinante, no qual o anticorpo foi clonado, sequenciado e expresso em Escherichia coli.  Para controle deve-se considerar: a epidemiologia do parasita; implementação de módulos de processamento; estrutura de contenção e banheiro; treinamento de operadores; manejo de pecuária e pastagens; monitoramento de ações e resultados. Os carrapatos por si só não são suficientes. Portanto, constataram que os fungos do gênero Metarhizium, quando pulverizados e combinados com óleos vegetais, melhoraram o controle dessa população.  Quando este método é aplicado, os resultados são excelentes. O tratamento contra carrapatos nos estágios iniciais será eficaz para reduzir a população adulta de Amblyomma cajennense.  Os estágios imaturos desses carrapatos ocorrem geralmente entre abril e outono, em Como as chuvas são menores em nosso país, há grandes chances de eficácia satisfatória, pois a possibilidade de repetir os banhos anti carrapatos é muito maior neste horário, pois a chuva impossibilita a realização dos banhos anti carrapatos.

Principais doenças causadas pelos carrapatos

Carrapatos são vetores de muitas doenças que têm grande importância clínica e de saúde pública. As mais conhecidas são causadas por bactérias do gênero rickettsia, Borrelia e Ehrlichia, entre outras. A seguir, discutiremos algumas das principais doenças transmitidas por carrapatos.

Doença de Lyme

A doença de Lyme é uma infecção bacteriana causada por Borrelia burgdorferi, que é transmitida através de uma picada do carrapato infectado. A infecção começa com sintomas inespecíficos comuns, incluindo febre, cefaléia, astenia e erupção cutânea redonda clássico denominado eritema migratório em forma de anel. No entanto, foi relatado que alguns pacientes com infecção por Borrelia não tiveram eritema migratório cutâneo. A doença de Lyme não tratada pode evoluir para estágios mais graves com artrite, problemas cardíacos e neurológicos. O diagnóstico precoce é baseado em exames clínicos e laboratoriais específicos, como sorologia para anticorpos contra o bacilo.

O tratamento é feito com antibióticos, como doxiciclina ou amoxicilina, e é eficaz principalmente nas fases iniciais. Em casos avançados, o tratamento pode demorar mais e alguns pacientes podem desenvolver uma condição conhecida como síndrome pós-Lyme, que causa fadiga e dor persistentes mesmo após tratamento adequado.  A prevenção inclui evitar áreas comuns de carrapatos, vestir roupas protetoras e repelentes, além de inspecionar o corpo depois de sair de uma área de risco. A remoção do carrapato é uma medida de saúde essencial, pois a transmissão é tipicamente estabelecida entre 36 e 48 horas pós-fixação. A doença de Lyme é mais frequente em algumas áreas geográficas, como o nordeste dos Estados Unidos e partes do oeste europeu, com maior incidência onde a espécie de carrapatos transmissores é identificada.

 

 

Febre maculosa brasileira

Causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, a febre maculosa brasileira a transmissão ocorre da picada de um carrapato estrela (Amblyomma sculptum) infectado, inoculando saliva no hospedeiro (hematofagia), introduz as bactérias que colonizam a glândula salivar do ectoparasita pelo carrapato. Um agente infectado é capaz de transmitir bactérias em uma pessoa que permanece ligada ao hospedeiro diversas horas, a gravidade da infecção é proporcional ao tempo que esse carrapato permanece preso ao corpo (HIGO, 2022).

A doença é caracterizada por febre alta, dores no corpo, dores de cabeça intensas e erupções cutâneas que podem evoluir para formas graves e fatais se não forem diagnosticadas e tratadas precocemente. No Brasil, a febre maculosa é uma doença bastante conhecida, devido à alta mortalidade quando não tratada adequadamente. 

Anaplasmose e Erliquiose

Anaplasmose e erliquiose são doenças causadas respectivamente por bactérias do gênero Anaplasma e Ehrlichia. Ambos são transmitidos por carrapatos dos gêneros Ixodes e Amblyomma. As manifestações clínicas incluem febre, fadiga, dores musculares e, em casos graves, podem causar insuficiência respiratória e renal e problemas neurológicos. Essas doenças são frequentemente subdiagnosticadas devido à semelhança dos sintomas com outras condições febris.

Babesiose

A babesiose é uma infecção causada por protozoários do gênero Babesia, que parasitam as hemácias. A transmissão ocorre principalmente pela picada dos carrapatos Ixodes, os mesmos que transmitem a doença de Lyme, embora também possa acontecer por meio de transfusões de sangue e raramente de mãe para filho durante a gravidez.  A maioria dos casos de babesiose é causada pela espécie Babesia microti, especialmente em áreas como Nordeste e Centro-Oeste dos Estados Unidos, onde os carrapatos são mais prevalentes. Em pessoas saudáveis, a infecção pode ser assintomática ou apresentar sintomas semelhantes aos da gripe, como febre, calafrios, fadiga, dores musculares e sudorese.  No entanto, em pessoas com sistema imunológico enfraquecido, idosos ou pessoas sem baço (esplenectomizadas), a babesiose pode evoluir para uma doença grave. Nestes casos, pode ocorrer hemólise (destruição dos glóbulos vermelhos), levando a anemia, icterícia (amarelecimento da pele e dos olhos), insuficiência renal e, em casos graves, falência de múltiplos órgãos. A babesiose é diagnosticada com exames de sangue, como esfregaço de sangue (onde os parasitas podem ser vistos nas células vermelhas do sangue) ou testes mais avançados, como PCR, para detectar o DNA do parasita. Testes sorológicos para anticorpos contra a Babesia também podem ser usados ​​para confirmar a infecção. O tratamento inclui o uso de medicamentos anti protozoários, como a combinação de atovaquona e azitromicina para casos leves, ou a combinação de clindamicina e quinina para casos graves. A duração do tratamento varia, mas geralmente é de 7 a 10 dias para infecções leves e mais longas para casos graves ou complicados.  A prevenção, assim como outras doenças transmitidas por carrapatos, inclui evitar áreas onde os carrapatos são comuns, usar roupas de proteção, repelentes e inspeção corporal após exposição a áreas de risco. A remoção imediata dos carrapatos também é importante para reduzir o risco de infecção.

Encefalite transmitida por carrapatos

A encefalite tick-borne, também conhecida como encefalite rick-borne, é uma doença do vírus do sistema nervoso central transmitida pela picada de Ixodes carrapatos infectados. O vírus causador está na família Flaviviridae. Ela é comum em partes da Europa e da Ásia e algumas partes da Rússia, especialmente nas áreas florestais, onde os sintomas são comuns. A encefalite pode ocorrer em dois estágios, dependendo de quando os sintomas começam. Quando se manifesta, após 7-14 dias de incubação, os primeiros sintomas inespecíficos da gripe surgem – febre, fadiga, dores de cabeça, dores musculares e articulares. Normalmente, este estágio dura de alguns dias a uma semana. Em cerca de um terço dos casos, a doença passa para o segundo estágio, que envolve o sistema nervoso central. Durante esse período, podem ocorrer meningite (inflamação das membranas que cobrem o cérebro e a medula espinhal), encefalite (inflamação do cérebro) ou meningoencefalite (uma combinação das duas).  Os sintomas neurológicos incluem febre alta, rigidez no pescoço, confusão, dor de cabeça, tontura, problemas de movimento como fraqueza ou paralisia e, em casos graves, convulsões e coma. Embora a maioria das pessoas se recupere, algumas podem sofrer de doenças crônicas, como dores de cabeça, problemas mentais e, em casos raros, paralisia. A infecção é diagnosticada por meio de análise clínica dos sintomas e exames laboratoriais, como a detecção de anticorpos específicos contra o vírus no sangue ou no líquido cefalorraquidiano. Não existe tratamento antiviral específico para a encefalite transmitida por carrapatos. O objetivo do manejo é reduzir os sintomas e prevenir complicações. Pacientes com doença grave podem necessitar de hospitalização e cuidados especializados, incluindo suporte respiratório, controle da dor e controle de convulsões. A prevenção é a melhor estratégia contra a epidemia de gripe. As medidas preventivas incluem evitar áreas infestadas de carrapatos, usar roupas de proteção e repelentes e verificar o corpo após a exposição. Em áreas de alto risco, recomenda-se a vacinação para proteger contra o vírus, especialmente para pessoas que vivem ou viajam para áreas infectadas.

Conclusão

Por essas razões, os carrapatos representam uma ameaça em relação à saúde pública devido à diversidade de patógenos que eles podem transmitir. Além disso, a distribuição global em expansão de algumas espécies e as mudanças climáticas globais provavelmente aumentarão o risco de doenças subjacentes. Assim, a conscientização sobre quaisquer doenças transmitidas pelo carrapato e esforços para diagnóstico e tratamento até mesmo para o homem e animais devem ser ecologicamente relevantes o mais rápido possível.

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CAPÍTULO 10

PROCESSO INFLAMATÓRIO NO PACIENTE EM DIÁLISE

INFLAMMATORY PROCESS IN DIALYSIS PATIENTS

 

 

DOI: https://doi.org/10.56001/24.9786501160207.10

Submetido em: 01/10/2024

Revisado em: 09/10/2024

Publicado em: 24/10/2024

 

Camila De Aguiar Lima Fernandes

Discente de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais-MG

http://lattes.cnpq.br/ 1627843746647911

David Ge Paulo

Discente de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisDepartamento de Farmácia, Minas Gerais-MG

https://lattes.cnpq.br/5274175765849145

Lucas Ferreira Alves

Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais-MG

http://lattes.cnpq.br/ 3484912802200399

 

 

 

Resumo

O processo inflamatório em pacientes submetidos à diálise é tema de grande relevância na nefrologia, devido às suas implicações na morbimortalidade desses indivíduos. Fatores como bioincompatibilidade dos materiais de diálise, infecções, e comorbidades, desnutrição, deterioração da função imunológica exacerbam este estado inflamatório. Neste contexto, o presente capítulo, revisa a literatura sobre a fisiopatologia da inflamação em pacientes dialíticos com foco nos mecanismos moleculares, a influência do tempo de diálise, doenças associadas e os impactos nos sistemas orgânicos, além de discutir as abordagens terapêuticos para o manejo da inflamação.  Por fim, conclui-se a necessidade de compreender os mecanismos subjacentes e a implementação de estratégias terapêuticas eficazes para obtenção de melhora nos desfechos clínicos.

Palavras-Chave: processo inflamatório, diálise, fisiopatologia.

Abstract

The inflammatory process in patients undergoing dialysis is a highly relevant topic in nephrology, due to its implications for the morbidity and mortality of these individuals. Factors such as bioincompatibility of dialysis materials, infections, and comorbidities exacerbate this inflammatory state. In this context, this chapter reviews the literature on the pathophysiology of inflammation in dialysis patients, focusing on molecular mechanisms, the influence of dialysis time, associated diseases, and the impacts on organic systems. Finally, therapeutic approaches for managing inflammation are discussed.

Keywords: inflammatory process, dialysis, pathophysiology.

 

 

 

Introdução

O processo inflamatório em pacientes submetidos à diálise é um tema de grande relevância na nefrologia, devido às suas implicações na morbimortalidade desses indivíduos. Esta inflamação é comum e representa um fator significativo que contribui para a alta morbidade e mortalidade nesses pacientes. Diversos fatores, incluindo a bioincompatibilidade dos materiais de diálise, infecções e comorbidades, exacerbam este estado inflamatório. Além disso, a inflamação está comumente associada a uma série de complicações, como doenças cardiovasculares, desnutrição, infecções recorrentes e deterioração da função imunológica.

A doença renal crônica (DRC) é uma condição progressiva caracterizada pela perda gradual e irreversível da função renal ao longo do tempo. As principais causas da DRC incluem diabetes mellitus, hipertensão arterial, glomerulonefrites e doenças hereditárias, como a doença policística renal. Na medida em que a função renal diminui, o organismo acumula produtos de degradação metabólica que os rins saudáveis normalmente excretariam, levando a uma série de complicações, que incluem anemia, distúrbios do metabolismo mineral e ósseo, hipertensão e alterações cardiovasculares. Pacientes com DRC avançada frequentemente desenvolvem uremia, uma condição grave que resulta da acumulação de toxinas urêmicas, exigindo a necessidade de intervenções terapêuticas, como a diálise ou o transplante renal.

O tratamento da DRC visa retardar a progressão da doença e controlar os sintomas associados. As intervenções incluem mudanças no estilo de vida, controle rigoroso da pressão arterial e dos níveis de glicose no sangue, uso de medicamentos para tratar comorbidades e a correção de desequilíbrios eletrolíticos e ácido-base. Quando a DRC progride para estágios avançados, a diálise se torna uma terapia essencial para substituir parcialmente a função renal. A diálise, seja peritoneal ou hemodiálise, ajuda a remover as toxinas urêmicas e o excesso de fluidos do corpo, melhorando a qualidade de vida dos pacientes e prolongando a sobrevivência. Neste contexto, o presente capítulo revisa a literatura recente sobre a fisiopatologia da inflamação em pacientes dialíticos, com foco nos mecanismos moleculares, a influência do tempo de diálise, as doenças associadas e os impactos nos sistemas orgânicos, além de discutir abordagens terapêuticas para o manejo da inflamação.

Desenvolvimento
Fisiopatologia do processo inflamatório dos pacientes em diálise

Pacientes com DRC em diálise encontram-se frequentemente em um estado inflamatório crônico devido à ativação constante do sistema imunológico e às alterações hemodinâmicas e celulares ocorridas em virtude da doença e do procedimento dialítico. A hemodiálise, em particular, pode desencadear a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). Este estado inflamatório é perpetuado pelo contato repetido do sangue com membranas dialíticas, que podem liberar endotoxinas e outros produtos bioincompatíveis, aumentando a produção de citocinas, o que desencadeia o processo de quimiotaxia e ativação de leucócitos e plaquetas.

Os níveis elevados de marcadores inflamatórios, como a proteína C-reativa (PCR), são comuns em pacientes em diálise e estão associados a um maior risco de complicações cardiovasculares e hemodinâmicas. A inflamação crônica pode levar à disfunção endotelial e ao aumento do estresse oxidativo, o que contribui para a progressão de doenças vasculares e outras complicações. Ademais, o ambiente inflamatório pode alterar a homeostase imunológica, predispondo os pacientes a infecções frequentes e a uma resposta imunológica inadequada.

Mecanismos de inflamação

Os mecanismos inflamatórios em pacientes em diálise envolvem uma complexa interação entre fatores imunológicos, celulares e moleculares. O contato do sangue com superfícies estranhas durante a hemodiálise ativa o sistema complemento, resultando na produção de anafilatoxinas, como C3a e C5a, que promovem a liberação de citocinas inflamatórias.

A ativação dos neutrófilos e monócitos é um componente chave nesse processo. Esses leucócitos, uma vez ativados, produzem espécies reativas de oxigênio (EROs) e citocinas pró-inflamatórias, exacerbando o estado inflamatório. O estresse oxidativo resultante também contribui para a disfunção endotelial, promovendo a aterosclerose e outras complicações cardiovasculares. Além disso, a liberação de citocinas, como interleucina-1β (IL-1β), IL-6 e TNF-α, promove um ciclo vicioso de inflamação crônica e dano tecidual.

Influência do tempo de diálise no processo inflamatório

A duração do tratamento dialítico é um fator crítico que influencia o grau de inflamação em pacientes em diálise. Estudos indicam que pacientes submetidos a diálise por períodos prolongados apresentam níveis mais elevados de marcadores inflamatórios, sugerindo uma correlação positiva entre o tempo de diálise e a inflamação sistêmica. Citocinas como a IL-6 e o TNF-α, bem como quimiocinas como a proteína quimiotática de monócitos-1 (MCP-1), são frequentemente elevadas em pacientes com maior tempo de diálise, exacerbando o estado inflamatório entre as sessões.

A exposição contínua a endotoxinas e outros produtos bioincompatíveis liberados durante a diálise pode explicar esse aumento na inflamação ao longo do tempo. Além disso, o uso prolongado de cateteres venosos e a ocorrência frequente de infecções contribuem para a perpetuação do estado inflamatório e infeccioso. Os cateteres podem ser potenciais focos de contaminação devido à manipulação frequente e à possibilidade de formação de biofilmes bacterianos. Além disso, outros focos de contaminação podem incluir a manipulação dos equipamentos de diálise, as linhas de acesso vascular e até mesmo a solução de diálise utilizada. Desta forma, a inflamação crônica resultante pode levar a uma deterioração progressiva da saúde dos pacientes, aumentando o risco de complicações graves.

Mecanismos moleculares da inflamação

Os mecanismos moleculares que sustentam a inflamação crônica em pacientes em diálise são multifacetados. A ativação do sistema complemento e a produção subsequente de anafilatoxinas (C3a, C5a) desempenham um papel central na amplificação da resposta inflamatória. A anafilatoxina C3a pode causar vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, contribuindo para edema. A C5a, além de suas potentes propriedades quimiotáticas, pode induzir a liberação de enzimas proteolíticas e radicais livres, exacerbando o dano tecidual e a inflamação. Além da promoção da quimiotaxia de neutrófilos e monócitos, há estímulo para liberação de citocinas, como IL-1β, IL-6 e TNF-α.

As EROs geradas pelos neutrófilos ativados também desempenham um papel crucial, uma vez que causam danos oxidativos às células endoteliais, aumentando a permeabilidade vascular e facilitando a adesão de leucócitos ao endotélio, exacerbando a inflamação. A literatura aponta que a sinalização via receptores Toll-like (TLRs) e a ativação de vias de transdução de sinal, como a via NF-κB, também são fundamentais na resposta inflamatória em pacientes em diálise. A ativação dos TLRs pode reconhecer patógenos e produtos derivados da diálise, levando à produção de citocinas pró-inflamatórias. A via NF-κB, por sua vez, é um mediador chave na transcrição de genes inflamatórios, perpetuando o ciclo inflamatório crônico nesses pacientes.

Impactos sistêmicos do processo inflamatório
Sistema cardiovascular

As doenças cardiovasculares representam a principal causa de mortalidade em pacientes em diálise, sendo a inflamação crônica um fator contribuinte significativo. Níveis elevados de marcadores inflamatórios, como a PCR e a IL-6, estão fortemente correlacionados com a incidência de eventos cardiovasculares nesses pacientes.

A inflamação crônica promove a aterosclerose acelerada, que é caracterizada pela calcificação vascular e disfunção endotelial. O estresse oxidativo gerado pelas EROs contribui para a deterioração da função endotelial, resultando em um aumento da rigidez arterial. A aterosclerose acelerada, promovida pelo estresse oxidativo e pela disfunção endotelial, resulta em uma alta incidência de eventos cardiovasculares, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. O comprometimento da função endotelial e o aumento da rigidez arterial, ambas consequências diretas da inflamação crônica, promovem a hipertrofia ventricular esquerda e a insuficiência cardíaca, condições prevalentes em pacientes dialíticos. Adicionalmente, a inflamação também pode afetar a coagulação sanguínea, aumentando o risco de trombose.

Outro ponto a ser salientado refere-se à disfunção endotelial causada pela inflamação crônica, que impede a vasodilatação adequada, exacerba a hipertensão arterial e contribui ainda mais para a sobrecarga cardíaca. A disfunção endotelial é um processo multifatorial onde a inflamação crônica leva a uma redução na produção de óxido nítrico (NO), um potente vasodilatador produzido pelas células endoteliais. A diminuição dos níveis de NO resulta em vasoconstrição, aumento da pressão arterial e subsequente sobrecarga cardíaca. Além disso, a inflamação induz a expressão de moléculas de adesão (como ICAM-1 e VCAM-1) no endotélio, facilitando a adesão de leucócitos e promovendo a infiltração de células inflamatórias na parede vascular, exacerbando o processo aterosclerótico.

O ciclo vicioso de inflamação, estresse oxidativo e disfunção endotelial perpetua o risco cardiovascular, fazendo com que a gestão da inflamação seja crucial para melhorar os desfechos clínicos em pacientes em diálise. Observa-se que o sistema cardiovascular é um dos mais afetados pela inflamação crônica em pacientes dialíticos. Portanto, é evidente que a inflamação crônica desempenha um papel central na patogênese das doenças cardiovasculares em pacientes em diálise, e intervenções eficazes para reduzir a inflamação são essenciais para melhorar a qualidade de vida e reduzir a mortalidade nesses pacientes.

Sistema musculoesquelético

A inflamação crônica em pacientes em diálise está intimamente associada à desnutrição, caquexia e a osteodistrofia renal, condições que exacerbam o prognóstico desses pacientes. Citocinas inflamatórias como a IL-6 e o TNF-α desempenham papéis cruciais nesse processo, pois promovem a degradação proteica e a resistência à insulina, contribuindo para a perda de massa muscular e a desnutrição. A caquexia, uma condição debilitante caracterizada pela perda de peso involuntária e a redução da massa corporal magra, está associada a um pior prognóstico e aumento da mortalidade em pacientes dialíticos.

A inflamação também está associada à mineralização óssea anormal, resultando em fragilidade óssea e aumento do risco de fraturas, além de induzir ainda a anorexia, agravando a desnutrição. Além disso, a inflamação altera o metabolismo energético, exacerbando ainda mais a desnutrição e a caquexia. Esses aspectos, portanto, representam desafios clínicos complexos em pacientes em diálise, exigindo abordagens multidisciplinares para o seu manejo eficaz. Desta forma, a avaliação nutricional regular e intervenções dietéticas específicas são cruciais para mitigar esses efeitos adversos, melhorando o estado nutricional e a qualidade de vida dos pacientes.

Sistema imune

A inflamação crônica em pacientes em diálise tem um impacto profundo no sistema imunológico, resultando em imunossupressão relativa e aumentando a susceptibilidade a infecções. A exposição repetida a procedimentos invasivos, como a inserção de cateteres, contribui para o risco elevado de complicações infecciosas, incluindo peritonite em diálise peritoneal e infecções de acesso vascular em hemodiálise. A presença contínua de inflamação crônica compromete ainda a função imunológica, tornando os pacientes mais vulneráveis a infecções recorrentes e complicações graves.

A disfunção imunológica nesses pacientes é amplamente influenciada pela inflamação crônica, que compromete a função fagocítica dos neutrófilos e altera a resposta imunológica adaptativa. A capacidade fagocítica reduzida dos neutrófilos limita a eliminação eficaz de patógenos, enquanto as alterações na atividade dos linfócitos T e B prejudicam a resposta imunológica adaptativa. Isso consequentemente resulta em uma maior predisposição a infecções e uma resposta imunológica inadequada a vacinas, aumentando ainda mais o risco de infecções graves e recorrentes.

Além das alterações funcionais, a inflamação crônica também induz mudanças morfológicas e populacionais nos diferentes tipos de leucócitos. Os neutrófilos em pacientes dialíticos frequentemente apresentam uma morfologia alterada, com uma redução na capacidade de produzir EROs, essenciais para a destruição de patógenos. Os linfócitos T podem exibir um perfil de senescência, caracterizado por uma diminuição na proliferação e na produção de citocinas essenciais para a resposta imune. A população de linfócitos B também pode ser afetada, com uma produção inadequada de anticorpos, prejudicando ainda mais a imunidade humoral.

Assim, intervenções preventivas, como o uso de técnicas assépticas rigorosas e a profilaxia antimicrobiana, são essenciais para reduzir o risco de infecções em pacientes dialíticos. Adicionalmente, estratégias para melhorar a função imunológica, como a suplementação nutricional e a administração de imunomoduladores, podem ser benéficas para mitigar os efeitos da inflamação crônica e melhorar a resistência a infecções nesses pacientes.

Abordagens Terapêuticas para o Manejo da Inflamação

Para mitigar os efeitos adversos da inflamação crônica em pacientes em diálise, várias estratégias terapêuticas têm sido exploradas, sendo que o manejo da inflamação requer uma abordagem multifacetada. Intervenções dietéticas, como a suplementação de ácidos graxos ômega-3, têm mostrado potencial na redução dos níveis de citocinas inflamatórias. O uso de membranas dialíticas biocompatíveis pode minimizar a ativação do sistema complemento e a produção de citocinas pró-inflamatórias. Ressalta-se ainda que terapias farmacológicas, incluindo o uso de agentes anti-inflamatórios como a pentoxifilina e a administração de antioxidantes, têm sido investigadas para reduzir a inflamação. O manejo adequado das comorbidades, como a hipertensão e o diabetes, também é crucial para mitigar o impacto da inflamação crônica.

Considerações Finais

O processo inflamatório em pacientes em diálise é um fenômeno complexo e multifatorial, influenciado por fatores imunológicos, celulares e moleculares. Por sua vez, a inflamação crônica nesses pacientes representa um desafio clínico significativo, uma vez que comumente cursa com implicações importantes para a saúde cardiovascular, estado nutricional e resposta imunológica.

A compreensão dos mecanismos subjacentes e a implementação de estratégias terapêuticas eficazes se mostram essenciais para a obtenção de uma melhora nos desfechos clínicos, com destaque para a necessidade de abordagens integradas e individualizadas. Aponta-se ainda que estudos contínuos são necessários para uma maior elucidação destas respostas inflamatórias, assim como para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes.

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